domingo, 1 de novembro de 2020

Monografia Frater Gabriel Soares Sousa - O Louvor de Deus no Sofrimento

 

INSTITUTO SUPERIOR DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS RELIGIOSAS SÃO BOAVENTURA

 

 

 

 

 

O LOUVOR DE DEUS NO SOFRIMENTO

 

 

 

 

GABRIEL SOARES SOUSA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO - 2020

GABRIEL SOARES SOUSA

 

 

 

 

O LOUVOR DE DEUS NO SOFRIMENTO

 

 

 

 

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo aluno Gabriel Soares Sousa, como parte do requisito para obtenção do título de Graduação em Teologia, sob a orientação do Prof. Pe. Dr. Micael de Moraes, sjs. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO – 2020

GABRIEL SOARES SOUSA

 

 

O LOUVOR DE DEUS NO SOFRIMENTO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo discente Gabriel Soares Sousa, como parte do requisito para obtenção do título de Graduação em Teologia.

 

 

Aprovado em       de outubro de 2020.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Prof.º Dr. Pe. Micael de Moraes, sjs

TABELA DE SIGLAS

Ap - Apocalipse

At - Atos dos Apóstolos

CIgC - Catecismo da Igreja Católica

Cl - Colossenses 

Cor - Coríntios

Dt - Deuteronômio

Ecl - Eclesiástico

Ef - Efésios

Fl - Filipenses

Gl - Gálatas

GS - Gaudium et Spes

Hb - Hebreus

Is - Isaías

Jó - Jó

Jo - João

Lc - Lucas

LG - Lumen Gentium

Lm - Lamentações

Mc - Marcos

Mt - Mateus

Pd - Pedro

Rm - Romanos

SC - Sacrosanctum Concilium

SD - Salvifici Doloris

Sl - Salmos

Tm - Timóteo

 

 

 

 

EPÍGRAFE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Meu filho, se te ofereces para servir o Senhor, prepara-te para a prova. Endireita teu coração e sê constante, não te apavores no tempo da adversidade. Une-te a ele e não te separes, a fim de seres exaltado no teu último dia. Tudo o que te acontecer, aceita-o, e nas vicissitudes que te humilharem sê paciente, pois o ouro se prova no fogo, e os eleitos, no cadinho da humilhação. Na doença e na indigência, conserva tua confiança. Confia no Senhor, ele te ajudará, endireita teus caminhos e espera nele.”

 

(Eclesiástico 2, 1-6)

 

 

 

 

AGRADECIMENTO

 

Agradeço a Deus, autor de minha vida e vocação, por sempre ter cuidado tão bem de mim, não me faltando em nada. Sou eternamente grato aos meus pais, Ilson Soares Sousa e Francisca Soares, pelo cuidado e amor-doação para comigo, por todas as renúncias e sacrifícios. Aos meus amados irmãos Geone Martins e Thais Soares, por estarem sempre ao meu lado, bem como meus amados sobrinhos, Bernardo e Moisés.

Agradeço o meu orientador, Pe. Micael de Moraes, sjs, que não só soube orientar esse trabalho, mas acompanhou-me durante a sua construção, sempre apontado que a dor nos faz viver o Louvor de Deus em sua profundidade.

Agradeço aos professores e à direção do Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo cuidado e esforço em minha formação durantes todos esses anos.

Agradeço a todos os meus irmãos Salvistas, que comigo levam o Louvor de Deus ao mundo, pela alegria e unção, que são afago e cura para todos aqueles que se encontram entranhados no sofrimento, continuemos irmãos a levar a faceta do Cristo que louva ao mundo. De forma especial agradeço ao meu formador pessoal, Pe. Wendel, sjs, pelo cuidado nesse tempo e por ter auxiliado em meu processo de crescimento, me revelando o louvor, mesmo quando só enxergava dor, obrigado irmão. Gratidão aos meus irmãos de turma, que desde 2012 estão ao meu lado, nessa escola do louvor.

Minha gratidão a todos que fazem parte da Obra de Jesus Salvador, que estas páginas os auxiliem na busca da santidade e sabedoria, como era desejo de nosso pai fundador para nós, seus filhos. E muito obrigado pai, por ter unido cada dor a Jesus, o fruto é a Fraternidade, e a sua doação, alcançou-me no Sudoeste baiano, ao senhor minha gratidão.

Agradeço a todas as pessoas que estiveram ao meu lado nesse tempo, enriquecendo esse trabalho com suas histórias. A todos aqueles que fizeram parte de minha história e que são expressão do ecoar do Louvor de Deus em minha história.

Por fim, peço a Virgem Maria, Mãe de Pentecostes, que esteve firme até a Cruz, que continue rogando por mim, lutando pela minha vocação, sustentando meus braços falhos e o meu louvor a Deus. Que Ele cresça em nós sem cessar!

 

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I

O SOFRIMENTO HUMANO

1. Antropologia do sofrimento

2. O sofrimento à luz do Antigo Testamento

3. Compreensão do sofrimento a partir do sacrifício de Jesus Cristo

4. Sacerdócio de Cristo: Sofrimento e Sacrifício na Liturgia

 

CAPÍTULO II

 

O LOUVOR DE DEUS

1. Considerações acerca do que é Louvor de Deus

2. O Louvor de Deus à luz da Sagrada Escritura

3. O Louvor de Deus a partir da Liturgia

4. Louvor de Deus e as virtudes teologais

 

CAPÍTULO III

 

O LOUVOR DE DEUS NO SOFRIMENTO

1. A relação entre Louvor de Deus e sofrimento

2. Experiência do sofrimento no Louvor de Deus

3. A Diaconia do carisma Salvista, resposta ao comportamento hedonista

 

CONCLUSÃO

 

BIBLIOGRAFIA


INTRODUÇÃO

 

O sofrimento é a condição do ser humano, que em sua existência vive situações dolorosas, sejam elas morais ou físicas, ou até mesmo as duas simultaneamente. Momento esse, onde o ser humano sente-se completamente desolado, sem esperança, podendo chegar até mesmo ao desespero. Por isso faz-se necessário uma autêntica compreensão sobre este tema, em sua raiz história e antropológica.

 Na Sagrada Escritura, vê-se o homem que é ocasionado pelas dores, que estão relacionados aos pecados, em Jó, é apresentado uma nova figura, um homem bom, justo e íntegro, que vive experiências dolorosas. A novidade deste livro, é que Jó vive o sofrimento de maneira diferente, ele sofre diante de Iahweh, seu Deus, e é por isso que as lágrimas de Jó, nos remetem a Jesus Cristo, que ao sofrer, mudará para sempre o sentido do sofrimento, elevando-o a uma categoria redentora. Agora o homem não está sozinho em suas experiências de dor, pode unir-se ao Cristo, e enxergar esperança, isso é atualizado na Liturgia da Igreja, onde o altar se torna Calvário, lugar da oferta e do amor.

É inevitável evitar o sofrimento, o que pode ser evitado é como o homem o vive, uma vez que deve reconhecer-se como sendo Louvor de Deus. Sobre este tema, o presente trabalho apresentará o seu conceito, e passagens da Sagrada Escritura, com ênfase nos salmos, que demonstram que o homem nasceu para o louvor de Sua Glória. (Ef 1.6). Quando o homem tem a compreensão de ser Laus Dei, ele vive em sua vida as virtudes teologais, que com maestria o auxiliam na abertura a Deus, na vivência do amor, como Cristo viveu. E esse amor é a fonte mais plena para pergunta acerca do sofrimento, resposta dada por Deus ao homem, na Cruz de Jesus Cristo.

Por fim, aquilo que parece ser antítese, nesse trabalho apresento em forma de relação, o louvor Deus no sofrimento. Na tradição da Igreja, muitos fizeram essa experiência redentora de Jesus em suas vidas, com a possibilidade de ver um caráter de benção em meio a dor. Quando o homem une sua vida a de Jesus, o seu sofrer é com sentido, mas isso só é possível quando o homem está aberto ao louvor. Quando se fecha, vive o hedonismo, um mal para a sociedade que vivemos, pois desfigura o homem, principalmente em sua capacidade de viver o amor, enquanto que o louvor integra, vive as experiências de sofrimento, não fechando-se, mas vivendo de forma fértil, gerando vida, sendo cura e salvação para um mundo ferido e machucado.

CAPÍTULO I

O SOFRIMENTO HUMANO

 

O ser humano, ao longo do seu itinerário de vida, já passou pela experiência do sofrimento. Sofrimento este que causa dor, dilacera e, muitas vezes, faz com que a pessoa fique desorientada. Para entender esse movimento, é necessário conhecer o sofrimento na sua raiz e percorrer o seu trajeto antropológico. Para trabalhar sobre esse conceito, será feito um percurso pelas seguintes etapas: A origem e conceito de sofrimento e o seu percurso histórico. Após isso, será explicitado sobre o sofrimento na Sagrada Escritura e o sofrimento humano no Sacrifício Salvífico de Cristo, bem como na Tradição da Igreja, analisando o processo do sofrimento como forma de bênção.

 

1. Antropologia do Sofrimento

Dentro da tradição ocidental, o sofrimento era designado para aqueles que estavam acometidos pelo poder de outrem, escravos ou prisioneiros. Sob a luz da modernidade, o termo sofrimento ganhou uma nova forma, que consiste na infelicidade do homem. A criatura que sofre é aquela que padece dos infortúnios capazes de lhe ferir em corpo ou alma. Ao buscarmos a sua etimologia nos deparamos com a seguinte explicação:

É justamente o vocábulo que designava a opressão, a submissão, a situação da criatura submetida ao poder de outros como coisa, ou, "ferramenta", padece de todos os infortúnios capazes de lhe "ferir" (machucar) corpo e alma. (DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO, 2020)

No sofrimento, o ser humano toca o seu nada, percebe que não é dono de si e, ao mesmo tempo, atinge sua fragilidade. O Catecismo da Igreja Católica elucida muito bem sobre isso, ao discorrer no parágrafo 1.500 que “a enfermidade e o sofrimento sempre estiveram presentes entre os problemas mais graves da vida humana. Na doença, o homem experimenta sua impotência, seus limites e sua finitude. Toda doença pode fazer-nos entrever a morte.” (CIgC, 1500, p. 412.). O sofrimento é inevitável, mas o que se pode evitar é qual postura empregar frente ao sofrimento. O Catecismo quanto a isso continua:

A enfermidade pode levar a pessoa à angústia, a fechar-se sobre si mesma e, às vezes, ao desespero, e à revolta contra Deus. Mas também pode tornar a pessoa mais madura, ajudá-la a discernir em sua vida o que não é essencial, para voltar-se aquilo que é essencial. Não raro, a doença provoca uma busca de Deus, um retorno a Ele. (CIgC. 1501, p. 412).

No decorrer da história, vemos o percurso do sofrimento, sempre acompanhando o ser humano, em suas diversas épocas e contextos, e, sob cada tempo, o homem encontrou uma maneira de encarar o sofrimento.

A compreensão acerca do sofrimento, foi sendo desenvolvida ao longo da história da humanidade, de modo veterotestamentário com o povo hebreu, por meio da perseguição aos Cristãos, e, no tempo da cristandade, marcado pelo momento em que o Cristianismo foi aceito como religião em meio à sociedade, ou até mesmo, como religião oficial do Império Romano, tendo Constantino como imperador.

Com a conversão de Constantino, é afastada a ideia da fatalidade do sofrimento para a conservação da fé. As vítimas da dor eram aquelas que se encontravam marginalizadas: viúvas, pobres, doentes, deficientes, entre outros. Destaca-se, assim, a figura dos eremitas – religiosos que saíam de suas terras, e, ao construírem albergues, ajudavam estes moribundos sofredores, abrigando-os ainda que fosse transitoriamente –; a grande contribuição monástica foi: a de encontrar uma compreensão no sofrimento, e enxergar no sofredor, o Cristo que sofre e, assim, encontrar uma possibilidade de redimir os próprios pecados, pois a caridade apaga uma multidão deles. (cf.1 Pd 4).

O Concílio de Orléans (511), ameaçou caçar bispos negligentes, ou seja, aqueles que não destinavam aos pobres, aquilo que deles era por direito. A maioria dos “Hôtels-Dieu”, se não a maioria das Santas Casas de Misericórdia, vêm de uma Domus Dei episcopal, ação essa que remonta ao século VI e aprimora-se no século IX, reservado aos pobres, doentes e viajantes. Nos séculos XIV-XVIII, há uma continuação, ainda que silenciosa, da tradição cristã da assistência caritativa.

É possível contemplar a dor e o sofrimento na vida dos santos neste período, não apenas dos mártires, mas de todos que viveram de forma heroica o Evangelho. Por viverem sofrendo com e por amor, adquiriram uma capacidade de se abrirem à alegria e à dor, numa ambiguidade curiosa. Como se nota na alegria inabalável de São Francisco, ou na serenidade que caracterizava São Francisco de Sales.

Entretanto, o elemento mais significativo da atividade religiosa em relação à dor, nesta época, encontra-se entre a pregação da Igreja e os escritos teológicos e espirituais, dentre os quais, destaca-se a Imitação de Cristo, publicada no século XV. Leitura recomendada e praticada pelos devotos, por ajudar seus leitores a dar sentido às suas angústias.

No decorrer do século XVIII, o conceito vivido de dor mudou em meios esclarecidos. A assimilação da nossa dor para a dor redentora do Messias, constitui um elemento antropológico que favoreceu, consideravelmente, a humanidade a desenvolver uma consciência de não mais suprimir a dor, mas encontrar, de alguma forma, dar sentido a ela.

No século XIX e primeira parte do século XX, a principal preocupação dos teólogos ao abordar o tema do sofrimento é isentar Deus de qualquer culpa ou cumplicidade com o mal. A cruz é imposta pela vida a todo homem e aqueles que desejam seguir o Cristo, podem assumir essa cruz, na renúncia a si mesmo (cf. Lc 9, 23), com amor e doando a própria vida.

 

2. O sofrimento à luz do Antigo Testamento

O Antigo Testamento contém livros que relatam diversas histórias, sobre o sofrimento, e o que nos interessa nesse trabalho é perceber como os personagens desses livros reagem diante de situações que os levam ao sofrimento. Dessa forma, pode-se perceber que alguns códices nasceram antes do exílio, e, outros escriturísticos durante o exílio, ou seja, esses textos nasceram em ambientes de grandes crises.

O homem do Antigo Testamento vive a doença diante de Deus. É diante de Deus que ele faz sua queixa sobre a enfermidade, e é para o Senhor da vida e da morte, que o homem implora a cura. Desta forma, a enfermidade se torna caminho de conversão e o perdão de Deus dá início à cura. (CIgC, 2000, n.412).

São João Paulo II, em sua carta apostólica Salvifici Doloris, diz algo bem interessante: “A Sagrada Escritura é um grande livro sobre o sofrimento.”(SD, 1984, n. 6).E, no mundo do sofrimento humano, podemos destacar dois tipos de sofrimento; o sofrimento moral e o sofrimento físico.

 

O sofrimento é algo mais amplo e mais complexo do que a doença e, ao mesmo tempo, algo mais profundamente enraizado na própria humanidade. É-nos dada uma certa ideia quanto a este problema pela distinção entre sofrimento físico e sofrimento moral. Esta distinção toma como fundamento a dupla dimensão do ser humano e indica o elemento corporal e espiritual como o imediato ou direto sujeito do sofrimento. Ainda que se possam usar até certo ponto, como sinônimas, as palavras “sofrimento” e “dor”, o sofrimento físico dá-se quando, seja de que modo for, “dói” o corpo; enquanto que o sofrimento moral é “dor da alma”. Trata-se, de fato, da dor do tipo espiritual e não apenas da dimensão “psíquica” da dor, que anda sempre junta tanto com o sofrimento moral como com o sofrimento físico. (SD, 1984, n. 9-10).

Outros livros do Antigo Testamento explicam sobre uma nova concepção do sofrimento, não mais como castigo, e sim como possibilidade de crescimento, que será compreendido de melhor forma na vida de Jó.

Mais do que uma meditação sobre o sofrimento, o livro de Jó propõe uma reflexão sobre os caminhos de Deus, e ele conservou para nós os traços de um verdadeiro drama da fé. O mistério da leitura do livro de Jó se torna um parâmetro para todo cristão, que, cedo ou tarde, vai enfrentar o mal e o sofrimento.

A história literária do livro de Jó, contada em 42 capítulos, pode ser dividido em quatro etapas: o conto primitivo, os diálogos poéticos, os discursos de Eliú e o poema sobre a Sabedoria. Depois da introdução na qual se descreve a felicidade de Jó e sua integridade moral (cf. Jó 1, 1-5), o prólogo resume, em um díptico, as infelicidades que lhe sobrevêm.

Satanás aparece no epílogo, e, não podendo atacar a Iahweh, procura a perca de um homem inocente. A primeira resposta de Jó (1, 20-21), diante do anúncio da primeira série de desgraças, é se levantar, rasgar o manto, raspar a cabeça e cair por terra. Esses gestos não são de arrependimento, e sim, sinais de luto. Nu, ele volta a ser o que era no dia de seu nascimento: dependente. percebe que a vida vale mais do que a veste. Mesmo envolto por uma desgraça imerecida, ele não discute, não duvida e não acusa Deus, pelo contrário, apenas o bendiz em vez de pronunciar a maldição que Satanás lhe cobrava.

"Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá. Iahweh o deu, Iahweh o tirou, bendito seja o nome de Iahweh." (Jó 1,21). Em Jó, é visto não apenas sua bela confissão de fé depois da palavra de Deus, mas também o fato dele interceder por aqueles que o haviam injuriado e ofendido, pois isto constitui igualmente a obra do justo.

O itinerário noturno de Jó levou-o à profunda metamorfose. Jó reclama unicamente um encontro com Deus para que lhe mostre sua razão de viver e o justifique por haver esperado. Jó vive sua provação, antes de tudo, como problema relativo a Deus, e é somente a Deus que Ele quer se dirigir. Sem dizer do paradoxo latente em toda parte do destino de Jó, pois até o silêncio de Deus desempenha papel motriz para sua esperança.

Assim como o amor invisível de Deus dá o tempo a Jó, seu silêncio lhe abre espaço. Espaço para a recusa ou para o assentimento, espaço para a fuga ou para a busca, porém, de qualquer maneira, espaço de liberdade. O que é loucura de Deus é mais sábio que o homem, e o que Jó se sente tentado a considerar cinismo, constitui, da parte de Deus, a mais sadia e a mais audaciosa das pedagogias. Deus finge retirar-se, mas é para que Jó consiga encaminhar-se para ele; Deus prefere parecer está longe; no entanto, é para que Jó possa refazer, ao longo da vida, os primeiros passos da esperança. (LEVEQUE, 1987, p. 83).

Jó pela via do sofrimento, começa a atingir a sua verdade inteira, e, no ato de sua cura, descobre o que ele devia curar. Cinco séculos antes da revelação definitiva que se dará em Jesus e sua cruz, Jó, ou homem de Deus que se oculta por trás dele, já soube pressentir um dos maiores paradoxos da salvação. Compreendeu que a ferida aberta em nós pelo silêncio de Deus, nada mais é, senão a esperança, e esta ferida, ele aceitou que não fosse curada. Por isso que todo cristão pode reconhecer em Jó um companheiro de caminhada, que ousa dizer bem alto o que cada um sente de modo confuso na hora da provação.

O drama do sofrimento vem perturbar as evidências, as certezas fáceis e as belas ideias que inspiram segurança. É principalmente no sofrer que os homens se voltam para Deus ou, acabam por se desviarem Dele, mas, em ambos os casos, eles se defrontam com seu mistério. O livro de Jó se torna dessa forma uma rota de fé, porque Deus sempre responde, como respondeu ao seu Filho, na manhã da Páscoa. Jó contesta a verdade do princípio que identifica o sofrimento como o castigo do pecado, e faz isso baseando-se na própria situação pessoal. O seu sofrimento é o de um inocente, é um anúncio, de certo modo, da Paixão de Cristo.

Outra experiência de sofrimento no Antigo Testamento, foi sem dúvida o exílio babilônico, reunindo um material literário escrito nas circunstâncias do exílio. A deportação para a Babilônia revela acontecimentos marcantes para o povo de Israel. Milhares de pessoas viveram em desterro. Inúmeras foram as pessoas que sucumbiram aos sofrimentos de longas marchas e de trabalho forçado. A vida desses exilados não foi nada suave, mas, em meio a esta dor, floresceu a esperança. O retorno à terra veio a ser possível e o sofrimento transformado em êxito.

“O exílio babilônico aconteceu no século VI. Mas, para bem compreendê-lo, devemos regredir, inicialmente, ao século VIII. Aí se vai preparando o cenário, no qual está situada a deportação ocorrida no século VI.” (SCHWANTES, 1987, p. 20).

Sobre os exilados dos tempos babilônicos, houve diversos contingentes e deportados, ou seja, a deportação de 597 teve algumas marcas especiais. Foram levados o rei e sua corte. Estes parecem ter sido uma espécie de reféns. Destinavam-se a pôr sob controle a parte da corte remanescente em Jerusalém. "Em suma, em 597, em 587 e em 582 terão sido levados para a Babilônia e aí reassentados umas 15 mil pessoas, oriundos basicamente da população de Jerusalém." (SCHWANTES, 1987, p. 29).

Os exilados não só se mantiveram fiéis ao seu Deus, como também alteraram e recriaram suas expressões de fé. Foi uma grande mudança. Antes eram da elite da capital de Jerusalém, e agora, exilados, trabalham na terra, e, muito daquilo que lhes era próprio, não era mais possível realizar em terra que não era a deles. Começaram a realizar o mesmo trabalho em que outrora, era realizado pelos seus escravos. À força foram levados a uma terra estranha.

Na descrição da dor, o sofrimento humano ocupa largo espaço. Os velhos e as viúvas estão abandonados, as crianças gemem de fome, a vida está permeada de morte. Esta é a tônica das lamentações, livro que transpira esta atmosfera de morte e decomposição, exilados e remanescentes são irmãos gêmeos do infortúnio, situação sem dúvida de extremo sofrimento.

No tempo do exílio, passa-se à escuta dos profetas, seus textos são lidos e interpretados. Os salmos foram de grande relevância, é possível constatá-lo nas lamentações. Com a destruição do templo, não haveria lugar para o sacrifício, parte central do culto a Javé, e os salmos cantam esse momento: “Às margens dos rios da Babilônia nós nos sentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião” (Sl 137, 1).

 

3. Compreensão do sofrimento a partir do sacrifício de Jesus Cristo

Os cristãos vão desenvolver sua concepção de sofrimento, como coparticipação na vida do Cristo Sofredor, ou melhor, o sacrifício de Cristo perpetuado pela própria tradição da Igreja, no entendimento do Evangelho de Mateus: "E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos" (Mt 28, 20). Não restringindo ao Batismo como um mergulho de toda a vida nesse mistério Redentor. Mas uma presença contínua e atualizada do sacrifício incruento através de um rito, no qual creem, no que chamam de “Mistério da Transubstanciação”, cujo pão e o vinho são, por meio de palavras e gestos, transubstanciados (transformados) no corpo e sangue de Jesus, ofertado para alimento ou fortalecimento ou até encorajamento, para a oferta da própria vida de quem dele se alimenta, porém nesse mesmo e único sacrifício.

Quando falamos sobre o sacramento da Eucaristia, por exemplo, refletindo sobre seu valor sacrifical, ela é um alimento mais forte que a pessoa que a come. A nossa morte é absolvida pela vida que esse alimento nos traz. E, além disso, se comungamos nos sacrifícios de Cristo, os sofrimentos, que nos separam uns dos outros, comungam nele uns com os outros, esmagam os grãos que somos, para preparar o corpo místico de Cristo. A participação no seu corpo real mistura e faz levedar toda essa massa. A Missa se torna assim um banquete. Possui o simbolismo de uma refeição, que é a realidade permanente do seu sacrifício. (Cf. REGAMEY, 2014. p. 89).

Para apreender melhor esse processo do sofrimento humano no de Cristo, faz-se necessário saber, em que consiste o Seu sacrifício.

O sacrifício de Cristo e seu martírio começaram desde o primeiro instante de sua existência e continuaram durante sua vida oculta e pública, atingindo seu ponto culminante no momento de sua Paixão. “Ó vós todos que passais pelo caminho, olhai e vede se existe dor igual à dor que pesa sobre mim, Eu que fui golpeado por Deus No dia de sua ira ardente!” (Lm 1, 12). Processo esse que se tornou integrador na vida do homem que sofre, sobre isso Cencini comenta:

“Na sua morte e paixão, Jesus integra o ser humano. Assim o Filho nos salvou. Naquele momento, também constituiu a cruz como fonte e sentido e centro de atração, e o seu coração dilacerado como sinal de unidade, como coração do mundo, como exatamente o Pai queria, como aquilo que lhe dá vida. É esse, talvez, o verdadeiro sentido da exaltação da Cruz”. (CENCINI, 2007, p. 441)

Ao sair do Cenáculo, onde havia instituído a Eucaristia para perpetuar na terra a sua presença e seu sacrifício, vai para o jardim plantado com oliveiras, enquanto caminha com os três discípulos mais próximos. A tristeza e o terror se estampam em seus traços: “Minha alma está triste até a morte” (Mt 26, 38). Prevê a ingratidão e a indiferença de muitos, que, por sua resistência à graça e por seus numerosos pecados, contristaram seu coração. Condenado por Pilatos, Jesus é entregue a um esquadrão de soldados romanos comandados por um centurião. Sobre seus ombros feridos é colocada uma pesada cruz, e o levam para fora da cidade, para conduzi-lo ao Calvário (cf. Mt 27, 31). Sobre este assunto Ratzinger comenta:

“Mesmo na sua Paixão – tanto no monte das Oliveiras como na cruz – Jesus fala de si e fala a Deus Pai com palavras dos Salmos. Mas essas palavras tiradas dos Salmos, tornaram-se totalmente pessoais, palavras absolutamente próprias de Jesus na sua tribulação: Ele é realmente o verdadeiro orante desses Salmos, o seu verdadeiro sujeito. Aqui se identificam a oração muito pessoal e o rezar com as palavras de súplica do Israel crente e sofredor”. (RATZINGER, 2011, p. 144)

Jesus chega, enfim, ao Calvário, completamente esgotado, e do alto dessa colina contempla a cidade culpada que acaba de rejeitá-lo, como também, além de seus muros, o mundo inteiro pelo qual vai morrer. Os soldados o despojam de suas vestes, seu sangue escorre, grossos cravos penetram em seus membros já tão sensíveis. E, no entanto, o Salvador não maldiz seus algozes, mas reza pela conversão deles: “Meu Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem!” (Lc 23, 24). Pois era o seu amor pela humanidade que o pregava à Cruz, muito mais que os pregos cravados pelos soldados.

Percebemos que, nessa entrega de Jesus, a expiação pela humanidade, cujo cume está na crucificação, na qual os cristãos compreendem o sofrimento de Cristo como a realização de Isaías (53, 5-6): “Mas ele foi traspassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados.”.

E é este conceito de sofrimento que é impregnada a fé cristã e o entendimento do mesmo acerca do tema. E que Regamey comenta:

Jesus se sacrificou a nós perdidamente. No sentido próprio da palavra: perdeu a sua vida por nós. Nós somos sua razão de ser. A dimensão mais misteriosa parece ser aquela que a imaginação, sensível não pode conceber na cruz de madeira: a presença do sacrifício de Jesus, ontem, hoje e sempre. Antes mesmo da cruz ter sido plantada no Calvário e até no fim dos tempos. Mas aos poucos o olhar descobre a eficácia hoje e agora desse sacrifício que, em si, tem um valor fora do tempo. (REGAMEY, 2014. p. 37)

Na Liturgia da Igreja, é atualizado o grande mistério realizado no calvário, lugar onde Jesus encontra o homem, e este homem encontra Seu Salvador, que por amor, sob ofertar-se até o fim. Cristo ensinou o homem a fazer o bem com o sofrimento e, ao mesmo tempo, a fazer o bem a quem sofre, nesse duplo aspecto, revela cabalmente o sentido do sofrimento.

 

4. Sacerdócio de Cristo: sofrimento e sacrifício na Liturgia

Nesse processo, entende-se que o sacrifício de Cristo na cruz, foi uma oferta de amor total à humanidade, e o exercício de seu sacerdócio oblativo é perceptível na Liturgia da Igreja, pois a doação de Cristo na Cruz é a mesma realizada na mesa do Sagrado banquete, na qual ele, ainda hoje, se oferta como que em uma Kenosis de amor. A Sacrosanctum Concilium ilustra bem a ideia da vida humana mergulhada em Cristo, principalmente ao referir-se aos sacerdotes, chamados ministros ordenados, cuja vida toda é Sinal Visível na Terra do Cristo e de sua entrega:

“[...] Presente está no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, “pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na Cruz”, quanto, sobretudo, sob as espécies eucarísticas. Presente esta pela Sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo mesmo que batiza. Presente está pela Sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na Igreja. Está presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, Ele que prometeu: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles” (Mt 18,20); (SC, 2001, p.733).

Realmente, em tão grandiosa obra, pela qual Deus é perfeitamente glorificado e os homens são santificados, Cristo sempre associa a si à Igreja, sua Esposa diletíssima, que invoca seu Senhor e por Ele presta culto ao Eterno Pai. É a perspectiva, também, do Concílio Vaticano II, que convida a Igreja a descobrir, de modo cada vez mais profundo e vital, que Jesus Cristo, o Senhor crucificado e ressuscitado, é “a chave, o centro e o fim de toda a história humana.” (Cf. GS, 1965, n.10).

 Com razão, pois, a liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a cada sinal, realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público integral pelo Corpo Místico de Cristo, Cabeça e membros.

“Disso segue-se que toda a celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote, e de Seu Corpo que é a Igreja, é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja”. (SC 7, 2000, p. 734).

Quando o sacerdote diz: “Orai irmãos e irmãs para que o nosso Sacrifício seja aceito por Deus Pai Todo Poderoso", e o povo responde: "receba o Senhor por tuas mãos este Sacrifício, para a Glória do Seu Nome, para o nosso bem e de toda a Santa Igreja", deve-se entender que o fiel participante deste sacrifício o faz de tal modo, que ele também com sua vida é ofertado, oferta, portanto, ao altar as suas alegrias e fadigas de cada dia, unindo-as às alegrias e fadigas do sacerdote, em um único e mesmo Sacrifício da Cruz. O mesmo Cristo em si, assume na Oferta das Oblatas, como Seu, os sofrimentos da humanidade inteira.  Assim é feita, pelo ministro ordenado, a oferta a Deus de todas as fadigas do ser humano e as une as do Cristo.

Fica evidente, pela própria celebração da Missa, que o cristão é enxertado na Cruz e dispõe no altar os sacrifícios de suas vidas, unidas aos de Cristo. Na fiel esperança de que o Senhor recebe o sacrifício dos homens, para glória do Seu Nome, para o nosso bem e de toda a Santa Igreja, ou seja, pela própria liturgia da missa, o cristão vai amadurecendo a concepção do seu sofrimento unido ao de Cristo, como sofrimento redentor. Consequentemente, o verdadeiro sacerdócio é aquele ministério da Palavra e do Sacramento que transforma os homens em dom para Deus e torna o universo louvor ao Criador e Redentor (Cf. RATZINGER, 2011, p. 131).

A Liturgia Batismal é a inserção nesse Mistério Salvífico de Cristo - O batismo como esse mergulho da vida humana na Vida Divina, em que todo o seu ser está unido ao sofrimento de Cristo.

Quando se fala sobre o sofrimento e o espaço que ele ocupa na vida do cristão, tem-se em mente, como paradigma o sofrimento do próprio Cristo Jesus que se deu na Cruz, na verdade, sua vida inteira foi uma constante oferta de sacrifício ao Pai, e, com isso, ele ensina aos seus seguidores, que a vitória vem pela Cruz, destarte a cruz de cada dia se torna mais branda, pois ao olhar para Jesus, os cristãos conseguem dar sentido aos seus  sofrimentos.

Na concepção de sofrimento, naturalmente para a humanidade, paira uma certa desesperança, um sentimento de impotência, mistérios e problemas que a razão não consegue decifrar. Por isso, para o cristão, é indispensável recordar constantemente à humanidade de que “sem efusão de sangue não há redenção” (Hb 9, 22).

O sofrimento que gerou esse sacrifício de Cristo na Cruz é salvífico, e seu teor se concretiza nos sacramentos, os quais comunicam graças invisíveis de Cristo, por sinais sensíveis através da Igreja, seu corpo místico na concepção paulina: "Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer circunstância."(Ef 1, 20).

Cristo, tendo redimido todo o ser humano por seu ato salvífico na Cruz, mostra ao homem sua solidariedade para com ele. Desta maneira o homem, ocasionado pelo sofrimento, não está mais só, pois agora, pode unir sua dor, ao sofrimento redentor de Jesus Cristo.  A oferta da própria vida é redenção e muitos, como os discípulos, santos mártires, santos, entre outros, entenderam esse percurso como ensinado pelo próprio Cristo. Tem-se a tônica nos discípulos, em especial na vida de Paulo, como também os mártires que enriqueceram a Igreja ofertando todo o seu sofrimento por algo maior em que acreditavam, unindo-se ao Cristo sofredor.

A participação nos sofrimentos de Cristo lhes entrega os tesouros da sabedoria de Deus (cf. 1 Cor 1, 24). A suprema beleza está no supremo testemunho. "Bem aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça." (Mt 5, 10). As notas que os sofrimentos arrancam da alma santa atingem a sua plenitude na alegria de sofrer pelo nome de Jesus (cf. At 5, 41).

Paulo, que tanto sofreu, disse:

Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A fome? A nudez? O perigo? A perseguição? A espada? [...] Somos sepultados como ovelhas para o matadouro, mas de todas essas provas saímos vencedores por Aquele que nos amou. (Rm 8, 35-37). O próprio (apóstolo) Paulo sofreu assombrosas necessidades e mesmo ferimentos. Sua teologia do sofrimento não foi construção elaborada numa torre de marfim. Era a maneira de ver seu sofrimento como parte integrante do processo de salvação. Reforçou a consciência da sua própria fraqueza e mortalidade e assim fortaleceu sua confiança em Deus. E Paulo via nele a deterioração da sua própria carne, em que o pecado ainda exercia seu poder sedutor e maligno. Via nele a crescente conformidade com a morte de Cristo com sua promessa de participação mais plena na ressurreição de Cristo. Naturalmente, uma teologia do sofrimento como atrito na interface entre era antiga e era vindoura só tem sentido numa teologia da salvação que espera a vida da ressurreição através da morte e além dela (DUNN, 2003, p. 562).

Não há vida sem cruz, mas, no mistério da cruz, há uma alegria vitoriosa. Para um cristão, a dor e o sofrimento humanos só se compreendem e se aceitam quando se descobre o seu sentido último. A cruz de Cristo e seu mistério se unem à cruz do cristão e isso dá uma inversão do significado da dor na existência humana, pois o que era algo trágico e lúgubre se transforma em benção. Encontrar a cruz é encontrar a Cristo, fonte da ressurreição e horizonte aberto a uma alegria sem fim.

Tendo por base a natureza das coisas, não foi o sofrimento e a morte que fizeram da paixão de Cristo um sacrifício, pelo contrário, foi o oferecimento dessa imolação na cruz que lhes conferiu, como uma última extremidade do seu divino paradoxo, o valor do sacrifício. Portanto, o amor divino é suficientemente rico para, até ao fim dos tempos, poder se inverter e se abrir em um sacrifício que nos diviniza, o sofrimento de todos os que obedecem a Cristo. Para tanto, toda a vida sofrida é um sacrifício de agradável odor: dores, alegrias, e vida unida a Deus, são na Liturgia Eucarística, associados ao Único e Eterno Sacrifício de Cristo, assim sendo, o Coroamento de toda a vida cristã.

A partir dessa concepção, o sofrimento vai sendo assimilado com nova dimensão: a da bênção, um favor, uma graça que gera no coração ser humano a Ação de Graças a Deus pelos benefícios da dor (Eucaristia). Assim, a vida ofertada em meio à dor, pelos frutos gerados na alma, faz explodir nova compreensão da dor, não mais como um mero sacrifício em si mesmo, mas um sacrifício que se torna louvor. E esssa será exatamente a explanação realizada no próximo capítulo.

 

                                                   CAPÍTULO II

O LOUVOR DE DEUS

Após uma análise sobre o sofrimento, este capítulo tem por finalidade abordar o tema do “Louvor de Deus”, e para isso será realizado um percurso sobre a definição do conceito; seu itinerário no Antigo e Novo Testamento, com ênfase principalmente nos Salmos, como também alguns comentários dos padres da Igreja. Após esse itinerário, tem-se a relação das virtudes teologais, Fé, Esperança e Caridade, com o louvor de Deus, buscando apresentar como essas virtudes, abrem o ser humano ao amor de oferta, como foi a de Cristo. Esse mesmo ser humano auxiliado pela graça, faz de sua vida e consequentemente a de seus irmãos e irmãs uma constante e firme louvação, existindo com o propósito de buscar incessantemente a salvação, seja a pessoal, como também a dos irmãos e irmãs.

 

1. Considerações acerca do que é Louvor de Deus

O louvor de Deus é o processo, no qual homem, impulsionado pelo Espírito Santo, se abre ao processo da graça e O louva por aquilo que Ele é, realizando uma experiência de salvação. Se pelo pecado o homem se afasta de Deus, a graça o aproxima. No encontro, a pessoa se abre, processo onde a benção age e o Louvor de Deus acontece.

O louvor segundo a definição de Bechara é “ação ou efeito de glorificar, de louvar; glorificação, louvação (BECHARA, 2009, p. 566). O louvor então torna-se reconhecimento de Deus e de Sua incontável grandeza. Para a Igreja “o louvor é a forma de oração que reconhece o mais imediatamente possível que Deus é Deus” (CIgC, 2639).

Cristo é o maior exemplo de Louvor de Deus, e demonstrou isso no mais alto da Cruz. O homem por sua vez, como partícipe da entrega de Cristo, pela ação do Espírito Santo, se oferece em sacrifício de louvor ao Senhor.

Por isso que o Louvor de Deus brota do coração que faz a experiência de profundidade do Deus que se revela em amor. E é por isso que louvar corresponde em bendizer, celebrar, grito de triunfo, glorificar. E ainda: “magnificar, exaltar, cantar; celebração da honra, força e poder de Deus.” (LACOSTE,2004, p. 1051).

O Padre Gilberto Maria Defina, sjs, fundador da Fraternidade Jesus Salvador, tomou como carisma para sua fundação o Louvor de Deus. O conceito do carisma Salvista é: “O Louvor de Deus sob todas as suas formas e a litúrgica em primeiro lugar, e como consequência desse Louvor, a procura de santificação pessoal e comunitária, através da consagração ao Espírito Santo, Deus-Amor” (CONSTITUIÇÕES, 1998, n.22).

Esse é o desejo que Deus inspirou no coração do Padre Gilberto, sjs, pois o Louvor de Deus, salva e transforma o homem. A opção do Padre pelo louvor de Deus, se deu porque é firme e constante, não é um louvor de momento, ou algo que passa, encharcado de sentimento somente, mas constante, como foi o louvor de Jesus Cristo ao Pai. E assim o Pe. Gilberto escreve:

“O louvor de Deus se manifesta em nós pelo desejo de estar unidos a Deus, louvando pelo que ele é, por essa Trindade feliz, por essa Santíssima Trindade que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Nós nos entregamos completamente à vontade de Deus, e a vontade de Deus é esta: a nossa santificação. Se nós quisermos ser santos, temos que louvar a Deus, porque através do louvor nos santificamos e santificamos também a comunidade que estamos vivendo” (DEFINA, 2016 p. 129).

O louvor de Deus é o que o ser humano fará na eternidade, pelos séculos dos séculos, viver para louvar e bendizer a Deus. Brotado do contato com o Deus vivo, o louvor desperta o homem todo (Sl 57, 8; 108, 2-6) e o arrasta a uma renovação de vida. Para louvar a Deus, o homem empenha todo o próprio ser; se é verdadeiro o louvor será incessante (Sl 145, Ap 4,8) “Ele é explosão de vida”. (DUFOUR, 1972, p. 549).

O louvor de Deus não tem outra consequência, senão a santificação do ser humano. “O louvor de Deus é, portanto, a nossa vida que se torna um verdadeiro louvor” (MORAES, 2019. p. 50). E desta forma, sermos “para Deus o bom odor de Cristo, entre aqueles que se salvam e aqueles que se perdem”. (2 Cor 2, 15).

Uma vida unida a Deus é uma vida que ama, e os frutos vão demonstrar essa união. Tais frutos se veem nos testemunhos que estão recolhidos na Sagrada Escritura, e também na vida daqueles que decidiram abraçar o Louvor de Deus, que escolheram amar e doar-se, desta forma, uniram-se a Deus em louvor.

 

2. O Louvor de Deus à luz Sagrada Escritura

Na Sagrada Escritura, nos textos veterotestamentários, estão as maravilhas de Deus, sobre o que Ele fez na natureza ou entre os homens, como Criador e Senhor da humanidade e do povo de Israel. Os que viveram o louvor de Deus, que mais aproximaram-se d’Ele, são os que deixaram a graça de Deus agir em suas vidas, os tomando por inteiro.

“Quando vejo o céu, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste, que é o homem, para dele te lembrardes e um filho de Adão, para virdes visitá-lo? E o fizeste pouco menos do que um deus, coroando-o de glória e beleza. Para que domine as obras de tuas mãos sob seus pés tudo colocaste: ovelhas e bois, todos, e as feras do campo também; a ave do céu e os peixes do mar quando percorre ele as sendas dos mares. Iahweh, Senhor nosso, quão poderoso é teu nome em toda a terra!” (Sl 8, 4-10)

O Salmista, em uma outra passagem, canta a glória de Deus de forma magnífica:

“Os céus cantam a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra de suas mãos. O dia entrega a mensagem a outro dia, e a noite a faz conhecer a outra noite. Não há termos, não há palavras, nenhuma voz que deles se ouça, e por toda a terra sua linha aparece, e até os confins do mundo a sua linguagem. Ali pôs uma tenda para o sol, e ele sai, qual esposo da alcova, como alegre herói, percorrendo o caminho. Ele sai de um extremo dos céus e até o outro extremo vai seu percurso; e nada escapa ao seu calor. (Sl 19, 1-7).

Os céus narram o louvor de Deus, e tudo louva a Sua criação. O homem, fruto dessa criação, deve dar ao Seu Criador, por sua vez, uma resposta de louvor. E desejar que sua alma louve a esse Deus, como está no salmo 104:

“Cantarei a Iahweh enquanto eu viver, louvarei o meu Deus enquanto existir. Que meu poema lhe seja agradável; quanto a mim, eu me alegro com Iahweh. Que os pecadores desapareçam da terra e os ímpios nunca mais existam. Bendize a Iahweh, ó minha alma.”  (Sl 104, 33-35).

O homem quando experimenta o louvor de Deus, realiza uma experiência profunda com a grandeza divina, grandeza essa que preenche o coração de esperança, fortalecendo-o em todas circunstâncias de sua vida, quando este O reconhece como Deus soberano, único digno de todo louvor e de receber a glória, retratando-se sobre isso, o profeta Isaías escreve:

“Não o sabes? Não ouvistes dizer? Iahweh é Deus eterno, criador das extremidades da terra. Ele não se cansa nem se fatiga, sua inteligência é insondável. Ele dá força ao cansado, que prodigaliza vigor ao enfraquecido. Mesmo os jovens se cansam e se esgotam; até os moços vivem a tropeçar, mas os que põe a sua esperança em Iahweh renovam as suas forças, abrem asas como as águias, correm e não se esgotam, caminham e não se cansam.” (Is 40, 28-31)

Deus quer salvar o seu povo e tem sede por essa salvação. O homem dentro desse processo, necessita viver uma constante ação de graça ao seu Deus, na certeza de que Ele sempre está do lado de seu povo, e o povo deve reconhecer a grandeza de Deus, vivendo Louvando-o.

Iahweh, tu és o meu Deus, eu te exaltarei, louvarei o teu nome, porque realizastes os teus desígnios maravilhosos de outrora, com toda a fidelidade. Sim da cidade fizeste um entulho, a cidade fortificada está em ruína. A cidadela dos estrangeiros deixou de ser uma cidade, nunca mais será reconstruída. Eis porque um povo te glorifica, a cidade das nações tirânicas teme a ti. Porque foste o refúgio para o fraco, o refúgio para o indigente na sua angústia, o abrigo contra a chuva e a sombra contra o calor. (Is 25, 1-4).

Deus já é louvado nos mais antigos hinos do Antigo Testamento, bem como exaltado na grandeza de seu nome. “A Ele deves louvar: ele é o teu Deus”. (Dt 10, 21). Tal poder e grandiosidade Ele exerce para o seu povo e para com o mundo.

Além do Louvor de Deus, o Laus Dei, existe um louvor a Deus, o Laus Deum, nesse caso, na Sagrada Escritura, no Antigo Testamento, é o verbo hebraico halal, ou o verbo grego aino, que trazem a ideia de elogio, engrandecimento daquele que louvamos, que, no caso, é Deus (MORAES, 2019. p 52).

Já o louvor de Deus nos livros do Novo Testamento, manifestam-se por sua paternidade e missão em Jesus Cristo, que soube em tudo louvar ao Pai. Como no episódio em Lucas: “Naquele momento, ele exultou de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos pequeninos.”(Lc 10, 21). Vê-se o Cristo que louva ao Pai, pelo dom da criação, e por revelar tais belezas aos mais pequenos, aos mais simples de coração, pois só esses, são capazes de conceder um espaço no coração para Deus, louvando-O de todo o coração.

Deus se releva digno de ser louvado pelo homem, devido aos inúmeros benefícios que este concede, confessando suas grandezas. O louvor se torna então esse ato de dar glória a Deus. (Lc 17, 15-18; At 11,18; Fl 1, 11; Ef 1,6.12.14). “O louvor pensa mais na pessoa de Deus do que em seus dons; é mais teocêntrico, mais perdido em Deus, mais próximo da adoração. Os hinos de louvor estão geralmente desligados de um contexto preciso e cantam a Deus porque Ele é Deus” (DUFOUR, 1972. p. 549).

Os hinos cantam a glória de Deus, e a grandeza de Seu nome. Logo, viver o louvor de Deus é estar permanentemente nesta postura de exaltação e engrandecimento. (Cf. Lc 1, 46; Cf. At 10, 46).  Existir louvando a Deus é, portanto, a vocação do homem. “Este louvor brota da consciência exultante desta consciência de Deus” (DUFOUR, 1972 P. 548).

Ainda no Novo Testamento, pode-se dizer que, ele conserva a posição dominante do louvor, sempre em primeiro lugar, louvar a Deus, significa proclamar suas grandezas, à própria volta (Mt 9, 31; Lc 2, 38; Rm 15, 9; Hb 13, 15; cf. Fl 2, 11). Uma existência que louve a Deus.

“No seu movimento essencial, o louvor permanece o mesmo desde o Antigo ao Novo Testamento. Agora, porém, ele é cristão, antes de tudo, porque é suscitado pelo dom de Cristo, por ocasião do poder redentor manifestado em Cristo. É esse o sentido do louvor dos anjos e dos pastores no Natal (Lc 2, 13s.20), como do louvor das multidões depois dos milagres (Mc 7, 36 s.; Lc 18, 43; 19, 37); este é mesmo o sentido fundamental do Hosana dos Ramos (cf. Mt 21, 16=Sl 8, 2s.), e também do cântico do Cordeiro no Apocalipse (cf. Ap 15, 3). (DUFOUR, 1972. p. 550).

No evangelho de Lucas temos os três cânticos Lc 1, 46-55 (O cântico de Maria); Lc 1, 69-79), Maria proclama o Louvor de Deus ao se fazer serva (cf. Lc 1, 38.43.47ss.), (o Benedictus) e Lc 2, 28-32 (o cântico de Simeão). Também João Batista, expressa com sua vida o louvor de Deus, quando diz: “É necessário que Ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). Paulo é marcado também por expressões de louvor, onde encontramos dizeres como “para o louvor de sua glória” (Ef 1, 3-14). O Apocalipse está repleto destes cânticos de louvor, sendo este uma característica do livro. O louvor se traduz em ações de fé e alegria, pois proclama o amor de Deus

Se a Escritura Sagrada, trata do louvor de Deus, é porque é desejo de Deus que o homem participe desta louvação, deste reconhecimento, unindo-se a Cristo, que louvou o Pai na forma mais perfeita. No decorrer dos anos, na história da Igreja, muitos foram os exemplos de pessoas, que louvaram a Deus, não somente com palavras, mas com ações concretas, testemunhos fortes, onde suas vidas ao serem ofertadas, tornam-se exemplos de Louvor de Deus, um culto de louvor agradável ao Senhor.

 

3. O Louvor de Deus a partir da Liturgia

A Igreja celebra o Louvor de Deus em sua liturgia e os seus membros também vivem para este mesmo louvor. A doação de Cristo no mais alto da Cruz, concede ao fiel a graça dos sacramentos, e em cada um, Cristo e sua oferta ao Pai aparecem de forma real e profética. A cada Santa Missa, o padre, ao fazer memória do sacrifício de Cristo, atualiza a oferta do mesmo, que foi em tudo louvor. Da oferta de Cristo, vê-se outros que também se ofertaram em louvor ao Pai, que viveram de forma mais genuína e autêntica uma vida no Louvor de Deus:

“Expandindo-se assim a partir da Escritura, deveria o louvor permanecer sempre primordial no Cristianismo, marcando o ritmo da oração litúrgica com os Alleluia e os Gloria Patri, animando as almas fieis em oração a ponto de tomar conta delas e transformá-las num puro “Louvor de glória” (cf. Ef 1, 12). (LÉON-DUFOUR, 1972 p. 550).

 

Cristo é o maior exemplo que existe de Louvor de Deus. Sua oferta, e oferta de cruz (cf. Fl1,8), aponta a todos os seguidores dele, na Igreja, como dar a Deus o verdadeiro louvor. Viveu o louvor na disponibilidade, porque muito amou e do Pai era íntimo. Doação tamanha, que ainda hoje é atualizada:

A Eucaristia é o sacramento que mais diretamente representa em nossa história o acontecimento central da salvação: o mistério da morte e ressurreição de Cristo, e celebra assim, o encontro entre Deus e o homem em Cristo, na nova aliança que ele conquistou pra sempre na cruz. (Cf. BOROBIO, 1993 p. 179 ).

As orações eucarísticas compostas, expressam e são sinal do louvor e da salvação de Jesus, no qual o fiel deve ver-se inserido. O Prefácio IV, expressa algo interessante, pois mesmo não necessitando de nossos louvores, Deus nos concede o dom de Louvá-lo, “o louvor, dom de Deus”, que, por sinal, era o prefácio mais querido, pelo Pe. Gilberto Maria Defina, sjs: “Ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós, por Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso. (MISSAL ROMANO, 2011, p. 459).

Jesus permanece na Eucaristia, que em sua raiz significa ação de graças. 

“Tudo até agora, foi prolongamento de louvor e ação de graças: uma oração cheia de admiração agradecida para com Deus criador, o Senhor do universo, o todo santo, que age na história da salvação e, sobretudo, no momento central da páscoa de seu Filho. (Cf. ALDAZÁBAL, 1993 p. 251).

Por isso, sobre o Louvor de Deus, no sacrifício salvífico de Cristo Jesus, pode-se dizer que: “O louvor se converte em memorial sacramental daquilo que Cristo disse e realizou tanto na ceia como na cruz”. (BOROBIO, 1993, p. 260).

Existe um louvor que é ofertado na Cruz e que até hoje gera vida e louvor na vida de todos que participam deste grande mistério de amor, que ocorre a cada Santa Missa celebrada, como também em cada ato litúrgico. Alguns na história da Igreja, escolheram viver essa realidade de louvor em suas vidas, e unidas a Cristo, foram capazes de testemunhar esse amor, gerando frutos de santidade.

A vida da virgem Maria é permeada por um grande louvor. Assim como o seu filho, Jesus Cristo, Ela viveu um grande esvaziamento de si mesma, fazendo de sua vida um perene louvor de Deus. Da anunciação à Cruz, foi mulher fiel, disposta a louvar, mesmo em meio as intempéries, por isso é considerada mestra, por viver em uma constante louvação ao Pai. “E meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1, 47).

“Com isso Maria nos ensina que devemos amar e louvar Deus em sua devida ordem e tal como Ele é. Nunca devemos procurar nele algo de nosso próprio interesse. Ama e louva Deus exclusivamente e de modo legítimo aquele que o louva somente porque ele é bom” (LUTERO, 2015, p. 37).

O Louvor de Maria é o louvor da Igreja, a humilde serva que reconhece a grandeza de seu Senhor e Deus. “O Grande Deus manifesta paradoxalmente sua grandeza, fixando-se no pequeno e detendo nele seu complacente olhar. O Deus forte se mostra fraco para acudir o pequeno” (PAREDES, 1984. p. 76).

Além de Maria e seu exemplo na história da Igreja, ainda pode se falar de vários santos que souberam em suas vidas louvar a Deus e foram por esse motivo, peças importantes na história da Igreja. Santo Irineu de Lyon, escreveu que: “A glória de Deus é o homem vivo”. Diz isso, pois, morto, o homem não é capaz de louvar a Deus, mas, quando vivo, permite que Deus seja o centro de sua vida, e canta a Sua glória, pois o homem nasceu para esse fim (Ef 1, 6).

Santo Agostinho também escreveu sobre o Louvor de Deus:

És grande, Senhor e infinitamente digno de ser louvado; grande é teu poder, e incomensurável tua sabedoria. E o homem, pequena parte de tua criação quer louvar-te, e precisamente o homem que, revestido de sua mortalidade, traz em si o testemunho do pecado e a prova de que resistes aos soberbos. Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te. Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso. Concede, Senhor, que eu bem saiba se é mais importante invocar-te e louvar-te, ou se devo antes conhecer-te, para depois te invocar. Mas alguém te invocará antes de te conhecer? Porque, te ignorando, facilmente estará em perigo de invocar outrem. Porque, porventura, deves antes ser invocado para depois ser conhecido? Mas como invocarão aquele em que não crêem? Ou como haverão de crer que alguém lhos pregue? Com certeza, louvarão ao Senhor os que o buscam, porque os que o buscam o encontram e os que o encontram hão de louvá-lo. (AGOSTINHO, 2007, p. 15).

A Sagrada Escritura bem como a história da Igreja é repleta de testemunhos inspiradores, de pessoas que, voltadas para Deus, não souberam ser outra coisa senão louvor, apoiados no Cristo, aprenderam d’Ele o caminho do amor e da doação, fazendo de suas vidas também louvor. Pessoas que viveram o esvaziamento total de si, com fé, na firme esperança de que esse louvor que começa aqui, se perpetuará na Eternidade, onde o homem viverá pelos séculos dos séculos louvando o nome de Deus, em sua presença, bendizendo-O e glorificando-O.

 

4. Louvor de Deus e as virtudes teologais

Após conceituar o “Louvor de Deus” e perceber sua ação na Sagrada Escritura e na história da Igreja, agora será estabelecida sua relação com as virtudes teologais. O Catecismo da Igreja Católica vai dizer que:

“As virtudes humanas se fundamentam nas virtudes teologais que adaptam as faculdades do homem para que possa participar da natureza divina. De fato, as virtudes teologais se referem diretamente a Deus. Dispõe os cristãos viverem em relação com a Santíssima Trindade. As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do cristão. São infundidas por Deus na alma dos fiéis para torna-los capazes de agir como seus filhos e merecer a vida eterna. São garantia da presença e da ação do Espírito Santo nas faculdades do ser humano. Há três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade” (CIgC, 200, p. 488).

As virtudes teologais são essas disposições que tornam o homem agradável a Deus e que está em comunhão com a Santíssima Trindade.

A caridade deve ser para a manifestação da glória do Pai. Na primeira carta de São João, vê-se escrita a essência de Deus, “Deus é amor” (1 Jo 4, 8b). Essência proclamada amor de comunhão, ou seja, entre as três pessoas divinas. Portanto a caridade é a essência de Deus.

O louvor que é somente dele pode ser efetivo a partir da caridade, isto é, Laus Dei caritas est, o louvor de Deus é caridade. Somente a caridade o louva. O louvor de Deus são atos de amor que brotam da graça de Deus e se efetiva quando cada ato do ser humano advindo da graça proclama a santidade de Deus; portanto, o ato tem que brotar da graça e do amor de Deus; cada ato, assim, louva verdadeiramente a Deus. Não um ato que surja da obrigação da lei (cf. Rm 3, 20) ou da ânsia de aparecer (cf. Mt 6, 2-4), mas da graça do Espírito derramada em nossos corações (cf. Rm5,5). (Cf. MORAES, 2019, p. 99).

Só quem tem Fé pode viver o Louvor de Deus. Assim é definida a Fé na carta aos Hebreus: “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem.” (Hb 11,1). Definição essa que coloca o ser humano em um constante buscar Deus em sua própria história.

É pela Fé, como está na Sagrada Escritura que Abraão realiza a vontade de Deus, deixando tudo para trás e indo para o lugar que Deus queria colocá-lo, entre outros exemplos, que discorre o capítulo 11 de Hebreus. O exemplo também de Moisés até Raab, que caminharam pela fé e viveram o louvor de Deus com as próprias vidas.

“Por isso, a Sagrada Escritura é categórica, sem a fé é impossível agradar a Deus, é impossível que o louvor brote de um coração que não acredita que um Deus existe e que ele age em nosso meio, atua na História; desse modo, é impossível esse coração dar o seu assentimento e sua adesão a Deus. É impossível agradar a Deus com obras que não brotem da graça da fé, da “lei da fé” (Rm 3, 27).” (MORAES, 2019, p. 110).

Como já foi escrito, o louvor de Deus é caridade, todavia, para que o homem se abra a essa experiência que é amor, através da graça, ele necessita de fé, ter fé. “A fé atua no amor” (Gl 5,6). Sem a fé não há Laus Dei, mas quando se há a virtude da fé, a graça é infundida no coração do homem, que se transforma e se abre, desta forma louvando a Deus. Assim a fé age na caridade e a fé louva a Deus. Sem a fé não se agrada a Deus (cf. Hb 11,6).

Após a relação do Louvor de Deus com a virtude da caridade e da fé, é o momento da relação com a virtude da esperança. Relação possível, uma vez que, o cristão louva aqui na terra, com firme esperança de viver esse louvor na eternidade, pois segundo a Sagrada Escritura e a história da Igreja, aqui se vive a antecipação, mas o cristão caminha para viver o louvor eterno. Por isso as virtudes são grandes maestras na vida do ser humano, abrindo-o ao amor, fazendo com que ele tenha sede de salvação e anseie a eternidade.

“Acolhei com bondade no vosso reino os nossos irmãos e irmãs que partiram desta vida e todos os que morreram na vossa amizade. Unidos a eles, esperamos também nós saciar-nos eternamente da vossa glória, quando enxugardes toda lágrima dos nossos olhos. Então contemplando-vos como sois, seremos para sempre semelhantes a vós e cantaremos sem cessar os vossos louvores.” (MISSAL ROMANO, 2011 p. 487).

A virtude da esperança auxilia o cristão a não desanimar em meio as tribulações da vida. São Paulo fala sobre isso na carta aos Romanos, sobre a perseverança. E dessa forma, esperar em Deus, no cumprimento de suas promessas. “E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.” (Rm 5,5).

A esperança é um dom do Espírito Santo e a certeza que Deus em sua inabalável providência, nunca abandona os seus. Com base para a relação de Louvor de Deus e a virtude da esperança, pode-se tomar o que fora descrito no livro do Apocalipse:

“Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do cordeiro, vestido de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e aclamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação” (Ap 7, 9-10).

Quando a pessoa humana, em seu itinerário de vida, vive o louvor de Deus aqui na terra, se prepara para vivê-lo eternamente no céu. “se esperamos em Cristo só nessa vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1 Cor 15, 19). A virtude da esperança aponta que cada ser humano, tem um destino que é a eternidade. O amor louva a Deus, louvação que se dá mediante a fé e abre-se a esperança de viver eternamente o louvor de Deus. E nesse processo a vivência das virtudes auxilia o homem a abertura, a viver o amor. As práticas das virtudes desembocam no amor, pois toda virtude é amar. Assim são forjados os santos, que passaram suas vidas amando e gozam da vida junto de Deus no céu. As virtudes mostram então o caminho que o cristão, aberto pela graça, deve percorrer para ser Louvor de Deus.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO III

O LOUVOR DE DEUS NO SOFRIMENTO

 

O capítulo anterior teve como proposta apresentar o “Louvor de Deus”. Sua definição, abordagem bíblica e construção no decorrer da história, apresentou também as virtudes teologais, como sendo uma escola que forma os santos, os ensinando a viver a caridade e a doação de suas vidas, com um olhar todo voltado para a eternidade. E por isso as virtudes teologais auxiliam o cristão de hoje, que deve existir louvando a Deus. Já o atual capítulo procurará estabelecer relação entre o Louvor de Deus e o sofrimento, observando o sentido cristão do sofrimento humano nesse processo. Pois o sofrimento de Cristo foi o esplendor do louvor acolhido pelo Pai. Uma vez que, o sofrimento de Jesus redime o sofrimento humano, tornando-se louvor. Vislumbrar-se-á também as experiências e vivências que brotam de tal relação na vida das pessoas, bem como os frutos provindos deste processo, e, por fim, como a visão de louvor de Deus ilumina a existência do homem, sendo resposta e luz ao homem contemporâneo, que por vezes, encontra-se envolto pelo comportamento hedonista, que o leva muitas vezes à idolatria de si mesmo e à falta de sentido em sua vida. O homem, despindo daquilo que não é sua identidade, de suas idolatrias e atitudes hedonistas, é chamado por vocação a ser Louvor de Deus. O que se reconhece Louvor de Deus, ao sofrer, une-se ao Cristo e por isso utiliza da sua dor para encontrar-se com Deus.

 

1. A relação entre Louvor de Deus e sofrimento

 

O apóstolo Paulo, em sua missão profética, consagra todas as realidades existenciais ao seu ministério apostólico. Trabalho, liberdade e até mesmo o cativeiro que por vezes experimentou. Nada lhe parecia ser em vão, pelo contrário, ele prossegue confiante em sua missão, mesmo quebrantado pelos sofrimentos, agravados pela saúde e tantos outros males que o podiam afligir. Longe de o abater, para ele, tudo isso é fonte de veemente alegria. “Agora regozijo-me nos meus sofrimentos por vós, e completo o que falta às tribulações de Cristo.” (Cl 1, 24).

Por isso, Paulo, torna-se exemplo para o cristão que sofre, mas que não para no sofrimento, pois é capaz de enxergar através dele, enxergar salvação. E a alegria do apóstolo, brota desta união esponsal com o sacrifício oblativo da doação de Cristo na Cruz. Quando um cristão sofre em espírito cristão, isto é, como Corpo Místico, já não sofre só, mas é o Cristo que nele sofre para estender a ele a obra da Redenção. “E, se vivo, não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.” (Cf. Gl 2, 19s).

No Louvor de Deus a vida humana se torna liturgia, na qual o homem se encontra inserido no mistério de Cristo, redescobrindo o mistério da sua vida e da sua identidade. A Liturgia da Igreja, torna-se, então, o espaço sagrado privilegiado de encontro do homem que sofre, mas une o seu sofrimento ao de Jesus, que salva e gera vida, uma vida que louva, lugar para viver o louvor de Deus. “A eucaristia é a solução para o problema do sofrimento. Pois é a associação do sofrimento com o sacrifício. O sofrimento punitivo humano, a marca da moralidade e do pecado, torna-se uno com o sofrimento redentor, a marca da vida e da graça eterna”. (KREEFT, 1995, p. 182).

Cristo ofereceu ao Pai Celeste os sofrimentos que Ele assim abraçou, oblação esta que teve certamente valor infinito, onde Cristo, em sua entrega, é agradável ao Pai. Na liturgia, quando o homem se une ao Cristo, pelo sofrimento, o sacerdote oferece o sacrifício e quando diz: “Por Cristo, com Cristo e em Cristo”, ele eleva esse homem unido a Jesus, que pelo sofrimento oferecido no altar, abre-se ao Louvor.

“A Igreja que nasce do mistério da Redenção na Cruz de Cristo, tem o dever de procurar o encontro com o homem, de modo particular no caminho do seu sofrimento. É em tal encontro que o homem “se torna o caminho da Igreja”, e este é um dos caminhos mais importantes” (SD, 1988, p. 7).

Se é missão da Igreja ser louvor de Deus, o homem também é chamado a vivê-lo em sua vida. Assim como na liturgia, o incenso que é oferecido, sobe aos céus, o sacrifício do homem, unido ao de Cristo no altar, que é o calvário, sobe ao céu como um perfume agradável a Deus. A Igreja sempre auxiliou o seu povo, que caminha rumo a Cristo e a vida de Deus, e deve auxiliar o homem visitado pelo sofrimento, a descobrir nele o seu sentido vivificador e redentor, dado pela doação de Cristo Jesus em sua paixão, morte e ressurreição.

“Por isso, no centro do mistério apostólico e do anúncio do Evangelho que conduz, à fé, deve estar o ingresso ao mistério da Cruz. Consequentemente, se na celebração da Eucaristia, na participação sempre nova no mistério sacerdotal de Jesus Cristo, podemos ver o centro do culto cristão, contudo há que ter sempre presente a sua extensão total: o objetivo constante é atrair para dentro do amor de Cristo todo indivíduo e o mundo, de modo que todos se tornem juntamente com Ele “uma oferta agradável a Deus, santificada pelo Espírito Santo” (RATZINGER, 2011, p. 215).

Desta forma, o homem torna-se aquilo que celebra no Mistério da Santa Missa: Sacrifício de agradável odor. A cada Eucaristia, o mistério da Cruz se atualiza. O Servo Sofredor (Is 53), uma vez mais, entrega-se todo para o homem, com a oferta total de sua vida. Assim, Cristo une em si mesmo, a dor e o amor, e impele o homem à uma resposta também total, encontrando no sofrimento que vive – em união ao sofrimento de Cristo – sentido, conforto e esperança. E retirando desta experiência o necessário para que haja uma transformação interior, pois como está escrito na carta, Salvifici Doloris: “O sofrimento tem caráter de prova” (SD, 1988 p. 20). E o homem só é capaz de ter essa maturidade espiritual, em meio a sua dor, quando olha para o Cristo, em sua oferta de dor, amor e louvor.

“E Cristo estava cônscio de tudo isto e muitas vezes falou aos seus discípulos dos sofrimentos e da morte que o esperavam: “Eis que subimos a Jerusalém; e o Filho do homem vai ser entregue nas mãos dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas, e eles condená-lo-ão à morte e entregá-lo-ão nas mãos dos gentios, que o hão de escarnecer, cuspir sobre ele, flagelar e matar. Mas três dias depois ressuscitará” (Mc 10, 33-34). Cristo vai ao encontro de sua paixão e morte com plena consciência da missão que deve realizar exatamente desse modo. É por meio desse seu sofrimento que ele tem de fazer com que “o homem não pereça, mas tenha a vida eterna”. É precisamente por meio da sua Cruz que ele deve atingir as raízes do mal, que se embrenham na história do homem e nas almas humanas. É precisamente por meio da sua Cruz que ele deve realizar a obra da salvação. Esta obra, no desígnio do amor eterno, tem um caráter redentor.” (SD, 1988, p. 28).

Cristo foi extremamente obediente ao Pai em tudo, e foi fiel à sua missão salvífica. No Getsêmani, a dor de sua alma é expressa nos olhos e no Calvário, ao recitar o salmo 22: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes”, na verdade, faz dele sua oração, uma oração cheia de esperança, mesmo em meio as dores que o infligia. “Pode-se dizer que com a Paixão de Cristo, todo o sofrimento humano veio a encontrar-se numa nova situação”. (SD, p. 37). É na paixão de Cristo que a Igreja e o cristão, encontram forças para enxergar centelhas de louvor no sofrimento. Na segunda carta aos Coríntios, o apóstolo escreve:

“Em tudo atribulados, mas não oprimidos, perplexos, mas não desesperados, perseguidos, mas não abandonados, abatidos, mas não perdidos, por toda a parte levamos sempre no corpo os sofrimentos de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste no nosso corpo. De fato, enquanto vivemos, somos continuamente entregues à morte por causa de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na nossa carne mortal... com a certeza de que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus, nos ressuscitará também a nós com Jesus.” (2 Cor 4, 8-11.14).

É nesse processo com o Cristo, que o ser humano, encontra esperança em meio ao sofrimento, a esperança da ressurreição, da glória:

“A eloquência da Cruz e da morte, no entanto, é completada com a eloquência da Ressurreição. O homem encontra na ressurreição uma luz completamente nova, que o ajuda a abrir caminho através das trevas cercadas das humilhações, das dúvidas, do desespero e da perseguição”. (SD, 1988, p. 39).

Cristo, da morte de Cruz à glória da Ressurreição, abre ao homem ocasionado pelo sofrimento, uma perspectiva nova, um sentido repleto de louvor.

“Se o homem se torna participante dos sofrimentos de Cristo, isso acontece porque Cristo abriu o seu sofrimento ao homem, porque ele próprio, no seu sofrimento redentor, se tornou, num certo sentido, participantes de todos os sofrimentos humanos. Ao descobrir, pela fé, o sofrimento redentor de Cristo, o homem descobre nele, ao mesmo tempo, os próprios sofrimentos, reencontra-os mediante a fé, enriquecidos de um novo conteúdo e com um novo significado.” (SD, 1988, p. 40).

Assim, o Tabor e o Gólgota se unem, como a cruz e ressurreição, pois na dor, Deus demonstra sua grandeza. Sendo assim, o deserto do sofrimento não revela só morte, mas torna-se lugar de amadurecimento, que outros lugares não seriam capazes de revelar, pois é ali que o homem olha para o seu Deus, seu Criador, permitindo que Ele realize a Sua vontade salvífica em sua vida. Eis o verdadeiro louvor, o louvor dos fortes: “Mas os que põem a sua esperança em Iahweh renovam suas forças, abrem asas como águias, correm e não se esgotam, caminham e não cansam.” (Is 40, 31).

Estes são os que experimentam o Louvor de Deus, caminham não mais sozinhos, mas com Deus, que, por meio dos sofrimentos, os forma e os ensina, assim, o deserto não é mais um local infértil, mas sim gerador de vida e vida espiritual.

No Cristo, sofrimento e glória se unem: (Rm 8, 17-18; 2 Cor 4, 17-18;1 Pd 4, 13). E o homem ao entrar nessa dinâmica, experimenta grandes frutos, o maior deles é o amadurecimento espiritual. Pois assim como a ressurreição de Cristo, revela a glória que está contida no próprio sofrimento de Cristo, o homem, completa em sua carne, aquilo que faltou ao sofrimento de Cristo, não porque o sacrifício de Cristo foi incompleto, mas porque Ele abriu as portas, para que o homem, pudesse fazer a experiência redentora do sofrimento, que gera louvor de Deus. O sofrimento humano, quando unido ao sofrimento de Jesus, no amor, completa esse mesmo sacrifício.

2. Experiência de sofrimento no Louvor de Deus

O sofrimento é condição humana, e o homem sempre o experimenta em algum momento ao longo de sua vida terrestre. O interessante, é entender, como este vive essa dor, que por si só, não é capaz de salvar. Todavia, quando o sofrimento do homem está enxertado no sofrimento de Cristo, torna-se caminho para a sua salvação.

O sofrimento de Cristo na Cruz, tornou-se redentor, pelo fato de que Ele muito amou, e por muito amar, ofereceu-se ao Pai. Um amor autêntico e verdadeiro, que gera no coração, uma eterna ação de graças, pelos feitos e maravilhas do Senhor, mesmo quando, o coração do homem é acometido por experiências dolorosas de sofrimento, pois sabe que Deus é capaz de realizar o que está no salmo: “Transformastes o meu pranto em uma festa, meus farrapos, em adornos de alegria, para minh’alma vos louvar ao som da arpa e ao invés de se calar, agradecer-vos: Senhor meu Deus, eternamente hei de louvar-vos!”.(Sl 29, 12-13). Ou ainda na firme esperança de outro salmo que reza: “Os que lançam as sementes entre lágrimas, colherão com alegria”. (Sl 125).  O amor é o ápice do louvor, para a glória de Deus. Só o amor-doação é capaz de transformar o sofrimento em louvor.

Há uma tradição ascética antiga da Igreja, que diz que, na vivência da caridade, existem duas dimensões. Uma dimensão ativa e outra passiva. A dimensão ativa são os atos de amor, quando ajudamos o irmão, com um conselho, ou ajudando os pobres por exemplo; e existe também a dimensão passiva, ou seja, quando nós suportamos por amor a Deus os sofrimentos, qualquer forma de sofrimento, suportar por amor a Cristo, desta forma, o ser humano torna-se Louvor de Deus.

Não existe louvor sem sofrimento, pois louvor não é só levantar as mãos e saltar de alegria, quando nós sofremos por amor, nós nos tornamos um louvor vivo, para a glória de Deus, assim como Cristo na Cruz. Por isso é importante viver o amor ativo e passivo, vivendo no louvor, o amor a Deus e aos irmãos. “O amor ainda é a fonte mais plena para a resposta à pergunta acerca do sentido do sofrimento. Essa resposta foi dada por Deus ao homem, na Cruz de Jesus Cristo”. (SD, 1988, p. 22).

 O sofrimento humano, quando unido ao sofrimento de Cristo, em uma oferta de amor, torna o homem, louvor de Deus. E agora o seu sofrimento não é mais vazio, ou sem significado, mas é redimido, acolhido, ofertado por amor, com amor e em amor. No sofrimento, pela graça de Deus, o homem encontra-se e é capaz de dar sentido à sua vida, a sua existência.

Esse é o fruto de quem vive imergido na graça, e que está presente na vida dos santos, (especialmente os mártires) e de todos, que unem o seu sofrimento ao de Cristo, por amor, fazendo de suas vidas um lindo canto de Louvor. E do Antigo ao Novo Testamento, a Sagrada Escritura oferece ao seu leitor, grandes exemplos daqueles que viveram o louvor de Deus. A grande novidade desses exemplos, era de que, não obstante a esse louvor, estava presente também a realidade do sofrimento. Revelando que é possível ser louvor, mesmo em meio ao sofrimento.

O Novo Testamento tem uma compreensão mais profunda do que o Antigo Testamento. “Quase todos os livros do Novo Testamento falam do sofrimento em numerosas passagens” (BAUER, 1973, p. 1074). A partir da vida de Cristo – também de seu sofrer –, e muitos fazem a experiência de se confiarem em Deus, em postura e atitude de Louvor, de abandono e confiança. Os seguidores do Senhor haverão de sofrer em suas vidas, mas o sofrimento ao qual estão sujeitos é um sofrimento que foi transformado pelo Redentor. O cristão possui uma nova perspectiva: sofrer é sofrer com Cristo, é unir-se a Ele pelo mistério do sofrimento, unir-se à Sua Cruz. O sofrimento faz parte da condição do homem, mas quando ele associa esse sofrimento, seja ele moral ou físico, ao Cristo, ele aprende a amar e esse amor o purifica. A essa maneira são forjados os santos, que tornaram o sofrimento fértil, gerador de vida.

Paulo e Silas destacaram-se como os que souberam viver o louvor em meio ao sofrimento. A palavra vai ser direta ao relatar: “Pela meia noite, Paulo e Silas, em oração, cantavam os louvores de Deus, enquanto os outros presos os ouviam. De repente, sobreveio um terremoto de tal intensidade que se abalaram os alicerces do cárcere. Imediatamente abriram-se todas as portas, e os grilhões de todos soltaram-se.” (Atos 16, 25-26). Nessa passagem, mais uma vez se vê expresso o poder libertador e as força do louvor de Paulo e Silas na prisão.

Vê-se que a vivência do Louvor de Deus no sofrimento, quando experimentada, gera frutos e foi o que sempre aconteceu na vida da Igreja, na vida de Maria, dos santos mártires, dos santos e das pessoas que unem suas vidas a vida do Cristo e com Ele são crucificados.

Assim como foi a vida de seu Filho, a vida de Maria foi um longo martírio. Sobretudo depois da profecia do ancião Simeão (cf. Lc 1, 33), uma longa série de provações e de dores, por isso que a Igreja também celebra a compaixão da Virgem.

“Segundo o testemunho dos Santos, não poderemos jamais compreender a imensidão e a profundidade dos sofrimentos de Maria, pois nunca poderemos conhecer a grandeza do seu amor por Jesus, causa principal de suas dores. Esse é também o pensamento da Igreja, que, em sua liturgia, aplica à Virgem compassiva, como ao próprio Jesus, estas palavras do profeta Jeremias (Lm 1, 12): Ó vós todos que passais pelo caminho, olhai e vede, Se há alguma dor igual à dor que pesa sobre mim!” (TANQUEREY, 2014, p. 70).

             Diante das dores enfrentadas por Maria, sempre se encontra nesta santa mulher uma postura firme de louvor, postura que revela em quem ela depositou sua confiança e por isso caminha sem titubear, mesmo com o coração rasgado e traspassado, tudo ela oferece, tudo ela entrega, tudo transforma em louvor de Deus.

“Se começamos pelas dores de Jesus e Maria, é porque não há nada melhor do que o seu exemplo para mostrar a necessidade e a eficácia do sofrimento para nossa santificação e a de nossos irmãos, e nada que nos possa impulsionar com mais força a segui-los na estrada real da Cruz. (TANQUEREY, 2014, p. 12)

   Da manjedoura ao Calvário, Maria se oferta a Deus em tudo. Como uma oblação de louvor, tudo suporta por amor a seu Divino Filho, Jesus. Esse amor a faz permanecer de pé em todas as dores que sofreu e ainda sofreria; é, portanto, um modelo para o cristão que sofre, por ser o dela, um sofrimento repleto de sentido e confiança em Deus.

“É impossível conceber maior ato de fé do que o da Virgem no Calvário: nessa hora de obscuridade profunda, que foi chamada de “hora das trevas”, quando a fé dos próprios apóstolos vacila, quando Jesus, humanamente falando, parece totalmente vencido e sua obra aniquilada para sempre, quando o próprio Céu parece não responder à súplica do Crucificado, Maria não cessa um só instante de crer que seu filho é o Salvador da humanidade; e quando ele pronuncia suas últimas palavras: Consummatum est, a Virgem, na plenitude de sua fé, compreende que a obra de salvação é consumada pelo mais doloroso aniquilamento. Ela compreende que seu Filho agonizante é já o vencedor do pecado, e que, dentro de três dias, será o vencedor da morte, consequência do pecado. Esse é o seu maior ato de fé: ver o dedo de Deus, e mais ainda, a intervenção suprema de Deus, lá onde os melhores, os mais fiéis, só veem trevas e desolação”. (GARRIGOU-LAGRANGE, 1930, p. 820)

Com isso, Maria nos revela que, ver esse dedo de Deus, é ter visão espiritual sobre o que acontecia com Jesus, uma visão de louvor no sofrimento, visão que só o simples de coração pode obter, pela fé. Maria vislumbrou isso em meio ao seu sofrimento, por isso permaneceu firme, forte e constante, confiante em Deus e não em suas próprias forças.

“Coragem, portanto, meus filhos! Não há nada mais apostólico, e no fundo nada mais consolador que o sofrimento generosamente aceito em união com meu Filho, por amor a ele e em suas intenções. Aceitai-o, pois, e eu o transformarei em uma chuva de bençãos recaindo sobre vós”. (TANQUEREY, 2014, p 93).

O estar de pé de Maria, (cf. Jo 19, 25), foi a certeza de que a vitória viria pelo louvor, ela soube dar sentido ao seu sofrimento, aceitando a vontade de Deus e sendo mulher repleta de virtudes. Sendo exemplo para muitos que viriam após ela. “Ao ler a história dos mártires, vemos que muitos deles declaram a seus carrascos que, se não temem o sofrimento e se permanecem alegres em meio às mais pavorosas torturas, é porque o Cristo vem sofrer neles.” (TANQUEREY, 1930, p. 100). Por isso, que, Maria é venerada como a Senhora das Dores e também Rainha dos Mártires.

Entre os vocacionados ao sofrimento, existem aqueles que são chamados de modo ainda mais especial a viverem o padecimento extremo, os passos do Cristo Sofredor e por sua causa: são os mártires, cristãos que, diante de perseguições e torturas não negaram a Jesus, realizando assim, uma adesão de fé ainda mais plena e suportaram todo sofrimento para testemunharem a fé que abraçaram até a prova última de sua fidelidade na entrega da própria vida nas mãos dos algozes.

“O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã”. (CIgC, 2000, n.2473).

Martírio do grego “μαρτύριο”, significa “testemunho”. Os mártires são aqueles que deram testemunho de sua fé em Cristo. É um cristão convicto de sua fé, tão íntimo de Cristo que o segue até na via da dor. O cristianismo nasceu banhado no sangue de Jesus e cresceu e frutificou pelo testemunho de tantos mártires que, com a própria vida, e com o próprio sangue, proclamaram que Jesus é o Redentor da humanidade.

Os mártires respondem a um apelo de Cristo, a ponto de “fazer pouco caso dos tormentos, na pressa de chegar a ele”. No martírio o cristão corresponde a um chamado divino, que se insere na própria dinâmica da vida cristã. Não é uma realidade que se reduz ao momento da morte, mas está presente no desenrolar de toda a sua vida. Liga-se à sua vocação batismal. (FIGUEIREDO, 2012, p. 170).

Os mártires, amaram e, sofrendo, louvavam, pois tinham o dom de enxergar vida e ressurreição; onde outros só eram capazes de ver dor e morte. Os mártires na Igreja foram pessoas; que muito amaram a Jesus, com um amor esponsal, capazes de ofertar a sua própria vida sem nada reter, uma doação geradora de vida. Os mártires foram participantes no sofrimento de Cristo, uma vez que este sofrimento abriu a possibilidade para o cristão de união com a participação em sua paixão redentora.

 Assim foi o mártir Santo Inácio de Antioquia, que se entregou sem reservas a vontade do Senhor. Inácio recebeu a gloriosa coroa do martírio no ano de 107. Em sua vida escrevera várias cartas às Igrejas, onde com erudição falava do Cristo. Sua memória já era celebrada em Antioquia, desde o século IV. Se considerava trigo de Deus, e quem o faria trigo, seria os dentes das feras:

“Tenho escrito a todas as Igrejas e a todas elas faço saber que morro por Deus com alegria... Sou trigo de Deus, serei triturado pelos dentes das feras para tornar-me o puro pão de Cristo. Rogai a Cristo por mim, para que por este meio me torne sacrifício para Deus... Eu que tanto desejo ser de Deus... Concedei-me ser imitador da paixão do meu Deus.” (BREVIÁRIO, 1999, p. 1388).

Este mártir, viveu além da caridade a fé e a esperança de querer estar unido a Deus, desta maneira fez do seu sofrimento, do seu martírio, a expressão mais genuína do Louvor de Deus.

 “Santo É ele ainda que, relaciona o martírio ao batismo, pois o movimento próprio de descer às águas batismais é um morrer com Cristo para com Ele ressurgir, ser batizado é associar-se a Ele e a seu mistério e o martírio traduz-se como consequência última dessa identificação com Cristo pelo batismo.” (FIGUEIREDO, 2012, p. 171).

Além dos santos mártires, muitos outros são os testemunhos que no sofrimento, viveram o Louvor de Deus. Uma santa que testemunhou com sua vida o louvor em meio a dor, foi Santa Josefina Bakhita, uma santa africana, canonizada a poucos anos, possuidora de uma história singular e dramática. Aos dez anos fora raptada por negreiros africanos, depois disso foi vendida várias vezes, escravizada, maltratada sendo brutalmente explorada. Um cônsul italiano a resgatou e a levou para a Itália, onde conheceu a fé cristã e consagrou-se a Deus por meio da Vida Religiosa tornando-se religiosa Canossiana. Sempre muito simples, cresceu incrivelmente, em sabedoria, que é concedida aos pequenos.

A vida de Bakhita é um exemplo de vida reconciliada, não fez do seu sofrimento o seu fim, mas uniu ao de Cristo, que ressignificou toda a vida dessa mulher, a ponto dela mesma dizer: “Se encontrasse aqueles negreiros, beijaria as suas mãos.” (CENCINI, 2007, p.442). Ao falar de sua história, tinha sempre em sua boca as frases: “O Senhor foi sempre bom comigo em toda a minha vida”, “O Senhor sempre me quis bem”, “toda a minha vida foi dom de Deus” (ZANINI, 2014. p. 23). Diante as pressões psicológicas, físicas e morais que a feriram, não é comum à sua resposta, porém, é a correta. Bakhita ensina que:

“É possível então, integrar o próprio passado, mesmo quando foi dramático e traumático, é possível dar sentido àquilo que parece não ter sentido, é possível até querer bem a quem não te quis bem, é possível levar os estigmas (também físicos) da violência sofrida e não experimentar rancor por quem os provocou, mas, ao contrário, expressar gratidão por quem foi mediação, mesmo inconsciente, de um desígnio de providência e amor. Não somente o perdão, não somente o ódio que se transforma em amor, mas até gratidão.” (CENCINI, 2007, p. 446).

Esta grande Santa, olhou para a Cruz de Jesus e viu um escravo, preso e envolto pelas dores, a mesma condição que ela estava, ela então uniu suas dores a de Jesus, por isso tornou-se uma mulher ressuscitada, integrada, e por isso fez de sua vida e sofrimento existencial uma verdadeira obra de louvor, tornando-se louvor para aqueles que dela precisassem . “O bom Deus velava por mim..., e me salvou, muitas vezes milagrosamente, aquele Deus que desde menina sentia no coração sem saber quem era..., e agora o conheço. Graças, graças, meu Deus.” (CENCINI, 2007, p. 446).

São testemunhos que expressam o Louvor de Deus no sofrimento, entre tantos exemplos, pode-se falar do Pe. Gilberto Maria Defina, sjs, que fez de sua vida essa oferta, entregou tudo a Deus, suas alegrias e sofrimentos, ponto a ponto de morrer feliz, por ter feito em tudo a vontade de Deus.

Muitos foram os atos de humildade vividos na vida do padre, a própria Congregação que ele fundara, é frutuosa, devido às humilhações e sofrimentos que ele viveu, principalmente através das humilhações, mas que o forjaram na busca de santidade, porque em tudo, ele uniu-se ao Cristo no alto da Cruz. Foi um homem que se entregou para os outros. Já no fim de sua vida, onde muitos gostariam de descansar, ele funda a Obra de Jesus Salvador. Por uma inspiração divina, ele fundou a família Salvista. Um exército de homens e mulheres que oferecem a própria vida, louvando a Deus. Foi uma pessoa realizada interiormente, e através do louvor, ele nos ensina que Deus chama o ser humano para a Sua glória.

Nada pode ser realizado se faltar o amor. O padre Gilberto, sjs, ensinou isso com a vida, foi exemplo até o fim de sua carreira, mesmo em uma cadeira de rodas e com saúde frágil, oferecia tudo como o Cristo na Cruz, suportando por amor a Deus e aos irmãos. Passando os últimos momentos de sua vida acamado, se assemelha a Cristo na Cruz, e morre como ele, por asfixia, e em tudo viveu o louvor, sem reclamar ou murmurar. Com isso o padre Gilberto, sjs, nos deu uma chave para entender o sofrimento, enquanto muitos fogem da dor e da cruz, e São Paulo vai dizer que quem foge da Cruz é inimigo da Cruz, o padre, no fim de sua vida, como Jesus, se oferece ao Pai, pelo sofrimento, tornando-se semente, fértil e repleta de vida, revelando e ensinando que, a dor é momento especial e fundamental, para que aja uma união com à dor de Cristo que salvou a humanidade.

Este é o caminho preferencial para a salvação. Este é o caminho dos Salvistas, porque, pregado em uma cadeira de rodas, se pode fazer pouca coisa, quase nada. Mais o teu sofrimento, a tua purificação, a tua dor, alcança muitas pessoas, salvando, como Cristo salvou na Cruz. Por isso esse último ensinamento do Pe. Gilberto, sjs, é fundamental, para nos lembrarmos que nós não podemos ser inimigos da cruz, mas devemos carregar a nossa cruz. A cruz no peito do Salvista não é um enfeite, mas significa que é importante saber que Cristo crucificado e ressuscitado está dentro do coração e é ele que o Salvista prega, com a própria vida e testemunho.

A semente que é o Padre Gilberto, sjs, morreu e dá fruto. Cristo deve estar presente na oração de louvor, até mesmo na dor, pois só assim colheremos os frutos, reunidos pelo Espírito Santo. A missão do Salvista é salvar o ser humano, então a missão que o Padre Gilberto deixou aqui na terra foi a de ajudar os homens e as mulheres, a entenderem a graça da salvação, e a Fraternidade trabalha isso no mundo. O importante para o Salvista é falar a linguagem do amor, que todos entendem. No mundo, a realidade Salvista traz uma Igreja alegre.

O Pe. Gilberto, sjs, se lançou a vontade de Deus até o fim de sua vida e sustentou o seu sim até o mais alto da Cruz, com o simples desejo de fazer a vontade do Pai, o maior dom que possuía, era o da fé e com esse dom, não só viveu em tudo o Louvor de Deus, como conseguiu, de forma misteriosa, enxergar Deus em tudo, até em seus sofrimentos, com gratidão e amor. O padre encontrou forças na cruz de Jesus, e a Ele se uniu de todas as formas, inclusive no sofrimento. Como Jesus, ele se oferece por inteiro ao Pai, fazendo de sua vida um ato de louvor de Deus.

Todos eles, foram capazes de interpretar a alegria provinda da descoberta do sentido do sofrimento, pois Cristo ao sofrer de modo redentor, deu ao ser humano a possibilidade de penetrar no sentido salvífico do sofrimento. “A redenção se realizou mediante a Cruz de Cristo, ou seja, pelo seu sofrimento.” (SD, 1988, p.6).  O sofrimento vivido em Cristo, se transforma em amor e consequentemente louvor, gera fertilidade, produz frutos de santidade, constrói estruturas firmes no ser humano e na humanidade, características de quem vive uma vida enraizada na graça.

 

3. A Diaconia do carisma Salvista, resposta ao comportamento hedonista

Quando Deus inspira um carisma novo na Igreja, este sempre traz graças próprias para um determinado tempo na história da mesma e da humanidade e no caso da Fraternidade Jesus Salvador, não tem sido diferente. Além de suas características, possui sua Diaconia, que nada mais é, do que, o serviço feito por e com amor.

O Louvor de Deus é forte, firme e constante, com essas palavras que o Pe. Gilberto escolheu o carisma da Fraternidade Jesus Salvador, fazendo uma feliz distinção entre o “Louvor a Deus” e o “Louvor de Deus”. O fundador entendia que o Louvor a Deus dependia muito mais da ação do homem, do que a ação do próprio Deus, o que pode ser interpretado por algo momentâneo, um sentimento. Já o Louvor de Deus, parte mais de Deus, é mais forte, pois quando o homem se encontra, repleto do Espírito Santo e aberto a graça, entende que esse louvor não é de sentimento, mas um louvor que perpassa toda a sua história, e por isso, também possui a característica de ser firme e constante.

Só quem ama e é pequeno vive o Louvor de Deus, porque torna-se dependente de seu Criador. Jesus recorda esta verdade, ao dizer sobre o louvor dos simples: “ Naquele momento, ele exultou de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.” (Lc 10, 21). O padre Gilberto, completa ao escrever nas Constituições:

Só o simples de coração, conceberá a Deus o espaço que a Ele é devido, e para que esta realidade aconteça, o homem, precisa decidir-se em viver essa realidade em sua vida, como bem expressou o Padre Gilberto, quando escreveu: “O que nos leva a este constante louvor divino é a procura do “Único necessário” em nossa vida: é estar com Deus, pois nele mergulhados, vivemos, respiramos e existimos, pois, tudo Ele criou para a sua glória” (CONSTITUIÇÕES, 1995, p. 81).

Quando Jesus Salvador é o centro da vida do ser humano, este é vivificado pela graça e em resposta, o homem faz de sua vida um verdadeiro culto latrêutico. A pessoa abre-se a Deus, louvando-O e adorando-O. O Louvor de Deus imprime em nosso ser uma mentalidade que lhe é própria, que deve atingir todos os âmbitos de nossa vida, não somente nossa vida interior, mas também nossa humanidade, nosso estado de vida, nossa convivência social, nossa mentalidade, conformando-nos a Cristo que louva.

Ladeado a latria, que é desejo de Deus para cada ser humano, encontra-se no mundo contemporâneo realidades adversas a isso. Por vezes disfarçadas como avanços, ou tantas outras coisas, mas que na verdade, em vez de integrar o homem, o desfragmenta, ao invés de dar a ele uma identidade, o desfigura. Principalmente atualmente, onde se vive uma cultura hedonista, contrária ao amor de oferta, ao amor de sacrifício, para melhor compreender é interessante saber:

O hedonismo busca evitar sacrifícios e sofrimentos a todo custo. É diretamente oposto à teologia da cruz. S. Paulo falou em seus dias dos inimigos da cruz de Cristo. Seu fim é a destruição; seu deus, o estômago; e eles se gloriam da própria desonra, com a mente voltada para os prazeres terrenos (cf. Fl 3, 18s). Como dissemos, ele também ensinou que a cruz era um absurdo para os gentios (cf. 1Cor 1, 23).  (AZEVEDO, 2020).

Hedonismo vem da palavra grega hēdonē, que significa “prazer”, e é semelhante à palavra grega hēdys, que significa “doce”. Uma sociedade imersa ao prazer separado do amor, enraizado cada vez mais em um hedonismo exacerbado, que nada mais é, do que, prazer pelo prazer, onde o homem, pelo egoísmo fecha-se ao amor tornando-se idólatra, pois não adora mais a Deus, mas busca uma adoração de si próprio. Sobre essa realidade, o Pe. Gilberto escreve:

“Nestes tempos, que são os nossos tempos, àqueles que entendem os sinais dos tempos que Ele mesmo quer mostrar, reserva-nos maravilhas para o nosso espírito. Ao lado de um mundo que se dessacraliza, anticristão, vivendo toda a impiedade da idolatria, em que se blasfema o Nome santo do Senhor.” (CONSTITUIÇÕES 1995, p.81).

Somos chamados a transformar as nossas ações em louvor, irradiando a santidade divina: “A santidade da Igreja se exprime incessantemente e deve manifestar-se nos frutos de graça que o Espírito Santo ocasiona em nós”, ensina o Concílio Vaticano II (LG, 1997, n.39). Jesus redime o ser humano através de seu sofrimento, e tudo transforma em atos de Louvor, dando um testemunho de liberdade e não de escravidão. O homem se torna escravo, quando vive o hedonismo, que prega que se deve evitar sacrifícios e sofrimentos a todo custo, sendo o oposto pregado pela teologia da Cruz.

“Tendo o prazer e o poder se tornado as coisas mais importantes para um indivíduo ou para uma civilização, quando na verdade são coisas menores, secundárias, eles se transformam em obsessão, em vício; paralisam o pensamento. O alcoólatra não entende o verdadeiro propósito do vinho, “alegrar o coração do homem”. O libertino entende o propósito do sexo, sua gloriosa e mística unificação do prazer, procriação e amor pessoal. E a sociedade que faz do alívio do sofrimento seu summum bonum não entende o significado do sofrimento ou do prazer” (KREEFT, 1995, p. 178).

Quando se vive o hedonismo, se rejeita todo e qualquer tipo de sofrimento. O homem não possui mais tanta consistência e se vive a cultura do descartável, que tanto tem nos alertado o Papa Francisco. Famílias, namoros, relações, que estão cada vez mais desintegradas, onde o outro é o meu objeto de prazer. Desta forma não se vive um amor autêntico, não há responsabilidade no amar, e muito menos se aceita sofrer, pois não se ama, vive o contrário, se utiliza o outro como um instrumento de prazer, que serve por um momento, mas depois não serve mais.

Então se vive um louvor de si mesmo, repleto de fechamento, que desestabiliza as relações, vínculos, emoções, gerando um povo fraco, medíocre e inconsistente. O sociólogo Zygmunt Bauman, desenvolveu o conceito de modernidade líquida, que diz respeito a uma nova época em que as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos. O hedonismo infectou profundamente a mentalidade moderna. O conceito de cruz não é apenas absurdo, mas totalmente “imoral” para a mente hedonista, que vê o prazer como o único bem humano verdadeiro (Cf. BAUMAN, 2000, p. 94).

A sociedade hedonista tem medo do que é sólido, do que chama a responsabilidade. Bauman sobre isso acrescenta: “O amor sólido raciocinava em termos de amor eterno, o amor líquido raciocina daqui até as próximas “eternas” 24 horas”. (Cf. BAUMAN, 2000, p.89).

E com isso a pessoa humana e a família, estão cada vez mais se esvaindo. A falta de autoconhecimento, processo onde a pessoa se vê como criatura amada de Deus, gera uma crise de identidade, pois ela não se vê como uma obra de louvor, e muito menos o seu semelhante, tratando-o como sendo “descartável”.

A "vida líquida" e a "modernidade líquida" estão intimamente ligadas. A "vida líquida" é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa sociedade líquido-moderna. "Líquido-moderna" é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e a da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo. (BAUMAN, 2000, p.)

O amor líquido, onde nada mais é duradouro ou aberto ao sofrer pelo outro. Como dizia Santa Teresa: “É justo que muito custe o que muito vale”. Ou ainda Teresa de Calcutá, quando dizia: “É preciso amar até doer”.

Nenhum sofrimento será em vão (Rm 8). Só entendemos o calvário, unidos a Jesus, pela fé e pelo amor. Assim como a terra é arada, machucada, para que quando a chuva vier, gere vida, assim Deus trabalha na alma que se deixa conduzir por ele. “Para que outros vivem, vale a pena morrer. (II Cor 4). Essa é a resposta que cura e sana a idolatria nos dias de hoje. Por isso o Louvor de Deus vem ser remédio para essa sociedade. Pois livra o ser humano desse processo de escravidão e idolatria em seu interior e exterior, salvando o ser humano e o tornando forte, firme e constante.

O homem hodierno, quando renuncia a idolatria de si mesmo, e une o seu sofrimento ao de Jesus, torna-se profecia na Igreja, para a Igreja e na humanidade inteira.

O nosso sofrimento é ofertado ao Pai, pelo padre na Liturgia eucarística quando ele reza: “por Cristo, com Cristo e em Cristo.” Ao unir a dor do homem com a de Cristo, na cruz, este mesmo homem é preenchido de luz, e torna-se capaz de encontrar e dar sentido ao seu nada existencial, deixando Deus ser Deus, curando a sociedade da idolatria e do hedonismo, e assim o vazio interior se torna um lugar da habitação de Deus, um lugar de louvor. Daí então a desordem dá lugar a ordem, e ordenado para Deus, O rende graças por suas fadigas e alegrias. O sofrimento que faz parte de nossa condição, unida ao Cristo que louvou ao Pai na Cruz, faz com que o ser humano em sua existência se torne louvor. Foi o que Deus inspirou no coração do Pe. Gilberto, sjs:

 “Por isso é um grande presente de Deus para nós estar constantemente ouvindo e louvando o Senhor pelos séculos eternos. Que desça sobre nós essa magnitude da grandeza de Deus Criador, para que possamos exaltá-lo constantemente com a nossa vida e a nossa existência: isso é o principal do Louvor de Deus, existir louvando a Deus. Nossa própria existência é um louvor continuado na santidade de Deus. A nossa vida constantemente fala do Louvor de Deus” (DEFINA, 2016, p. 162).

 Ao mesmo tempo que somos chamados a vocação de Louvor, estamos em um mundo vivendo todo tipo de prazer, idolatria, separado da responsabilidade da doação, do amor. O homem desfigurado porque não é capaz de sair de si para amar, envolto de egoísmo contrário ao amor. Enquanto Jesus saiu de si para salvar a humanidade, o homem está voltado para si, escravo do prazer. Na busca constante do prazer pelo prazer, o homem é desfigurado em sua identidade e vocação, blasfemando o nome do Senhor. Mediante a isso, o carisma do Louvor de Deus, além de profecia, presta um serviço a Igreja e a humanidade ao mostrar que o amor é doação e que no sofrimento, essa capacidade de amar, se abre ainda de forma mais íntima e concreta.

Diz o salmo acerca do povo de Cristo: “ao passarem pelo vale do bálsamo eles o transformam em fonte, e a primeira chuva o cobre de bençãos” (Sl 84, 7). Mesmo no deserto de nosso sofrimento, nosso espírito sorri na esperança e na convicção. Pois sabemos onde estamos e a quem pertencemos: Eis por que suporto esses sofrimentos. Mas não me envergonho deles, pois sei em quem depositei a minha fé e tenho a certeza de que ele tem o poder de guardar o depósito que me é confiado até aquele Dia (2 Tm 1, 12).

Testemunho de liberdade e não de escravidão, na Igreja, para Igreja e humanidade. O louvor de Deus gera vida, e hoje se vê um dos males da sociedade que é o caso do suicídio, quem se suicida não administra bem a própria vida. 

O homem que no sofrimento ama, há fecundidade, o homem fechado em si mesmo no prazer, é morte. O homem que sofre unido ao Cristo ama gerando vida e louvor, o homem fechado em si mesmo no prazer se depara com o vazio, falta de sentido de vida e morte. Essa é a diaconia do carisma para o homem, que mesmo debilitado no seu físico, na sua alma, encontra resposta, gera fecundidade, pois é próprio do amor fecundar, sofre com sentido pois sabe o que é, e quem sofre com ele, essa é a profecia do carisma do Louvor de Deus..

O hedonismo é uma forma de escravidão, o homem que se torna escravo de si mesmo, fala-se tanto de liberdade no mundo, e em nome dessa liberdade ele acaba se tornando escravo de si. Hoje no mundo que tanto se fala da liberdade, sexualidade, drogas, vícios, dono de si, protagonista de sua história, adentra em um grande engano, torna-se escravo de si. O louvor de Deus devolve a essência do ser ao humano.

“Deixou-nos uma interpretação do sofrimento que não é uma teoria teológica ou filosófica, mas um fruto amadurecido ao longo do seu caminho pessoal de sofrimento, por ele percorrido com a ajuda da fé no Senhor crucificado. Esta interpretação, que ele tinha elaborado na fé e que dava sentido ao seu sofrimento vivido em comunhão com o do Senhor, falava através da sua dor silenciosa, transformando-a numa grande mensagem. O sofrimento de Deus crucificado não é apenas uma forma de sofrimento ao lado das demais... Cristo, sofrendo por todos nós, conferiu um novo sentido ao sofrimento, introduziu-o numa nova dimensão, numa nova ordem: a do amor... A paixão de Cristo na Cruz deu um sentido radicalmente novo ao sofrimento, transformou-o a partir de dentro... É o sofrimento que arde e consome o mal com a chama do amor... Cada sofrimento humano, cada dor, cada enfermidade encerra uma promessa de salvação... O mal... existe no mundo também para despertar em nós o amor, que é dom de si... a quem é visitado pelo sofrimento... Cristo é o Redentor do mundo: "Fomos curados pelas suas chagas" (Is 53, 5)" (pág. 198 ss.). Tudo isto não é simplesmente douta teologia, mas expressão de uma fé vivida e amadurecida no sofrimento. Certamente, nós devemos fazer tudo para atenuar o sofrimento e impedir a injustiça que provoca o sofrimento dos inocentes. Todavia, devemos também fazer tudo para que os homens possam descobrir o sentido do sofrimento, para serem assim capazes de aceitar o próprio sofrimento e de o unir ao sofrimento de Cristo. Deste modo, ele funde-se juntamente com o amor redentor e, por conseguinte, torna-se uma força contra o mal do mundo (BENTO XVI, 2005).

O sofrimento não é uma resposta, ele se torna um caminho, que Cristo abriu em Sua Cruz redentora para o ser humano, o sofrimento não é mais visto como desordem provocado pelo pecado, o sofrimento unido ao Cristo agora, se torna um caminho de salvação. Jesus ao curar, revela sua identidade de Salvador, retirando a desordem na vida humana provocada pelo pecado. Coloca ordem a desordem que o pecado provocou no mundo, o sofrimento agora redimido, não mais sendo consequência do pecado, se torna caminho de salvação, e o homem pode abrir-se então a experiencia de viver o louvor de Deus no sofrimento. O santo é livre e não escravo.

O homem enraizado no hedonismo, fecha-se ao amor, quando acometido pela experiencia de sofrimento, vive o desespero. “A única maneira de carregar bem a cruz, é carrega-la com amor [...] Sem isto a cruz se transforma em desespero, desânimo e tristeza, mas com amor ela é salvação” (AQUINO, 2014, p. 58).  O contrário, quando o homem em sua essência, é Louvor de Deus, está aberto ao amor, a doação, a oferta de si. Ao sofrer une-se ao sofrimento de Cristo, que gerou vida, desta união brota a profecia do carisma do Louvor de Deus, porque mesmo em meio ao sofrimento, o  homem que está aberto, vive as virtudes, então torna-se fértil, e assim como a oferta de Cristo gerou salvação pelo seu sacrifício, o homem quando oferece sua dor, torna-se uma profecia, porque sabe sofrer, e o amadurecimento que este sofrer ocasiona em sua alma, transforma não só a sua vida e existência, mas a existência de todos que ele toca, pois quando sou louvor de Deus, desejo a salvação, o céu ao outro e encontro sentido em cada dor. O homem fechado, hedonista, idólatra, egoísta, não é capaz de fazer o mesmo percurso, vive a cultura de morte, falta de sentido e desesperança.

Por fim, o Louvor de Deus dá sentido a contemporaneidade ferida, preenchendo-a de sentido de vida. Pois liberta o homem do egoísmo e da idolatria, preenchendo-o de sentido a sua vida e seu sofrimento. A partir do momento que o Louvor de Deus devolve ao homem a sua identidade mais profunda, sua essência de ser louvor, este, deixa para trás, todo e qualquer tipo de idolatria, une-se ao seu Salvador Jesus, fazendo de sua vida um louvor, que ressoará na eternidade. Se o homem, antes, preso pelo hedonismo e tantas outras realidades, se via como escravo, agora livre no louvor dá testemunho de liberdade, tornando-se assim uma profecia na Igreja e humanidade. Deus, porque ama, vai realizar esse processo no homem, mesmo que pelo sofrimento muitas vezes, para que ele, livre de toda idolatria, permita que o louvor de Deus seja o único ecoar de sua história e assim viverá louvando a Deus. E desta forma o carisma do Louvor de Deus, ao prestar esse serviço à Igreja, gera vida no coração do homem, que quando é tocado pela experiência de louvor mesmo sofrendo, encontra sentido em doar-se aos irmãos, como fez Cristo no mais alto da Cruz, pois tem sede de salvação, de vida eterna.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

Nessas páginas, tratou-se sobre a relação entre o Louvor de Deus e o sofrimento. Em seu itinerário de vida, o homem se pergunta sobre o porquê do sofrimento e qual o sentido dele. Cristo ao realizar pela via do sofrimento, a obra da redenção aos homens, concede um novo sentido a dor humana.  O judaísmo com a ideia da retribuição terrena compreendia o sofrimento como castigo infligido por Deus ao homem pecador, mas essa teologia já se apresentava fraca ante o sofrimento experimentado pelo justo, inocente de pecado. Jesus Cristo traz nova perspectiva para o sofrimento humano, sendo compreendido a partir do seu sacrifício.

Sofrendo a paixão redentora e vencendo a morte, transfigurou a essência do sofrimento, dando-lhe novo sentido: todo aquele que, na fé, associa o sofrimento próprio aos sofrimentos do Cristo, encontram no sofrimento vivido um instrumento eficaz para a comunhão com Deus. Deus escolheu a via do sofrimento para manifestar o Seu infinito amor pelo homem e deixou a possibilidade para cada pessoa de se unir profundamente nesse mistério do sofrimento que leva a Deus. Mistério atualizado a cada Liturgia celebrada.

 O homem nasceu para a glória de Deus (Cf. Ef 1,6), mesmo sofrendo é convidado a confiar e esperar em seu Deus. Assim vive o homem da Sagrada Escritura que confiou em Deus e na Tradição da Igreja existem exemplos de pessoas que, na dor, uniram-se a Deus e ofertaram suas vidas porque muito amaram, conduzindo outras para esta mesma vida, de sacrifício e louvor, gerando frutos de santidade. A oferta da própria vida é redenção e muitos como Maria, os discípulos, os santos mártires e os santos, entenderam essa máxima. Também os cristãos não sofrem pelo sofrimento em si, mas porque esperam, com os sofrimentos presentes, alcançar as alegrias eternas no céu, onde não haverá mais nenhum sofrimento e sim, felicidade plena e vida sem fim.

É possível a relação entre louvor de Deus e sofrimento, e é essa união resposta e profecia para a humanidade, que hoje vive marcada pelo hedonismo e tantas outras realidades que roubam o ser humano de sua identidade profunda de ser louvor. O homem hedonista, nada mais é que um idólatra, um manipulador, incapaz de enxergar em seu sofrimento uma via de amadurecimento e crescimento, isso porque está fechado em si mesmo, gerando morte para si, como para todos que o circundam. O contrário, quando o homem é LAUS DEI, quando inflamado pelo sofrimento, une-se a Cristo, vê nele uma oportunidade de vida e ressurreição, aceita sofrer por amor, pois está unido Aquele que muito amou, e por isso, a sua abertura, gera vida a muitos outros. “Sede imitadores de Deus, como filhos que ele ama. Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de suave odor.” (Ef 5, 1-2).

 Por fim, concluo que somos chamados a uma vocação de louvor, de união a Deus, que gera auto doação e amor, como fez Jesus, vivendo com responsabilidade e sendo presença vivificadora de Deus no mundo. O homem desfigurado pelo hedonismo e pela idolatria, é incapaz de amar. O louvor de Deus é profecia e presta esse serviço a Igreja e a humanidade. De devolver ao homem a sua identidade mais profunda, tendo Deus como Senhor e Salvador. Pois o homem que no sofrimento ama, há fecundidade, o homem fechado em si mesmo no hedonismo, gera morte para si e para a humanidade. O louvor de Deus é resposta, porque cura a contemporaneidade que se encontra ferida, dando-lhe sentido à vida e aos sofrimentos do homem e da humanidade inteira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

AGOSTINHO, Confissões. São Paulo: Paulus, 1984.

AQUINO, F. R. Sofrendo na fé. Lorena: Cléofas, 2014.

BAUER, J. B. Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Loyola, 1973.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BECHARA, Evanildo. Minidicionário de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2009.

BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

BOROBIO, Dionísio. A celebração na Igreja. São Paulo: Edições Loyola, 1993.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola. 2000.

CENCINI, Amadeo. A árvore da vida. São Paulo: Paulinas, 2007.

CNP: O que é hedonismo? Muito mais do que você pensa!. 2020. Disponível em: https://padrepauloricardo.org/blog/o-que-e-hedonismo-muito-mais-do-que-voce-pensa/ Acesso em: 10 out. 2020.

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. Paulus: São Paulo, 1997.

CONSTITUIÇÃO PASTORAL GAUDIUM ET SPES. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997.

CONSTITUIÇÕES DO INSTITUTO MISSIONÁRIO SERVOS DE JESUS SALVADOR. São Paulo: 1995.

DEFINA, Pe. Gilberto Maria. Padre Gilberto, uma vocação de santidade e louvor! São Paulo: Canção Nova, 2016.

DICIONÁRIO Etimológico: Etimologia e Origem das Palavras. Etimologia e Origem das Palavras. 2020. Disponível em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/sofrer/. Acesso em: 15 jul. 2020.

DUNN, J. D. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003.

FIGUEIREDO, F. A. O amanhecer da Igreja. São Paulo: Lafonte, 2012.

JOÃO PAULO II. Salvifici Doloris: sobre o sentido cristão do sofrimento humano. São Paulo: Edições Paulinas, 1988.

KREEFT, Peter. Buscar sentido no sofrimento. São Paulo: Edições Loyola, 1995.

LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas, 2004.

LAGRANGE, Garrigou. L’amour de Dieu et la croix de Jesus. France: Éditon du Cerf, 1930.

LÉON-DUFOUR, Xavier. Vovabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

LEPARGNEUR, Humbert. Antropologia do sofrimento. Aparecida: Santuário, 1985.

LEVEQUE, Jean. Jó o livro e a mensagem. São Paulo: Edições Paulinas, 1987.

LUTERO, Martim. Magnificat o Louvor de Maria. São Paulo: Santuário, 2015.

MORAES, Micael. O Louvor de Deus salva. Canas, São Paulo: RCCBRASIL, 2019.

OFÌCIO DIVINO. Liturgia das horas. São Paulo: Paulinas. 1999.

PAREDES, José Cristo Rey. Maria a Mulher do Reino de Deus. São Paulo: Ave Maria, 1984.

RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011.

RÉGAMEY, Pie. A Cruz de Cristo e a nossa. São Paulo: Quadrante, 2014.

SACROSANCTUM CONCILIUM. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997.

SCHWANTES, Milton. Sofrimento e esperança no exílio. São Paulo: Paulinas, 1987.

TANQUEREY, Adolphe. A divinização do sofrimento. São Paulo: Cultor de livros, 2014.

VATICAN: DISCURSO DO PAPA BENTO XVI AOS CARDEAIS, ARCEBISPOS E PRELADOS DA CÚRIA ROMANA NA APRESENTAÇÃO DOS VOTOS DE NATAL. 2005. Disponível em: http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2005/december/documents/hf_ben_xvi_spe_20051222_roman-curia.html/ Acesso em: 21 out. 2020.

ZANINI, R. Itálo. Bakhita. São Paulo: Paulus, 2014.

 

 

 

A LIBERDADE E LOUVOR DE DEUS COMO FIM ÚLTIMO DO HOMEM

    INSTITUTO SUPERIOR DE FILOSOFIA E TEOLOGIA SÃO BOAVENTURA     DANIEL RIBEIRO DE ARAÚJO                   ...