quarta-feira, 29 de novembro de 2023

A LIBERDADE E LOUVOR DE DEUS COMO FIM ÚLTIMO DO HOMEM

 

 

INSTITUTO SUPERIOR DE FILOSOFIA E TEOLOGIA

SÃO BOAVENTURA

 

 

DANIEL RIBEIRO DE ARAÚJO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A LIBERDADE E LOUVOR DE DEUS

COMO FIM ÚLTIMO DO HOMEM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO

2023

DANIEL RIBEIRO DE ARAÚJO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A LIBERDADE E LOUVOR DE DEUS

COMO FIM ÚLTIMO DO HOMEM

 

 

Monografia do Trabalho de Curso apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Teologia São Boaventura, como parte dos requisitos para a conclusão do curso de Teologia, sob a orientação do Prof. Dr. Micael de Moraes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO

2023

DANIEL RIBEIRO DE ARAÚJO

 

 

A LIBERDADE E LOUVOR DE DEUS COMO FIM ÚLTIMO DO HOMEM

 

Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharelado em Teologia sob a orientação do Prof. Dr. Pe. Micael de Moraes, sjs.

 

 

 

 

Nota: ______________________

 

 

 

 

 

 

Data da aprovação: ____/____/____

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTOS

 

Agradeço, primeiramente, ao Deus Único e Eterno por ter concedido a todos os homens o precioso dom da liberdade e a capacidade de nos unirmos a Ele pelo louvor. Bendito seja por sua benignidade, pois afinal, “no louvor de Deus encontramos tudo”.

Agradeço ao corpo discente do Instituto São Boaventura, por me auxiliar nesta jornada, a ter a Teologia como como instrumento para crescer enquanto pessoa humana e como cristão, e assim usar desta ciência para ajudar a Santa Igreja no pastoreio do povo de Deus.

Minha gratidão a todo o povo de Deus por onde passei em missão, nas paróquias onde fiz pastoral. Afinal, é em meio ao povo de Deus que a Teologia toma movimento.

Gratidão aos meus pais, minha madrasta, minha irmã, aos meus familiares, amigos de caminhada. Aos irmãos diocesanos e demais religiosos que fizeram comigo este caminho de conhecimento de Deus.

Por fim, agradeço ao Instituto Missionário Servos de Jesus Salvador, bem como ao nosso pai e fundador, o Servo de Deus Pe. Gilberto Maria Defina, sjs ), por ensinar-nos que fomos criados para sermos mais humanos, ou seja, que nascemos para manifestar a glória de Deus.

            Tudo para o maior louvor de Deus.

 

Omnia vincit amor.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aqui embaixo, cantemos o Aleluia, ainda apreensivos, para podermos cantá-lo lá em cima, tranquilos.  Quanto será feliz lá o Aleluia! Quanta segurança!  Nada de adverso!”

 

Santo Agostinho (Sermo 256, 1.2.3: PL 38,1191)

RESUMO

O presente trabalho tem como tema “A Liberdade e o Louvor como fim último do homem” e, o principal objetivo   é demonstrar como estes dois conceitos enquanto dons divinos são essenciais para que o homem possa viver a sua vocação, a santidade em plenitude, uma vez que saiu de Deus e a Ele deve voltar.

Ao trilhar os passos deste estudo, dividiu-se o citado trabalho em três partes para melhor compreensão. No início, abordou-se o conceito de liberdade, percorrendo a história da salvação, a patrística e os demais conceitos através dos séculos, tendo como cume a posição da Igreja sobre o assunto.

Para mergulhar no tema proposto, no segundo momento abordamos os dois conceitos tendo a pessoa de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, como paradigma, mostrando que é possível ser livre e laudante, e como as duas coisas são inseparáveis.

E por último, como proposta inicial, apontar como Deus Criador deseja o homem livre e laudante, e como isto é parte essencial para poder participar de Sua santidade. Nisto consiste o fim último do homem: santificar-se e unir-se a Deus por meio do livre louvor a Ele.

Palavras chaves: Liberdade, Louvor, Santificação, Fim último, Identidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RIASSUNTO

In presente Lavoro ha come tema “La libertà e il Lode come fine ultimo degli uomo”; l’obiettivo pricipale di questo lavoro è analizzare come questo due conceto enquanto done divino sono esenziale per que gli uomo viva la sua vocazione ala santità in plenitute, um volta che hai lasciato de Dio e a Lui deve ritornare.

In questa explanazione, questo lavora ha tenuto trè parte para meglior capire. Nello inizio ha la explicazione dello concetto de libertà, percorrendo la storia della salvenza, la patristica e al’altri concetti nelli seculi, come punto alto la posizione della Chiesa su il assunto.

Per facce uma imerzione nello tema, nello secundo momento, studiamo le due conceto tenuto la persona de Gesù, vero Dio e vero uomo, come modelo, faccendo una indicazione che ha la possibilitá de essere livre e lodar, e come le due cosa sono inseparabile.

Per fine, come la prima proposta, indicare come Dio Creatore desidera il uomo livre e con una vità de lode, e come questo è parte essenziale para participare de Sua Santitá. In questo consite il ultimo dine degli uomo: santificazione e unione con Dio per mezzo delo libbre lode a Lei

Parole Chiave: Libertà, Lode, Santificazione, Ultimo fine, Identidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SIGLÁRIO

 

1Pd – Primeira carta de Pedro

1Tm – Primeira Carta a Timóteo

CCE – Catechismus Catholicae Ecclesiae - Catecismo da Igreja Católica

CCVII – Compêndio do Concílio Vaticano II

EB – Enciclopédia Bíblica

Ex –Êxodo

Ez – Ezequiel

Fl – Filipenses

Gl – Gálatas

Gn – Gênesis

Hb - Hebreus

Jo – João

Jz – Juízes

Lc – Lucas

LG – Lumen Gentium

LH – Introdução Geral da Liturgia das Horas

Mc – Marcos

MR – Missale Romanum - Missal Romano

Mt - Mateus

NCBSJ – Novo Comentário Bíblico São Jerônimo

Rm – Romanos

Sl – Salmos

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO.. 10

1 – O CONCEITO DE LIBERDADE.. 12

1.1 – O dom da liberdade. 12

1.2 – Desenvolvimento histórico do conceito de liberdade. 13

1.3 – A liberdade cristã. 18

2 – JESUS, MODELO DE LIBERDADE E LOUVOR.. 21

2.1 – Deus da liberdade no Antigo Testamento. 21

2.2 – Jesus: modelo de liberdade. 24

2.3 – Jesus: modelo de louvor 29

3 – LIBERDADE E LOUVOR COMO FIM ÚLTIMO DO HOMEM.. 34

3.1 – Da liberdade ao louvor 34

3.2 – Liberdade e louvor na vida do homem.. 39

3.3 – O louvor e a liberdade como fim último do homem.. 42

CONCLUSÃO.. 50

BIBLIOGRAFIA.. 52

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


INTRODUÇÃO

 

Este trabalho monográfico tem como objetivo tratar sobre a temática da liberdade e do louvor como fim último do homem. Por meio deste estudo, objetiva-se oferecer uma reflexão aprofundada sobre a relação entre liberdade e louvor como elementos fundamentais da experiência humana. Ao examinar os dois conceitos, bem como a vida e os ensinamentos de Jesus, esperamos fornecer um caminho que permita compreender como a busca pela liberdade e a prática do louvor podem conduzir o indivíduo à plenitude, ao propósito último e à realização de sua existência.

A busca pela liberdade e pela realização plena é uma jornada constante na vida do ser humano. O homem possui em si questionamentos acerca do significado da liberdade e o propósito último de seu existir. A partir deste questionamento, traçamos um caminho dinâmico-pedagógico em busca de respostas.

Esta explanação divide-se em três capítulos. No capítulo primeiro, examinamos o conceito de liberdade numa perspectiva onde esta é um dom, levando em consideração tanto a perspectiva secular quanto a cristã. Para isto, veremos a evolução histórica do conceito tendo como cume um olhar cristão, onde investigaremos a liberdade como um dom divino e uma resposta amorosa da parte do homem para com Deus.

No segundo capítulo, iniciaremos mostrando a relação entre Deus e liberdade no Antigo Testamento. Contudo, focaremos em Jesus Cristo como modelo supremo de liberdade e louvor. Analisaremos a vida e os ensinamentos de Jesus, compreendendo como Ele personificou a liberdade plena em todas as áreas de Sua existência com uma atitude constante de louvor vivendo em total alinhamento com a vontade do Pai. Apontamos que a partir da vivência do Filho, todos os homens são convidados a viverem como Ele, mostrando que estas duas realidades são possíveis mediante à limitação humana.

 

 

 

No terceiro capítulo, aprofundaremos a relação entre liberdade e louvor como o fim último do homem. Argumentaremos como a liberdade e o louvor estão intrinsecamente interligados. Destacaremos a importância do louvor como uma resposta à ação transformadora de Deus em nossas vidas e como um caminho para a liberdade em todas as dimensões do ser.

Que possamos ser iluminados pelo Espírito para podermos chegar à verdade que tanto procuramos acerca de nós mesmos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 – O CONCEITO DE LIBERDADE

1.1 – O dom da liberdade

Ao olharmos toda a obra da criação, para tudo criado pelas mãos de Deus, não podemos fechar os nossos olhos a esta realidade e deixar de confessar que o homem possui algo superior.

Quando vejo o céu, obra e teus dedos, a lua e estrelas que fixastes, que é um mortal, para dele te lembrardes, e um filho de Adão, que venhas visitá-lo? E o fizestes pouco menos do que um deus, coroando-o de glória e beleza (Sl 8,4-6).

É na alma racional do homem que está a sua sublimidade, pois é por meio dela que ele sabe que vive (Cf. AGOSTINHO, 1995b, p. 81), e mais do que isto, sabe que é um ser físico, mas com um toque divino que o faz aproximar-se de Deus de modo mais íntimo (Cf. GILSON, 1995, p. 69).

Nesta dupla realidade humana, encontra-se a capacidade de discernir por meio das faculdades da razão e da vontade. Afinal, o homem, ser racional assemelha-se a Deus, tornando-se senhor e responsável por seus próprios atos (Cf. IRINEU,1995, p. 271). A razão doa-nos o belo dom da liberdade, dado por Deus ao homem.

A pessoa humana participa da luz e da força do Espírito divino. Pela razão, é capaz de compreender a ordem das coisas estabelecidas pelo Criador. Pela vontade, é capaz de se orientar a si própria para o bem verdadeiro. E encontra a perfeição na busca e no amor da verdade e do bem (CCE,1b n. 1704).

Esta é a grandeza do homem criado à imagem e semelhança de Deus por quem Ele mesmo tem preferência (Cf. Gn 1,27). Livremente ele pode se voltar para o Seu criador.

O que define a liberdade é o poder de dirigir os próprios atos, é a capacidade da criatura espiritual de mover-se por si mesma ao fim, de buscar e agir o bem que convém a sua natureza, crescendo assim em perfeição; reside no domínio com o que o homem, graças as suas potências espirituais, ordena ou organiza suas ações (SPICQ, 1970, p. 68).

A partir do entendimento do homem enquanto ser espiritual, torna-se capaz de traçar uma linha horizontal a fim de compreender o belo dom da liberdade. Ela provém de Deus, e provindo Dele, não podemos concebê-la como uma desordem, mal ou confusão no seu entendimento, pois agir de tal forma, negaríamos a essência divina que fez tudo com perfeição. O Perfeito não poderia criar algo imperfeito (Cf. Jó 14,4).  Adentremos um pouco mais, para podermos entender ordenadamente o que vem a ser liberdade.

 

1.2 – Desenvolvimento histórico do conceito de liberdade

            Faz-se importante entender que o conceito de liberdade foi uma construção progressiva, da leitura da lei eterna e imutável iluminada pela graça divina. Conceito este que os primeiros padres começaram a dar um corpo, uma vez que os primeiros escritores sagrados eram filósofos, fizeram prevalecer o pensamento cristão na formulação do conceito nos primeiros séculos.

            Santo Irineu de Lion[1] coloca claramente a liberdade como fruto da redenção de Jesus, Deus forte e justo, que veio ao encontro do homem para restituir-lhe a liberdade perdida (Cf. IRINEU, 1995, p.180). Para alcançá-la era necessário ao cristão aceitar e tornar-se filho adotivo por meio da fé em Jesus, fora disto, sua vida era meramente carnal e corruptível uma vez que não poderia provar da incorruptibilidade.

Ignorando o Emanuel, nascido da Virgem, são privados do seu dom, que é a vida eterna, e não recebendo o Verbo da incorruptibilidade, permanecem na carne mortal, devedores da morte, sem o antídoto da vida. [...] Este é o motivo pelo qual o Verbo de Deus se fez homem e o Filho de Deus Filho do homem: para que o homem, unindo-se ao Verbo de Deus e recebendo assim a adoção, se tornasse filho de Deus (IRINEU, 1995, p. 182).

            O conceito está estritamente ligado ao Deus Ressuscitado, no conhecimento do Verbo revelado, que a corruptibilidade do homem pudesse ser absolvida pela incorruptibilidade de Cristo.  (Cf. IRINEU, 1995, p.210-212). Acerca da experiência do cristão com o Senhor (que é a própria liberdade), vai afirmar Santo Irineu em um escrito contra as heresias, que o homem foi liberto para se aproximar de Jesus, não para fazer o movimento contrário (Cf. IRINEU, 1995, p.222). Esta liberdade torna o homem submisso a Deus, que tem por fim gerar um amor filial, o homem é convidado à amizade com Deus (Cf. IRINEU, 1995, p.223) como diz Jesus, no Evangelho de João:

Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor faz; mas vos chamo meus amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu vos dei a conhecer (15,15).

            Orígenes[2] em seu “Tratado contra os princípios”, afirmará que a liberdade é o conhecimento de Deus, à medida que o homem O conhece pode deliberar com a vontade através do livre-arbítrio, ou seja, orientar a sua vontade a Deus, a fim de que os seus atos sejam honrosos (Cf. ORÍGENES, 2014, p. 131).

            Para ele, a faculdade da razão, doada ao homem como dom do Criador, faz do homem um ser ímpar, porque pode usar do livre-arbítrio para chegar até Deus. Sendo assim, o dom da liberdade a ele concedido, é um convite para que possa se assemelhar ao seu Criador, ou pela sua negação, tornar-se ferramenta capaz de o deformar (Cf. ORÍGENES, 2014, p.104). Fica à escolha do homem qual caminho deseja trilhar: deixar-se conduzir ou não.

Recebemos a energia, ou operação do espírito bom, quando somos movidos e provocados ao bem, e quando a inspiração se dirige às realidades celestes e divinas. Foi assim que os santos anjos e o próprio Deus agiram nos profetas, convidando com santas sugestões, e exortando-os ao que é melhor, mas certamente deixando ao homem a liberdade de julgar se consente ou não seguir o convite que o chama para as realidades celestes e divinas (ORÍGENES, 2014, p.141-142).

            Todo homem traz dentro de si o desejo da liberdade. Estando disperso, anseia voltar à unidade, mas, sendo impossível neste mundo de modo pleno. Somente com a sua morte atingirá o objetivo desejado, pois é na contemplação de Deus face a face que se pode fazer a experiência da liberdade plena, é preciso terminar as missões deste mundo para isto (Cf. ORÍGENES, 2014, p.149). O Apóstolo Paulo nos fala do assunto na epístola aos Romanos:

De fato, a criação foi submetida à vaidade – não por seu querer, mar por vontade daquele que a submeteu – na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus (8,20-21).

            Abordando Gregório de Nissa[3], um dos grandes teólogos da Igreja antiga, vemos que ele toca no conceito de liberdade conjugado com o de livre-arbítrio, às vezes chegando a parecer a mesma coisa. No seu entendimento, o homem livre é aquele que pode escolher, mas escolher bem e o Bem. Reconhece ele que este é um dom divino, que ainda no paraíso foi maculado pelo pecado original, conforme afirma em sua obra “A alma e a ressurreição”:

A liberdade consiste em assemelhar-se àquilo que não está sujeito a nenhum mestre e que pode dispor de si: ela nos foi dada por Deus no início, mas foi em seguida recoberta pela vergonha das dívidas. A liberdade é única por natureza, e está sempre em união íntima com ela mesma; em consequência, portanto, tudo o que é livre está em acordo com o seu semelhante (NISSA, 2011, p.125).

Santo Agostinho[4] em sua obra “Civitate Dei”, apresenta uma oposição, uma antítese de duas realidades: “Dois amores fundaram, portanto, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo de Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celeste (1995a, p.1319)”. É uma realidade que seu início está narrado nas primeiras páginas do livro do Gênesis: a queda de Adão e Eva, que ao escolherem a vontade própria à vontade do Criador, tornam-se os fundadores das cidades (Cidade dos homens, guiada pela vontade humana decaída; e a Cidade de Deus, guiada pela vontade divina).

Santo Agostinho foi quem melhor desenvolveu o conceito de livre-arbítrio e liberdade, mostrando que por mais que estes dois termos se relacionem, não se referem à mesma coisa.

Ao definir o livre-arbítrio, diz o santo doutor que esta é a capacidade, a faculdade humana associada à razão de poder escolher uma coisa ou outra. Resumidamente, diríamos que é a capacidade de escolha própria. Do outro lado se encontra a liberdade, que é o amor ao Bem (para ele, o Bem é o próprio Deus). Todavia, para que esta seja verdadeira (não podemos falar de liberdade falsa, o termo foi deturpado pelo longo dos séculos). A vontade deve sempre estar unida à graça (CUNHA, 2001, p.93). A liberdade para ele é obra da graça sobre a vontade do homem, ou seja, o homem por si nunca conseguirá ser livre se não auxiliado pela ação divina (Cf. CUNHA, 2001, p. 123). Na liberdade está a sabedoria do homem.

O livre-arbítrio da vontade no estado da humanidade decaída por este: somente com a graça podemos realizar o bem. No que se refere ao cumprimento da lei. Agostinho une o livre-arbítrio à graça, passagem necessária à liberdade (CUNHA, 2001, p. 85).

Traçando esta linha histórica, não poderíamos deixar de falar do grande “doutor angélico”, Santo Tomás de Aquino.[5] Ele coloca em pauta a seguinte questão: o homem tem livre-arbítrio e pode agir por si e ser livre? Categoricamente, afirmará que o homem pode ser sim responsável por seus atos, podendo mover-se por si mesmo e sendo capaz de fazer as suas eleições ao fim que almeja (Cf. AQUINO, 2016, p.245). Ressaltando, sobretudo que, este agir não é o necessário para se viver livre. Entende-se, pois, que a liberdade transpõe a escolha, onde esta pode ser um passo para a liberdade, mas não ela em si. Para que a liberdade seja alcançada, Deus deve ser a causa primeira e motora das decisões e dos atos humanos, conforme afirma Tomás no breve trecho abaixo extraído da “Suma Teológica”:

O livre-arbítrio é causa do seu movimento, porque o homem, pelo livre-arbítrio, é levado a agir. Mas, contudo, não é necessário para a liberdade, que o livre seja a causa primeira de si mesmo; [...] Ora, Deus, pois, é a causa primeira motora, tanto das causas naturais como das voluntárias. E assim como, movendo-as, não faz com que os atos delas deixem de ser naturais; assim também, movendo as voluntárias, não faz com que os seus atos deixem de ser voluntários, mas antes, causa-lhes essa qualidade, porque obra, em cada ser, conforme a propriedade dele (AQUINO, 2016 p. 245)

 Contudo, com o advento do mundo moderno, este conceito foi completamente distorcido pelos grandes intelectuais, sobretudo, no “Século das Luzes” e na Revolução Francesa. Mas, particularmente dentre os muitos, frisamos Kant[6], que foi um dos grandes demolidores deste conceito. Para ele, o homem é um ser autônomo por possuir a razão, e isto já é o suficiente para que possa deliberar; tendo como base o seu querer, e aí reside a sua dignidade enquanto homem (Cf. KANT, 2002, p.79). O fruto disto é uma liberdade individualista e desordenada, pois os modos de conceber a liberdade não seriam ímpares, mas, subjetivo ao modo de conceber de cada sujeito.

Para o Apóstolo Paulo fica claro que, o homem não pode deixar-se moldar pelo mundo/século. Conformar-se é assentir ao conceito distorcido e desordenado daquilo que é uma ordem no coração do homem e infundida por Deus. Adão e Eva preferiram por própria vontade (Cf. Gn 3,1-24) comer do fruto proibido, escolheram assim conformar-se com as coisas que passam. Mas, em Jesus somos convidados a abraçarmos uma vida nova.

Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito. (Rm 12,2).

Com toda esta desordem, a Igreja não se cala para proclamar a verdade e orientar os seus filhos. O Cardeal Ratzinger [7], então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, escrevera a instrução Libertatis Conscientia, onde contém orientações do que seria a verdadeira libertação almejada pelo homem; a qual, somente pode ser encontrada em Cristo, e não nas pessoas ou estruturas sócio-políticas-econômicas. Esclarece o cardeal acerca da problemática em questão, onde Deus é tirado do centro pelo movimento modernista:

Com relação ao movimento moderno de libertação interior do homem, deve-se constatar que o esforço para libertar de seus limites o pensamento e a vontade; chegou-se ao ponto de considerar que a moralidade como tal constituía um limite irracional que o homem, decidido a se tornar senhor de si mesmo, devia ultrapassar. Mais ainda: para muitos, é o próprio Deus que seria a alienação específica do homem. Entre a afirmação de Deus e a liberdade humana haveria uma radical incompatibilidade. Rejeitando a fé em Deus, o homem, enfim, tornar-se-ia livre (www.vatican.va, n. 18).

Para reforçar que a liberdade é divina e todo homem é convidado a vivê-la, João Paulo II lança outro documento, a carta encíclica Veritatis Splendor, que tratará da necessidade da verdade para que se possa chegar à verdadeira liberdade. A Igreja nunca foi omissa no seu múnus de ensinar e conduzir o homem aos caminhos de Deus; relembrando sempre quem é o homem e para aonde deve caminhar para ser íntegro.

 

1.3 – A liberdade cristã

Como outrora, o “Senhor dos Exércitos” conduzia o seu povo pelo deserto por meio de uma coluna de fogo durante o dia, e uma coluna de nuvem durante a noite (Cf. Ex 13,21-22), Ele continua a guiar o seu povo. Agora, Deus guia o seu povo por meio da Igreja, que se torna Mãe e educadora, porque uma vez sepultado pelas as águas batismais, o homem torna-se cristão, verdadeiro filho de Deus, assume uma identidade e um lugar dentro dela (cf. CCE, n.169). 

Para o cristão, o conceito verdadeiro de liberdade é de vital importância, pois uma falsa interpretação pode gerar uma deficiência na fé, no seu modo de agir enquanto Igreja. Não é em vão que mediante a este tema, a Igreja tenha que se posicionar. Afinal, desde tempos remotos, a lei divina tenta ser suprimida pela lei humana uma vez que, ela gera incômodo à consciência humana quando não é obedecida.

O grande “Doutor da vontade”, Santo Agostinho de Hipona, diz em sua ilustre obra “Livre-arbítrio” sobre a submissão do homem ao divino:

Reconhecerás também, espero, que na lei temporal dos homens que nada existe de justo e legítimo que não tenha sido tirado da lei eterna... para exprimir em poucas palavras, o quanto possível, a noção impressa em nosso espírito dessa lei eterna, direi que ela é aquela lei em virtude da qual é justo que todas as coisas estejam perfeitamente ordenadas (1995, p. 26-27).

A partir deste olhar, torna-se perceptível que para se alcançar a verdadeira liberdade, é preciso estar disposto e se submeter à lei criada pelo próprio Deus, lei esta que é eterna e imutável. Para Agostinho, somente pode ser livre e alcançar a bem-aventurança estando sob esta regra de ouro da submissão a Deus, aderindo a Ele totalmente pela faculdade da vontade. Daí surge a expressão usada por Santo Agostinho: “Cidade de Deus”[8], onde o homem livre é convidado a habitar, tendo sempre em mente que tudo nesta terra é passageiro e perecível (“Cidade dos homens”) (Cf. I Pd 2,11).

Na linguagem agostiniana, liberdade é o ato de amor ao Sumo Bem (Cf. CUNHA, 2001, p. 93). Somente a vontade unida à graça pode levar o homem à liberdade (Cf. CUNHA, 2001, p. 93), logo, fora de Deus o homem não pode ser livre. A liberdade é algo divino, uma vez que Ele é a própria liberdade.

O Catecismo da Igreja Católica é assertivo quando fala sobre o conceito de liberdade: “No tocante a liberdade, diz a Igreja que esta é capacidade de agir e/ou não agir, tendo sempre como fim último o próprio Deus” (n. 1744). Assentir ou não deve ser uma escolha que tenha sempre em vista o bem eterno. Tanto o sim, quanto o não; devem conduzir o homem a Deus.

A liberdade não pode ser tolhida do homem, uma vez que esta faz parte de sua constituição humana, e muito mais do seu ser enquanto cristão. Pensar no homem sem liberdade, é pensar em um homem irracional, é negar as Escrituras, que mostram que o homem é imagem e semelhança divina. Cabe a todo batizado deixar-se orientar para o caminho reto. Afinal, a liberdade na vida do homem o torna mais homem e o faz viver de fato a vocação para a qual foi chamado: louvar a Deus na sua condição de filho. Esta é uma estrutura fundamental do cristão que não pode ser suprimida, esquecida ou distorcida (VIDAL, 1986, p. 303).

A liberdade é parte essencial e constitutiva da pessoa, inalienável direito da natureza humana criada, idôneo a promover o crescimento do homem diante da própria realização. O senso teológico de liberdade é a condição humana voltada para o Criador para que Deus mesmo possa ser conhecido do homem livre (LEXICON, 1993, p. 578, tradução nossa).

Parece óbvio: ser livre é agir com liberdade. Mas, somente se pode corresponder com atos livres se o homem (cristão) se abrir ao amor. Pois este, torna-se em sua vida uma ação libertadora, uma vez que não vive mais para si, mas, tendo sempre em vista o Sumo Bem e o bem do próximo. O homem livre vive para o amor, que é capaz de o libertar (Cf. VIDAL, 1986, p. 305).

Quanto mais o homem fizer o bem, mais livre se torna. Não há verdadeira liberdade senão no serviço do bem e da justiça. A opção pela desobediência e pelo mal é um abuso da liberdade e conduz à escravidão do pecado (CCE, n.1733).

 A liberdade é o assentimento voluntário do homem optando sempre pelo bem e pela justiça, onde o seu fim último é Deus. A liberdade de fato é fonte de maturação humana e cristã no amor (Cf. JOÃO PAULO II, www.vatican.va ,n.17).

            Uma vez que, de bom grado, Deus concedeu ao homem este belo dom, não pode ele permitir que este possa ser usado erroneamente. É preciso, para o homem, estar atento ao movimento da graça no seu interior. Agir contra a natureza é viver em uma pseudoverdade, empobrecendo-se.

Resumidamente, a respeito deste capítulo e sobre os vários pensamentos, vemos que entre a verdade e o que se pensa ser a verdade há um abismo. Liberdade não implica fazer aquilo que se deseja somente com a finalidade de trazer uma satisfação pessoal, onde, a verdade esteja na própria pessoa que se encontra em desordem; a isto, chamamos de libertinagem. Esta forma de conceber a liberdade é loucura. Por outro lado, vemos a liberdade como a submissão da vontade própria à vontade de Deus, onde, o homem iluminado pela graça se move ao seu fim último que é Deus. Encontrando Nele a sua alegria e a verdade que tanto almeja, sendo capaz de louvar ao seu Criador com a própria vida, conforme veremos adiante.

 

 

 

 

 

 

2 – JESUS, MODELO DE LIBERDADE E LOUVOR

No capítulo primeiro, desenvolvemos a respeito do conceito de liberdade, que é fundamental para prosseguirmos nossa abordagem acerca deste trabalho. Tocamos, na liberdade de Cristo que nos constitui homens livres, e assim esta liberdade torna-se paradigma para toda humanidade. A partir deste ponto, podemos fazer uma relação entre louvor e liberdade na pessoa de Jesus, tornando-se uma meta a ser alcançada por todo homem, como veremos no desenvolvimento deste capítulo: é possível ser laudante e livre, pois Ele nos mostrou o caminho a percorrer.

 

2.1 – Deus da liberdade no Antigo Testamento

É inegável percebermos aos nos deparamos com os textos do Antigo Testamento e o Novo testamento que há uma grande coerência entre ambos. Não podemos isolar uma realidade da outra, uma vez que “o Novo está latente no Antigo, e, o Antigo se torna claro no Novo” (AGOSTINHO, apud. PAULO VI, www.vatican.com). Por isso, não podemos falar do Verbo Encarnado, sem antes passarmos pelo Antigo Testamento. Faz-se necessário perceber que Deus não é livre por causa de Jesus, mas desde sempre.

É preciso ter bem claro que Deus é imutável, logo, não podemos fazer uma distinção entre Deus do Antigo Testamento e Deus do Novo Testamento. Este Deus a quem Jesus chamou de Pai (Abba), sempre foi amante da liberdade, e uma liberdade que possui em si e deseja comunicar ao homem (Cf. VELIQ, domtotal.com).

No primeiro livro das Sagradas Escrituras, o Gênesis, encontramos a obra da criação que fora feita durante seis dias. Belo percebermos que no ato criador, Deus vê que tudo era bom. Ao fim do sexto dia, Deus diz: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn 1,26a). O homem torna-se o ápice da manifestação divina, este, possui algo de supremo; isto fica claro pelo fato de ser imagem e semelhança, sendo incumbido de dominar sobre todo o criado. Neste trecho, vemos a liberdade criadora de Deus, do infinito que deseja se comunicar com a liberdade finita que criara à Sua imagem e semelhança.

A liberdade criadora de Deus, que não permite que Ele dependa de outra coisa, constitui igualmente o outro e sobretudo a outra liberdade (finita), porque quer realizar-se desse modo como a infinita, criadora, ilimitada capacidade e vontade de se relacionar (WERBICK, p.478, 2012).

Por este ato criador de Deus, o homem se associa a Ele. Desta forma, entendemos que a liberdade de Deus é exercida por meio de sua ação em meio ao seu povo. Por isso, o Senhor interfere na história de seu povo como forma de exercer a sua liberdade.

No livro do Êxodo, onde encontramos a cena teofânica da sarça ardente, o Senhor não se contenta em somente se apresentar, mas fala a Moisés o porquê desta visão. Deus vê o sofrimento do seu povo na terra do Egito, por isso intervém (Cf. Ex 2,23-25) manifestando o Seu desejo de conduzí-los para fora da nação que os oprimia: “Eu vi, Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu grito por causa dos opressores: pois eu conheço as suas angústias.” (Ex 3,7).

O Senhor Deus é “ciumento” (Cf. Ex 20,5), e não aceita que o seu povo esteja sobre o domínio de outro a não ser Ele mesmo. Não podemos falar de um “Deus possessivo”, agindo de tal forma seria privado da liberdade, já não sendo mais Deus, sendo a liberdade um de seus atributos. Desta forma, ao nos voltarmos para o trecho original encontramos no hebraico a expressão קַנָּא (qanna’), palavra aplicada somente a Deus, que se traduz como zeloso, ou seja, o Deus que liberta o seu povo, liberta-o por zelo.

Desta forma, a escravidão e a libertação de Israel possuem uma relação entre a soberania de Deus e o Seu povo. Como poderia agir Deus com uma liberdade apenas relacional e de culto, se seu povo era oprimido? Como o Deus cultuado poderia se calar? Assim, para o povo de Israel no Egito, a liberdade esperada é um ato libertador: ser liberto pelo Deus da Liberdade, o Senhor que zela pelo seu povo eleito e constituído por Ele mesmo (Cf. COENEN; BROWN, p.1195, 2000), ou seja, a liberdade não era apenas um conceito, mas um ato em si, algo palpável e concreto.

No Antigo Testamento liberdade é o programa que Deus encontra para atuar no confronto de Israel escravo no Egito. Na epopeia do Êxodo Deus resgata a liberdade de Israel e a doa, com esta, a dignidade do povo, identidade e parte da aliança (LEXICON, 1993, p. 578, tradução nossa).

A liberdade divina está completamente vinculada ao homem na Sua soberania, enquanto, Deus de Israel quem exerce a liberdade. Sendo assim, a liberdade de Deus está vinculada ao seu status de Criador. À medida que o povo de Deus o Abandona perde a liberdade, e sempre o Senhor vai ao encontro do homem para poder refazer esta relação (Cf. COENEN; BROWN, p.1195, 2000), e assim torna-se compreensível as diversas alianças presentes no Antigo Testamento. A liberdade de Deus está relacionada a sua fidelidade para com o se povo:

Eu vos fiz subir do Egito e vos trouxe a esta terra que eu tinha prometido por juramento a vossos pais. Eu dissera: ‘Jamais quebrarei a minha aliança convosco’. Eu dissera: ‘Quanto a vós, não fareis aliança como os habitantes desta terra [...]’ (Jz 2,1b-2a).

Deus em sua fidelidade atrai para si o homem, no desejo que ele possa de fato assumir a sua identidade mais profunda, fazendo-o recordar que ele é imagem e semelhança (Cf. Gn 1,26a). Nesta dinâmica divina, no relacionamento de Deus com o homem, há uma troca de liberdade, do Criador e da criatura.

Resumidamente, dizemos que os atos de Deus são fundamentais para a vida humana, fundamentada na liberdade (Cf. COENEN; BROWN, p.1195, 2000). A imagem do homem, é plasmada tendo em vista a liberdade de Deus. Por mais que o homem tenha cometido o pecado primeiro (original), não perde a imagem de Deus plasmada em si. “Desfigurado pelo pecado e pela morte, o homem continua sendo ‘à imagem de Deus’, à imagem do Filho, mas é ‘privado da Glória de Deus’, privado da semelhança” (CCE, n. 705).

Ao abordarmos a temática do homem criado à imagem de Deus e a liberdade, estreitamos o laço entre os dois temas. Uma vez criado a imagem de Deus, compreendemos que o fruto desta criação também deve ser livre. Desta forma, também é compreensível porque Deus anseia pelo homem livre, pois privar o homem deste dom, é privá-lo de sua liberdade, consequentemente, pensar o homem sem liberdade, automaticamente é afirmar que em Deus não há liberdade, o que seria um desastre teológico e redução de Deus a uma imperfeição. Um dos atributos de Deus é a liberdade, à qual, o homem foi criado como imagem.

 

2.2 – Jesus: modelo de liberdade

Para discorrermos sobre a liberdade de Jesus, faz-se necessário começarmos pelas primeiras páginas das Sagradas Escrituras, pois, enfim, tudo foi feito por Ele e tudo se refere a Ele. Encontramos o seguinte trecho:

A serpente disse então à mulher: “Não, não morrereis!  Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, versados no bem e no mal” [...] Ele retomou: “E quem te fez saber que estavas nu? Comestes, então, da árvore que te proibi comer! (Gn 3, 4-5).

Os primeiros pais pecaram, desobedeceram e comeram o fruto que era proibido por Deus. De tantos frutos que ali havia somente este não lhe era permitido comer. Uma vez seduzidos pela serpente, livremente (pelo livre-arbítrio), cederam e caíram no terrível erro, tendo como consequência o pecado original. Quem poderia apagar esta mancha deixada pelos primeiros pais? Deveria ser outro homem? Deveria ser Deus?

Algo é certo: sem a intervenção divina o homem não poderia ser restaurado, uma vez que já possuía em si a marca do pecado. Era preciso que o pastor fosse ao encontro da ovelha perdida e desgarrada, ferida e doente a fim de lhe restabelecer o vigor (Cf. Ez 34,16). Este pastor é o próprio Deus, que vai ao encontro do homem caído.

Enferma, a nossa natureza precisava de ser curada; decaída, precisava de ser elevada; morta, precisava de ser ressuscitada. Tínhamos perdido a posse do bem; era preciso que nos fosse restituído. Encerrados nas trevas, precisávamos de quem nos trouxesse a luz; cativos, esperávamos um salvador: prisioneiros, esperávamos um auxílio; escravos, precisávamos dum libertador. (CCE, n.457)

E o Verbo se faz carne e habita em meio ao homem. Ele escolhe nascer do seio de uma virgem, aceita ser submisso às leis (Cf. Gl 4,4), aceita ser submisso aos homens, aceita nascer em meio à pobreza, aceita a fuga para o Egito. Em outras palavras, dizemos que Deus aceita ser homem.

Contudo, ao afirmar que Deus aceita ser homem, devemos ter sempre a plena ciência de que isto não anula a sua divindade, ao contrário, há uma comunicação de dons entres as duas naturezas. A união hipostática [9] e a missão do Filho de Deus não podem ser separadas. Torna-se impossível tratar destes dois pontos isolados, uma vez que ambos se completam. O Verbo se encarnou assumindo a condição humana para poder salvar a humanidade, elevando-a à condição divina.

Alguns questionamentos podem se levantar, tornando-se até mesmo afirmações heréticas. Era preciso que o Verbo Encarnado se esvaziasse de sua divindade. E, aqui, fazemos uma distinção entre esvaziar-se e negar-se. Em momento algum Jesus negou a sua divindade, mas se fez pequeno para poder elevar o homem.

A Encarnação é o evento que abre o Novo Testamento. No Verbo, Deus diz o seu “sim”, mais uma vez a humanidade encerrando-se no seio de Maria, iniciando uma nova história de amor (Cf. LEXICON, 1993, p. 50). Mais do que isto, também é o evento quem marca a reconstrução da liberdade do homem, pois aquele que é o homem perfeito acolhe a vontade do Pai.

No evento da Encarnação do Filho de Deus, encontramos o primeiro ato de liberdade do Verbo Divino. Existe uma sequência de “sins” que o Filho dará ao Pai, este é o primeiro de muitos. O apóstolo Paulo deixa isto bem claro em um dos seus hinos cristológicos:

Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achando em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz! (Fl 2, 6-8)

Deus, não se prende à sua divindade, mas livremente assume para si a vontade do Pai como vontade sua. Em outras palavras, faz do desejo do Pai o seu. Ao nos depararmos com a realidade do Cristo que se encarna, nos deparamos com uma realidade: Deus aceita a morte.

O que é dito aqui sobre Cristo é que Ele desfrutava de um modo de ser semelhante a Deus [...] na tradição judaica, ser como Deus significava imunidade à morte [...] A expressão dignifica, então, que semelhante a Deus não utilizou seu status exaltado para fins puramente egoístas. Uma contraposição a Adão (NCBSJ, 2011, p.447).

            Na liberdade do Cristo que assume a natureza humana, encontramos o Cristo que faz a vontade do Pai. Em sua plena humanidade e divindade, o Cristo assume a liberdade. Por isso, não podemos deixar de lado o conceito de liberdade aplicado em sua perfeição na pessoa do homem-Deus. O esvaziar-se na Encarnação deu lugar a um preenchimento da liberdade. O que Adão perdeu, Cristo reconquistou.

            Tomando as Sagradas Escrituras, encontramos no Novo Testamento de maneira mais palpável, as ações do Verbo em meio aos homens. Nele, através de sua vida, gestos, palavras proferidas, encontramos a fonte e exemplo de verdadeira liberdade. Para ser fonte inesgotável de liberdade, Ele, primeiramente viveu como homem livre.

A pessoa de Jesus revela um ser humano integral, totalizante, já que encontra em seu íntimo tal liberdade que adquire a possibilidade de se abrir à história que se avista à sua frente. Essa liberdade interior encontrada no homem de Nazaré é percebida como concreta quando das opções de Cristo, ou melhor, sua opção fundamental, que encaminha todo seu ser e seu agir (NIENOV, 2014, p.53).

Três realidades se fazem presentes e inseparáveis na pessoa de Jesus: liberdade, pobreza e amor.

A liberdade é um ato de pobreza, pois, consiste em um esvaziar-se de si para poder fazer a vontade do Pai, encontrando nela a sua riqueza. É com esta pobreza livre que, Jesus enriquece o homem fazendo-se carne, tomando a fragilidade humana para si, sendo comunicador da misericórdia do Pai.

A pobreza de Cristo é a maior riqueza [...] É rico como o é uma criança que se sente amada e ama os seus pais, não duvidando um momento sequer do seu amor e da sua ternura. A riqueza de Jesus é Ele ser o Filho: a sua relação única com o Pai é a prerrogativa soberana deste Messias pobre (FRANCISCO, Mensagem do Santo Padre Francisco para a Quaresma de 2014).

Por conseguinte, a liberdade do Filho torna-se um ato de amor, e, sendo amor manifesta-o com a sua pobreza conduzindo-o a uma entrega de si à humanidade. Esta tríplice realidade vivida pelo Filho, naturalmente é irradiada aos homens que com ele tiveram contato.

A encarnação de Deus é um grande mistério. Mas, a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça, generosidade, desejo de proximidade, não hesitando em doar-Se e sacrificar-Se pelas suas amadas criaturas. A caridade, o amor é partilhar, em tudo, a sorte do amado [...] A finalidade de Jesus Se fazer pobre não foi a pobreza em si mesma, mas – como diz São Paulo – «para vos enriquecer com a sua pobreza» (FRANCISCO, Mensagem do Santo Padre Francisco para a Quaresma de 2014).

A partir desta realidade tríplice (pobreza, amor e liberdade), é que podemos compreender a entrega do Filho de Deus, desde a encarnação até o seu “consummatum est” na cruz.

No mais profundo da liberdade, Jesus se coloca como o homem totalmente livre por amor, totalmente orientado para o Pai e para os outros [...]Livre de si ele vive para o Pai e para os outros: esta é a sua opção fundamental, que faz dele verdadeiramente um homem livre (FORTE, 1985, p.250).

Podemos, também, enveredar pelas Sagradas Escrituras para notarmos como era a vida de Jesus enquanto homem livre. Em várias passagens, encontramos os ensinamentos com a vivência da liberdade em sua plenitude. Viver em plenitude implica atos concretos. Em tudo o que Ele opera, toca, diz, nos diversos modos de ser, buscou reunir as pessoas a fim de mostrar a face do Pai. Tudo o que Ele manifesta é o testemunho Daquele que O enviou, criando assim espaço para o próprio Pai, a fim de torná-Lo presente em meio ao povo (cf. KESSLER, 2012, p.391). Assim, compreendemos a frase dita pelo próprio Jesus no Evangelho de João: “Quem me vê, vê o Pai” (14,9).

A liberdade não torna Jesus um homem omisso, mas ao contrário, o compromete mais e mais com o Reino e com a humanidade. Válido lembrar que o comprometimento com a realidade celeste e temporal devem coadunar, não podem se excluir mutuamente, mas manter-se em equilíbrio. Somente assim podemos falar de liberdade de um modo real e maduro. 

Observamos como a liberdade gera no coração do homem a justiça. Como poderia Jesus ignorar a justiça que deveria ser exercida somente pelo Pai? Impossível, pois uma vez sendo livre, torna-se impossível ser injusto. A justiça aparece na pessoa de Jesus como fruto de sua liberdade.

Tomemos este trecho do evangelho de Mateus:

Mostrai-me a moeda do imposto”. Apresentaram-lhe um denário. Disse ele: “De quem é esta imagem e inscrição?” Responderam: “De César”. Então lhes disse: “Devolvei, pois, o que é de César a César, e o que é de Deus a Deus”. Ao ouvirem isso, ficaram maravilhados e, deixando-o, foram-se embora (22,19-22).

As obrigações espirituais foram separadas das temporais, embora elas impliquem relacionamento. Jesus não se nega a pagar os impostos, do mesmo modo que não nega a Deus o que lhe é devido (a obediência de Filho, submetendo tudo à vontade do Pai). A justiça lhe faz perceber a quem deve dar aquilo que lhe é digno – a Deus ou a César. A justiça que provém da liberdade leva-O a uma entrega sem reservas.

Colocar cada coisa em seu lugar, leva o homem à verdadeira libertação, despojando-se de toda situação de escravidão. Em sua vida submissa, Jesus fez uma entrega sem reservas, que é fruto da justiça, dando a Deus o que lhe é devido. O homem é levado a um reconhecimento e convidado a traçar um caminho.

Quando o Senhor Jesus exorta a “dar a Deus o que é de Deus”, não está pedindo pouco! [...] nós damos a Deus a nossa pobreza, para que Ele nos dê a Sua riqueza! A Deus pertence não somente uma parte de nós, mas a totalidade do nosso ser. Há uma leitura verdadeiramente profunda da existência humana, que só é possível à luz da fé em Deus Pai, percebemos que ao Senhor da Vida, pertence toda a vida (ALAMANDI, fides.org, 2008).

Nesta oferta total de si como sinal de pertença a Deus, encontramos uma das principais características da liberdade do Cristo – falar do Cristo é falar do homem perfeito. Pertença esta que é integra, íntima, ao ponto de dizer que quem O viu, viu o Pai (Cf. Jo 14, 7). Tudo para mostrar que esta integridade ofertada ao Pai é o paradigma que devemos não somente olhar, mas nos apropriar. Afinal, apropriar-se da vida de Cristo é apropriar-se de Sua liberdade.

Faz-se importante a percepção que esta intimidade com o Pai, nada mais é do que a união das vontades:  a vontade do Filho é fazer a vontade do Pai, e, a vontade do Pai é acolher a oferta do Filho. Em poucas palavras, o Filho enquanto novo Adão não somente redime o mundo do pecado, mas assume em si o mesmo estado do homem criado antes do pecado original. Somente o homem livre pode desapegar-se de si para abraçar algo superior.

A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança (CEC, n.1731).

Para que os homens fossem livres, Jesus se fez livre, e lhes garantiu a liberdade (Cf. Gl 5,1). A sua vivência torna-se para o homem o caminho a ser trilhado, uma vez que Ele mesmo é o caminho (Cf. Jo 14,16). A imagem de Deus que liberta o seu povo no Antigo Testamento, é a mesma imagem de Jesus Salvador que liberta o homem de si mesmo e o conduz à plenitude de si mesmo. Eis o modelo de liberdade a ser seguido.

 

2.3 – Jesus: modelo de louvor

O mesmo Jesus que é modelo de liberdade, também se apresenta como modelo de louvor. Precisamos entender o que é louvor, e não minimizar este a somente um ato externo.

            O Catecismo da Igreja Católica define louvor da seguinte forma:

O louvor é a forma de oração que reconhece o mais imediatamente possível que Deus é Deus! Canta-o pelo que Ele mesmo é, dá-lhe glória, mais do que pelo que Ele faz, por aquilo que Ele é (n. 2639).

Não conseguimos e não podemos separar duas realidades que, se condensam em uma: louvor e liberdade, tendo como ponto de convergência o encontro e a experiência com o Supremo Bem.

Primeiramente, o louvor implica o conhecimento de si, pois como nos aponta o texto supracitado, a atitude de louvor é esta exaltação divina simplesmente porque Ele é (Cf. Ex 3,14; Ap 4,8). Dentro deste reconhecimento da divindade, chegamos ao conhecimento daquilo que somos. Dele, que é o doador de todo bem, nos encontramos conosco mesmo:  pessoas limitadas, dependentes Dele. Louvar é reconhecer e assumir o Bem Maior (Deus) como Bem Supremo.

É preciso atenção quando falamos do autoconhecimento. Este, é importante para que possa o homem ser laudante, mas não é o suficiente. Conhecer-se é necessário, mas, é preciso mover-se em busca do objeto de desejo, ou seja, o louvor. É preciso o conhecimento seguido de uma ação concreta. Faz-se necessário que, o homem que se conhece tome o seu lugar como protagonista, como senhor de si.

Vimos acima que, o autoconhecimento não pode se separar da vontade determinada de louvar, porque a partir do momento que se percebe quem é, todo o ser do homem deve se mover para o ato laudante. Afinal, louvar não é um ato involuntário ou mágico, mas sim um movimento da vontade determinada em realizá-lo. É preciso ser senhor de si, para não se tornar semelhante a uma marionete, que é irresponsável por seus atos. É preciso cuidado para não haver distorção de entendimento quando se diz que o homem deve ser “senhor de si. Não se trata do desprezo da vontade de Deus, mas ao contrário, submeter o seu ser ao senhorio divino, e, por meio da vontade assumir a responsabilidade por seus atos. Na união do autoconhecimento e do tornar-se senhor de si que o homem se torna capaz de desejar somente a Deus de forma unitiva, ou seja, de tornar-se um louvor a Ele, como ensina Santa Teresa D´Ávila às suas filhas:

[...] Crede-me — o mais seguro é não querer senão o que Deus quer. Ele nos conhece melhor que nós mesmos e nos ama. Ponhamo-nos em suas mãos, para que se faça em nós a sua vontade. Se com ânimo resoluto e determinação sincera da vontade permanecermos sempre nessa entrega, não poderemos errar (p.238, 2019).

Encontramos a liberdade, que é sustentada pela graça, conforme nos diz Santo Agostinho, em sua obra “A Graça”: esta é necessária para que o homem possa retamente agir, e este agir somente se pode alcançar mediante a escolha pelo Bem Maior (Cf. p.18, 2000). O homem somente pode mover-se livremente a Deus porque a graça que vem Dele mesmo o sustenta, para que possa consentir com o livre-arbítrio a se mover em Sua direção.

São João da Cruz ensina que:

A alma não poderá, portanto, chegar à verdadeira liberdade de espírito que se alcança na união divina; porque sendo a escravidão incompatível com a liberdade, não pode esta permanecer num coração de escravo, sujeito a seus próprios caprichos; mas somente no que é livre, isto é, num coração de filho (p.67, 2020).

Quando em uma linguagem agostiniana, falamos que o Bem Supremo (Bem Maior) é o ponto de convergência entre liberdade e louvor, dizemos que estas duas realidades se convergem na união desejada por Deus. Este é o desejo de Deus, que o homem possa a Ele se unir pelo louvor e pela liberdade.

Esta união desejada por Deus da parte dos homens, se dá concretamente em Jesus. Ele, enquanto Filho, une a sua vontade à vontade do Pai assumindo-a livremente, e, ao mesmo tempo, faz de sua vida um constante louvor reconhecendo-se como Filho – não como escravo, pois o escravo não é livre.

Por causa desta dupla realidade – liberdade e louvor – podemos tocar na oração, pois afinal, Jesus era homem orante. Ao falar da temática da oração, não podemos dissociá-la da vivência, pois, este é o verdadeiro sentido da oração: torná-la viva e vida. Imerso nesta realidade, é impossível elevar uma oração verdadeira, sem antes um reconhecimento de quem sou e de quem é Deus. A oração se torna um instrumento de autoconhecimento e conhecimento de Deus. Entendemos, assim, o louvor como “o lugar por excelência em que Deus é reconhecido como Deus, e em que, o homem se situa na verdade de seu ser diante de Deus” (LACOSTE, 2002, p, 1052). Jesus sabia o seu lugar e o lugar do Pai, por isso era capaz de render a Deus um louvor. Onde mais podemos ver a concretização deste pensamento senão no Cristo?

Livremente, o Verbo de Deus assume a condição humana. Assumindo-se judeu, inserido na história da humanidade, mostrando-se como um Senhor acessível a todos que o procuram, revelando nesta terra de exilio os louvores cantados na eternidade (Cf. ‘, 1999, n.3). Sua vida regrada pela livre obediência, transmite tudo o que recebe do Pai, transmitindo com autoridade a vontade do Pai a fim de conduzir o homem à vida eterna (Cf. Mc 1,14-15).

A vida de aniquilamento do Cristo, torna-se um louvor perene ao Pai para torná-Lo conhecido, por meio do anúncio e instauração do Seu reino sobre os homens. Esta afirmação tem como ponto de partida o Seu ser, que está intrinsecamente e implicitamente transbordante de louvor. A partir do seu ser laudante, pode agir através de obras, possibilitando ao homem transcender as mesmas, compreendendo que o ser laudante de Jesus aponta como chegar ao Pai. O filho que deseja agradar ao Pai é paradigma.

Jesus apresenta-se como a face divina-humana do Pai, como o Deus próximo, que se interessa pelo homem (Cf. SATTLER/SCHINEIDER, 2012, p.55). Nada melhor do que o próprio Deus para poder ensinar o homem o verdadeiro sentido do louvor, não somente através de palavras, mas por palavras e pela vida. Ele estreita o relacionamento com os homens e põe fim à distância que havia, pois, “o Deus ilimitadamente capaz e desejoso de se relacionar entra em relação com os homens” (WERBICK, 2012, p. 501).

Não podemos desassociar louvor e o relacionamento com Deus. Jesus enquanto modelo de louvor, ensina o homem a se relacionar com o divino, sendo Ele mesmo Deus e homem. Assumir a natureza humana por parte do Filho de Deus, estreita os laços entre as duas realidades. Tornando-se pontífice entre o Pai e os homens (Cf. I Tm 2,5), agora não é somente Deus que se relaciona com Deus no seio da Trindade, mas também o homem por meio da humanidade de Jesus se relaciona com Deus. Não é raro vermos nas Sagradas Escrituras, Jesus se recolhendo para oração (Cf. Jo 17; Lc 5,16ss; Lc 6,12ss), para a intimidade de seu relacionamento com o Pai.

Ensina-nos Jesus que, sua oração, seu louvor é de cunho teocêntrico, tudo se refere ao Pai (Cf. SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 820). Enquanto Filho, Ele nos ensina o lugar que devemos ocupar, uma vez que assumimos a sua vida por meio do batismo (filiação adotiva).

E, justamente, por tornar o Pai conhecido com a sua vida, anunciando o Reino dos Céus aos homens que Jesus fez de toda sua vida um louvor perene. Louvor este que se deu desde a sua encarnação até o ponto ápice, a cruz- onde Ele louva a Deus tornando-se sacerdote e vítima (Cf. Hb 8,6). O homem é convidado a seguir o Seu modelo, assumindo para si este louvor teocêntrico, onde tudo concorre para o Pai. Quando falamos de ordenar tudo para o Pai, falamos de compreender que enquanto o homem louva a Deus o reconhece como tal e se encontra na sua verdade diante do ser de Deus (LACOSTE, 2002, p. 1052). Em outras palavras, o louvor implica relacionamento de intimidade.

Compreendemos que um modelo, é algo que serve para nós como referência. Não podemos limitar o nosso conhecimento quanto ao verbete “modelo’; entendendo que, este, implica somente num começo. Mas, devemos ampliar a nossa visão para a compreensão de que implica num começo, e, em um fim ordenado àquilo que nos é proposto. Ao tomarmos uma rota em um atlas, não podemos começar a seguir as instruções e deixá-las de lado no meio do trajeto, pois, assim não chegaremos ao nosso destino. Do mesmo modo, não podemos perder de vista que Jesus é o início e o fim de nosso caminhar. Ou seja, tudo deve começar e terminar Nele, ou, no meio, perderemos o destino final. Em Jesus, podemos encontrar o começo e o fim último do homem. Nele, com Ele e Nele, podemos responder o quê e por que a liberdade e o louvor são os fins últimos do homem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3 – LIBERDADE E LOUVOR COMO FIM ÚLTIMO DO HOMEM

Durante a apresentação do capítulo segundo, explanamos a respeito da pessoa de Jesus como homem livre e laudante. Olhar para a Sua pessoa, é perceber e constatar que ao homem estes dois pontos não são inatingíveis, uma vez que o Verbo se fez carne para poder nos ensinar a vivermos como homem.

            A vida do Filho de Deus, também vem apontar para o verdadeiro sentido do louvor, que este não é um ato exterior, mas um ato interno, que jorra para o exterior. Movimento, o qual, todo homem deve buscar enquanto imagem e semelhança divina, e para reconhecer que para isto é que fora criado: para ser livre e louvar, fazer parte da identidade de filhos de Deus – filhos no Filho.

            A partir deste capítulo, adentremos mais na relação que existe entre louvor e liberdade como fim último do homem, seja nesta terra ou na bem-aventurança.

 

3.1 – Da liberdade ao louvor

            A liberdade é dom sublime que o homem possui, e sendo dom é a doação, gratuidade, obra da graça. São duas realidades que andam lado a lado, liberdade e graça. Desta forma, vai nos apontar Santo Agostinho no “Tratado sobre a graça”:

Quando percebeis não poder chegar à compreensão, acreditai, entretanto, nas palavras divinas, pois existe por um lado a liberdade e, por outro, a graça de Deus, sem cujo auxílio não é possível a conversão a Deus e o crescimento no mesmo Deus (p.10, 2000).

            O homem livre é aquele que se deixa conduzir pela graça de Deus, uma vez que a verdadeira liberdade somente pode ser encontrada no reto cumprimento de Sua vontade, e assim, podendo ser acolhida pelo homem como vontade sua. Falar em acolher a vontade divina como vontade própria, não pode ser entendida como negação da própria vontade, mas como conformar-se, modelar-se aos desejos de Deus. É válido ressaltar que, o pecado original também maculou a vontade humana, por isso, a necessidade de conformarmos o nosso entendimento, a nossa vontade à vontade divina (Cf.  Rm 12,2).

            O Catecismo da Igreja Católica ensina acerca da liberdade da seguinte forma:

A liberdade é o poder baseado, na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, ou seja, de praticar atos deliberados. [...] é no homem uma força de crescimento e amadurecimento na verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada a Deus, nossa bem-aventurança (n. 1731).

            Graça e liberdade se encontram na vontade humana iluminada por Deus. Para que o homem alcance a liberdade, precisa submeter a sua vontade ao Espírito para que seja iluminada por esta iluminação. Dizemos submeter, porque a graça enquanto ação divina, não pode forçar o homem, uma vez que Deus respeita o dom do livre-arbítrio. Somente de modo maduro e consentido pela vontade que o homem pode ser livre e ordenado para o Bem maior. A liberdade é sinal da imagem divina inscrita no homem, uma vez que ele deseja e faz o movimento de aproximar-se da vontade divina, isto para que o homem possa buscar livremente o seu criador, e aderindo a Ele, alcance a sua perfeição (Cf. CCVII, p.158, n. 17, 2015). Sendo assim, é um movimento que não pode ser forçado da parte de Deus e nem da parte do homem.

                A liberdade ao homem que está disposto a vivê-la, torna-se um meio de santificação, motivo pelo qual consiste em submeter-se ao próprio Deus, ou seja, torna-se mais do que um ato voluntário, mas um ato consciente de sua insuficiência para poder guiar a si mesmo (Cf. AGOSTINHO, p.75 ,1995). Podemos apontar de modo seguro Jesus como modelo perfeito de liberdade, pois, ao fazer-se homem, soube fazer suas escolhas conformadas à vontade do Pai, guiado pela ação do Espírito, à luz que ilumina as decisões.     

                Ao falarmos do louvor, deparamos com um movimento duplo: um abaixar-se e um elevar-se. O Catecismo da Igreja Católica ensina que louvor “é a forma de oração que reconhece o mais imediatamente que Deus é Deus” (n.2639). É nesta realidade que encontramos este movimento.

            Primeiramente, é um movimento de descida, porque implica num reconhecimento da pequenez do homem, sabendo que nada pode sem Deus. Neste reconhecimento imediato, pode contemplar que em tudo ele é dependente do seu Criador. Essa tomada de consciência   direciona o homem a um contato com Deus, despertando a criatura e conduzindo-o à uma vida nova (Cf. DUFOR, p. 535, 1996). A partir daqui, encontramos o segundo movimento.

            A partir do movimento de abaixar-se, entendemos o movimento de elevar-se.  No instante em que o homem consegue saber quem ele é, consegue como consequência enxergar quem é Deus e a sua grandiosidade. Percebe que Deus é Deus pelo seu ser, e não pelo seu fazer (Cf. CEC. n.2639), logo, o louvor é um ato livre do homem que deseja glorificá-lo, e neste ato eleva-se a Deus.

Toda a vida de Jesus foi um perfeito louvor ao Pai. Mesmo sendo Ele um só com o Pai e o Espírito Santo, preferiu ser pequeno, despojando-se de tudo. Nessa sua pequenez o Louvor de Deus deve ser manifestado (JUCEMAR, p.43, 2020).

            Torna-se mais claro que a liberdade e louvor são duas realidades intrínsecas. Para louvar é preciso ser livre, e somente os livres podem render um louvor verdadeiro. É um movimento duplo que se transforma num ciclo.

            Louvar implica num reconhecimento da parte do homem. Consequente mente, ele deve aceitar o querer e a grandeza divina. O ato de louvar, enquanto ato de desapego, conduz o homem a um movimento “Kenótico”, para depois de esvaziar-se poder se preencher da glória de Deus. Neste ato, o homem não rouba para si a glória que a Deus é devida, mas elevando o coração a Ele, rende aquilo que lhe é digno: honra, glória, divindade, poder (Cf. Sl 115,1; Ap 5,12). O reconhecimento de sua inferioridade leva-o a se colocar abaixo de Deus, rendendo a Ele um verdadeiro culto de latria, afastando o seu coração da idolatria e da instrumentalização do divino. Este louvor elevado aos céus da parte do homem, além de ser um ato de adoração, é consequência da clemência de Deus, que se manifesta amorosamente ao homem, manifestando a sua grandeza, sustentando o homem em sua pequenez (Cf. FILIPE, p.64, 2014).

            A liberdade ordena o homem. Torna-se uma bússola para que possa orientá-lo em seu proceder, como encontrar-se e agir corretamente. Isto porque o querer divino sendo um bem, tende a ordenar o homem a ele mesmo, ou seja, ao Sumo Bem. Uma vez voltado para Deus, o homem torna-se capaz de louvá-Lo com um movimento natural, perene e constante, como algo ordinário ao seu ser homem – “Vou bendizer o Senhor em todo o tempo, seu louvor estará sempre nos meus lábios” (Sl 34,1b) – não sendo somente uma exterioridade, mas algo que provém do mais profundo de si, de suas entranhas.

Ao retomarmos Jesus como paradigma, vemos este ciclo entre liberdade e louvor presentes em sua vida terrena. O fim de todo homem, assim como Jesus, é ser capaz de corresponder a vontade de Deus. O apóstolo Paulo na carta aos Efésios, nos mostra qual é a vontade de Deus para o homem ao dizer que: “fomos criados para o louvor de sua glória” (Ef 1,12). O verbete traduzido pela Bíblia de Jerusalém como criado, no original grego é εἰμί[10] (eimi), que tem um significado mais profundo: EU EXISTO. Este é o mesmo verbo utilizado por Jesus em Jo 14,6 quando afirma que ele é o “pão da vida”. Neste “existir”, encontramos o porquê, a identidade do homem: ser para o louvor. O sentido de ser do homem é este: criado para o louvor, para reverenciar e servir a Deus- o seu Senhor, e neste movimento encontra a sua santidade.

Outro ponto que merece destaque em Ef 1,12, é o verbete δόξα[11] (doxa), que traduz-se por honra, glória, sendo uma atribuição ligada ao divino. Santo Irineu em sua obra “Contra as heresias”, diz que: “O homem vivo será (é) a glória de Deus” (p.20). O profeta Isaías diz que, somente os vivos é que são capazes de render ao Senhor o seu louvor (cf. Is 38,19). Entendemos que a vida verdadeira somente se encontra quando o homem se encontra associado a Deus (Cf. Jo 14,6), ou seja, quando está imerso na verdadeira liberdade.

É evidente, que por suas forças, o homem é incapaz de seguir a Deus, pois por si mesmo é fraco. Para isto, ele deve contar com a graça que faça com que esteja unido a Deus, assim como os galhos estão unidos à videira (Cf. Jo 15,5). Torna-se impossível pensar no homem livre e laudante sem estar unido a Cristo, porque Ele é o pontífice (Cf. 1Tim 2,5), aquele que nos conduz a Deus, o Pai, de forma segura.

A adesão a Cristo não se traduz apenas com a vontade de aderir a Ele. Este é o primeiro passo para a união, mas, faz-se necessário dar passos à frente e tornar o desejo de unir-se em algo efetivo. Em outras palavras, dizemos da busca da vida de intimidade com o próprio Cristo. Intimidade que implica numa prontidão na escuta. A partir da prontidão, entregar-se à Verdade com um movimento de rendição constante ao Cristo (Cf. BALTHASAR, 2019, p.12). É a partir desta intimidade, que, o homem consegue tornar a liberdade e o louvor efetivos em sua vida.

Uma vez unido ao Cristo, o homem é convidado a ter os mesmos sentimentos de Cristo (Cf. Fl 2,5). Ele é capaz de aprender por si os caminhos da vida por meio das experiências, mas sempre propício aos erros, e, por vezes, irreparáveis inclinações para o mal. Mas, quando se aprende com o Mestre, não se aprende somente um ensinamento que é teórico, mas algo que Ele primeiro vivenciou e, agora, passa aos seus discípulos. Estar próximo do Mestre, é poder comungar de sua presença, ser discípulo, ouvir o que tem a dizer, fazer o que Ele ordena, ouvir suas exortações e ensinamentos. Tudo isto podemos resumir em uma só palavra: intimidade. Este verbete torna-se a chave para compreender como se dá a relação entre o Mestre e o discípulo. Afinal, o louvor e a liberdade se manifestam no desejo contínuo de estarmos unidos a Deus pela vida do Cristo (Cf. DEFINA, 2016, p.129).

Ao mesmo tempo que Jesus é mestre, Ele também é discípulo uma vez que, comunga da intimidade do Pai ao ponto de dizer: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). E, assim, mais uma vez nos ensina o Bom Mestre que a liberdade e o louvor somente podem se dar através da intimidade.

A liberdade e o louvor só são possíveis por graça. Somente unidos ao Cristo Jesus podemos corresponder à graça. É preciso ter claro que o homem é um ser frágil por si, e somente pode encontrar a fortaleza unido Àquele que dá forças (Cf. Fl 4,13). Este é um dos grandes erros que o homem comete: tentar por esforços próprios alcançar a Deus. Faz-se recordar a história bíblica da Torre de Babel: os esforços próprios causam a confusão, a desordem (Cf. Gn 11,1-9). Em contraposição, Pentecostes, que é o derramamento da graça, causa a ordem e a intimidade (Cf. At 2,1-13). Torna-se uma perca de tempo o homem querer dar passos sem ser assistido por Deus, e ao mesmo tempo sem ser ajudado pelo Cristo. Intimidade torna-se a palavra chave para se chegar a Deus.

 

3.2 – Liberdade e louvor na vida do homem

Ao enfocar o homem, não podemos nos escusar que este é um ser relacional, que implica num doar-se e um dar-se. Objetivamente, ele é um ser que precisa saciar-se relacionalmente. Se o homem não se relaciona, perde a sua humanidade e não pode mais ser chamado de homem. Trata-se de uma condição inalienável. Até mesmo por ser imagem e semelhança divina, precisa se relacionar, porque o próprio Deus é relação – entre as pessoas da Trindade e com o homem.

Devido a esta verdade, o homem sempre está em busca de coisas, pessoas, ocasiões, objetivos, objetos etc. – tudo no desejo natural de relacionar-se. Todavia, não devemos esquecer que este não é somente um relacionamento   físico, pela corporeidade, mas também possui em si algo espiritual, transcendente, que deseja se conectar. Logo, ele tem sede também daquilo que não passa, que é invisível, que parte do divino. Pensar no homem que não se relaciona com o divino é mascarar uma realidade. Isso mesmo quando falamos dos ateus. Com as suas negações ao divino, acabam tendo um relacionamento mesmo que “negativo”.

Desta forma, é natural ao homem buscar as respostas para saciar-se.

Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! [...] Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz (AGOSTINHO, 1997, p.139).

Dizemos saciar-se, pois o homem tem sede de Deus (Cf. Sl 42,1), tem sede do transcendente, e no encontro com o objeto de sua saciedade, ele se completa enquanto homem, enquanto aquilo que ele mesmo é. Uma vez criado por Ele, possui esta sede insaciável de Seu criador, pois foi criado para se relacionar com Ele. O homem precisa, tem necessidade de Deus, a qual, é saciada no ato relacional, na troca de amores, de intimidade.

Nesta busca pelo transcendeste, de estar unido ao Seu criador, o homem traz consigo algo de antropológico naquilo que diz respeito à liberdade. Uma vez que não basta a si mesmo, mas precisa de Deus para se completar, a liberdade torna-se uma realidade humana e divina, inserida em sua estrutura antropológica.

O existir do homem, não é fruto do acaso, mas primeiramente do querer divino, logo, o agir livre de Deus é origem de todo homem, criado à sua imagem e semelhança (Cf. Gn 1,26-28). Assim, afirma Renato Alves Oliveira ao dizer que:

A liberdade humana não está em conflito, mas em harmonia com a graça divina. A afirmação da liberdade não nega a graça, mas se dá em comunhão com ela. Liberdade humana e graça divina se afirmam reciprocamente (p.170.)

A   liberdade enquanto tal, é obra da graça de Deus no homem. Graça esta que proporciona que o homem possa ser mais ele, ser mais humano, ser mais pessoa segundo o querer divino, ser íntegro e não desfacelado (Cf. PEÑA, 1998, p.187). Assim vemos que, conceber o homem sem a liberdade é concebê-lo descontruído e longe de sua verdadeira identidade, rompido consigo e com o seu criador.

Reconhecer-se como homem faz parte do processo pessoal de conversão e encontro consigo mesmo, para assim poder encontrar Aquele que é capaz de o saciar. Por mais que possua a sua identidade pessoal conformada a Deus, faz-se necessário que possa estar aberto a se descobrir como agente desta descoberta, sustentado pela graça de Deus que o guiará neste itinerário. Essa é condição inegociável para poder ser quem realmente é. Faz-se necessário ter uma resposta diante de Deus, ser capaz de dar uma resposta à sua vocação, à vida em Deus.

Nessa resposta, pode agir com a verdade ou com a mentira, encontrando-se com o seu fim, ou distanciando-se dele. Ser livre é ser em Deus. Uma vez que o homem decide por não aproximar o seu querer ao divino, deixa de ser homem, e passa a agir como animal, ou seja, deixa de ser sujeito e passa a ser objeto (Cf. RHANER, 2002, p.402). O homem sem liberdade, deixa de realizar-se enquanto homem. A liberdade é um jeito humano de existir em Deus.

A liberdade humana tem um fundamento teologal. Como ser livre, o ser humano não pode permanecer indiferente diante de Deus. Mas, fazendo uso de sua liberdade, deve ser capaz de acolher ou recusar Deus, a realidade-fundante do ser humano e, por consequência, de sua liberdade (OLIVEIRA, p.174, 2023).

Uma vez livre, o homem em contato com o seu Deus, tende a dar passos em busca de uma realidade maior do que ele mesmo. Coloca-se na posição de desbravador dos seus limites em busca do transcendente. Faz parte do seu ser, enquanto homem religioso esta abertura, este dilatar-se para poder ascender e atingir esta autorrealização de si, que em si não pode encontrar (Cf. HERRERO, p.22, 1991). Não há homem que não deseje transcender a si mesmo.

Nesse desejo de transcendência, acontece a convergência entre a liberdade e o louvor na vida do homem. Uma vez que ele tende a transcender ao seu Deus, concomitantemente tende a reconhecê-lo. Como já discorremos, ao assentir o transcender, transforma-se num louvor. É através da liberdade que o homem, enquanto ser religioso, pode transcender e se relacionar com Deus em atitude laudante.

O homem carrega consigo a marca da transcendência, sendo inerente à sua condição humana. Isto porque é “imago Dei”, e tende a procurar a realidade (ser) que o reflete e, ao encontrá-la, pende, como ser religioso a render os seus louvores. Volta-se o homem a Deus como fonte de sua existência, identificando-se com Ele, compreendendo a si próprio como ser laudante, sempre em busca do transcendente que deseja louvar (Cf. FEURBACH, p.29, 2009). Nesta dinâmica de encontro e louvor, o homem se realiza espiritualmente e antropologicamente.

[...] por natureza o homem se revela um ser religioso e busca constantemente um sentido mais profundo para sua vida; ele se abre ao transcendente através de suas experiências no mundo [...] Se essa confiança não for a sua fé definitiva em Deus, podem ser outros ídolos que irão preencher o sentido mais profundo do seu existir (PINAS, p. 80-81, 2007).

Buscando a si e ao transcendente, o homem naturalmente inclina-se para poder reconhecer essa realidade que não pode abarcar e, que é maior do que ele. Torna-se essa realidade o alvo do seu reconhecimento. Assim como a liberdade é inerente à condição humana, como consequência esse reconhecimento, também, torna-se inerente. Após encontrar o seu deleite, o homem tem necessidade de o reconhecer, como o objeto que é digno de receber toda a sua gratidão.

Percebemos que o homem louva celebrando a grandiosidade divina, e ao mesmo tempo exalta a sua própria identidade. Ao louvar, o homem usa da sua liberdade para poder alcançar a Deus. A oração é um ato livre, onde o homem reconhece e suplica a graça (Cf. EDITH STEIN, apud. MENDONÇA, monografias.brasilescola.uol.com.br/, 2016).

O louvor pode ser visto como uma forma de expressão da liberdade humana, expressão do seu ser em direção à grandiosidade divina. Torna-se uma forma de exercer a liberdade a partir de uma resposta que pode ser encontrada na intimidade da oração, ou seja, a resposta transcendente que deverá ser expressada com a vivência.

Liberdade e louvor são duas realidades humanas-espirituais presentes no homem. Culminam, consequentemente, à uma realidade presente e à outra futura. Falamos sobre uma realidade que deva ser contemplada no agora, e ao mesmo tempo, que deverá ser; outrora, em uma vida suprassensível.

 

3.3 – O louvor e a liberdade como fim último do homem

Sabemos que o homem está inserido em uma dupla realidade: humana e espiritual (transcendente). Como ser dotado de alma racional, criado à imagem e semelhança divina, este deve a todo instante recordar que como Jesus, paradigma de todo homem, um dia findará a sua vida terrena e iniciará a sua vida na eternidade.

Este é o ponto de partida para podermos afirmar que homem tanto em sua vida mortal como na vida eterna possui um “telos[12]. E, é justamente dentro dessa dimensão que se encontram o louvor e a liberdade na vida humana.

Como ponto de união desses dois fins teleológicos, encontramos a felicidade do homem, que ele busca para si, mas somente se torna possível ao encontrá-la em Deus. Torna-se importante ressaltar, que ao abordarmos as realidades de vida terrena e celeste, não podemos separá-las, visto que o homem não deixa de ser ele mesmo na eternidade. Pelo contrário, ao fazer a sua páscoa, sua vida eterna torna-se uma continuação daquilo que escolheu na terra. E, assim nos assevera Santo Agostinho em seu Comentário aos Salmos:

Toda nossa vida presente deve transcorrer no louvor de Deus, porque louvar a Deus será a alegria eterna da nossa vida futura. Ora, ninguém pode tornar-se apto para a vida futura se, desde já não se prepara para ela (p.512,1998).

Partimos primeiro da realidade do agora, da vida terrena. O homem é convidado a seguir o exemplo de Jesus no que diz respeito à liberdade e ao louvor. Neste engrandecer contínuo como ato de sua liberdade, o homem rende o seu culto, que por muitas vezes é um sacrifício agradável a Deus, pois implica à renúncia dos prazeres desordenados. Desta forma, a ação humana em todas as suas dimensões são convidadas a voltarem-se para Deus (Cf. MORAES, laudei.blogspot.com, 2010).

Importante termos como primícias que, Deus enquanto Deus, não necessita de nossos louvores. A ação humana não acarreta mudança no seu ser, não podemos fazer com que ele cresça ou diminua. O louvor que é rendido a Deus é parte da dimensão teleológica do homem, ou seja, um ato livre do homem que é do desejo divino. A liberdade e o louvor aproximam o homem de seu Criador. Deus torna-se assim o ponto de partida e de chegada para o homem poder cumprir a sua missão (MR, p.459, 1992).

A esse processo de busca constante do homem em sua vida terrena para alcançar o fim ao qual foi criado, damos o nome de santificação. Assim, a liberdade e o louvor são fundamentais nesse processo de conformar-se à santidade divina. A palavra chave aqui é “busca” - a incessante. Pois é a partir da aderência e reconhecimento dessa incansável busca, a fim de poder aperfeiçoar o seu ser homem, faz o caminho contrário dos nossos primeiros pais (Cf. GS, n.17). Para isto, a todo tempo, o homem deve travar uma luta interior para poder se inclinar ao seu fim, nunca lhe imposto mas proposto.

Como proposta, a liberdade e o louvor devem ser uma escolha da parte do homem, manifestando-se no desejo de estar a todo tempo unido a Deus (cf. DEFINA, p.129, 2016). Nesta união com o divino, dá-se a “deificação” do homem pelo assentimento pessoal em fazer parte desse processo, já que “o que Deus pretende é fazer-nos deuses por participação, Sendo-O Ele por natureza” (JOÃO DA CRUZ, p.103, 1988). Do desejo de santificação do homem que se torna possível a união com o divino, como dom gratuito do próprio Deus que deseja também unir-se ao homem.

Ao tocarmos sobre a temática da santidade, não podemos ignorar a contextualização da liberdade e do louvor. A busca da união com Deus (santidade), implica a busca destes dois dons como resposta generosa à vontade divina. Resposta esta que implica conformidade, e sobretudo, uma prontidão em assumí-la nesta vida terrena. Diante dessa realidade, encontramos esses dois dons como fim imediato do homem que culminará na santificação.

Sabemos que o homem vive no presente, tendo o agora para se unir a Deus (Cf. TERESA DO MENINO JESUS, 1997, p.688). É neste agora que a graça de Deus viva e eficaz necessita de uma correspondência, ou seja, um assentimento de sua realidade humana débil e um elevar-se a Deus submetendo-se à Sua vontade de amor. Mais uma vez fica claro porque Jesus é paradigma, quando tratamos do assunto. Enquanto verdadeiro homem, em sua vida terrena alcançou o seu fim imediato: uma vida imersa no Pai. Essa imersão que o homem é convidado a participar passa pela via da entrega de si, e nessa entrega manifesta a glória de Deus, e por conseguinte, manifesta com a vida a sua vocação à santidade. Santidade, à qual, é uma vida maturada na liberdade laudante.

Essa manifestação da glória de Deus, como expressão de um estilo de vida, nada mais é do que a santidade de vida. Entregamo-nos completamente à vontade de Deus e a vontade de Deus é esta: a nossa santificação. Se nós quisermos ser santos, temos que louvar a Deus, porque através do louvor nos santificamos... (DEFINA, 2016, p. 161-162)

Pode parecer que santidade e liberdade se contraponham, mas a verdade é que podem e devem andar lado a lado como uma complementariedade. A busca pela santidade não é uma restrição à liberdade, mas ao contrário, um caminho para uma liberdade mais profunda e autêntica. Dizemos que a liberdade exercida se converte em santidade. Torna-se a liberdade um veículo para que o homem possa alcançar a sua verdadeira identidade, enquanto imagem e semelhança do seu Criador. É sobre esse olhar que o Papa Francisco afirma que :“para caminhar na santidade é preciso ser livre: a liberdade de prosseguir olhando para a luz, de ir em frente” (FRANCISCO, vatican.com, Meditações matutinas na Santa Missa celebrada na Capela da Casa Santa Marta). Caminhar para a frente é descobrir-se enquanto homem.

De igual modo, o louvor enquanto realidade do presente do homem que caminha na via da liberdade, pode ser entendido como uma gratidão e reverência a Deus em decorrência de sua bondade para com o homem. Este movimento conduz o homem à uma vida de gratidão. Cria-se, assim, um ciclo entre louvor e santidade. Dado que o louvor aproxima o homem da liberdade dos filhos de Deus (Cf. Rm 8,21-22), o mesmo vai santificando-se e manifestando a santidade de Deus.

Em sua vida mortal, enquanto não prova da morte corporal, o homem é chamado a viver a sua vocação à santidade. Tendo em vista essa realidade, vemos que o fim do louvor e da liberdade na vida do homem terreno é proporcionar o encontro verdadeiro com Deus aqui, a fim de alcançar a bem-aventurança na eternidade (Cf. GS, n.17). Enquanto viver, deve initerruptamente o homem buscar a liberdade e o reconhecimento de e ou/em Deus. Quanto mais humano vai se tornando mais   encontrará sua condição divina e vice-versa.

A vida humana é limitada em todos os sentidos, inclusive em sua temporalidade, o que não impede o homem de aproximar-se de Deus. O pecado dos primeiros pais proporcionou a experiência da morte (cf. Gn 2,17), e esta tornou-se passagem de uma vida terrena para uma vida celeste – páscoa – abrindo ao homem um novo horizonte. A morte enquanto passagem, não é cessação da pessoa enquanto tal, mas somente o fim de um ciclo nesta terra. Aos que viveram na busca contínua do Bem Supremo, gozarão da bem-aventurança, conseguirão a cora da vitória (Cf 2Tim 4,7-8). Asseveramos assim sobre uma vida de intimidade que não cessa, pois o homem uma vez vivendo na temporalidade imerso em Deus (Cf. BENTO XVI, 2012, p.40-41), continua a sua vida de intimidade com Ele no céu, ou seja, a sua vida nova que começara na terra, agora se torna plena em Deus.

É a eternidade que valoriza o tempo, que faz com que nenhuma ocupação humana seja inevitavelmente banal, inútil, insignificante ou totalmente passageira, que impregna de si tudo o que é acompanhado de esperança. A eternidade torna preciosa a vida presente, pois esta é única, e é nela que se decide e se prepara a continuidade eterna (SCHREIBER, 2011, p.420).

Esta nova perspectiva de vida e eternidade, conduz-nos à uma nova realidade: a visão beatífica de Deus. Enquanto abordamos o louvor e a liberdade como fim nesta terra, falamos de um fim imediato. Agora, ao tratarmos da visão beatífica, falamos de um fim próximo. Não se pode saber em que momento a morte virá, mas independente disso, a vida terrena é um nada comparada com a eternidade. Categoricamente, as Sagradas Escrituras afirmarão tanto no Antigo como no Novo Testamento que a vida é curta, e aqui somente passamos (Cf. 1Cr 29,14; 1Pe 2,11; Rm 12,2). A vida é nos dada para ser vivida em união com Deus.

O homem foi criado para a visão beatífica. Faz-se necessário que compreenda que isto faz parte do seu ser, ou seja, contemplar a Deus face a face por toda a eternidade. Santo Tomás de Aquino vai relacionar a visão beatífica com a felicidade e a santificação do homem (AQUINO, 2015, p. 218). Como dito anteriormente, o homem que se santificou na terra; no céu gozará da felicidade eterna: a visão de Deus. Compreende-se que esta visão se dá pelo fato da vivência do louvor, que somente pode ser dado pelos livres. O louvor é mais do que um dever, mas é salvação para o homem (Cf. MR, 1992, p.459).

É sobre este olhar que podemos compreender porque o Apóstolo Paulo diz aos Gálatas: “a Jerusalém celeste é livre e é a nossa mãe” (4,26). Esta Jerusalém é o lugar da habitação dos que veem a Deus, é o lugar da mais perfeita adoração, da íntima união, do exercício pleno do louvor e da liberdade que outrora já viviam na terra. O que se vive no céu, é somente extensão do que já se experimentava e vivia na terra, mas agora de modo perene e perfeito. Assim, enquanto fim próximo o homem deve buscar a todo instante a salvação que o louvor lhe oferece, deixando-se conduzir pela graça à verdadeira liberdade.

A compreensão da vivência do louvor, não deve só fazer com que se proclame a glória de Deus, porque pode tornar-se como que uma obrigação, um peso que pode ser encarado como algo enfadonho para o homem. O discernimento para que o homem possa perceber se o seu louvor é verdadeiro e está o conduzindo à santidade é: por mais que eleve ao Senhor sua louvação, ao mesmo tempo, tem o coração preenchido por esta mesma glória que eleva a Deus, ou seja, é a satisfação em louvar (Cf. EB. p.1011, 2008). Faz-se importante ressaltar isto, posto que, na eternidade o homem não é obrigado a louvar, mas louva porque ama.

É inegável o desejo do homem ansioso por Deus (Cf. Sl 42) nesta vida para poder saciar-se na eternidade. A vida eterna com Deus, que é a promessa para aqueles que escolheram a vida de intimidade (Cf. Jo 3,16; Rm 6,23), responde à pergunta do homem acerca do seu fim e sua relação com Deus. E, é neste contexto que a liberdade e o louvor emergem como elementos fundamentais, oferecendo perspectivas valiosas para compreendermos o significado dessas realidades transcendentes. Torna-se assim, impensável a vida eterna sem a realidade do louvor e da liberdade, pois ambas implicam numa imersão da parte do homem em Deus, seu início e fim.

Enveredando pelo livro do Apocalipse, encontramos várias fórmulas de louvores. Neste livro encontramos uma liturgia celeste que é, constantemente, celebrada em tom escatológico. Tom, o qual, é marcado por constantes atos de adoração, conforme veremos no trecho abaixo:

Os quatro seres viventes, cada um deles com seis asas, estavam cheios de olhos por dentro e por fora. Dia e noite repetem sem cessar: 'Santo, santo, santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, que é e que há de vir.' [...] Prostraram-se diante do trono e adoraram Aquele que vive para todo o sempre. Jogaram as suas coroas diante do trono, dizendo: 'Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e poder, pois criastes todas as coisas, e por tua vontade elas existem e foram criadas (Ap 4,8-11)

Estar diante do trono do Cordeiro e depor as coroas diante Dele é um excelente ato simbólico para poder demonstrar que todas as potencialidade se dobram como ato de adoração ao Senhor (Cf. CHAMPLIN, 2002, p.447). Adoração, que é um ato de louvor - uma bela imagem do que será a vida do homem na eternidade. Ao tocarmos na etimologia do nome do livro, chegamos a uma tradução, que seria revelação, um desvelar dos mistérios divinos. Mistério que se diz na aclamação memorial em toda santa missa: o anúncio da segunda vinda do Senhor, o “maranathá[13] (Cf. MR, 1995, p.473), a esperança de novos céu e nova terra.

Dessa forma, a vida eterna e a escatologia se entrelaçam com a liberdade e o louvor, criando um horizonte de compreensão e esperança, onde a esperança é a segunda vida do Senhor e Ele mesmo.   À medida que contemplamos a vida eterna e a escatologia, somos convidados a refletir sobre a importância da liberdade e do louvor.

A dimensão escatológica envolve a feliz volta de Cristo, onde pronunciará a sentença última sobre a toda história da salvação. Esta sentença inclui a realidade do louvor como consequência da liberdade da parte do homem. Essa realidade, não diz respeito somente às decisões pessoais de cada homem, mas sim um desvelar do fim último de toda a Humanidade, de um fim último universal.

Nós ficaremos a saber o sentido último de toda a obra da criação e de toda a economia da salvação, e compreenderemos os caminhos admiráveis pelos quais a sua providência tudo terá conduzido para o seu fim último. O Juízo final revelará como a justiça de Deus triunfa de todas as injustiças cometidas pelas suas criaturas e como o seu amor é mais forte do que a morte (CEC, n.1040)

Enquanto realidade vindoura, a volta do Senhor, traz a certeza de uma vida de felicidade em um mundo sem fim, recriado pelo Cristo (Cf. PEREIRA, 2021, p.16). A Lumem Gentium, ao abordar esta realidade, afirma que a parusia[14] é o acabamento da obra divina, a restauração de todas as coisas, onde toda a criação junto com o homem inteiramente e intimamente ligado a Deus chegarão ao seu fim último (n. 639). A partir desta vinda gloriosa, falamos de um novo e definitivo reinado de Cristo, onde com Ele os justos reinarão com Ele, glorificados em corpo e alma, por toda eternidade (Cf. CEC, n. 1042). Falamos que a parusia é um novo Gênesis. Assim, estes que reinarão com o Cristo, são os livres que alcançaram um coração laudante, mergulhados em Deus.

Através desta pesquisa, ficou evidente que a liberdade e o louvor desempenham papéis fundamentais no caminho do homem em direção ao seu fim último, que é a união com Deus. Ambos os conceitos são condições indispensáveis para que o ser humano possa se humanizar alcançando a plenitude do seu ser.

A liberdade permite ao homem que se torne verdadeiramente livre para buscar a vontade de Deus, optando pela via da santidade com o intuito de aproximar-se de Deus. Neste caminho de aproximação, o homem reconhece sua dependência de Deus e encontra Nele a fonte de todo bem e perfeição, e partir desta experiência, fortalece sua comunhão.  É por meio do louvor que, o ser humano se coloca em humilde submissão diante do Criador, reconhecendo Sua grandiosidade e amor incondicional.

Esses dois elementos: liberdade e louvor - atuam em conjunto para levar o homem ao seu fim último. Aqui na terra, a vida de santidade se manifesta como o objetivo primordial do homem, uma busca constante pela conformidade com os ensinamentos divinos e o exercício da virtude. Assim, o ser humano se torna capaz de transcender suas limitações terrenas e se aproximar da perfeição espiritual, preparando-se para a união plena com Deus no céu.

Além disso, a perspectiva do fim último do homem se estende até a Parusia, o retorno glorioso de Cristo. Neste momento, a união com Deus se realiza em sua plenitude, e o reinado de Cristo é estabelecido, e o homem redimido participa dessa realidade transcendente e eterna, onde com Ele reinará.

Em síntese, este trabalho reforça a importância da liberdade e do louvor como condições indispensáveis para que o homem alcance seu fim último: a união com Deus. Ao exercer sua liberdade de maneira responsável e escolher o caminho da santidade, e ao expressar seu louvor e gratidão ao Divino, o ser humano se humaniza e se deifica, tornando-se cada vez mais ele mesmo, imagem e semelhança divina. Assim, a vida de santidade nesta terra prepara o homem para a união plena com Deus no céu e, finalmente, para participar do reinado de Cristo na Parusia.

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, concluímos este trabalho monográfico que teve como objetivo abordar a temática da liberdade e do louvor como fim último do homem. Através de uma reflexão aprofundada sobre a relação entre esses dois elementos fundamentais da experiência humana, buscamos compreender como a diligência pela liberdade e a prática do louvor podem conduzir o indivíduo à plenitude, ao propósito último e à realização de sua existência.

Buscamos não apenas oferecer respostas, mas também despertar questionamentos e inspirar um olhar mais profundo sobre a liberdade e o louvor. Reconhecemos que, a busca pela verdade acerca de nós mesmos é um processo contínuo e que a iluminação do Espírito Santo é essencial para alcançar essa compreensão. Neste processo de iluminação, o homem é movido à santidade, que é a consequência direta da liberdade e do louvor na vida do homem.

Fica evidente que a busca pela verdade acerca de si mesmo e o encontro com sua essência são processos que demandam da parte do homem um assentimento que implica num movimento em direção a Deus, que se torna ao mesmo tempo um movimento em direção ele mesmo, e para isto, precisa da graça. Somente assim, a liberdade e o louvor se apresentam como elementos instrumentais e fundamentais para se chegar à plenitude e realização em sua existência.

Jesus, de fato, ensinou o homem a ser livre e laudante, mostrando que o homem tem como fim a união com Deus, que é o motivo de seu existir: existir em Deus. Este existir em Deus é um processo de vida eterna que se inicia na vida terrena, transcendendo as limitações humanas. Liberdade e louvor são respostas à ação transformadora de Deus na vida do homem em todas as dimensões do seu ser.

No desfecho deste estudo, constatamos que, o homem é convidado a viver em união com Deus não somente na eternidade. Uma vez que foi feito para a glória de Deus, toda a sua vida deve concorrer a isso, desde o seu primeiro até o seu último suspiro - momento onde adentrará na eternidade. Portanto, o homem enquanto ser espiritual, que a partir de sua concepção tem uma vida eterna, deve aderir a esta verdade tendo um louvor que deve ser eterno, ininterrupto, constante e livre, aqui, já em sua vida terrena, onde na eternidade prosseguirá.

Ao concluir este trabalho, esperamos ter contribuído para a ampliação do conhecimento sobre a relação entre liberdade, louvor e o propósito último do homem. Que esta reflexão possa suscitar um desadormecer espiritual e proporcionar uma vida plena, na qual a liberdade e o louvor sejam expressões constantes da intimidade com Deus, conduzindo-nos ao cumprimento de nossa existência de acordo com Sua Vontade de amor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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[1] Bispo e mártir, nascido na Ásia menor, provavelmente próximo de Esmirna. Pelos seus escritos tornou-se o mais importante dos escritores cristãos do século II.

[2] Orígenes (em grego: Ὠριγένης), cognominado Orígenes de Alexandria ou Orígenes de Cesareia ou ainda Orígenes, o cristão é de Alexandria no Egito no ano de 185 vindo a morrer em Cesareia (ou mais provavelmente Tiro 253). Foi um teólogo, filósofo neoplatônico patrístico e é um dos padres gregos.

 

[3] Nasceu na Cesareia em 330, vindo a morrer na Capadócia em 395. Foi teólogo, místico e escritor cristão. Um dos padres da Igreja e irmão de Basílio Magno.

[4] Aurélio Agostinho de Hipona (em latim: Aurelius Augustinus Hipponensis), conhecido universalmente como Santo Agostinho, foi um dos mais importantes teólogos e filósofos nos primeiros séculos do cristianismo, cujas obras foram muito influentes no desenvolvimento do cristianismo e filosofia ocidental. Ele era o bispo de Hipona, uma cidade na província romana da África.

[5] Tomás de Aquino, em italiano Tommaso d'Aquino (Roccasecca, 1225 – Fossanova, 7 de março de 1274), foi um frade católico italiano da Ordem dos Pregadores (dominicano) cujas obras tiveram enorme influência na teologia e na filosofia, principalmente na tradição conhecida como Escolástica, e que, por isso, é conhecido como "Doctor Angelicus", "Doctor Communis" e "Doctor Universalis". "Aquino" é uma referência ao condado de Aquino, uma região que foi propriedade de sua família até 1137.

[6] Immanuel Kant (Königsberg, 22 de abril de 1724 — Königsberg, 12 de fevereiro de 1804) foi um filósofo prussiano. Amplamente considerado como o principal filósofo da era moderna, Kant operou, na epistemologia, uma síntese entre o racionalismo continental, onde impera a forma de raciocínio dedutivo), e a tradição empírica inglesa, que valoriza a indução.

 

[7] Ele que viria a ser futuramente o Papa Bento XVI, sucessor de João Paulo II.

[8] Na linguagem agostiniana, quando se usa o termo “Cidade de Deus” é uma referência a vida que há de vir (o gozo celeste). Em contraposição, o termo “Cidade de homens”, é uma referência a vida no seu atual (vida terrena).

[9] União hipostática (também conhecida como união mística ou dupla natureza de Cristo) é a doutrina clássica da cristologia que afirma ter Jesus Cristo duas naturezas, sendo homem e Deus ao mesmo tempo.

[10] Eimi: https://biblehub.com/greek/1868.htm

[11] Doxa: https://biblehub.com/greek/1391.htm

[12] Palavra grega que significa meta, finalidade, fim.

[13] Maranathá, do original em hebraico מרן אתא , maran atâ, que traduz-se por “Nosso senhor vem, o rei vem".

[14] Refere-se a segunda vinda de Cristo, definitivamente o “último dia”, onde os mortos serão ressuscitados com Cristo (Cf. CEC, n.1001).

A LIBERDADE E LOUVOR DE DEUS COMO FIM ÚLTIMO DO HOMEM

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