sábado, 17 de outubro de 2020

Monografia do Frater Bernardo da Cruz Maria, sjs - O LOUVOR COMO EPIFANIA DA GRAÇA SANTIFICANTE

 

INSTITUTO SUPERIOR DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS RELIGIOSAS SÃO BOAVENTURA

 

 

 

 

 

O LOUVOR COMO EPIFANIA DA GRAÇA SANTIFICANTE

 

 

 

 

ALEX SANDRO MELETINO PINTO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO - 2020

ALEX SANDRO MELETINO PINTO

 

 

 

 

O LOUVOR COMO EPIFANIA DA GRAÇA SANTIFICANTE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo aluno Alex Sandro Meletino Pinto, como parte do requisito para obtenção do título de Graduação em Teologia, sob a orientação do Prof. Pe. Dr. Micael de Moraes, sjs. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO – 2020

ALEX SANDRO MELETINO PINTO

 

 

O LOUVOR COMO EPIFANIA DA GRAÇA SANTIFICANTE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo discente Alex Sandro Meletino Pinto, como parte do requisito para obtenção do título de Graduação em Teologia.

 

 

Aprovado em       de outubro de 2020.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Prof.º Dr. Pe. Micael de Moraes, sjs

SIGLÁRIO

 

Ap – Apocalipse de João

AT – Antigo Testamento

At – Atos do Apóstolos

CIC – Catecismo da Igreja Católica

Cl – Carta aos Colossenses         

1Cor – Primeira Carta aos Coríntios

2Cor – Segunda Carta aos Coríntios

DCE – Deus Caritas Est

Dn – Livro do Profeta Daniel

Dt – Livro de Deuteronômio

DV – Dei Verbum

Ef – Carta aos Efésios

EG – Evangelium Gaudium

Ex – Livro de Êxodo

Ez – Livro do Profeta Ezequiel

Fl – Carta aos Filipenses

Gl – Carta aos Gálatas

Gn – Livro de Gênesis

GS – Gaudium et Spes

Hb – Carta aos Hebreus

Is – Livro do Profeta Isaias

Jo – Evangelho segundo João

1Jo – Primeira Carta de João

Jr – Livro do Profeta Jeremias

Lc – Evangelho segundo Lucas

Lv – Livro de Levítico

LXX - Septuaginta

Mc – Evangelho segundo Marcos

Mt – Evangelho segundo Mateus

Nm – Livro de Números

NT – Novo Testamento

Os – Livro do Profeta Oseias

Pr – Livro dos Provérbios

Rm – Carta aos Romanos

SC – Sacrosanctum Concilium

Sl – Livro dos Salmo

1Sm – Primeiro Livro de Samuel

1Tm – Primeira Carta a Timóteo

1Tm – Segunda Carta a Timóteo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EPÍGRAFE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“A glória de Deus é o homem que vive e a vida do homem consiste na visão de Deus” (SANTO IRINEU DE LIÃO)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTO

Louvo e agradeço a Deus por conceder-me a graça de concluir, não somente esta monografia, mas toda formação acadêmica necessária para o acesso as Ordens Sacras. Nesse sentido, agradeço a todos os professores que favoreceram o meu crescimento espiritual e humano. Em especial, agradeço ao Prof. Pe. Dr. Micael de Moraes, sjs, tanto por ter me acompanhado todos os anos de formação acadêmica, como pela sua dedicação no processo de orientação desta monografia.

Por fim, agradeço a todos os meus irmãos de comunidade, sinais da graça de Deus em minha vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1

TEOLOGIA DA GRAÇA

O Amor de Deus na História da Salvação

A Graça no Antigo Testamento

A Graça no Novo Testamento

1.        A Graça como Reconciliação com Deus: A Justificação

2.        Natureza e Graça

 

CAPÍTULO 2

 

O LOUVOR NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO

 

1.        A Compressão de Louvor no Antigo Testamento

2.        O Caráter Cristológico do Louvor no Novo Testamento

3.        O Louvor na Liturgia Cristã

 

CAPÍTULO 3

O LOUVOR COMO EPIFANIA DA GRAÇA

 

1.        O que é Epifania

2.        A Epifania da Graça na Liturgia

3.        Liturgia como Fonte da Vida Cristã: Louvor é Epifania da Graça

CONCLUSÃO

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

 

 

 


INTRODUÇÃO

            A Constituição Dogmática Dei Verbum afirma que a alma da Teologia é a Sagrada Escritura, deste modo, ao refletir sobre a teologia da graça o caminho a ser percorrido deve ser, também o da Sagrada Escritura. Ao comtemplar a História da Salvação se percebe que a experiência de Deus que o Israel faz é uma experiência de um Deus que é amor, um Deus gracioso que se manifesta na história revelando a sua identidade. A graça no AT deve ser compreendida exatamente como manifestação do amor de Deus, em um processo pedagógico pra o que viria ser a plenitude dos tempos: A Encarnação do Verbo.

            O evento da Encarnação do Filho de Deus epifaniza-se, no mais alto grau, o ser de Deus. Conhecemos a Deus conhecendo o Cristo. Diante de tal manifestação do amor de Deus o homem movido, assim como acontecia no AT, a prorromper-se em louvor e agradecimento pela manifestação do amor de Deus ao homem na história. É Deus visitando o seu povo.

            Deste modo, o louvor do homem a Deus é o reconhecimento daquilo que Deus É, mas tal reconhecimento só se torna possível porque Deus se revela autodoando-se ao homem. O fato do Logos entrar no tempo e na história possibilita vermos o tempo e o espaço como o lócus da epifania. Será mediante a liturgia que a Igreja, sacramento de Cristo, pela ação do Espírito Santo, atualizará essas intervenções divinas na história comunicando a graça que nos advém por meio delas. O louvor que é vivido pelo homem na liturgia, fonte da vida da Igreja, o impelirá a uma vida latreutica, em que todo o seu ser se volta para Deus. Dito de outra maneira, o homem em todas as suas relações, pelo fato de estar unido a Deus pela graça, é capaz de fazer de toda a sua vida um culto de louvor.

 

                                                                  

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 1

Teologia da Graça

 

1.       O Amor de Deus na História da Salvação

No AT a intervenção de Deus na história é uma ação livre, um transbordamento do seu amor. Este intervir divino é compreendido como um encontro entre Deus e o homem. A autocomunicação divina, sua ação reveladora e salvadora, na história dos homens tem início logo no surgimento da humanidade e segue-se uma longa sequência de intervenções encaminhando-se para o ponto culminante, o Cristo.  A carta aos Hebreus afirma: “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos nossos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,1-2). O Cristo é o revelador do Pai, palavra única e definitiva de Deus, prolongado na Igreja e nas suas mediações sacramentais. Toda a Revelação tem por objetivo manifestar o amor de Deus ao homem, e isto se torna mais evidente com a encarnação do Filho, pois, Cristo ao revelar o mistério do Pai e de seu amor, desvela também plenamente o homem ao próprio homem e lhe faz conhecer sua altíssima vocação (Cf. GS, n.º 22). O homem é destinatário do amor do Pai (Cf. LADARIA, 1998, p. 12).

Após a Criação Deus se revela primeiramente aos nossos primeiros pais que, após o pecado original, faz a promessa de salvação (Cf. Gn 3,15).  Na vocação de Abraão Deus o coloca como instrumento de benção para todos os povos da terra (Cf. Gn 12,3), manifestando, assim, o seu desejo salvífico universal. A benção é muito mais que uma proteção extrínseca, ela mantém, em quem a recebe, a graça derramada, a vida, a alegria, a plenitude da força, estabelecendo um encontro pessoal entre a criatura e o Criador, repousando sobre o homem o olhar e o sorriso de Deus que são a irradiação de sua face e de sua graça -hen - (Cf. Nm 6,25). Essa relação é vital, manifesta o poder criador de Deus (Cf. DUFOUR, 2013, p. 398). Criar e abençoar, esta relação de Deus na história da salvação, explicita que Deus não abandona o homem, mas evidencia que Ele quer estar próximo, mesmo após o pecado de nossos primeiros pais.

No diálogo com Moisés, em que Deus o chama para a sua missão de conduzir os israelitas na libertação do Egito, Deus também revela a sua compaixão pelo o homem: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios.” (Ex 3,7-8). Deus ouviu o clamor de Israel e desceu para liberá-lo, neste grito de Israel, o Senhor se revela como Deus libertador. A libertação é epifania do teu amor. “Inclina a mim teu ouvido, ouve a minha palavra, demonstra o teu amor, tu que salvas dos agressores quem se refugia à tua direita” (Sl 17,7). Esta proximidade, no evento do êxodo do Egito, traz a compreensão aos hebreus de povo eleito, e por isso,

Se torna uma decisiva experiência de Deus para Israel; Deus escolhe Israel, liberta, salva e se revela nesse evento como Javé, Libertador, Salvador, Deus forte e confiável. A festa anual do pesach sempre coloca essa experiência na atualidade. Ele é de certo modo, o sinal do sinal: a reiterada narrativa e a repetição no drama ritual lembram o começo da história com Javé, e justamente assim essa história se torna novamente realidade para Israel (NOCKE, 2008, p. 175).

A Aliança entre Deus e Israel é manifestada pelo dom da Torah, “as palavras da Aliança são a revelação da vontade divina, que respeitada ou transgredida trará a benção ou a maldição” (LATOURELLE, 1985, p. 17). Após a manifestação do amor de predileção por Israel, Deus suscitou juízes, profetas, para que eles fossem sinais; símbolos, e por meio deles

Deus forma o seu povo na esperança da salvação, na expectativa de uma aliança nova e eterna, destinada a todos os homens, e que será impressa nos corações. Os profetas anunciam uma redenção radical do Povo de Deus, a purificação de todas as infidelidades, uma salvação que incluirá todas as nações. Serão sobretudo, os pobres e humildes do Senhor os portadores desta esperança. (CIC nº. 64).

O homem na sua liberdade corresponde ao amor de Deus, na medida que permanece fiel a aliança. A benção, como foi dito acima, contêm a força vital para que o homem consiga amar a Deus sendo justo, uma ação correspondente como resultado do dom da graça. Esta justiça é vivida nas relações que se estabelece com o próprio Deus e com os irmãos e irmãs do povo de Deus da aliança. Quando Israel não vive esta justiça, mas torna-se infiel ao pacto que fizera com o Senhor, Deus permanece fiel renovando a aliança e lutando pelo coração de seu povo (Cf. MÜLLER, 2019, p. 545), “Eu te desposarei a mim para sempre, eu te desposarei a mim na justiça e no direito no amor e na ternura. Eu te desposarei a mim na fidelidade e conhecerás a Yahweh” (Os 2,21-22). A Bíblia de Jerusalém, na nota de rodapé do texto referido acima, traz um comentário a este verbo desposar:

Este verbo, desposar, é usado na Bíblia somente referindo-se a uma jovem virgem. Deus suprime todo passado adúltero de Israel, que é como criatura nova. Na expressão “eu te desposarei a mim na (justiça)”, o que segue a preposição “na” designa o dote que o noivo oferece a sua noiva. O que Deus dá a Israel nessas novas núpcias, não são mais os bens materiais da aliança antiga, mas as disposições interiores requeridas para que o povo seja agora fiel à aliança. Temos aqui, já em germe, tudo aquilo que será desenvolvido por Jeremias e Ezequiel: a nova e eterna aliança, a lei gravada no coração, o coração novo, o espírito novo.

As Escrituras não são somente literatura. Para todos os que estão sob a ótica da fé judaico-cristã, ela contêm a Palavra de Deus. O seu sentido literal é uma porta aberta pela qual se atinge o seu sentido espiritual, ou seja, aquele sentido que se refere a Deus. Ao obtê-lo, este necessita de uma aplicação concreta na vida (Cf. MORAES, 2012, p.43). Portanto, não se faz teologia sem a Sagrada Escritura, como afirma a DV n.º24,

A sagrada Teologia apoia, como em seu fundamento perene, na palavra de Deus escrita e na sagrada Tradição, e nela se consolida firmemente e sem cessar se rejuvenesce, investigando, à luz da fé, toda a verdade contida no mistério de Cristo. As Sagradas Escrituras contêm a palavra de Deus, e, pelo fato de serem inspiradas, são verdadeiramente a palavra de Deus; e por isso, o estudo destes sagrados livros deve ser como que a alma da sagrada teologia.

Na tradução dos LXX a palavra charis (em latim, gratia) foi utilizada para traduzir alguns conceitos usados no AT que falam da ação benevolente de Deus, da sua misericórdia, do seu amor de eleição por Israel. No NT, sobretudo em São Paulo, a graça é especialmente o evento salvífico, a salvação obrada por Cristo que nos chega pelo anúncio do Evangelho e pela efusão do Espírito Santo com todos os seus dons. (Cf. LORDA, 2004, p. 26). A seguir apresentaremos o conceito de graça no desenvolvimento bíblico no AT e NT.

2.      A Graça no Antigo Testamento

Para uma compreensão, veterotestamentária, da graça nos é, primeiramente, necessário despir do preconceito que há a respeito dos textos do AT. É inverossímil que a imagem de Deus, presente no AT, seja de um déspota que exerce seu poder para vingar-se e, que cheio de ira, deseja a morte de seu povo e, que apenas no NT, com a encarnação do Verbo, que se apresenta um Deus benévolo e rico em misericórdia. Ainda que seja multifacetada a imagem de Deus no AT, rica em tensões e contradições, provenientes dos vários contextos que foram escritos cada livro do cânon bíblico, pode-se afirmar que no cerne da experiência de Israel encontra-se o Deus da vida e da salvação (Cf. Ez 33,1). Basta-nos consultar, por exemplo, o livro de Oséias, ou o texto de Ez 16, tão ilustrativos para a teologia da graça, que o preconceito mencionado acima não se sustenta (Cf. HILBERATH, 2008, p. 15).

Na maturidade de Israel, principalmente após o exílio na Babilônia, sua compreensão acerca de Deus, oposta as nações vizinhas, é monoteísta: “Ouve Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (Dt 6,4). Um único Deus, criador de todas as coisas, cujo ápice da criação é o ser humano. “Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança” (Gn 1,26).

O homem é criado por Deus na totalidade criada (primeiro dia), na dualidade matéria e espirito, imagem e semelhança de Deus, macho e fêmea (segundo dia), de modo a exercer um governo pastoril (Cf. Gn 1,26) sobre toda a Criação que vive no mar, no céu e na terra (terceiro dia). Deus os abençoa com a fecundidade para multiplicar e encher a terra (quinto dia) e assim governá-la pastoralmente como homem e mulher, sobre os animais da terra, céu e mar, e toda a criação (homens e animais) sustentada pelas ervas e frutas com suas sementes (terceiro dia). O sexto dia é o cume do trabalho da criação, com o advento do administrador dela, que é o ser humano, homem e mulher. Nele está presente a criação e a imagem e semelhança do Criador. O ser humano deve governar a totalidade criada sob a regulação dada pelo próprio Criador (quarto dia) (MORAES, 2012, p. 55).

“A revelação veterotestamentária não conhece um Deus ocioso, mas sim um Deus Criador e ocupado com Sua criação, em especial, ocupado dos seres humanos, por isso, Ele é apresentado como favorável e gracioso (Ex 34, 6; Sl 86,15; 103,8)” (MELO, 2015, p. 20). É esse Deus que escolhe gratuitamente Israel como povo eleito. Está eleição, compreendida como ação amorosa de YHWH, que na história de Israel se confirma mediante as inúmeras intervenções divinas, em que Deus conduz, orienta, sustenta e os convida constantemente a renovar a aliança sinaítica.

A iniciativa de Deus que socorre e agracia é, para o judaísmo, o apoio para crerem numa eleição especial que os fazia povo de Deus. O dom imerecido desta eleição seria lido mais tarde em clave cristã, mas sempre remetendo aos grandes eleitos do povo da primeira Aliança: Noé (Gn 6,8) que fora eleito e salvo do meio da massa dos condenados do dilúvio; Abraão, homem de fé, chamado por sua fé, sem se levar em conta os merecimentos de suas obras (Gn 12); Moisés (Ex 3,12-13), cuja vida, unida ao seu povo, seria salvo dos inúmeros socorros de Deus, que liberta e lhes dá a posse da terra prometida (Nm 11,1) (MELO, 2015, p. 20).

Os termos utilizados na Torah para descrever a ação amorosa de Deus com Israel são muitos e os “que mais se aproximam do significado literal de graça, clemência, misericórdia é a forma verbal hebraica hanan e seu derivado substantivo hen”. (HILBERATH, 2008, p. 15).

Para expressar a benevolência divina a Bíblia fala da ternura e misericórdia (rahamim) de Deus, de sua piedade (hesed) e de sua predileção por Israel, a quem favorece (hen). Tudo isso se compreende em um importante texto, quando Moisés, depois de contemplar a glória de Deus exclama: “Yahweh, Deus compassivo (rahum), lento para a irá, rico em piedade (hesed) e fidelidade (emet) que mantêm tua piedade (hesed) por mil gerações”. (Ex 34,6) (LORDA, 2004, p. 28).

Todos estes termos indicam o interesse gratuito de Deus por Israel, entretanto, cada um salienta um aspecto.

O termo hebraico hen, que é traduzido pela Septuaginta como charis, é o substantivo do verbo hanan. Este termo designa o favor gratuito concedido a um necessitado. É o inclinar-se de um superior a um subalterno, no sentido de magnânima dedicação. Esse inclinar-se, amiúde, é precedido da correspondente solicitação por parte de quem busca auxílio. Por isso, “o ter graça para com”, ou, “encontrou misericórdia”, denotam o conceder um auxílio concreto a alguém. Em Gn 6,8 o texto afirma que Noé encontrou graça aos olhos do Senhor (hen). Graça, neste conceito, é compreendido tanto na ação de quem concede um favor, quanto na pessoa destinatária do dom recebido. Percebemos que na continuidade do texto referido acima (Cf. 6,13-22), Deus se volta para Noé, e ao pedir para que este construa a arca, lhe concede a graça para tal empreendimento, a vontade de Deus se concretiza através das obras de Noé.

O termo hesed é o que mais se equivale ao termo central graça. Este termo hebraico possui muita amplitude de significados (afeição, amabilidade, benevolência, solidariedade, bondade, graça). A tradução dos LXX a traduziu por Eleós (misericórdia, amor). É o contexto em que o termo está inserido que define o seu sentido mais preciso. Hesed, indica ainda, a atitude própria de quem está ligado por alguma aliança (Cf. Dt 7, 9.12). Hesed é o amor de Deus como um zelo ardente, sua lealdade, uma benevolência condescendente com as criaturas, manifestando, muitas vezes, a sua lentidão para a ira (Cf. Nm 9,17), o amor que fortalece não somente a vontade, mas também concede a força física para vencer os inimigos e, por isso, fonte de louvor (Cf. Sl 59,11). A própria proclamação de amor a Deus, com toda a sua amplitude, cantada nos salmos, é fruto da experiência do amor divino, uma resposta as manifestações de Deus (Cf. 118,4.29; 57,11; 89,2; 136,1; 145,8), e esta proclamação de amor se compreende na perspectiva da fidelidade à aliança, comungar dos mesmos sentimentos divinos, pois o louvor se torna mais genuíno quando o homem vivência a fidelidade, são os corações retos, os humildes  que podem compreender a grandeza de Deus,  mas se se percebe que a transgrediu, ainda assim pode louvar o amor de Deus que é eterno, imutável, um louvor a sua misericórdia (Sl 106; 107; 111; 113; 117;135).

O termo rahamim, comparado aos termos anteriores, acentua o aspecto do sentimento e da emoção que não estão expressos pelos termos anteriores, citados acima. Rahamim é o plural do substantivo rehem, que significa útero, indicando o sentimento materno em relação ao fruto das entranhas, as vísceras de misericórdia. “Yahweh! Yahweh... Deus de ternura e de piedade, lento para a cólera, rico em graça e em fidelidade” (Ex 34, 6). Este trecho é uma profissão de fé em Deus, todavia, não se sabe se é Moisés que proclama esta profissão ou se o próprio Deus que revela o seu nome (identidade), entretanto, é possível ver aqui o cumprimento da promessa feita em Ex 33, 19-23 (Cf. BÍBLIA DE JRUSALÉM, p. 152).

Por fim, o termo emet (fidelidade) aparece frequentemente aliado ao termo hesed. Esta ligação dá o tom da fidelidade, solidez, das obras e das palavras de Deus. “Hesed vê emet” significa a graça fidedigna e constante (Cf. DUFOUR, 2013, p. 396).

Em suma, estes termos, e os seus conceitos, ilustram a relação que Deus estabelece com o seu povo. A essência desta relação é o agir benévolo totalmente gratuito de Deus. É iniciativa de Deus de inclinar-se ao ser humano aproximando-se dele. Ainda que não haja um conceito de graça sistematizado, e é natural que nos textos sagrados assim o seja, podemos identificar que a ação de Deus visa salvar o homem por inteiro. A tradição veterotestamentária nos dá uma nítida imagem que Deus sempre tem a iniciativa de salvar o povo que escolhera, permanecendo fiel a aliança que estabeleceu com Israel. Todavia, o AT nos deixa portas abertas para o que viria a ser chamado plenitude dos tempos. No livro do profeta Jeremias aparece a categoria “Nova Aliança” (Cf. Jr 31,31-34), em Isaías 53 temos a narrativa do servo sofredor, e em Joel, o derramamento do Espírito Santo de modo universal. Essas são algumas profecias, dentre muitas outras, que terão seu pleno cumprimento com a encarnação do Verbo.

3.      A Graça no Novo Testamento

Considerando a Sagrada Escritura no seu todo, constata-se uma evolução do pensamento teológico e do testemunho da revelação. Para o cristão, o AT está incompleto e clama por uma plenitude.  Sabemos que este completar-se se realizou pela obra salvífica de Cristo. Somente o NT pode levar na plenitude a revelação veterotestamentária (Cf. Mt 5,17) (Cf. KRINETZK, 1978, p. 477).

Para o NT a graça, é especialmente o evento salvífico, uma bondade e uma simpatia única de Deus que se fez bondade em Jesus Cristo. “A novidade está em que a graça de Deus agora recebe um nome definitivo (Jesus de Nazaré) e que ela aparece em seu caráter pneumatológico universal e indisponível” (HILBERATH, 2008, p. 17).

Nos gestos e palavras do Nazareno encontra-se a gratuidade de Deus mesmo, o Reino da graça que acaba de chegar. Deste modo, no Novo Testamento, encontramos uma narrativa do evento “Graça”, e não propriamente uma teologia elaborada sobre o tema. Jesus, o Salvador, vem ao nosso mundo, e interage com os excluídos da religião oficial, come a mesa com os pescadores e publicanos e, nos Seus feitos a bondade eletiva de Deus vai se manifestando. Por seus milagres, curas e exorcismos o Reino de Deus demonstra-se como poder que salva e socorre por misericórdia, fracos e oprimidos. Esta salvação, operada fora dos padrões tradicionais que ligava culto e pureza, a Lei e o Templo, era um chamado a uma vida nova. Por meio de Jesus, os evangelhos anunciam que Deus derramava sua benção, renova sua aliança e dá seu perdão gratuitamente. O novo e absoluto movimento da beneficência divina tem como núcleo a Pessoa de Jesus, expresso pela categoria Reino, é antes de tudo um Evangelho da graça (MELO, 2015, p.23).

Como foi dito acima, charis é o termo utilizado pela tradução grega da Septuaginta para traduzir alguns termos que se refere a ação benevolente de Deus. No NT, mais precisamente nos sinóticos, o termo charis não ocorre em Mateus, nem em Marcos. É no Evangelho segundo Lucas que a Palavra graça é usada de uma forma semelhante ao sentido utilizada no AT. O autor do Evangelho de Lucas, ao fazer referência a alguns personagens (João Batista, Maria, o próprio Jesus) assinala que são agraciados aos olhos de Deus recebendo os seus dons, especialmente, o Espírito Santo.

Na cena da anunciação (Lc 1, 26-33) o anjo saúda Maria com as palavras chaire, kecharitomene, ho Kyrios meta sou (alegra-te, plena de graça, o Senhor está junto a ti – contigo -). A considera escolhida porque goza de uma particular proximidade do Senhor e dos seus dons. Empregando a antiga expressão bíblica, acrescenta: encontrou graça (charis) diante de Deus (1,30). E comunica que vai ser a mãe do Filho de Deus, pelo Espírito Santo (1,35). Ainda que as expressões nos recordam o Antigo Testamento, há algo novo: Maria é agraciada a plena de graça porque Deus está com ela; e tem sido bendita entre as mulheres (Lc 1,42.48) com o Espírito Santo. João Batista, antes de nascer, foi ungido com o Espírito Santo (Lc 1,15.41.66.80). De Jesus menino se diz que crescia e se fortalecia, e a graça do Senhor estava com ele (Lc 2, 40), é dizer, que gozava da benevolência e dos dons de Deus. E que crescia em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e dos homens (Lc 2,52), é dizer, que era agraciado aos olhos de Deus e dos homens pelos dons que possuía. A palavra graça está tomada do uso comum, com o seu significado geral, porém se refere ao Espírito Santo e aos seus dons (LORDA, 2004, p. 29).

No evangelho segundo João não aparece a palavra charis, há a preferência pelo termo vida. Jesus Cristo é o Salvador do mundo (Cf. Jo 4,42), o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Jesus é o Bom Pastor que dá a vida por suas ovelhas conduzindo-as ao bom redil (Cf. Jo 10,11), a água viva que sacia a sede da humanidade (Cf. 7,38). No capítulo seis, João nos fala de Jesus como o Pão da Vida, o pão que é a sua palavra e que é o pão eucarístico, o Cristo que oferece sua carne e o seu sangue como verdadeira comida e verdadeira bebida, e aqueles que a comem terão a vida eterna (Cf. Jo 6,54). Ele é o verdadeiro Pão do Céu que dá vida ao mundo (Cf. Jo 6,32-33).

Nota-se, muito claramente, que a categoria teológica, em João, para designar vida é o termo grego zoé, que dá o sentido de plenitude, de eternidade, e que difere do termo bios (vida terrena). Podemos afirmar que o termo utilizado por João para falar da vida que Cristo nos oferece significa a comunhão que é estabelecida entre Deus, em Jesus pelo Espírito Santo, e aqueles que aceitam Jesus Cristo como salvador, comungando da sua Palavra e do seu Corpo, estabelecendo um elo entre a graça de Cristo e a vida sacramental. A vida é entendida como a gratia Christi. Jesus foi enviado ao mundo para levá-lo a plenitude. (Cf. MELO, 2015, p. 25).

João nos fala da intimidade de Jesus com o Pai. Desde o “Prólogo”, ele nos fala da plenitude que Cristo possui e que nos vai transmitir. O Filho recebeu tudo do Pai, e nos dá a participar. Todos os dons que temos procedem do Filho [...]. Quem recebe a sua Palavra recebe os seus dons: sua luz, sua graça e uma vida nova [...]. A vida que vem de Jesus Cristo pelo Espírito se caracteriza pela caridade. É a novidade do viver cristão. O mandamento novo tem de ser o sinal que identifica os cristãos (LORDA, 2004, p. 58-59).

A categoria vida para João é a comunhão (relação) que é estabelecida com Deus. Temos em São Paulo um termo análogo, koinonia, que é a comunhão trinitária, onde o homem participa desta comunhão a partir do batismo. A vida plena é a comunhão com Deus, é a relação com a Trindade, que se tornou possível pela graça de Cristo.

Olhando para a teologia paulina, percebemos que São Paulo utiliza o termo charis em alguns sentidos: agrado (Cf. Cl 4,6); benefício (Cf. 2Cor 1,15); ação de graças (Cf. 2Cor 1,11), sendo que o termo predominante para ação de graças é eucaristia. Mas é o novo sentido teológico, que se desenvolve desde o AT, que emerge com pujança na teologia paulina: graça como a totalidade da obra do Filho e do Espírito como manifestação do amor benevolente e gratuito do Pai (Cf. Rm 3,24; 1Cor 2,12; Gl 1,6; Ef 1,6; Fl 1,7; etc.).

Assim charis é especificada por Paulo como a graça de Deus a justificar todos os pecadores. “Todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus – e são justificados gratuitamente, por sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus” (Rm 3,23s) [...]. A graça de Deus, fonte de tudo, é caracterizada formalmente pelo gratuitamente [...]. A lei dada por Deus somente ainda conseguia pôr a descoberto a culpa das pessoas, salvação somente há Jesus Cristo, numa vida a partir do Espírito santificador e sanador[...]. Todos os que no Espírito Santo experimentam a graciosa dedicação de Deus e professam que, sem qualquer direito próprio, por pura graça, foram justificados perante Deus em Jesus Cristo, resgatados da escravidão e acolhidos como filhas e filhos do Pai, o Espírito reúne na comunhão da graça que é a comunidade-igreja, para cuja edificação ele concede seus dons da graça (HILBERATH, 2008, p. 19).

Entre muitos temas importantes para a teologia da graça, o que será abordado a seguir é o tema da justificação. Todo o NT fala da necessidade da fé para a justificação. Mas a doutrina é desenvolvida particularmente por Paulo, nas Epístolas aos Gálatas e aos Romanos (cf. Gl 2, 16; 3.5.8.11.24; 5, 5; Rm 1,17; 3, 28.30; 4,3.5.9.11; 5,1).

Portanto, não se deve falar, tão pouco compreender, a graça abstratamente, mas sim do homem que é destinatário dessa graça. Trata-se do homem redimido e justificado, é a autocomunicação de Deus Trino ao homem; essa autocomunicação constitui a essência última da graça, é o ato fundamental de Deus em Cristo para com o não-divino (Cf. LADARIA, 1998, p. 26).

4.      A Graça como Reconciliação com Deus: A Justificação

Antes de entrar no tema proposto, a graça como justificação, é-nos imprescindível retomar o conceito de graça, a sua natureza.

É um donativo gratuito e sobrenatural, que supera e transcende toda a ordem da criação, ação ad extra de Deus; é uma participação da sua vida íntima. É, pois, uma “semente de Deus”, no dizer de S. João. Cai no âmago de nossa natureza e produz sua divinização. Não nos tornamos Deus, mas nos tornamos divinos. Da Natureza, se derrama para todas as Faculdades a sobrenaturalização, evangelização de todos os hábitos, transfiguração de todos os pendores e instintos, e o arcabouço humano de todas as nossas tendências fica sendo um Corpo Místico de Cristo que produz um proceder cristão, um Cristo-Vida (RODRIGUES, 1983, p. 14).

Pela graça do Espírito Santo se estabelece novamente uma amizade do homem com Deus, uma relação pessoal e íntima com o Senhor. Ao receber o Espírito Santo, no batismo, fonte de toda a graça (Cf. Cl 2,12-12), o homem se torna filho de Deus, há o perdão dos pecados, ou seja, passa da condição de pecador para a condição de amigo de Deus (Cf. LORDA, 2004, p. 145). O CIC no n.º 734 afirma, “Sendo que estamos mortos, ou ao menos, feridos pelo pecado, o primeiro efeito dom do Amor (o Espírito Santo) é a remissão dos nossos pecados”.

O apóstolo Paulo foi o que mais insistiu no tema da justificação, apontando para a necessidade da fé em Jesus Cristo para ser salvo (justificado), tanto os judeus, quanto os gentios (Cf. Rm 1,16-17). “Todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus” (Rm 3,23). Nas cartas aos Gálatas e aos Romanos, o apóstolo dos gentios, tem como fundo histórico a querela dos judaizantes, os cristãos recém convertidos do judaísmo que afirmavam a necessidade da observância da lei judaica para a justificação, insistindo em uma leitura legalista da Torah que poderia ofuscar o ensinamento cristocêntrico de Paulo (Cf. MELO, 2015 p. 42).

O Apóstolo das gentes desenvolve o tema da justificação a partir da figura de Abraão que partindo da sua fé que foi imputada em conta de justiça, e não a sua circuncisão, que é um sinal da justiça que tinha obtido pela fé (Cf. Rm 4,3). No capítulo quinto desta carta o apóstolo, afirma

Justificados pois pela fé temos a paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. Por ele é que tivemos acesso a essa graça na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança de possuir um dia a glória de Deus. Não só isso, mas nos gloriamos até nas tribulações. Pois sabemos que a tribulação produz a paciência, a paciência prova a fidelidade e a fidelidade, comprovada, produz a esperança. E a esperança não engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,1-5).

Este texto paulino retira a tensão psicológica, bem como a pretensão orgulhosa, de crer que são as ações humanas que garantem a justificação. Ela, a justificação, é um dom, no sentido do que já fora apresentado anteriormente, uma ação benevolente de Deus, é a graça concedida pela morte e ressurreição de Cristo. Neste pequeno recorte do capítulo quinto, há uma importante referência da unidade das virtudes teologais (fé, esperança, caridade), como dom do Espírito Santo. Embora, clarificado, que a justificação advém pela fé, neste mesmo pequeno trecho, São Paulo ao referir-se as demais virtudes teologais, aponta para uma fé operosa, marcada nitidamente pela paciência nas tribulações que prova a fidelidade.

Para tornar mais claro o tema da justificação, faz-se necessário ir à raiz grega do verbo justificar.

O sentido do verbo “dikaioun” em Romanos 3,24 significa declarar justo, já que tem uma conotação forense; [...]. Assim a justificação é uma declaração de justiça num juízo legal (H. Kung), uma não imputação; ela não pode prescindir do homem concreto que é um pecador, e nem mesmo Deus pode fazer com que algo que foi cometido (pecado) não tenha sido cometido. Está declaração de justiça não exclui, e sim inclui uma renovação interior, pois sendo palavra de Deus, faz o que diz. Portanto, é a justificação uma declaração de justiça, um evento judiciário, mas um juízo sui-generis: um juízo realizado pelo amor de quem nos salva, amor que, declarando justo o pecador, o torna de fato justo; um veredito de salvação, maravilhosamente gratuito, pronunciado pelo Deus fiel à sua aliança (MIRANDA, 1991, p. 88).

Paulo está em continuidade coma linha do pensamento teológico do AT. A justificação do pecador é obra da justiça de Deus que não quer, que nenhum dos seus filhos se percam. É a postura de Deus que se mantém fiel a sua promessa, a aliança que estabelecera com Israel. Sendo assim, a justiça de Deus é uma justiça salvífica. A justificação é realizada mediante a obra redentora de Cristo, portanto, nossa única fonte de salvação está em acolher a obra de Cristo. É justificado aquele que renuncia a se auto afirmar diante de Deus, mas reconhece o primado de Deus na salvação. Deus vêm ao encontro do homem (Cf. LADARIA, 1998, p. 109).

No século V, Santo Agostinho endossa o que São Paulo apresenta nas suas epístolas. A própria experiência da renascença de Paulo, narrada no capítulo nove de Atos dos Apóstolos, juntamente com a sua própria experiência de conversão, marca profundamente a visão acerca da graça divina como algo que atua no íntimo da pessoa.

Santo Agostinho, o doctor gratiae, como é conhecido, ao comentar a Carta aos Romanos, mais especificamente sobre a lei e o pecado, afirma:

Depois de dizer que o pecado e a morte contaminaram todo o gênero humano por meio de um só homem e que a justiça e a vida eterna vieram por um só homem, sendo aquele Adão e insinuando ser este Jesus Cristo, afirma: Ora, a Lei interveio para que avultassem as faltas; mas onde avultou o pecado, a graça superabundou, para que, como inspirou o pecado na morte, assim também imperasse a graça, por meio da justiça, para a vida eterna, graças a Jesus Cristo, nosso Senhor [...]Aquele que elogia o poder curativo de um remédio não está afirmando que são úteis as doenças e os ferimentos, dos quais o remédio cura o ser humano. Mas quanto maiores são os elogios ao remédio, tanto mais se execram e se temem os ferimentos e as doenças dos quais liberta aquele que é elogiado. Do mesmo modo, o louvor e a exaltação da graça representam execração e condenação dos delitos [...]. Assim, a Lei interveio para que avultassem as faltas, a fim de que, deste modo convencido e confundido, o homem percebesse a necessidade não apenas de um mestre, mas de Deus que o ajude, pelo qual seus passos sejam dirigidos para evitar o domínio da iniquidade sobre ele e se curasse procurando a ajuda divina (AGOSTINHO, p. 20).

Esta doença que necessita de cura, que Santo Agostinho se refere é o pecado original (vitium originis), que corrompeu a natureza humana, tornando-a concupiscente. Está perversão causada pelo pecado é sanada pela graça do batismo, no qual, é restaurada a imagem e a semelhança de Deus no ser humano (Cf. NOCKE, p. 22). Com o auxílio do Espírito Santo, dom por excelência, a lei deixa de ser, apenas, uma lei extrínseca, que aguça o apetite humano para o pecado, e se torna intrínseca, que nos dizeres do profeta Ezequiel, a lei não gravada em tábuas de pedra, mas no coração (Cf. Ez 36,26), pois o amor foi derramado no coração pelo Espírito Santo que nos foi dado (Cf. Rm 5,5). É o amor como dom do Espírito Santo que possibilita amar e praticar a lei. Nesta mesma direção aponta a encíclica Deus Caritas Est, quando afirma, que no princípio do ser cristão não há uma decisão ética, ou uma grande ideia, mas um encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um rumo decisivo que orienta toda a vida do crente. Esta Pessoa é Jesus (Cf. DCE n.º 1).

Uma outra epístola paulina, aos Filipenses, no diz: “Pois é Deus quem opera em vós o querer e o operar, segundo a sua vontade” (Fl 2,13). Diante do que foi explicitado acima, abordaremos a seguir a relação entre natureza e graça. Se a salvação (justificação) é obra de Deus, qual o papel do homem diante desta graça? Há espaço para a liberdade humana perante esta graça? É o que abordaremos a seguir.

5.      Natureza e Graça

A questão do caráter gracioso da salvação já está bem assentada, não se põe em dúvida.

O problema, porém, é como o livre arbítrio se orienta para a recepção da graça, visto que a graça não cai simplesmente em cima sobre o ser humano. O ser humano, portanto, não é passivo diante da graça, mas receptivo, ou seja, inteiramente ativo, de certa forma. Ele acolhe-a como destinatário da graça e recebe-a segundo a estrutura de sua criaturalidade. Se, por conseguinte, o ser humano é o ser do livre-arbítrio, então a graça deve ser assumida pela vontade segundo sua composição liberal. Aqui se diz, pois: a graça não é apenas uma relação que Deus institui para nós, mas também o princípio com o qual nossa vontade responde perante a oferta de Deus. A graça é, portanto, o princípio de nosso agir ou, dito de outra maneira, o princípio da virtude. O livre-arbítrio deve, portanto, a seu modo, preparar-se para a recepção da graça (MÜLLER, 2019, p. 556).

A preparação do homem para receber, acolher a graça já é em si uma obra da graça, ou seja, ela é necessária para nos inspirar e manter nossa colaboração na justificação pela fé e na santificação pela caridade. Deus mesmo conclui em nós o que ele começou pela sua graça (Cf. CIC n.º 261).

Santo Agostinho, no seu livro intitulado Confissões, possui uma frase que se levada ao radicalismo, pode dar a compreensão de uma relativização da Lei divina, ou um solapamento da liberdade humana: “Concede-me o que me ordenas, e ordena o que quiseres” (AGOSTINHO, 1998, p. 178). Diante dos debates contra Pelágio, mas principalmente pela própria experiência pessoal do santo, sua base filosófica perpassando pelo maniqueísmo (embora o tenha superado na sua conversão), pelo neoplatonismo e, somada a isto, o seu pensamento teológico acerca do pecado original e suas consequências a partir da Carta aos Romanos, a sua visão antropológica possui um cunho pessimista.

Santo Tomás de Aquino, sem negar o que escrevera Agostinho, aprofunda o tema da relação entre graça e natureza. A partir de uma antropologia otimista, o Aquinate, desenvolve esta relação enfatizando que “gratia non tollat naturam, sed perficiat” (S. th. I/II, q. 109 a. 7).

Por natureza, Tomás entende a essência da coisa, considerada enquanto seu princípio de operação. Portanto, propriamente falando, a natureza não significa o movimento em si, mas o princípio do qual ele procede. Assim, a natureza dos seres inanimados, isto é, o princípio do movimento que os anima, é a sua forma natural; do mesmo modo, a natureza dos animais é a sua forma sensível, e a natureza humana especifica-se pela capacidade de agir por si mesma. Tal qualidade dimana da sua alma racional: intelecto e vontade. Agora bem, o movimento natural tende a realizar a perfeição do ser, e a perfeição do ser é o seu fim e bem próprios. Destarte, o movimento da vontade humana, que é o que mais nos interessa aqui, inclina-se para o fim que lhe é próprio, a saber, o bem universal. Ora, o primeiro movimento de toda faculdade apetitiva, inclusive o da vontade, é o que a faz inclinar-se para o seu bem específico. Este movimento primeiro da vontade e de qualquer apetite é chamado amor, pois o amor, de uma maneira geral, não é senão querer e buscar o bem (CAMPOS, 2006, p.3).

E a graça, no pensamento tomista, designa a relação entre Deus e o ser humano. Necessária para a salvação do ser humano, a graça, sana a natureza criada e a leva a sua consumação. Pelo pecado há a perca do seu estado incólume, e por isso, submetido ao estado de natureza corrupta, deforma gravemente o homem, e a sua influência não desaparece com mudanças de opinião ou propósitos da vontade, sendo assim, esta natureza carece da graça não só para alcançar os alvos que ultrapassam os limites de sua natureza, mas também para fazer o bem natural. Aquilo que o homem consegue mediante o livre-arbítrio é relativamente irrelevante. A partir do conceito aristotélico de natureza humana, o doutor angélico coloca a graça como atuação divina junto a natureza humana, a qual precisa ser preparada para receber a graça, nisto sendo não só curada, mas também consumada enquanto natureza curada.

A graça é para o ser humano. Segundo Tomás, “a graça pressupõe para si a natureza”. Pela graça as potencialidades humanas têm o seu sentido mais pleno. Conclui-se, que a contribuição do ser humano para a sua salvação depende totalmente da graça de Deus e o livre-arbítrio entra em atividade sob a influência da graça divina (CF. HILBERATH, 2008, p. 29).

É essencial que que a criatura seja o sujeito do amor de Deus. O livre-arbítrio, no entanto, já completa e inteiramente enfraquecido pelo pecado, não consegue, por si próprio amar a Deus sobre todas as coisas, ou unificar-se com ele na unidade do amor. Por conseguinte, o Espírito Santo deve santificar o livre-arbítrio em suas raízes. Somente mediante esta aptidão da vontade é que o ser humano consegue, em sua liberdade, transcender para Deus e cumprir de tal modo a lei moral, que ela se torna um passo rumo a Deus. A vontade move-se em uma conformação afetada pela graça (MÜLLER, 2019, p.557).

Se a natureza humana com a sua liberdade busca o bem, pela graça a liberdade humana é consumada na sua meta, recebe a sua finalização. É a autotranscedência da liberdade rumo a sua meta que a participação na comunhão do amor trinitário.

A graça de Cristo não entra em concorrência com nossa liberdade quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem que Deus colocou no coração do homem. Ao contrário, como a experiência cristã o atesta, -sobretudo na oração, quanto mais dóceis formos aos impulsos da graça, tanto mais crescem nossa liberdade intima e nossa segurança nas provações e diante das pressões e coações do mundo externo. Pela obra da graça, o Espírito Santo nos educa à liberdade espiritual, para fazer de nós livres colaboradores de sua obra na Igreja e no mundo (CIC n.º 1741).

Em suma, a graça atua em nós, não apenas, para iluminar nosso entendimento e fortificar a nossa vontade, senão para pôr em movimento nossas faculdades, a fim de produzir atos sobrenaturais. Na prática das ações inspiradas por Deus, seja interiormente, principalmente através da liturgia; das moções dadas por Deus nos momentos de oração, seja de maneira extrínseca, como a leitura de um livro espiritual; uma boa conversa; uma pregação; ou uma música, o homem se une a Deus, suas ações manifestam a vontade divina (Cf. TANQUEREY, 1961 p. 64), ofertando a Ele um sacrifício vivo, santo e agradável, um verdadeiro culto espiritual (Cf. Rm 12,1). É nesta perspectiva, do homem imerso na graça de Deus, que sua vida se torna um autêntico louvor.

 

 

                          

 

 

 

 

 

Capítulo 2

O Louvor na História da Salvação

 

1.      A Compreensão de Louvor no Antigo Testamento

Quando se fala de louvor, normalmente, a compreensão que vêm junto com a palavra é a oração espontânea que se dirige à Deus, uma oração de agradecimento pelas coisas que Ele providencia, os seus benefícios, ou seja, uma oração de ação de graças. Esta compreensão, embora esteja correta, não abarca a profundidade do que é o louvor. É evidente que “Na Bíblia o louvor e a ação de graças se encontram num mesmo movimento da alma e, no plano literário, nos mesmos textos” (DUFOUR, 2013, p. 547). Diante dos inúmeros benefícios o homem, a partir de um impulso interior, se prorrompe em agradecimento a Deus e, inevitavelmente, o louva pela sua grandeza e majestade, reconhece sua bondade e misericórdia, o seu amor que epifanizou-se.

O louvor e a ação de graças despertam as mesmas manifestações exteriores de alegria, sobretudo no culto, um e outro dão glória Deus, [...] confessando as suas grandezas. Mas na medida que em que os textos e o vocabulário nos levam a fazer uma distinção, pode-se dizer que o louvor pensa mais na pessoa de Deus do que em seus dons; é mais teocêntrico, mais perdido em Deus, mais próximo da adoração, está no caminho do êxtase. Os hinos de louvor estão geralmente desligados de um contexto preciso e cantam a Deus porque Ele é Deus (DUFOUR, 2016, p. 547).

O verbo hebraico no AT que corresponde ao verbo louvar é o termo halal (הלל) que na sua forma ativa intensivo (piel) traz o conceito de louvar, admirar, enaltecer, exaltar, lisonjear, elogiar, pode-se associar a este verbo os conceitos de felicitar, engrandecer, dar graças, glorificar, exaltar, aclamar, cantar; já na sua forma passiva intensivo (pual) corresponde a ser louvável, digno de louvor, ser elogiado (Cf. SCHÖKEL, 2018, p.180). Este verbo traz a ideia do elogio, engrandecimento daquele que louvamos, que no caso, é Deus (Cf. MORAES, 2019, p. 52). Por exemplo, a palavra aleluia – halelu-Ya - têm a sua raiz no verbo halal que significa, louvai a Yah, louvai o nome de Yahweh (Cf. Sl, 135).

Os substantivos do verbo halal, como tehillah (תהלה) (louvor, cântico, elogio, fama, prestigio, hino, ação de graças, títulos de glória) (Cf. SCHÖKEL, 2018, p.697), como mahalal (מהלל) (louvor, vanglória) (Cf. STRONG, 2002, p.588) são usados em muitas passagens. Eis alguns exemplos:

“E tu és o santo habitando entre os louvores de Israel” (Sl 22,3).

“Como teu nome, ó Deus, também teu louvor atinge os limites da terra” (Sl 48,11).

“Cantai a Yahweh um canto novo, cantem o seu louvor desde as extremidades da terra” (Is 42,10).

“Quem é igual a ti, ilustre em santidade? Terrível nas façanhas, hábil em maravilhas’ (Ex15,11).

“Há fornalha para a prata e forno para o ouro, e o homem vale o que vale a sua fama’ (Pr 27,21).

“Não lhe concedais descanso enquanto ele não estabelecer firmemente Jerusalém e não fizer sair dela objeto de louvor na terra” (Is 62,7)

Em levítico (19,24) hilluwl é empregado como oferta de louvores ao Senhor, sacrifício ao Senhor. Nesse sentido, outro verbo utilizado para louvar é todah (advindo de yadá, significando jogar, lançar, é desse verbo também que vem a palavra torah, ensinamento, que se tornará nómos, na língua grega, significando lei, e dará o nome ao Pentateuco). Como no Sl 26,7, “entoar com alta voz, os louvores e proclamar tuas maravilhas”. Utilizado também para qualificar “sacrifício de louvores” (Lv 22, 19). Portanto evoca o contexto litúrgico como no salmo 42, 4: “Lembro-me destas coisas —e dentro de mim se me derrama a alma —, de como passava eu com a multidão de povo e os guiava em procissão à Casa de Deus, entre gritos de alegria e louvor, multidão em festa”. (MORAES, 2010)

No AT o louvor brota dos lábios do povo de Israel para reconhecer as manifestações do amor de Deus. Estas palavras são uma tentativa para descrever, em forma de oração, sua grandeza: “Ah! Yahweh, Deus do céu, ó Deus grande e temível, que guarda a aliança e a misericórdia para com aqueles que o amam e observam seus mandamentos” (Nm 1,5). O louvor sempre terá esta dimensão de confissão da grandeza de Deus, sua justiça, sua bondade, sua força, suas obras (Cf. Sl 29,4; 92,5; 96,3; Ex 15,21; 1Sm 2,1; Is 25,1), e por meio dela chegar-se ao seu autor.

Grande parte dos salmos é, portanto, dedicada ao louvor de Deus. Evitou-se de propósito a palavra agradecimento. Qual a distinção entre louvor e agradecimento? No louvor nós nos voltamos inteiramente para um outro; no agradecimento, vemos as coisas do nosso ponto de vista. O louvor emana, portanto, da liberdade e do entusiasmo espontâneo, louvor e agradecimento pressupõe duas estruturas diferentes da condição humana. É o espaço caracterizado pela comunhão que exige o louvor. Para o homem do Antigo Testamento a precedência do louvor sobre o agradecimento provém da ideia da grandeza de Deus. Mesmo que o homem receba alguma coisa do seu Deus, ele o diz olhando não para o seu eu, mas para Deus e para a sua grandeza, que se manifesta também na sua bondade. Assim o louvor é simultaneamente também agradecimento (SCHILLING, 1978, p. 395).

Nas manifestações de Deus o homem veterotestamentário descobre o que é Deus para si, e em contrapartida, o que é o homem para Deus, é a dinâmica da relação entre Deus e o ser-humano, e a relação de ambos com as demais criaturas. O salmo oito é um exemplo desta compreensão supracitada.

O Sl 8 parece ser um hino que exalta Deus, o verdadeiro protagonista e o ser humano é colocado numa relação com o próprio Deus. A própria criação nos coloca uma pergunta: o que é o ser humano no infinito do universo? Através da magnificência e ao ritmo do universo, está presente a fidelidade, o poder e o esplendor de Deus com a obra das suas mãos. A grandeza do ser humano é descoberta pelo salmista pelo confronto com a ternura e a fidelidade que Deus tem para com o próprio ser humano. A dignidade do ser humano reside em ser “imagem de Deus” (Gn 1, 26-27), é “rei” do universo, coroado de glória, daí que podemos já realçar aqui a dinâmica do louvor que este salmo encerra (FILIPE, 2014, p. 7).

“Psicologicamente, o louvor é a atitude adulta e madura de quem sabe olhar o outro para expressar o próprio agradecimento, é a atitude nobre do coração humano, tanto mais pura quanto mais desinteressada” (SARTORE, 2002, p. 820).

Um outro termo veterotestamentário, embora não seja uma tradução literal do verbo louvar, mas se refere a ele, é palavra hebraica berakah (ברכה) que podemos traduzir por benção, dar graças a Deus, bendizer, celebrar (Cf. SCHÖKEL, 2018, p.120). A benção como promessa para os que obedecerem aos mandamentos de YHWH, sendo que a desobediência acarreta a maldição (Cf. Dt 11, 26-28). A benção no seu significado descendente é dotar de virtude salvífica, e, de fato, no hebraico, berakah não significa somente o ato de abençoar ou a palavra de benção, mas também as bênçãos que daí decorre: êxito, força. Ademais, deste significado, a benção possui um sentido ascendente, que é movimento do homem de bendizer a Deus, pois a certeza que sua vida está em suas mãos, o estimula a expressar sua fé, sua confiança, gratidão e esperança no render glória e louvor a Deus. Este sentido da berakah, de louvar a Deus aparece no livro do profeta Daniel, mais precisamente no cântico dos três jovens na fornalha ardente, dezenove vezes (Cf. Dn 3,52-90). Esta conotação possui, justamente, o significado de louvar, celebrar, constitui a atitude do homem no contato com Deus, o reconhecendo como criador, benigno, misericordioso e justo e, como tal, digno de louvor e de gratidão. Bendizer a Deus é glorificá-lo por tudo e em tudo, um bendizer com a própria vida, tanto no culto quanto na oração pessoal ou em família (Cf. SARTORE, 2002, p. 124-125).

Berakah[...] é um dos termos que condensa toda a riqueza e originalidade do pensamento hebraico; talvez o termo por excelência, no qual se resume a antropologia hebraica: o seu modo de colocar o homem diante de Deus e defronte ao mundo. De fato, a berakah define a tríplice relação, trata-se, na realidade, de uma única relação, que se poderia definir como triangular[...] Em relação ao homem e ao mundo, Deus é a “fonte” e a “norma”: cria o homem e o mundo e estabelece sua modalidade de usufruto e de multiplicação. Em relação a Deus e ao mundo o homem é o interprete e beneficiário: é objeto da atenção divina e destinatário dos bens da terra. Em relação a Deus e ao homem, o mundo é sacramento e dom: sinal da benevolência divina e dom concreto para o homem [...]. Deste modo a berakah capta a verdadeira finalidade do mundo e se põe como condição para a realização do Reino. Sem ela o mundo fica opaco, fechado em si e destinado ao mal: quem usa os bens deste mundo sem recitar uma benção, profana uma coisa santa. Graças a ela, ele recupera seu esplendor original, descobrindo em tudo a presença do Sentido, isto é, do Sagrado (SANTE, 2004, p.47).

 Esta relação entre benção e louvor pode ser percebida na benção que Abrão recebe de Melquisedec após derrotar Codorlaomor: “Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo que criou o céu e a terra, e bendito seja o Deus Altíssimo que entregou teus inimigos entre tuas mãos” (Gn 14,19-20). A nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém traz o seguinte comentário:

A benção é palavra eficaz e irrevogável que, mesmo pronunciada por um homem, transmite o efeito que nela se exprime, pois é Deus quem abençoa. Mas o homem também por sua vez, bendiz a Deus, louva sua grandeza e sua bondade, ao mesmo tempo que deseja que elas se firmem e se estendam. Aqui as duas bênçãos são associadas. O culto israelita comportava umas e outras (2002, p. 52)

            Tanto Abrão é bendito pelo Deus Altíssimo criador do céu e da terra, quanto o próprio Deus é bendito pois entregou os inimigos nas mãos de Abrão. Assim como no salmo oito, esta perícope aponta para esta relação entre o homem e Deus. Abrão é bendito enquanto objeto da benevolência, das bênçãos de Deus, em outras palavras, da sua graça; e Deus é bendito porque o seu agir manifesta o seu ser.

Nesse ritmo completo aparece a verdadeira natureza da benção; ela é uma explosão extática diante de um eleito de Deus, mas não se detém no eleito e remonta até o Deus que se revelou nesse sinal. Ele é o baruk por excelência, o Bendito; ele possui toda benção. Bendizê-lo não significa acrescentar coisa alguma à sua riqueza, é deixar-se arrebatar pelo entusiasmo dessa revelação e convidar o mundo a louvá-la. A benção é sempre uma confissão pública do poder divino e ação de graças por sua generosidade (DUFOUR, 2013, p. 107).

Para o pensamento judaico não existe algo que não seja objeto da berakah. Todas as realidades que envolvem a vida humana podem compreendidas como bênçãos de Deus. O sofrimento, a injustiça, a doença ou o desespero são motivo para a benção e o louvor.

A berakah é a expressão de uma inteligência transparente, capaz de ver toda a realidade sob uma nova luz. Ela é a maior de todas as atividades porque tem o poder de “fazer novas todas as coisas” (cf. Ap 21,5). Se ela é continuamente recomendada, não é pelo gosto de uma casuística infantil, mas pela intuição de sua dimensão reveladora (SANTE, 2004, p.52).

Além de bendizer a Deus pelos frutos da terra, o judeu piedoso, o faz também pela própria Torah, porque ela, do mesmo modo que os frutos da terra, alimenta e alegra o coração do homem, pois estes, por si só, não são suficientes para saciar o homem, que não vive só de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. Por meio dela, se descobre a finalidade dos bens da terra. Se a Torah para Israel é motivo de bendizer a Deus, o torna de modo especial pelos principais eventos nela narrados: a aliança, a libertação do Egito, o templo, a promessa messiânica, e em especial esta última, porque ela que torna compreensível o imperativo rabínico do louvar até mesmo pelo mal, tal qual se fazem pelo bem, não porque encontra prazer no sofrimento, mas pela inabalável esperança messiânica. Com este ato de fé o mal, que historicamente possui aparência de vencedor; é vencido em nível escatológico. (Cf. SANTE, 2004, p.52).

Por meio de Abraão serão benditas todas as nações da terra (Cf. Gn 12,3), portanto, como foi dito no primeiro capítulo, a promessa feita a Abraão de uma benção que é destinada a todos, tendo ele como instrumento, manifesta o desejo salvífico universal de Deus. Esta promessa terá o seu cumprimento em Jesus, fruto bendito do seio bendito de Maria (Cf. Lc 1,42).

2.      O Caráter Cristológico do Louvor no Novo Testamento

Embora seja possível encontrar em cada livro do AT uma estrutura própria, uma teologia de cada hagiógrafo, todo o AT encontra a sua plena realização, em definitivo, somente no âmbito do NT, portanto, a sua consumação. No entanto, o que foi dito acima acerca dos conceitos de louvor e benção no AT, de modo a formar um binômio, permanecem no NT, todavia, com o evento Cristo, a plenitude da Revelação; todo o louvor (benção) assume um caráter cristológico.

O louvor é suscitado pelo dom de Cristo, por ocasião do seu poder redentor. É esse o sentido do louvor angélico no natal, o louvor das multidões depois dos milagres realizados, e neste mesmo sentido aclamação com hosanas na entrada messiânica de Jesus em Jerusalém (Cf. Mt 21,9). Nas epístolas paulinas permanecem resquícios de hinos primitivos que manifestam o louvor cristão dirigido a Deus Pai que já revelou o mistério da piedade (Cf.1Tm 3,16) e que fará surgir o retorno de Cristo (Cf.1Tm 6,15s); um louvor confessional do Mistério de Cristo e de sua Salvação (Cf. Fl 2,5-11; Cl 1,15-20; 2Tm 2,11), transformando-se assim em verdadeira confissão da fé e da vida cristã. Sendo assim, o louvor é cristológico também no sentido de que se eleva a Deus com Cristo e nele (Cf. DUFOUR, 2013, p. 550).

O Pai entregando-nos o seu próprio Filho entregou-nos tudo, não nos falta dom algum da graça (Cf. 1Cor 1,7), mas abençoados com toda sorte de bênçãos espirituais (Cf. Ef 1,3). E nele rendemos graças ao Pai por seus dons (Cf. Rm 1,8; Ef 5,20; Cl 3,17). Estes são os dois movimentos, o da graça que vêm ao encontro do homem e o louvor do homem que sobe a Deus, recapitulados em Jesus Cristo. Nas suas obras, Deus se autocomunica, “a revelação é em si mesma não só Deus manifestando-se pessoalmente a si mesmo, mas ao mesmo tempo conteúdo objetivo que é oferecido ao crente” (FISICHELLA, 2000, p.86).

A consumação da revelação se torna fonte do louvor. A DV no n.º 4, nos diz:

Eis por que Ele, ao qual quem vê vê também o Pai (cf. Jo14,9), pela plena presença e manifestação de Si mesmo por palavras e obras, sinais e milagres, e especialmente pela sua morte e ressurreição dentre os mortos, enviado finalmente o Espírito de verdade, aperfeiçoa e completa a revelação e a confirma com o testemunho divino que Deus está conosco para libertar-nos das trevas do pecado e da morte e para ressuscitar-nos para a vida eterna.

A Revelação toma configurações personalistas, é a Pessoa de Jesus, e por isso, o louvor no NT evidencia a inserção do Verbo na história, que consciente de sua missão confiada pelo Pai, a realiza em plena obediência filial, a fim de possibilitar que o homem participe da comunhão trinitária (Cf. FISICHELLA, 2000, p. 29).

O próprio Jesus se dirige Pai em louvor ao perceber que são os pequeninos destinatários da Revelação. O verbo grego, aqui utilizado, é exomologeó, que equivale dizer: eu concordo plenamente, confesso, admito, agradeço, louvo.

 

Naquele momento, ele exultou de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, e quem é o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar (Cf. Lc 10,21-22).

Jesus tendo sua origem em um povo que está imerso em oração, torna-se natural ver Jesus como um orante, mas não somente a partir dos textos bíblicos que demonstram isso explicitamente (Cf. Mc 1,35; 6,46; Lc 4,42; 6,12), mas também, a partir do ambiente sociocultural e religioso que ele viveu. De modo geral, o dia de um israelita começava ao nascer do sol, e terminava ao pôr-do-sol, com um olhar para Deus, e de manhã e à tarde os homens israelitas recitavam o credo, o Shemá (Cf. Dt 6, 4-9; 11,13-21; Nm 15,41), estruturados por bênçãos, em seguida rezava-se o Thephilá, um hino em forma de oração que constava de bênçãos, ainda havia um terceiro tempo de oração depois do meio-dia (Cf. Dn 6,11-14). Pelas 15 horas da tarde, oferecia no Templo o sacrifício da tarde e rezava-se em todo lugar no país a Thephilá (Cf. At 3,1; 10,3.30). A estas orações diárias fixas acrescentavam-se as preces à mesa antes e depois das refeições. Jesus, originário de uma família piedosa, cresceu neste ambiente da fé do seu povo, e foi o seu modo de agir durante o seu ministério público (Cf. JEREMIAS apud GOURGUES, 1984, p. 86). No evangelho de Lucas temos uma destas cenas da vida de Jesus que em dia de sábado entra na sinagoga e levanta-se para fazer a leitura pública do texto sagrado, e ao ler um trecho do profeta Isaias compreende que nele está a sua biografia, e todos se admiravam das palavras cheias de graça que saiam de sua boca (Cf. Lc 4, 16-22). Jesus agia com autoridade (exousia) (Cf. Mt 7,19) ou seja, o seu ser que sai para fora (Cf. Lc 8,46), a integridade de suas ações com o seu interior.

Jesus aparece muitas vezes pronunciando a berakah. No grego o termo para traduzir será eucharistia e eulogia, que no português será traduzido por benção, ação de graças. A sua formulação pode ser tanto na forma passiva; Sede bendito Senhor nosso Deus; ou na forma ativa; Eu vos bendigo Senhor nosso Deus. Na narração da Eucaristia Jesus pronuncia uma berakah: “Estando eles a comer, tomando o pão e proferindo a benção, partiu e deu-o a lhes e disse: ‘Tomai isto é o meu corpo’. E, tomando um cálice e dando graças, deu-lhes e todos beberam dele” (Mc 14, 22-23); na multiplicação dos pães e dos peixes: “E tomando os sete pães, deu graças, partiu-os e dava-os aos seus discípulos[...]. E havia alguns peixinhos. E, abençoando-os, disse que também o distribuíssem” (Mc 8,6-7); ao receber as criancinhas: “Então, abraçando-as, abençoou-as, impondo as mãos’ (Mc 10,16); na ressureição de Lázaro: “Pai dou-te graças porque me ouviste” (Jo 11,41).

No NT aparecem exemplos de oração de bênção cristã: o “Magnificat”, o “Benedictus, o “Nunc dimitis”, assim como algumas cartas de São Paulo, como o começo de Ef 1: “Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo (benção ascendente), que do céu nos cumulou com toda espécie de bênçãos espirituais (benção descendente)”. Agora o louvor se centra, não tanto na libertação do Egito ou na aliança primeira de Israel, mas na sua pessoa e na salvação de Cristo Jesus (ALDAZÁBAL, 1993, p. 248).

O pensamento paulino nos aponta para a constância do louvor a Deus, um convite que nos é feito para que tudo o que fizermos em palavras ou ação, seja feito em nome do Senhor Jesus, por ele dando graças a Deus Pai (eucharisteó) (Cf. Cl 3,17).

Observai rigorosamente, portanto, como caminhais, não como desprovidos de sabedoria, mas como sábios[...] Por isso não vos torneis insensatos, mas consciencializai o que é a vontade do Senhor [...] enchei-vos de Espírito falando uns com os outros por meio de salmos e hinos e cantos espirituais, cantando e dedilhando música com o vosso coração a Deus, dando graças sempre por todas as coisas, em nome do Nosso Senhor Jesus Cristo, a Deus Pai (Ef 5, 15-20).

Conclui-se que a concepção de louvor, na unidade do AT e do NT, comporta está dimensão do êxtase humano que se prorrompe na oração de reconhecimento da grandeza de Deus, do seu mistério que toca o homem em eventos historicamente constatáveis que se tornam sinais da sua proximidade, da sua autodoação (Cf. NOCKE, 2008, p. 174) e, por isso, atrela-se ao conceito de louvor a ação de graças, em outras palavras, é dizer que só é possível o reconhecer a grandeza, a majestade, a justiça, a santidade de Deus porque Ele se revela e se doa ao homem concedendo a sua graça –hen-, tanto no sentido da ação benevolente; do inclinar-se de Deus; sua kenosis, quanto da graça que atua no interior do coração do homem transformando-o, assim sendo, suas palavras devem estar em conformidade com a sua vida. “A glória de Deus é o homem que vive e a vida do homem consiste na visão de Deus” (IRINEU DE LIÃO, 1995, p. 204).

Exorto-vos, portanto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito (Rm 12,1-2).

A expressão paulina “culto espiritual” (loghikè latreia) possui uma pluralidade de significados que estão profundamente coerentes e complementares entre eles. Em seu sentido literal, pode ser compreendida como culto segundo o logos, sendo o Logos encarnado o Cristo oferece uma conotação fortemente cristológica à expressão. Pode ser traduzido, ainda, por um culto espiritual que designa o verdadeiro culto, que empenha o homem em sua inteireza, em oposição a um culto exterior e formal. Por fim, pode-se traduzir por um culto de palavra, ou culto realizado através de palavras, que faz emergir a ideia da manifestação ritual do culto existencial que acontece mediante a um culto de palavra, de oração (Cf. BOSELLI, 2014, p.151).

 O louvor como epifania da graça acontece, se dá através desta dimensão latrêutica da vida do homem, a totalidade do seu ser se volta para Deus, e será mediante a liturgia que ele celebrará a salvação operada por Cristo.

3.      O Louvor na Liturgia Cristã

O conceito de liturgia do CVII, presente na SC, apresenta a natureza da liturgia em chaves de teologia bíblica. Este enfoque não é outro senão o de apresentar a revelação como plano salvífico de Deus. É a autocomunicação divina compreendida como história da salvação, cujo ápice é a obra de redenção e perfeita glorificação realizada por Jesus Cristo através do Mistério Pascal, que teve como prelúdios; como símbolos, os acontecimentos maravilhosos realizados no AT (Cf. SC nº. 5). Estes acontecimentos maravilhosos expressam que a história de Deus com os homens se concretiza mediante eventos, atos e encontros, e estes se tornam sinais da proximidade de Deus que salva, santifica e transforma (Cf. NOCKE, 2008, p. 174). A história da salvação é compreendida em processos, em momentos, e o tempo da Igreja se situa como o terceiro momento, ou, a última etapa da história salvífica, sendo o AT a primeira etapa, e o segundo momento o tempo de Cristo.  O tempo da Igreja se origina do tempo de Cristo, da vontade salvífica de Jesus de perpetuar a sua obra. O CIC, nos diz que, “a liturgia é memorial do Mistério da Salvação” (nº. 1099). É o conceito de anamnese, em que o Espírito Santo é a memória viva da Igreja (Cf. Jo 14,26), e por ser o Espírito de Deus, Ele atualiza nas celebrações litúrgicas as intervenções salvíficas de Deus na história (Cf. CIC nº. 1103).

A Constituição litúrgica SC repetindo um pensamento comum a muitos Padres, e que está presente no Evangelho de São João (Cf. 19,30-34), lembra que foi do lado aberto de Cristo na Cruz que nasceu o sacramento da Igreja (Cf. SC nº. 5)

Para levar a efeito obra tão importante Cristo está sempre presente em Sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas. Presente está no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na Cruz, quanto sobretudo nas espécies eucarísticas. Presente está pela Sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo mesmo que batiza. Presente está em Sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se leem às Sagradas Escrituras na Igreja. Está presente finalmente quando a Igreja salmodia, Ele que prometeu: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles” (SC nº. 7).

A obra realizada por Cristo continua na Igreja, sendo Jesus o missionário do Pai, também envia os Apóstolos cheios do Espírito Santo para anunciarem o Evangelho a toda a criatura centralizando a pregação no anúncio gozoso da morte e ressurreição de Jesus Cristo e, que por meio dela, Deus nos libertou do poder da morte, transferindo-nos para o seu Reino. E ainda, levarem a efeito do que anunciavam; a obra da salvação através do sacrifício e dos sacramentos, sobre os quais gira toda a vida litúrgica (Cf. SC nº. 6).  

De fato, a história para a Sagrada Escritura possui sempre um caráter simbólico sacramental. Para Israel, os acontecimentos são ações benevolentes de Deus que dá vida ao mundo, ao homem e aos povos, em que o presente assume o passado e o supera numa tensão esperançosa para o futuro, e esta concepção bíblica da história manifesta uma originalidade singular. E Cristo, como plenitude da revelação, associa a sua pessoa e ao seu ministério homens, para que a obra plenamente realizada por ele se atualizasse por meio do Espírito Santo na Igreja para o mundo.

No período que vai da ascensão à parusia há o tempo e o espaço em que a Igreja com os sacramentos, recapitula a estrutura sacramental salvífica, expressam a dimensão celebrativa eclesial, perpetuando na história, a salvação e missão de Cristo. Sendo assim, a Igreja será o prolongamento terrestre do corpo do Senhor, o primeiro sacramento, pelo qual é atualizado em visibilidade histórica o dom de Cristo (Cf. BOROBIO, 1990, p. 295-301). A Igreja, por meio da liturgia, sendo os sacramentos o ápice, celebra a aliança entre Deus e seu povo reunido, rendem graças ao Pai fazendo a memória de Cristo, morto e ressuscitado, e invocam o dom do Espírito Santo.

Tomemos o sacramento da Eucaristia, mais precisamente, a oração eucarística como modelo de louvor na liturgia. Primeiramente se louva e bendiz a Deus, dando-lhe graças pelas maravilhas que ele realizou e continua a realizar na história da salvação (prefácio), culminando no com o cântico do sanctus, no mesmo tom de louvor e ação de graças. Deste louvor gozoso, converte-se em memória de Cristo, damos graças a Deus por ter-nos enviado seu Filho, onde se recorda (atualiza) a morte e ressurreição de Cristo, imerso no relato da última ceia. Um louvor memorial. A partir deste, passa-se para a epiclese, uma invocação a Deus para que envie o seu Espírito Santo sobre a celebração. É uma epiclese dupla sobre os dons do pão e do vinho para que o Espírito Santo os transforme no corpo e sangue de Cristo, e uma outra sobre a comunidade que vai participar deste corpo e deste sangue para formar um só corpo eclesial. Esta comunhão formada pelo corpo e sangue de Cristo é manifestada, a seguir, pela intercessão, as orações em que se reza pela Igreja dos bem-aventurados, pelos defuntos e pelas comunidades do mundo inteiro. É a compreensão de que o sacramento da eucaristia que constrói a Igreja. E a doxologia final e o amém concluem a oração (Cf. ALDAZÁBAL, 1993, p. 248).

 É nítida a compreensão que na genealogia da oração eucarística está a liturgia judaica, sendo que alguns autores optam por algum elemento específico, e cada qual ressaltando um aspecto. Segundo Aldazábal, citando P. Audet, é a berakah que está na raiz do processo que levou até a nossa oração. Para outros autores não é a berakah o principal ascendente da oração eucarística, mas a birkat ha mazon, cuja ideia central não seria tanto a admiração, mas a ação de graças. A birkat ha mazon é uma oração tripartite: benção, ação de graças e petição. Enfim, para Giraudo, o que teria influenciado no desenvolvimento das anáforas cristãs é a todah, a oração de louvor com tom sacrificial, que inclui uma confissão tanto do próprio pecado como da grandeza de Deus. O que fica claro é que as anáforas cristãs participam do espírito de louvor, ação de graças, admiração, glorificação, confissão sacrificial e petição, o que faz um modelo magnifico de oração, tanto teológica quanto humana, porque dão primazia à obra de Deus, cuja plenitude é a obra salvadora de Cristo (Cf. ALDAZÁBAL, 1993, p. 249-252).

No Ofício Divino, que é prolongamento litúrgico dos mistérios celebrados mediante as várias horas do dia, tem o seu início com a invocação: Domine, labia mea aperies. Et os meum annuntiabit laudem tuam (Senhor abre os meus lábios, e minha boca proclame o teu louvor). Este versículo do salmo 50 (51), colocado pela Igreja como primeiro ato e primeira palavra do orante, não tem a função, simplesmente, de dar início a oração, mas o de ser guia inicial da oração. A invocação “Abri os meus lábios ó Senhor”, é a própria essência da oração cristã, porque expressa a consciência de que é Deus a fonte da oração. Ele é a origem do louvor (Cf. BOSELLI, 2014, p.152).

Todavia, a Liturgia é o cume para o qual se dirige a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte donde emana toda a sua força. Pois os trabalhos apostólicos ordenam-se a isso: feitos pela fé e pelo batismo filhos de Deus, juntos se reúnam, louvem a Deus no meio da Igreja, participem no sacrifício e comam a Ceia do Senhor. A própria Liturgia, por seu turno, impele os fiéis que, saciados dos “sacramentos pascais”, sejam “concordes na piedade”, reza que “conservem em suas vidas o que receberam pela fé”, a renovação da Aliança do Senhor com os homens na Eucaristia solicita e estimula os fiéis para a caridade imperiosa de Cristo. Da liturgia, portanto, mas da Eucaristia principalmente, como de uma fonte, se deriva a graça sobre nós e com maior eficácia é obtida aquela santificação dos homens em Cristo e a glorificação de Deus, para a qual, como a seu fim, tendem todas as demais obras da Igreja (SC, n.º 10)

A liturgia, como afirma a citação acima, é fonte de toda a vida da Igreja e estimula a prática de uma caridade imperiosa, portanto, é o impulso para que a fé celebrada esteja em unidade com a vida moral. A celebração da fé, das maravilhas que Deus realizou, cuja plenitude é o evento pascal, e que é atualizada pelos sacramentos, tem o seu sentido pleno se estiver em conformidade com uma vida onde o amor é o maior mandamento (Cf. Mc 12,29-31). O culto a Deus desassociado da vida, os lábios que rezam e louvam que não está em concordância com o pensamento e a vida moral, é o que Jesus chama de hipocrisia, e que foi amplamente criticado por Ele (Cf. Mt 23,13-29; Mc 7,6-13).

Em síntese, conclui-se que a revelação, como processo de autocomunicação, é a epifania do ser de Deus, manifestando-se como um Deus de amor, de bondade, de misericórdia, um Deus gracioso, tendo por cume o Cristo, sua vida, morte e ressurreição, suas palavras e seus atos revelam o ser de Deus que é amor, que é relação, o Deus da vida. Esta plenitude manifestada historicamente se atualiza na liturgia, e o homem transformado por sua graça e vivendo nela num processo de divinização, também exterioriza o seu próprio ser, suas palavras na liturgia, nas orações e sua vida moral, ou seja, o seu louvor é epifania graça. Deus se torna para a pessoa o centro, e exerce nele uma “força centrípeta”, pela qual todas as dimensões do ser do homem se voltam para Ele.

 

           

 

 

 

 

           

 

 

 

 

 

 

Capítulo 3

O Louvor como Epifania da Graça

 

1.      O que é Epifania

O termo epifania possui sua raiz etimológica no grego (ἐπιϕάνεια, de ἐπιϕανής, "visível", derivado de ἐπιϕαίνομαι, "aparecer”). Esta palavra é a junção de duas palavras: ἐπι um adjetivo absoluto, que designa “o que está sobre”, de estado em lugar de extensão de movimento a um lugar, sobre/para (Cf. RUSCONI, 2018, p.186); e do verbo ϕαίνω que significa trazer e levar a luz, fazer aparecer, mostrar, tornar conhecido, resplandecer, fazer luz para alguém; em seu sentido passivo, ser mostrado, vir à luz do dia, surgir, nascer (Cf. RUSCONI, 2018, p.477).

Este termo é comumente utilizado tanto em literatura filosófica quanto teológica,

Têm o significado de autonotificação de entrada poderosa no campo da notoriedade e referia-se a chegada de um rei ou de um imperador. O mesmo termo, porém, servia ainda para indicar o aparecimento ou manifestação de uma divindade ou de alguma intervenção prodigiosa sua (SARTORE, 2009, p. 812).

Mircea Eliade[1], utiliza um termo análogo para falar sobre a manifestação do divino no tempo, que nos ajuda a compreender a natureza do termo epifania. Diz ele:

O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania. Este termo é cômodo, pois não implica nenhuma precisão suplementar: exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela. Poder-se-ia dizer que a história das religiões – desde as mais primitivas às mais elaboradas – é constituída por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades sagradas. A partir da mais elementar hierofania – por exemplo, a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou uma árvore – e até a hierofania suprema, que é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a manifestação de algo “de ordem diferente” – de uma realidade que não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante do nosso mundo “natural”, “profano” (1992, p. 13).

            A própria compreensão que Israel tem acerca da redenção remete para essa ideia de entrada do sagrado no tempo, ou seja, uma intervenção divina em prol do homem.

O judaísmo (...) sempre se ateve a um conceito de redenção que a concebia como um processo que se realiza publicamente no palco da história e no meio da comunidade, em suma: que se realiza de maneira decisiva no mundo do visível e não pode ser concebido sem essa aparição no visível (SCHOLEM apud KESSLER, p. 222)

Liturgicamente, mais especificamente, dentro do calendário litúrgico, no ocidente a palavra epifania está associada a festa celebrada no dia seis de janeiro em que se celebra os Três Reis Magos que visitam Jesus. Teologicamente esse termo possui o sentido de indicar a manifestação de Deus no tempo. Neste sentido pode-se dizer que a Revelação, o autocomunicar-se de Deus é epifania.

Para quem caminha na fé do Deus Trindade o tempo é a categoria na qual se realiza o encontro salvífico entre a pessoa crente e o mistério trinitário, que se fez história. A eternidade entrou no tempo através do mistério da Encarnação; por isso, em Jesus Cristo, o Verbo encarnado, o tempo passa a ser uma dimensão de Deus, de modo que todos os dias e todos momentos são abarcados pela sua Encarnação e ressurreição, e se encontram na plenitude dos tempos (BORRIELLO, 2003, p. 258).

Deus se manifesta para levar o homem a plenitude de vida, deste modo, a epifania, no âmbito da economia salvífica têm por natureza levar o homem a comunhão com Deus, consigo e com o seu semelhante. O fato do Verbo se fazer carne e armar sua tenda entre nós (Cf. Jo 1,14) faz com que o tempo e o espaço sejam o lócus da manifestação de Deus. Isso permite que a liturgia celebre estas manifestações de Deus. O mysterion entra no tempo e no espaço pela a atualização sacramental dos benefícios divinos, especialmente os realizados pelo Cristo, através da Igreja. Os sacramentos são epifanias que geram vida no homem, o colocam em estado de graça.

A palavra chave para compreendermos em qual sentido que a liturgia é, em si mesma, epifania da graça é celebração-atualização. A liturgia não deve ser compreendida unicamente em seu sentido ritual de comemoração de datas em que se recorda os eventos da história da salvação, mas, a presença na forma sacramental-ritual, principalmente, do mistério de Cristo. Voltando para a definição de teofania (hierofania) de Mircea Eliade, esta é a entrada do sagrado no tempo e, para nós cristãos, de fato, o tempo é um componente de suma importância, pois é nele que se desenvolve a salvação. Deste modo, a Igreja mediante os mistérios celebrados atualiza, por ação do Espírito Santo que nela age, essas intervenções divinas, que desde o seu início possui um caráter gracioso, e que em Cristo essa graça se manifestou na reconciliação dos homens com Deus por ação do seu Espírito, ou seja, a vida divina no homem, a graça de restabelecer a comunhão natural que fora perdida por Adão e elevá-la a um grau ainda maior que é o da filiação (divinização). Portanto, a liturgia possibilita que os cristãos de todos os tempos entrem em contato com esses eventos salvíficos plenificados por Jesus, de modo que sejam repletos da graça da salvação (Cf. AUGÉ, 2004 p.281)

2.      A Epifania da Graça de Deus na Liturgia

O Logos do Pai entra no tempo para levar a humanidade a plenitude, ou seja, nos trazer a salvação e comunicar a vida divina. No profeta Ezequiel lemos:

Borrifarei água sobre vós e ficareis puros; sim, purificar-vos-ei de todas as vossa imundícies e de todos os vossos ídolos imundos. Dar-vos-ei coração novo, porei no vosso íntimo espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Porei no vosso íntimo o meu espírito e farei com que andeis de acordo com os meus estatutos e guardeis as minhas normas e as pratiqueis (Ez 35,25-27).

Essa água pura que regenera é a da graça que nos vêm do Salvador, do qual é dito no Evangelho de São João (1,16): é de sua plenitude que todos temos recebido graça sobre graça” (GARRIGOU-LAGRANGE, 2011, p. 22).

Jesus Cristo realiza tal missão desde a sua encarnação mediante as suas palavras e gestos, que tem por plenitude o seu Mistério Pascal. Jesus, o enviado do Pai, também envia os apóstolos para que, cheios do Espírito Santo, não somente proclamem os feitos de Jesus a toda criatura, que por meio de sua morte e ressurreição redimiu a humanidade libertando-nos do demônio, “mas ainda para levarem a efeito o que anunciavam: a obra da salvação através do Sacrifício e dos Sacramentos, sobre os quais gira toda a vida litúrgica” (SC, n.º 6). Esse efeito da salvação operada por Cristo chega a nós mediante os sacramentos, ou seja, é a graça de Deus, que tem por ápice a epifania da encarnação do Verbo e a sua obra, que é atualizada através dos sacramentos da Igreja que foram instituídos pelo próprio Cristo. Assim como Cristo é o sacramento do Pai, a Igreja é o sacramento do Cristo, dito de outra forma, “Cristo o sacramento original, a Igreja, o sacramento fundamental, e os sete sacramentos individuais auto-realizações (respectivamente realizações básica) da Igreja” (NOCKE, 2008, p. 190).

Os sacramentos contêm a graça assim como um efeito na realização de um sinal ou o poder imaginativo do artífice está contido no instrumento do trabalho – portanto, não fisicamente material ou mágico. Eles são o meio de encontro pessoal do Deus que se revela e do ser humano que responde na fé, na esperança e no amor. O modo exato da atuação sacramental é compreendido de diversas maneiras (MULLER, 2015, p. 448).

            A comunicação da graça por meio dos sacramentos, portanto, não deve ser compreendida em seu sentido de forma restrita em que se absolutiza a matéria do sacramento caindo em um realismo exacerbado, tampouco com uma visão de símbolo como algo virtual (não real). Essas polaridades foram muito debatidas na Idade Média, justamente, pela perda da compreensão profunda que os Padres da Igreja tinham do aspecto simbólico dos sacramentos. Dizer que os sacramentos são símbolos é o mesmo que dizer que eles são reais, cuja materialidade dos sinais sensíveis nos sacramentos comunicam a graça que eles simbolizam, apontam para a realidade que ultrapassa o que se vê, todavia, já contêm em si a realidade para a qual remete. Santo Tomás de Aquino rejeitou tanto a visão realista quanto a visão simbólica enquanto antítese de realidade.

Com sua visão sacramental, que ao mesmo tempo abarca a linguagem simbólica, cheia de significação e a eficácia da presença real, Tomás conjuga os diversos aspectos do mistério: a presença de Cristo é real, embora sacramental, é sacramental mas real; a principal linha de Tomás é a chave antropológica-sacramental, prenhe de simbologia, realismo e dinamicidade (ALDAZÁBAL, 1993, P. 232).

Quando se afirma que uma epifania é entrada do divino no mundo, pressupõe que esta visibilidade ao homem acontece por meio de sinais pelos quais o homem é capaz de perceber a sua manifestação, deste modo, os sinais sensíveis são símbolos do sagrado, portanto,

Sinal e graça, segundo esta compreensão, não estão simplesmente ligados exteriormente em razão de um decreto divino. O símbolo pertence ao parentesco do mundo da graça: o símbolo é a própria graça no modo de sua realização no mundo e na história. Os sinais sacramentais, portanto, não apontam para uma graça diferente deles. O sinal, mediante a graça, é transformado em espaço de sua visualização temporal (Cf. MÜLLER, 2015, p. 448-449).

A compreensão dos sacramentos como símbolo foi muito desenvolvida por Karl Rahner a partir da sua teologia dos símbolos. A dimensão simbólica nos é essencial para que se possa ter uma visão equilibrada entre graça e sacramento.

O Logos é o ‘símbolo’ do Pai. Uma cristologia que parte do símbolo poderia restringir-se quase a exegese do dito: Quem vê a mim, vê o Pai (Jo 14,9) (...) o Logos humanado é o símbolo absoluto de Deus no mundo. A Igreja, por sua vez, como a forma em que a Palavra humanada permanece presente em espaço e tempo, dá continuidade a esta função de símbolo do Logos no mundo. Por fim, os sacramentos concretizam e atualizam a realidade simbólica da Igreja (...) com vistas a vida do indivíduo, e colocam (...) por isso, em correspondência à natureza dessa Igreja, uma realidade simbólica. A categoria do símbolo não pretende substituir os enunciados da doutrina escolástica dos sacramentos e, sim, traduzi-los (e coloca-los simultaneamente num contexto maior); pois no conceito do símbolo se relacionam objetivamente “sinal” e “causa”, os dois conceitos básicos da escolástica: o sacramento é a causa da graça (...) conquanto é seu sinal. (...) Numa só palavra: no sacramento, a graça de Deus se coloca eficazmente presente ao criar sua expressão, sua concretude histórica dentro do espaço e tempo, ou seja, seu símbolo (RAHNER apud NOCKE, 20008, p. 192).

Como já foi dito no segundo capítulo, a graça santificante infundida na alma do homem o justifica. É mediante o batismo que essa graça acontece, em que o ser humano é assumido ontologicamente na vida de Deus. Os demais sacramentos faz com que o homem cresça na vida da graça, em especial a Eucaristia. Os sacramentos possibilitam que o fiel entre em contato de forma real, mediante os símbolos sacramentais, com os eventos da salvação e, deste modo, a alma do homem é plenificada, capaz para a comunhão com Deus, tornando apta para o seguimento de Jesus, para a plena incorporação a Cristo e a participação na natureza divina (Cf. MÜLLER, 2015, p. 447).

A liturgia epifaniza o amor de Deus revelado na história atualizando esses eventos em suas celebrações, deste modo, epifaniza o próprio ser de Deus que é amor. Portanto as celebrações sacramentais são antecipações do que se viverá na eternidade, em que veremos Deus face a face. A graça comunicada na liturgia é semente de glória. Portanto, toda celebração litúrgica, de fato, deve nos colocar nessa dimensão de estupefação, de louvor, diante da epifania de sua graça. O símbolo sacramental por serem realidades profundamente arraigadas na cultura humana faz com que o homem se abra a essa graça cujo interior é transformado. Portanto, há uma tensão do “já” e o do “ainda não”. Experimenta-se este antegozo do céu, da comunhão com a Trindade e com os irmãos, mas não em sua plenitude. E, de fato, a liturgia terrestre cumpre perfeitamente a sua finalidade de ser fonte de vida da Igreja, esse gozo antecipado nos aponta para a beatitude escatológica, nos coloca a caminho nesse intervalo de tempo até a sua concretude, e é, justamente, nesse tempo de peregrinação que o homem é impelido pela graça santificante fazer com que essa semente de glória faça dar fruto de boas obras.

3.      Liturgia como Fonte da Vida Cristã: Louvor é Epifania da Graça

Os sacramentos, elemento essencial da liturgia, são celebrações da fé da Igreja, é epifania da fé eclesial e ela se torna expressão da fé pessoal, de sua interioridade quando o fiel, a partir da evangelização recebida, também a toma para si, na liberdade e de forma consciente, tornado tanto expressão quanto resposta ao dom recebido. Se a vida do homem é plenificada de sentido pela fé, fruto deste encontro pessoal com Deus, este sentido se exterioriza mediante o celebrar a fé, em outras palavras, celebrando os sacramentos. A celebração sacramental é a síntese simbólica da vida do fiel, toda a vida da pessoa imbricada nos sacramentos. O sacramento expressa a fé e a fé se expressa no sacramento abarcando a pessoa como um todo. Neste sentido é o ápice história da salvação como história do homem.

A Igreja mediante a liturgia e os sacramentos exteriorizam esta fé, revive esse processo da autodoação divina em um ambiente celebrativo de atualização. Cada fiel que pertence a este povo de Deus chamado Igreja, quando vivencia esta celebração expressa o seu interior que foi tocado pela graça sacramental, as suas faculdades interiores vontade, memória e inteligência se exteriorizam reconhecendo a plenitude de vida dada por Deus. Portanto, assim como os sacramentos são expressão da fé da Igreja o é expressão da fé do fiel, uma unidade de fé e vida. É possível perceber como a vida humana com todas as suas relações, enquanto expressão do seu ser no mundo, encontra seu sentido mais pleno a partir da vida de culto litúrgico.

Como afirma a SC, a liturgia é o cume de toda ação eclesial e fonte de onde emana todas as suas forças. Os sacramentos impelem os fiéis a serem concordes no que rezam com a própria vida, chamado a exercer uma caridade imperiosa de modo que o culto prestado a Deus não seja alienado da vida (Cf. SC, n.º 10). Louvar a Deus pela celebração, e louvá-Lo com a própria vida.

Recebidos os sacramentos, os esforços comunitários e proféticos dos cristãos de transformar a ordem temporal encontram seu sentido último na glorificação do Criador. Expressa-se esta doxologia existencial, que consiste em se tronarem os próprios cristãos, juntamente com a Criação renovada uma oferta agradável a ele, o Criador. Esta parte, obviamente, inspira-se na intuição de que a adoração divina que a Igreja faz na celebração dos sacramentos por Cristo, com Cristo e em Cristo, bem como na unidade do Espírito, está voltada para dar “toda honra e glória” ao Pai onipotente (ROSATO, 1999, p. 96).

            A insistência em afirmar esta unidade de culto e vida brota do princípio teológico que Deus é amor. A liturgia, principalmente por meio dos sacramentos, celebram o amor de Deus, reconhecem mediante os atos litúrgicos sua grandeza que se manifestou a nós com benevolência. É a celebração atualoizante do Deus que é amor. As celebrações da Igreja possuem aspecto comunitário, é o povo de Deus que se reúne para juntos render graças, louvar e adorar ao Senhor pelos seus benefícios, e Dele receber a graça santificante. Este mistério da unidade dos cristãos entre si, fruto do batismo, manifesta a própria unidade da Trindade, cuja relação intratrinitária é amor.

Mais ainda. Quando o Senhor Jesus reza ao Pai que todos sejam um..., como nós somos um (Jo 17,21-22), abre-se perspectivas inacessíveis a razão humana, sugere alguma semelhança entre a união das pessoas divinas e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade. Esta semelhança manifesta que o homem, a única criatura na terra que Deus quis por si mesma, não pode se encontrar plenamente se não por um dom sincero de si mesmo (GS, n.º 24).

O mistério trinitário deve, portanto, iluminar a vida dos fiéis, de modo que o seu ser no mundo seja pautado pela profissão trinitária feita no batismo. A moral deve ser desenvolvida em conexão com este mistério, sendo assim, o agir do cristão seja uma explicitação, na vivência, da profissão trinitária, ou seja um amem vitae (Cf. FORTE, 1987, p.7).

Assim, a vida cristã é uma expressão contínua do “Amém” à glória do Pai por meio de Jesus Cristo e no Espírito Santo: “Porque todas as promessas de Deus são sim em Jesus.  Por isso, por ele é que dizemos ‘Amém” a glória de Deus, em nós. Aquele que nos mantêm firmes convosco em Cristo e que nos deu a unção é Deus. Foi Ele também que nos marcou com seu selo e nos colocou no coração, como um primeiro sinal, o Espírito” (2 Cor 1,20-22). Para Paulo a própria existência cristã é uma doxologia ao Pai, baseado no “sacramento de glória”, que é Cristo, e realizada no “poder da glória” que é o Espírito (...). A partir da sacramentalidade da própria vida dá glória ao Pai e se torna assim o pressuposto para toda a oração, para toda participação na Eucaristia, para todo gesto moral, em benefício do próprio e para toda esperança na felicidade final (ROSATO, 1999, p. 98).

            A gratuidade do amor divino presente no dinamismo sacramental e comunicado aos cristãos pode ser este elemento essencial e determinante para que a práxis cristã contribua com a sociedade. Sabemos que o mundo presente funciona a partir de mecanismos que valorizam a produtividade, o utilitarismo, sendo descartáveis aqueles que, segundo a compreensão atual, não podem oferecer algo para a sociedade.

Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do «descartável», que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são explorados, mas resíduos, sobras (EG, 2014, n.º 53).

A vida sacramental, deste modo precisa ser transportada para a vida cotidiana de cada fiel. A identidade comunitária, a familiaridade, o amor, a relação interpessoal, a liberdade, a solidariedade, elementos presentes na celebração litúrgica podem ajudar o mundo a encontrar o seu eixo novamente.

É esse agir moral dos cristãos que entendemos como epifania dos efeitos da graça. É mediante as suas ações no mundo que o cristão, estando nesse estado, manifesta o seu ser transformado pelas as ações benevolentes de Deus que chegaram a ele principalmente pelos sacramentos. A participação litúrgica dos fiéis, que por meio da qual rendem um culto a Deus, será tanto mais sincera na medida que este culto esteja alicerçado em uma vida que louva a Deus com as suas atitudes. É evidente, como já foi dito acima, que este agir é fruto da graça de Deus, mas o homem contribui abrindo-se parta os efeitos que ela produz nos seu interior, que a partir das moções suscitados no seu íntimo é capaz de epifanizá-las em boas obras.

             Na carta aos Romanos, Paulo nos aponta para esse culto a Deus a partir da própria vida: “Exorto-vos, portanto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual” (Rm 12,1).

            Essa oferta de si a Deus, externa-se, por conseguinte, através de uma existência plenamente humana e santa dentro de uma sociedade. Assim como salmo oito, em que o perfeito louvor é dado pelos lábios dos mais pequeninos, o culto espiritual a Deus através das ações no mundo pressupõem a clareza de compreensão que a vontade de Deus se realiza não mediante a atos extraordinários, mas através dos acontecimentos simples do cotidiano. Tal qual é a liturgia, sóbria, breve, marcada pela solene repetição, assim deve ser a vida do fiel, o cotidiano com a sua simplicidade conduzida pela graça que o inspira como nova criatura (Cf. 2Cor 5,17), fazendo de si mesmos uma forma de culto. A vida se torna uma liturgia, uma continuação dos mistérios celebrados. A autodoação de Cristo celebrada nos sacramentos é assumida como estrutura interna, de modo a ser louvor do Pai na medida que se age de acordo com essa graça interiorizada. O cristão é uma doxologia viva (Cf. ROSATO, 1999, p. 102-103).

 “Pode-se afirmar, portanto, que os sacramentos da Igreja, como atos realizados na unidade do Espírito e exercidos por Cristo, com Cristo e em Cristo para prolongar seus valores na história, fortalecem a integridade moral de cada cristão como culto espiritual e vice-versa (ROSATO, 1999, p. 104)”.

            Essa graça da vida divina em nós recebida pelos sacramentos é que nos une a Deus, somos divinizados. A vida humana natural que em si já manifestava um grau de união com Deus pelo fato de sermos criados a sua Imagem, a Pessoa do Verbo, é elevada ao sobrenatural, justamente, pela encarnação do Verbo, sua morte em ressurreição. Por isso,

O cristianismo é mais de que um sistema ético (...) o Novo Testamento e Os Padres da Igreja consideram Cristo bem mais do que um “profeta” ou um grande “Mestre”. Como Filho de Deus e Segundo Adão, ele é a Cabeça e a Vida de todo o gênero humano e, como tal, é o princípio do qual fluem para as nossas almas toda a força e a luz que nos restauram na semelhança divina e nos fazem filhos de Deus, capazes de conhecer e amar a Deus à luz da contemplação e de glorificá-lo na perfeita caridade para com as demais pessoas. Jesus não apenas nos ensina a vida cristã, Ele a cria em nossas almas pela ação de seu Espírito. Nossa vida Nele não é questão de mera boa vontade ética. Não é mera perfeição moral. É uma realidade espiritual totalmente nova, uma transformação interior (MERTON, 2006, p. 81).

Dito de outra forma, dizemos que é a vida eterna já começada.

Nosso Senhor, de fato, diz seis vezes, no quarto Evangelho: “Quem crer em mim, tem a vida eterna” (Jo. 3,36; 5,24 e 39; 6,40, 47 e 55). Não somente ele a terá mais tarde, se perseverar, mas em certo sentido já a tem (...). O que nos quer fazer entender Nosso Senhor, afirmando tantas vezes: “Quem crer em mim, tem a vida eterna”? Ele quer dizer: Quem crê em mim com fé viva, unida a caridade, ao amor de Deus e ao próximo, tem a vida eterna começada. Quem crer em mim, tem em germe uma vida sobrenatural idêntica, no seu fundo, à vida eterna (GARRIGOU-LAGRANGE, 2011, p. 26).

Essa transformação interior realizada em nós nos permite viver todas as realidades a partir da ótica divina. O mundo criado, a sociedade com suas relações são sinais da benevolência divina e dom concreto para o homem, como foi dito no segundo capítulo, são dignos de receberem uma berakah, ou seja, proferir uma benção sobre a realidade na qual está inserido. Esse louvor que é o reconhecimento do que Deus é (bondade, justiça, misericórdia, amor).

Reverenciar e honrar o que é superior (...).  É um ato de pura justiça, venerar Aquele que é a grandeza excelsa e magnificência absoluta, ao mesmo tempo, é um, ato pelo qual se aperfeiçoa aquele que presta tal homenagem (...) Louvar a Deus é elevar-se até o lugar onde está a razão de sua existência (GUARDINI, 2018, p.72).

            Mas, tomando a definição acima de louvor enquanto um honrar a Deus, seria muito restrito entende-lo apenas enquanto um modo de oração. A primeira epístola de João afirma: “Não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e com verdade” (1Jo 3,18); “Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vêm de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus” (1Jo 4,7); “Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia o seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20). Deste modo, para que se possa honrar a Deus é necessário que a vida toda da pessoa possa estar voltada para Deus e, portanto, a sua relação com o mundo e com o seus semelhantes deve estar embasado nesse amor a Deus que foi derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado (Cf. Rm 5,5). Pela graça infundida em nós somos capazes de amar com o amor divino. No evangelho de Mateus Jesus nos diz como será o juízo final em que alguns se ajuntarão a Ele para conviver eternamente na glória e outros serão excluídos, e o critério para o julgamento será o amor à Jesus. Entretanto, o drama da narração se concentra em qual momento se amou ou deixou de ama-Lo, e a resposta de Jesus é simples: “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes (...) todas as vezes que o deixastes de fazer a um desses mais pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25, 39.45). Conclui-se, que se louva, honra, reverencia a Deus amando todas as suas criaturas, principalmente, amando o homem que é imagem e semelhança de Deus - o ápice da criação - e, por isso, podemos afirmar que, “Laus Dei, caritas est”.

Por fim, essa vivência da vida na graça podemos chama-la de mística. No senso comum, o místico é aquele que possui dons extraordinários, que desafiam as leis da natureza, entretanto, estas “manifestações” não são critérios para identificar um místico. O místico em sentido cristão, é aquele que deixou ser encontrado pela graça de Deus, cujo ser foi transformado interiormente e, por isso, que a sua vida cotidiana, com tudo o que ela comporta, revelam o Deus que habita dentro de si através da vivência das virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade, sendo a caridade a maior das virtudes. A natureza do homem elevada ao estado sobrenatural se conhece pelas obras, estas são epifanias da graça. Do mesmo modo que se conhece que uma arvore é boa pelos seus bons frutos, assim se conhece um místico: são pelas suas obras de santidade que se reconhece a vida divina como seiva que nutre o seu ser.  Deste modo, só é possível viver louvando a Deus, que é a nossa razão de ser, na medida que o louvamos com a vida unida a Ele.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

A graça de Deus é a manifestação do seu ser na história. Em outros termos, podemos dizer que é a ação benevolente de Deus que busca revelar o seu amor aos homens. Diante dessa graça que se revela na História da Salvação, o homem se volta para Deus em atitude de Louvor, portanto, reconhece a grandeza de Deus, pois, mesmo sendo o totalmente Outro se preocupa com o homem tratando com carinho e benevolência.

O homem chega ao conhecimento dos atributos divinos (bondade, misericórdia, amor, justiça) a partir da sua manifestação no tempo e no espaço (epifania). O ápice da epifania de Deus é a Encarnação do Verbo sua vida morte e ressurreição, pois a partir da vida do Verbo Encarnado se conhece mais plenamente o Pai (Cf. Jo 14,9). Esse conhecimento é mais que simples informação sobre “algo”, essa categoria bíblica remete ao conhecimento íntimo, dito de outro modo, é o conhecimento que se dá a partir da união interna que há entre duas partes que estavam separadas. Portanto, a graça que nos advém pela vida de Cristo, não somente informa a nossa razão, mas nos transforma ontologicamente, por ação do seu Espírito, e nos coloca na intimidade da Trindade, para viver segundo a vontade de Deus.

A Igreja atualiza os eventos salvíficos em suas celebrações e, deste modo, comunica mediante os seus sinais sensíveis a graça que eles simbolizam, deste modo, a graça sacramental possibilita a comunhão entre Deus e o homem, portanto, não apenas sana a natureza que foi ferida pelo pecado, mas ainda a coloca em um estado muito superior à que era vivida por Adão. Em Cristo pelo Espírito Santo somos divinizados.

O Louvor do homem é atitude do homem maduro que sabe olhar tudo que envolve sua vida a partir da ótica divina, ou seja, a graça (epifania do ser de Deus) agindo em seu interior faz com que suas faculdades naturais sejam sobrenaturalizadas e, portanto capaz de relacionar com Deus, consigo mesmo e com o próximo de um modo novo: é capaz de amar com o amor que foi derramado em seu coração pela ação do Espírito (Cf. Rm 5,5).

O louvor mais excelso é o que se realiza na Sagrada Liturgia, pois este encontra sua fonte e motivação nas graças advindas pelo ápice da epifania da graça, a vida de Cristo, que são atualizadas na celebrações litúrgicas. Esse louvor litúrgico implica uma dimensão moral. A celebração do amor de Deus mediante as ações litúrgicas deve nos conduzir a uma vida que seja concorde com o que se reza. A vida cotidiana do homem, com todas as suas relações, portanto, deve epifanizar a graça que o transformou. É a vida do homem unido a Deus pela graça, portanto, o homem divinizado que louva a Deus. Conforme Santo Irineu de Lião, a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a participação na vida divina que nos advém pela graça. Doravante, as ações humanas epifanizam a graça que o transformou. A graça é semente de glória.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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