quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Monografia do Frater Mateus da Misericórdia dos Santos Rocha - "Maria Modelo de Louvor "

 

INSTITUTO SUPERIOR DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS RELIGIOSAS SÃO BOAVENTURA

 

 

 

 

 

MARIA MODELO DE LOUVOR

 

 

 

 

MARCELO DOS SANTOS ROCHA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO - 2020

MARCELO DOS SANTOS ROCHA

 

 

 

 

MARIA MODELO DE LOUVOR

 

 

 

 

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo aluno Marcelo dos Santos Rocha, como parte do requisito para obtenção do título de Graduação em Teologia, sob a orientação do Prof. Pe. Dr. Micael de Moraes, sjs. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SÃO PAULO – 2020

MARCELO DOS SANTOS ROCHA

 

 

MARIA MODELO DE LOUVOR

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo discente Marcelo dos Santos Rocha, como parte do requisito para obtenção do título de Graduação em Teologia.

 

 

Aprovado em       de outubro de 2020.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Prof.º Dr. Pe. Micael de Moraes, sjs

TABELA DE SIGLAS

 

Ap – Apocalipse

CIC – Catecismo da Igreja Católica

Cor – Coríntios

Ef – Efésios

Est – Ester

Ex – Êxodo

Gn – Gênesis

Hb – Hebreus

Is – Isaias

Jo – João

Jt – Judite

Jz – Juízes

Lc – Lucas

LG – Lumem Gentium

Mt – Mateus

Sl – Salmo

Sm – Samuel

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EPÍGRAFE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Então ficou decidido que tudo seria através de Maria, por meio de Maria”

(Padre Gilberto Maria Defina, sjs)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTO

Agradeço em primeiro lugar a Deus, meu criador, autor da minha vocação, pois tudo que sou enquanto homem e religioso foi por sua Graça. Todo meu conhecimento e sabedoria são para Ele, juntamente com minha eterna gratidão e meu Louvor.

Louvo e bendigo a Jesus Salvador pela minha família de sangue, pois através dela aprendi a amar primeiramente as coisas de Deus, a ter intimidade com a Virgem Maria, foi através deles que aconteceu meu primeiro despertar ao chamado de Deus.

Ao Prof. Padre Dr. Micael de Moraes, sjs que me orientou nessa pesquisa. Gratidão pela sua sabedoria, confiança, liberdade e pelo tempo dedicado à leitura e acompanhamento deste trabalho, além de orientador, é também um Pai, um irmão, que igualmente me orienta na minha caminhada vocacional.

Gostaria ainda de agradecer duas pessoas que muito me ajudaram e contribuíram para que este trabalho acontecesse: Carla Cristina (Terciaria Salvista), Léa dos Anjos e o Frater Maicon Douglas, sjs. Que a Virgem Maria possa sempre abençoar a vocação de vocês. Tenho um carinho imenso por vocês.

Minha eterna gratidão à minha comunidade, que, com a paciência e compreensão na vida comunitária colaboraram para ser um melhor religioso como era desejo do meu fundador. E aqui agradeço imensamente a todos os meus formadores que pacientemente me ajudaram no decorrer destes nove anos de formação. Agradeço ainda aos meus irmãos de turma que desde o início aprendemos juntos o que é ser Louvor de Deus. (Frater Bernardo, Frater Carlos Gabriel, Frater Gabriel e Frater Pedro de Jesus).

A todas as pessoas das paróquias onde fiz meu estágio pastoral (Paróquia Nossa Senhora Aparecida – MS, Paróquia Nossa Senhora de Pentecostes, Paróquia São João Batista e Santa Catarina de Alexandria), que me ajudaram a crescer enquanto ser humano, enquanto consagrado. Vocês me incentivaram a buscar um maior conhecimento sobre Maria, assim como fizeram expandir meu amor e devoção à ela e encontrar nela o modelo de consagração.

Agradeço imensamente aos meus amigos, que me ajudam a continuar nos projetos de Deus através do carinho e da reciprocidade. Obrigado meus queridos amigos por serem balsamo na minha caminhada rumo a vontade de Deus, mas aqui destaco uma pessoa que tem uma grande importância na minha vocação, Padre João Pedro, sjs. Obrigado por sempre acreditar em nossa amizade. Sua amizade é alívio para minha vocação.

Por fim, porém não menos importante, agradeço ao meu Fundador Padre Gilberto Maria Defina, sjs por ser sinal de Louvor e Santidade, pois sua vida e sua vocação me ajudaram acreditar no céu. O senhor mostrou com sua vida que tudo seria por meio de Maria!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I

O LOUVOR DA MULHER NA SAGRADA ESCRITURA

1.        A figura da mulher na Sagrada Escritura

2.        Ana: a mulher da confiança

3.        Judite: a mulher da humildade

4.        Débora: uma mulher de firmeza

5.        Ester: a mulher corajosa

 

CAPÍTULO II

 

MARIA: VIDA QUE LOUVA

 

1.        Louvor na Sagrada Escritura

2.        Maria nas Sagradas Escrituras

3.        Maria: Vida que Louva

4.        Virtudes de Maria

 

CAPÍTULO III

 

MAGNIFICAT COMO EXPRESSÃO DO LOUVOR

 

1.        Exegese do Magnificat

2.        Magnificat como expressão de Louvor

3.        Magnificat como resposta para o nosso tempo

4.        CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA


INTRODUÇÃO

A reflexão sobre a figura feminina tem aumentado seu espaço de reflexão em meio à sociedade contemporânea. Por essa razão, esta pesquisa pretende explorar de forma coerente e atual a figura de algumas mulheres na Sagrada Escritura que fizeram de sua vida, um canto de gratidão a Deus. De modo especial o canto da Santíssima Virgem Maria, mulher descrita na Sagrada Escritura como modelo autêntico de Louvor de Deus a fim de promover um culto sadio e eficaz em torno daquilo que ela realmente foi e do que ela realmente é para nós.

O objetivo desta pesquisa é refletir sobre o culto do Louvor no cântico do Magnificat. Diversas mulheres na Sagrada Escritura, vivenciaram profundamente o Louvor a Deus e, a exemplo delas temos Maria “a mulher do Louvor por excelência”, Louvor este que faz crescer a fé em Cristo Jesus, verdadeiro Deus e Verdadeiro homem, sendo ele o real centro e ápice da fé cristã. Por isso, é necessário dizer, que o Magnificat é de suma importância para todos nós, principalmente neste tempo que estamos vivendo. O Louvor de Maria é importante, sim, para a elaboração da fé cristã, porém, devemos saber de antemão que Lucas colocou na boca de Maria o cântico de Ana, a mulher do antigo testamento, que reconheceu a grandeza de Deus em sua pequena vida.

Primeiramente, apresentaremos um panorama sobre a Mulher no Antigo Testamento que supera os textos proféticos que estão em sua origem, revelando na “cheia de graça” o início de uma intervenção divina. Neste primeiro capítulo irei abordar as mulheres na Sagrada Escritura que souberam cantar o magnificat “Aquelas que celebraram a grandeza de Deus”.

Em seguida, apresentamos em linhas gerais que a história da Salvação constitui o desenvolvimento da ação salvadora de Deus através do tempo. Na história da salvação, a figura e a missão de Maria, são entendidas a luz da Sagrada Escritura. Maria é para a Igreja motivo de alegria, pois ela participou direta e intimamente da obra redentora de Jesus Cristo, colaborando na obra da Salvação, quando pelo seu SIM, veio ao mundo o Salvador da Humanidade, Jesus Cristo. E neste capítulo irei descrever o papel dela na história da salvação, demonstrando como a sua vida refletia o Louvor.

Por fim, destacarei o Magnificat como fonte de análise do Louvor de Deus, carisma este, vivido pelo fundador do IMSJS, Padre Gilberto Maria Defina, sjs, cuja vida entregou a Deus este canto. Espero em Deus que este trabalho de pesquisa me faça, antes de tudo, um Religioso mais devoto da Santíssima Mãe de Deus e da Igreja. E que, através desta minha devoção particular, tal qual me ensinou meu fundador, que em tudo eu possa dar Graças a Jesus Salvador.

Capítulo 1

 

O louvor da mulher na Sagrada Escritura

 

1. A figura da Mulher na Sagrada Escritura

A figura da mulher se faz presente em todo o contexto bíblico. Desde o Antigo ao Novo Testamento, as mulheres exerceram relevantes papéis. No Antigo Testamento encontram-se muitas mulheres exercendo importantes funções de liderança e mulheres cheias de virtudes. A figura da mulher está presente onde a vida se mostra fragilizada e ameaçada. Desde o livro de Gênesis com Eva e Sara e em outros livros como: Ana, Judite, Ester e Débora, mulheres fazendo de suas virtudes, parte na história da salvação. Mulheres que experimentaram diante das lutas a firmeza e a resistência.

Nota-se, contudo, que na tradição de Israel sempre existiram as marcas da atuação feminina exercendo uma capacidade forte de resistência e defesa frente ao sofrimento de seu povo.

No Novo Testamento não é diferente, quanto a participação feminina na história da Salvação. Maria Madalena é a mulher cheia de fé, que foi acolhida por seu Mestre, aquela que permaneceu com Jesus ao pé da Cruz, aquela que depositou toda a sua vida aos pés do seu Mestre, aquela que foi a testemunha da Ressureição. Ela soube crer no amor de Jesus, amor tão grande que chegou a regenerar sua pessoa e lhe devolveu toda a sua autoestima e sua vocação.

A Sagrada Escritura tem muitos exemplos de pessoas imperfeitas, mas que ao longo do caminho foram sendo transformadas para cumprir o Plano de Salvação de Deus na Terra. O Antigo Testamento é marcado pela infertilidade enquanto o Novo Testamento inaugura um novo tempo com a fertilidade de Maria, pois ela é o ápice de todas as Mulheres do Antigo Testamento e do Novo Testamento, pois nela se resume todas as virtudes.

E encontramos em Maria a mais importante de todas as mulheres, pois ela possui as virtudes destas santas mulheres já citada acima, mas o que sobressai entre todas as virtudes de Maria é a humildade, pois o seu sim foi um abandono total e confiante na história da salvação (Cf. ARRUDA, 2017, p.48).

Nos próximos tópicos deste referido trabalho, irei descrever e falar um pouco de algumas mulheres que em suas virtudes podemos encontrar traços marianos e traços de louvor em sua vida e em sua história.

 

 

2. Ana: a mulher da confiança.

Ana uma mulher que nos guia na oração de louvor ao Senhor da Vida. Ana teve muitas virtudes, que poderíamos descrever, mas a que melhor caracteriza é a virtude da confiança (Cf.  I Sm 2,1-10).

O que seria essa confiança?

A virtude da confiança é um trasbordamento, um abandono total nas mãos de um Deus que tudo pode realizar, um termo excepcionalmente rico em sentido espiritual, ele significa um abandono inabalável de uma fé inteligente. As palavras originais têm a ver com o coração da religião vital. בּטח, bāṭaḥ, “confiar”; אמן, 'aman, “apoiar,” portanto, confiar (DEFOUR,1970, p.163).

E Ana foi essa mulher que confiou e apoio sua vida em Deus, abandonou-se em total confiança Naquele que tudo podia realizar em sua vida.

Ana, no primeiro livro de Samuel “não é só a mãe do grande profeta Samuel, mas é também aquela que, no seu cântico, quase oferece praticamente todos os elementos e as virtudes espirituais e poéticos para a construção do célebre hino de Maria, o Magnificat”(RAVASI, 2008, p.59).

No primeiro livro de Samuel, é Ana quem canta o hino, depois de oferecer ao Senhor o seu filho, o pequeno Samuel. A vida de Ana foi uma história de sofrimento, porque, como a história nos diz, o Senhor a tinha feito mama estéril.

Vivendo em uma geração onde a esterilidade era sinal de maldição. Carregava em seu corpo e em sua alma a ferida do preconceito e da rejeição da sociedade, bem como as provocações de sua rival, que a perseguia dia e noite com palavras duras que turbavam -lhe a alma em sofrimento e dor. Durante anos teve que viver com a esterilidade, mas nunca desistiu de clamar ao Senhor e nunca se entregou a murmuração (ABDO, 2016, p. 37).

No Antigo Testamento a mulher estéril era considerada um ramo seco, uma presença morta. Ana, também porque impedia que o marido tivesse uma continuidade na recordação das gerações seguintes. No entanto, Ana tinha colocado a sua confiança no Deus da Vida e orou assim:

“Iahweh dos Exércitos, se quiseres dar atenção à humilhação da tua serva e te lembrares de mim, e não te esqueceres da tua serva e lhe deres um filho homem, então eu o consagrarei a Iahweh por todos os dias da sua vida, e a navalha não passará sobre a sua cabeça” (1 Sm 1,11).

Como nos diz o profeta Isaías, Deus ouviu a oração desta mulher humilhada, dando-lhe Samuel: do tronco seco surgiu um herdeiro vivo (cf. Is 11,1). O que era impossível aos olhos humanos, era uma realidade pulsante naquela criança que se consagraria ao Senhor. Na amargura, ela chora e derrama a sua alma diante de Deus; seu sofrimento se torna uma oração de louvor, pois ela sabe expressar a sua gratidão ao se tornar mãe de Samuel: “Eu o pedi a Iahweh” (1 Sm 1, 20). Gerar filhos era um sinal de bênção divina (Cf. Sl 127,3), a incapacidade de gerar filhos frequentemente era vista como um sinal de castigo divino.

O status da mulher na família seria de pouca importância se ela não gerasse filhos. Uma mulher estéril era frequentemente rejeitada, banida ou passada para um status inferior.

O canto de ação de graças que Deus levantará a esta mãe será refeito por outra Mulher no Novo Testamento. A amargura de Ana modificou-se em um Magnificat, revelado na sua oração de louvor e gratidão.

A estrutura do Magnificat no Novo Testamento é moldada sobre o Canto dos Anawin (dos pobres de Iaweh), como se pode ver no canto de Ana, a estéril, que está incluída na série dos Anawin: “O meu coração exulta em Iahweh, meu chifre se eleva a Iahweh, a minha boca se escancara contra meus inimigos. Não há Santo como Iahweh. e Rocha alguma existe como o nosso Deus” (1 Sm 2,1-2).

Pode-se aqui perceber que o cântico de Ana é o cântico do servo e do pobre, que entende o benefício aos que dele são dignos; os que temem a Iaweh. Representa aqui os seus protegidos e os pobres. Podemos, assim, afirmar que os anawin não pertencem aos números dos que são felizes neste mundo, mas Deus reverte essa situação. “Ana, a mulher que era o tronco seco, que sentia amargura, a mulher das lágrimas, cheia de desespero, que se tornou a mulher do herdeiro vivo, a mulher do louvor, do sorriso, da confiança, a mulher do Magnificat” (RAVASI, 2008, p.65).

A história de Ana é o retrato de uma mulher cheia de fé, que tem um relacionamento vivo e sincero com Deus e não renuncia aos bons planos dele para sua vida. Ana era uma das esposas de Elcana, a que ele mais amava. A outra era Fenena; que gerava filhos. No costume da época, era permitido ao marido ter uma segunda esposa caso a primeira fosse estéril. O objetivo era garantir a descendência dele. Seu marido não a rotulava e muito menos a rejeitava como uma estéril, ele a amava tanto que, quando era a época do sacrifício lhe dava uma parte excelente: “Ana, por que choras e não te alimentas? Por que estás triste? Será que eu não valho para ti mais do que dez filhos?” (1 Sm 1,8). Mas não podemos dizer o mesmo de Fenena, a outra esposa de Elcana. Ana nunca demonstrou ter inveja de sua adversária, porque ela soube transformar sua dor em louvor.

Após isso, o primeiro livro de Samuel vai relatar:

 “Elcana conheceu sua mulher Ana, e Iahweh se lembrou dela. Ana concebeu e, no devido tempo, deu à luz um filho a quem chamou Samuel, porque disse ela, ‘eu o pedi a Iahweh” (1 Sm 1,19-20).

O Senhor concedeu o desejo de Ana, alegrou o coração da sua serva e a atitude de Ana é de gratidão e louvor, pois o Senhor escutou o seu pedido e seu clamor.

O cântico de Ana teria sido pronunciado por ocasião da dedicação do menino Samuel, em cumprimento ao voto feito pela sua mãe quando orou a Deus e pediu que lhe desse um filho. O tema central desse canto é o poder de Deus para reverter a sorte das pessoas, mas Cook destaca:

“Que a oração fora proferida por causa da dedicação do filho que, para Ana, era fruto da resposta positiva de Deus ao seu pedido de remoção da esterilidade, as palavras do poema não estariam relacionadas a situação particular de Ana, mas organizadas em torno de uma temática que aponta para um Deus que reverte a sorte de tudo” (COOK,1999, p. 40).

Deste modo, retornemos à oração de Ana: “O meu coração exulta ao IAHWEH, meu chifre se eleva a Iahweh, a minha boca se escancara contra meus inimigos, porque me alegro em tua salvação” (1 Sm 2,1).

Retornamos a essa oração de Ana pois ela se alegra em Deus pelo fato de ter sua oração respondida e correspondida, o que mostra a ela que sua fé não é vazia, sem propósito, inútil, mas que Deus a escutava. Sua resposta diante disso é o louvor, o louvor de uma mulher no Antigo Testamento. Ela é poderosa em Deus! Após humilhações, desprezo e vergonha, pode cantar o seu canto de louvor. Ela proclama, em alto, em alto e bom som, o que o Senhor fez: A minha boca se dilatou sobre os meus inimigos, porquanto me alegro na tua salvação.

Ana declara palavras de vitória sobre seus inimigos:

“Não há Santo como Iahweh (porque outro não há além de ti), e Rocha alguma existe como o nosso Deus.3Não multipliqueis palavras altivas, nem brote dos vossos lábios a arrogância, pois Iahweh é Deus sapientíssimo: cabe a ele pesar as ações.4O arco dos poderosos é quebrado, os debilitados são cingidos de força” (1 Sm 1,2-4)

A confiança de Ana em Deus é levada para outro nível. Ela confia completamente no julgamento do Senhor. Sabe que não há força humana que resista ao poder de Deus. Ela reconhece a soberania do Senhor em tudo. Reconhece que não há causa perdida para Ele. A visão espiritual de Ana é alargada à medida que ela se entrega à oração, e então declara que Deus é poderoso para mudar completamente o nosso futuro, que o Senhor tem compromisso com quem lhe serve. Reconhece, mais uma vez, que o esforço humano não é suficiente para alcançar o favor do Senhor e que não há força humana suficiente para lutar contra Ele.

O cerne do salmo de Ana está onde se confessa o triunfo do Senhor sobre a morte, o seio estéril de Ana, é semelhante a um sepulcro, mas o Senhor pode deste seio-sepulcro fazer germinar a vida (RAVASI, 2008, p.64).

O Louvor de Ana através do cântico é uma relação de confiança com Deus, pois ela precisou  se abandonar na vontade de Deus, e esse abandonar é, antes de tudo, uma atitude de confiança, pois somente quem confia pode abandonar, somente quem sabe reconhecer pode ofertar, e ela soube ofertar o seu tudo. Ana no primeiro Livro de Samuel se torna a mãe do grande profeta Samuel, mas é também aquela que no seu cântico reconhece a grandeza de Deus. É interessante notarmos que Ana não desistiu do seu voto, não adiou, nem alterou em nada, mas cumpriu fielmente o que havia prometido ao Senhor, ofertando seu único filho, “pois do tronco árido de Ana brotou o rebento verdejante”, e esse rebento verdejante é Samuel, o filho que o Senhor havia prometido. (RAVASI, 2008, p.64).

Ana agradou muito a Deus, pois entregou o seu único filho pra Ele, assim como o “Pai entregou o seu Filho unigênito por nós” (Cf. Jo 3,16). Ela soube confiar. No final do seu cântico ela transforma o seu hino em cântico de louvor e de esperança para todos os pobres do Senhor, e assim, conclui-se que Ana vai da amargura de alma ao cântico de vitória, pois como está escrito: “Não há santo como Iahweh; porque outro não há além de ti, e Rocha alguma existe como o nosso Deus” (1 Sm 2,2). E por sua atitude de confiança e da sua entrega, ela pode com seus lábios de Louvor, fazer de sua vida o mais belo poema de Louvor, um hino de exaltação e de vitória, pois ela recebeu de Deus o tudo que ela tanto desejava, e como forma de gratidão ela  devolve o seu tudo ao Senhor.

3.  Judite: A mulher da Humildade

Etimologicamente, a origem da palavra Humildade significa “pouca elevação”, ou seja, uma relação com a ideia de modéstia. A palavra “humildade” tem parentesco com homem e ambas derivam de “húmus”, que significa “solo”, “fecundidade”. (Cf. DEFOUR, 2013, p.426).

Humilde é aquele que está embaixo, perto do solo e, justamente por isso, se arrisca menos a perder o equilíbrio, aquele que tem os pés firmes na terra, a pessoa humilde não pretende ser maior nem menor do que realmente o é. O humilde é aquele que se faz pequeno, o humilde é aquele que reconhece que tudo o que ele tem, recebeu de Deus; como diz o Papa Francisco, a humildade é uma virtude que caminha junto de mãos dadas com a vitória:

A fecundidade de sua existência depende de se oferecer, em espírito de serviço, para realizar o que é capaz na direção do bem dos outros.  A vida sempre ensina, àqueles que se deixam formar por ela, que a humildade é uma virtude que caminha de mãos dadas com a vitória, pois, todos aqueles, que pretensiosamente engrandecem a si próprios, fechando-se às suas próprias fraquezas e limitações, acabam experienciando derrotas e dissabores. (FRANCISCO, 2013, n.198)

Quando nos deparamos com a Sagrada Escritura, não é difícil perceber que ela pretende nos persuadir do bem da humildade e nos afastar do mal do orgulho. Jesus pronunciou estas palavras: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.” (Lc 10,21).

“Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o sobreexaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome, para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra, e, para glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor” ( Fl 2, 6-11).

A virtude da Humildade se expressa na verdade do confronto entre o ser humano, com suas fragilidades e limites, colocado diante do próprio Deus, que não o esmaga nem o destrói, mas o eleva.

 Judite é uma mulher notável cheia dessa virtude, seu cântico também merece atenção quando ela se expressa: “Entoai um cântico a meu Deus com tímpanos, cantai ao Senhor com címbalos, modulai para ele salmo e hino, exaltai e invocai o seu nome” (Jt 16, 1-17).

            O cântico de louvor acima é atribuído a Judite, uma heroína que se tornou o orgulho de todas as mulheres de Israel, porque ela soube demonstrar o poder libertador de Deus num momento dramático da vida do seu povo, através do seu cântico novo. (RAVASI, 2008, p.94).

            Judite é a mulher belíssima, íntegra e forte e com uma humildade sem igual, ela corta a cabeça do grande inimigo de Israel, Holofernes, por isso, diz-se que ela é a prefiguração de Maria, que esmagou a cabeça do inimigo do gênero humano, “o demônio”, que é o próprio mal. Maria se aplica admiravelmente aos elogios dirigidos a Judite pelos habitantes de Betúlia: “Tu és a glória de Jerusalém, tu és o supremo orgulho de Israel, tu és a grande honra de nossa raça! (Jt 15,9).

 Judite foi aquela mulher cheia de humildade ao Senhor Deus e cuja beleza encantava os homens. Permaneceu firme em sua pureza e derrotou o inimigo por causa da sua humildade, ferindo-lhe a cabeça: “Porei inimizade entre ti e a mulher entre a tua descendência e a dela. Ela te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15).

Ainda sobre esta vitória da mulher contra o inimigo, o próprio livro de Judite relata: “Bendito sejas, ó nosso Deus, que hoje aniquilaste os inimigos de teu povo” (Jt 13,17). Por isso, afirma-se que Judite, no Antigo Testamento, prefigura Maria, a “Ó Mulher tão forte, invicta Judite” (COMUNIDADE CANÇÃO NOVA, 2004, p.26), como vai rezar o hino no ofício da Imaculada.

No cântico na liturgia das Laudes, recita-se algo parecido, mas apenas alguns versículos, e novamente podemos enxergar este cântico de Judite no salmo 81:

“Gritai de alegria ao Deus, nossa força, aclamai ao Deus de Jacó. Elevai a música, soai o tamborim, a harpa melodiosa e a cítara; soai a trombeta pelo novo mês, na lua cheia, no dia da nossa festa. Porque é uma lei para Israel, uma decisão do Deus de Jacó, um testemunho que ele pôs em José quando saiu contra aterra do Egito”. (Sl  81,2-5)

Eles convidam a fazer festa, cantando em sintonia de vozes, tocando tamboris e címbalos, para louvar o Senhor que "põe fim às guerras" (Jt 16,2). Esta última expressão, define o verdadeiro rosto de Deus que ama. Trata-se de uma vitória alcançada pelos Israelitas de maneira totalmente surpreendente, por obra de Deus que interfere para os humilhar à perspectiva de uma derrota iminente e total.

A situação descrita pelas palavras de Judite é parecida com outras vividas por Israel, nas quais a salvação chegara quando parecia que já não havia caminhos de salvação. A obra de Deus é muito mais luminosa, porque Ele não recorre a um guerreiro ou a um exército, como outrora, no tempo de Débora (Jz 4, 17-21). Deus se utiliza e serve-se de novo de uma mulher fraca para ajudar o povo que se encontra em dificuldade.

 O seu Louvor põe em grande evidência a sua humildade:  Sua sandália roubou seu olhar, sua beleza cativou sua alma... e o alfanje cortou seu pescoço (Jt 16, 9).  O Louvor de Judite tornar-se-á depois o modelo que permitirá não só à tradição hebraica, mas também à cristã, destaca a predileção de Deus por tudo o que é considerado frágil e débil, mas que precisamente por isso é escolhido para manifestar o poder divino.

Ela é uma figura exemplar também para exprimir o Louvor da mulher, chamada à igualdade com o homem, de acordo com as suas características específicas, a desempenhar um papel significativo no desígnio de Deus.

A saga de Judite é um mosaico de temas, alusões, citações, modelos bíblicos, mas o que destaca em sua vida é a sua humildade, especialmente o da escolha do último e do fraco, para além da relativa inversão das sortes ou dos destinos. O fraco é defendido por Deus e é por isso que prevalece sobre o violento. Como reza a heroína no Capítulo 9: “Tua força não está no número, nem tua autoridade nos violentos, mas tu és o Deus dos humildes, o socorro dos oprimidos, o protetor dos fracos, o abrigo dos abandonados, o salvador dos desesperados” (Jt 9,11)

Algumas expressões do livro de Judite serão adotadas, de modo mais ou menos integral, pela tradição cristã, que verá na heroína hebraica uma das prefigurações de Maria. Não será talvez um eco dos tons de Judite quando, no Magnificat Maria canta (ABIB, 2011, p.15): "Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou" (Lc 1, 52). Por conseguinte, compreende-se como a tradição litúrgica, que gosta de atribuir à Mãe de Jesus expressões que se referem a Judite, como as seguintes:  "Tu és a glória de Jerusalém, tu és supremo orgulho de Israel, tu és a grande honra de nossa raça" (Jt 15, 9). Aqui podemos claramente ver que esta mulher soube encontrar seu lugar, pois atribuiu todo o seu Louvor a Deus.

Em uma outra passagem: "Bendita sejas, filha, pelo Deus altíssimo, mais que todas as mulheres da terra, e bendito seja o Senhor Deus, Criador do céu e da terra, que te conduziu para cortar a cabeça do chefe dos nossos inimigos” (Jt 13,18).  Aqui novamente pode-se perceber o rosto de Maria sobre Judite: “Com um grande grito, exclamou: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre” (Lc 1,42).

Partindo da experiência da vitória, o Louvor de Judite é um convite a elevar a Deus um cântico novo, reconhecendo-o "grande e glorioso". Judite recorda-o com grande ênfase: “As montanhas se agitarão como água desde os fundamentos; as rochas se derreterão como cera diante de tua face; mas, para os que te temem, tu serás, de novo, propício” (Jt 16, 15).

Este cântico de vitória e de humildade não quer amedrontar, mas confortar. De fato, Deus oferece o seu poder invencível em apoio de quantos lhe são fiéis. “Todos esses temas envolvem e iluminam a figura de Maria, cantada pela Igreja como a nova Judite que aniquila a força do mal em nome do seu Senhor. (RAVASI, 2008, p.89).

 O louvor de Judite foi de uma mulher humilde, um louvor de reconhecimento, uma mulher que soube cantar um Magnificat porque ela soube ser pequena. E eis o que ela cantou: “Cantarei ao meu Deus um cântico novo. Senhor, tu és grande e glorioso, admirável em tua força, invencível” (Jt 16,13). 

Judite nos indica que o louvor autêntico é aquele que nasce da fidelidade a Deus e ao seu projeto em que o povo está vivendo. Deus estará sempre com aqueles que lutam para conquistar a liberdade e a vida, procurando destruir toda e qualquer forma de escravidão e morte.

A sua oração de Louvor demostra que foi uma mulher que soube encontrar Graça diante de Deus, pois a sua oração foi tão verdadeira e humilde, que alcançou o coração de Deus. Judite orou com grande insistência a Deus, uma oração intensa, regada a jejum, grande louvor e lágrimas, tirou suas vestes de luto, e vestiu as vestes do Louvor, da alegria, do jubilo, as vestes do Magnificat.

A figura de Judite é aquela de uma mulher que conhecendo e sentindo a opressão dos poderosos sobre seu povo, teve uma coragem fora do comum, e essa coragem veio de uma vida de intimidade, uma vida de Louvor. E assim podemos concluir que a sua humildade foi a virtude responsável por sua vida de Louvor “ Deus ó meu Deus, ouve-me, que sou uma pobre viúva” (Jt 9,4), nesta oração podemos perceber a sua humildade e sua pequenez, ela não tinha nada, não tinha esposo, não tinha um herdeiro, mas encontrou em Deus o seu verdadeiro esposo, encontrou em Deus o seu Único e Necessário. E esta virtude é a grande chave para cantar o Louvor de Deus, envolve e ilumina a figura de Maria, cantada pela Igreja como a nova Judite que aniquila a força do mal pela força do Louvor que é de Deus.

 

4. Débora: uma mulher de Firmeza

A Fortaleza é a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e constância na procura do bem. Ela firma a resolução de resistir às tentações e superar os obstáculos na vida moral.

“A virtude da Fortaleza nos torna capazes de vencer o medo, inclusive da morte, de superar a provação e as perseguições. Dispõe a pessoa a aceitar até a renúncia e o sacrifício de sua vida para defender uma causa justa. É a virtude que levou os santos a testemunhar até a morte as verdades da fé” (POTESXKI, 2018, p.59.)

A Fortaleza é uma das 4 virtudes cardinais do cristianismo e, ela "assegura a firmeza nas dificuldades e a constância na procura do bem, chegando até à capacidade do eventual sacrifício da própria vida por uma causa justa. (CIC, 2000, n.1808.)

E na vida de Débora não foi diferente, por ser uma mulher sabia e temente a Deus ela pode apoiar sua vida na procura do bem. De tal maneira a história como o cântico enfatizam o fato de que Débora é uma mulher cheia da fortaleza.

O cântico de Louvor de Débora marca uma grande crise na história de Israel, pois celebra o seu triunfo sobre os Cananeus, na última posição e investida feitas por estes antigos habitantes para retomar seu país.

Como aconteceu em outros relatos bíblicos, Deus se utiliza e faz uma escolha aparentemente diferente, ele escolhe uma mulher, uma criatura desprezada, mas será ela que ajudara na história salvífica. “Será uma mulher, criatura menosprezada, a dar a Israel a liberdade, será uma mulher a revelar profeticamente a proximidade de Deusa um povo oprimido”. (RAVASI, 2008, p.40).

Na sua dedicação a Deus, Débora passou a ter o discernimento espiritual necessário para julgar as causas mais difíceis que havia no meio do povo e, por isso, acabou se impondo como juíza em Israel. Não eram os homens que reconheciam esta ou aquela pessoa como juiz, mas tudo era resultado de uma vida de comunhão com o Senhor (Cf. CATALAMESSA, 1992, p.52)

E Débora, foi reconhecida por Deus (RAVASI, 2008, p.40), que passou a ser considerada pelo povo como juíza em Israel por causa do seu testemunho e de sua vida espiritual. Débora assume esta grande aventura de libertação, o seu cântico encontra-se no capítulo 5 do livro dos Juízes, e seu cântico é um convite universal à benção do Senhor, e toda as nações da terra são convidados a contemplar a grandeza divina.

O fato de Débora ser chamada no texto de “mulher profetisa” (RAVASI, 2008, p.39), também nos revela algo muito importante: o fato dela se uma profetisa, ter sido elevada a juíza de Israel, não alterou a sua posição na sociedade. Débora alçara uma posição que jamais uma mulher havia obtido e que jamais viria a obter novamente na história de Israel daquele período. No entanto, isto não modificou a sua qualidade de “mulher”.

O cântico de Louvor, é um canto de vitória, ela celebra um ato de guerra santa, na qual Deus, luta contra os inimigos do seu povo, que também são seus inimigos: “Assim perecem todos os teus adversários, Iahweh, aqueles que te amam, sejam como o sol quando se levanta na sua força” (Jz 5,31). Pois ela soube procurar sempre assegura a firmeza nas dificuldades e a constância na procura do bem, chegando até à capacidade do eventual sacrifício da própria vida por uma causa justa.

No cântico em que Débora louva ao Senhor pela vitória, cântico que, como toda obra do gênero no Antigo Testamento, é, na verdade, uma mensagem inspirada pelo Espírito Santo, Débora nos mostra que, enquanto Baraque atraíra os soldados das tribos de Naftali e de Zebulom, a profetisa conseguira o apoio das tribos de Efraim, Benjamim e da meia tribo de Manassés.

Neste cântico, Débora mostra que era uma mulher de Deus, que o Espírito Santo nela repousava, que se tratava de uma pessoa despertada para as coisas de Deus (Cf. Jz.5,12), que não temia falar a verdade e que nem a vitória impedia de considerar as falhas e os acertos de cada um. Era uma mulher com amplo discernimento espiritual e responsabilidade e que sabia bem delinear as responsabilidades de cada um. (CHALLIES, 2013, p.59).  Por isso, tinha condições de julgar Israel, pois agia com imparcialidade, retidão e justiça.

Então o povo de Iahweh desceu às portas: “Desperta, Débora, Desperta! Desperta, desperta, entoa um cântico novo! (Jz 5,12).

Débora cantou um hino de gratidão ao Deus de Israel, e podemos perceber o quão sensível Débora era com as questões políticas e espirituais de Israel. Ela tinha consciência de que o pecado de seu povo havia feito com que Deus permitisse que eles passassem por todo aquele sofrimento. Em seu cântico ela abençoa aqueles que se dispuseram a lutar contra Sísera e seu exército e amaldiçoa as Tribos de Israel que temeram diante do inimigo. Ela termina seu hino com as seguintes palavras: "Assim perecem todos os seus adversários, Iahweh! Aqueles que te amam, sejam como o sol, quando se levanta a sua força."(Jz 5,31).

Débora contribui para a vitória e para a libertação do Povo de Deus, através da sua firmeza (cf. Jz 4; 5), em Maria, com sua proteção e sua firmeza, cuida dos seus devotos do jugo pesado e das paixões desordenadas e lhes garante a vitória completa” (DAMINO, 1957, p. 25). 

A Fortaleza de Débora se tornou em um cântico novo, um cântico de alegria. Débora com seu belíssimo canto, refulge diante de nós, nos seus traços, nas suas virtudes, o rosto da Virgem Maria que por humildade: “foi o Poderoso que fez grandes coisas” (Cf. Lc 1,49). Podemos dizer que o Louvor de Débora e o Louvor de Maria, pois tudo que foi realizado foi por obra de Deus, e as duas souberam reconhecer a grandiosidade de Deus, e nisto podemos afirmar, Débora se tornou a grande mulher do cântico novo, um cântico de firmeza e de reconhecimento.

5. Ester: a mulher Corajosa

Coragem, é a capacidade de agir apesar do medo, do temor e da intimidação, a coragem não significa a ausência do medo, e sim a ação apesar deste. Coragem é a confiança que uma pessoa tem em momentos de temor ou situações difíceis, transformando assim o medo em um verdadeiro ato de Louvor.

E esta virtude encontramos em uma belíssima jovem judia órfã, de uma beleza notável e de uma confiança sem igual. Estar com Deus para ela era sua constante vontade, e que apesar do medo, do temor e da intimidação ela encontrou força em Deus para ir ao encontro do grande leão. Essa belíssima jovem se chama Ester.

Ester aparece de imediato como uma mulher de presença muito bela e de aspecto muito fascinante (RAVASI, 2008, p. 92). Ela é uma jovem forte, não porque lutava com armas, mas lutava em favor dos seus, e sua coragem tocou o coração de Deus e do seu grande adversário. Ela foi escolhida como rainha contra sua vontade, contudo, porque acreditava que Deus tinha um grande propósito com sua eleição, e aqui podemos fazer alusão a virgem Maria quando o anjo Gabriel trouxe a grande notícia que ela seria a mãe do Salvador. Maria não compreendeu a tão linda notícia, mas ela aceitou porque acreditava que Deus tinha um grande proposito (Cf. Lc 1, 26-38).

O que não agradava o coração dessa jovem era o extermínio da sua raça (RAVASI, 2008, p.93), mas sua coragem e sua decisão por Deus, dissipou essa grande ameaça pela sua oração verdadeira:

"Ó meu Senhor, nosso Rei, tu és o Único! Vem em meu auxílio, pois estou só e não tenho outra proteção fora de ti, pois vou expor minha vida. Aprendi desde a infância no seio de minha família que foste tu, Senhor, que escolheste Israel entre todos os povos e nossos pais entre todos os seus antepassados, para ser tua herança perpétua; e os trataste como lhes prometeste. E como pecamos contra ti, nos entregaste nas mãos de nossos inimigos por causa das honras prestadas aos seus deuses. Tu és justo, Senhor! (...) Ó Deus, cuja força a tudo vence, ouve a voz dos desesperados, tira-nos da mão dos malfeitores e a mim, livra-me do medo!" (Et 4, 17k-17m,17y).

Concluída sua oração, Ester apresenta-se diante de Assuero para tentar a sua arriscada missão da salvação do seu povo, e o triunfo da sua oração, resultou em vitória para o seu povo. Ester por ser pequena, soube encontrar forças Naquele que é Grande, e sua oração verdadeira à fez uma mulher cheia de Louvor.

Ester transforma- se em modelo de confiança em Deus e uma mulher cheia de fortaleza, pois sua oração foi de reconhecimento. Ela soube colocar Deus em seu lugar por excelência, e colocou-se como pequena serva, pois não estava fazendo por si, mas por causa do seu povo. E sua oração gerou frutos pois ela conseguiu dobrar o coração do grande Rei: “Ester então alcançou favor na corte de Assuero, isto é, ela conseguiu o agrado necessário para poder sobreviver na corte” (cf. Est 2,17; 5,2). Obviamente isso foi resultado da providência divina, foi resultado de um coração próximo de Deus, de uma vida regada pela oração e o jejum.

Ester faz uma oração sincera, verdadeira e confiante ao Senhor, e é atendida. A Igreja sempre viu em Ester a presença da Virgem Maria.

Não é sem razão que a Liturgia da Igreja celebra a Mãe e protetora do povo cristão com a Primeira Leitura tirada do livro de Ester 5,1b-2;7,2b-3 que no Brasil lê-se na Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

Uma das virtudes vividas em grau heroico pela Virgem Maria e Ester é a Coragem de assumir os planos de Deus. A Coragem é a marca daquela que soube assumir os planos de Deus.

Com efeito, Nossa Senhora, em razão de sua colaboração na missão de seu Filho e pela ação do Espírito Santo, combina em si uma ditosa pluralidade de virtudes humanas: “Na pessoa da Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já aquela perfeição, sem mancha nem ruga, que lhe é própria” (CIC, 2000, n. 829). A Coragem e as outras virtudes coexistem e superabundam em favor da sua missão. De fato, como afirma o Catecismo da Igreja Católica:

“Ao longo da Antiga Aliança, a missão de Maria foi preparada pela missão de santas mulheres. (...) Deus escolheu o que era tido por incapaz e fraco para mostrar a sua fidelidade à promessa feita: Ana, a mãe de Samuel, Débora, Rute, Judite e Ester e muitas outras mulheres. Maria é a primeira entre os humildes e pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de Deus” (CIC, 2000, n.489).

Dentre estas Santas Mulheres, a Rainha Ester soube reconhecer a Deus, soube dar a Ele o que era Dele, ela pode na sua vida Louvar a Deus, e Maria viveu de forma perfeita esse Louvor de Deus. Não é à toa que ambas são vistas como “Rainha”. São duas mulheres que protegeram com Coragem o seu povo. Ester foi “padroeira” de Israel.

“Ester por sua sábia atitude, conseguiu livrar seu povo do extermínio, devolvendo-lhe a esperança. Maria é padroeira de todas as nações, aquela que inclusive apareceu aos pobres pescadores que serviam aos nobres de Aparecida, devolvendo-lhes a alegria da vida” (BENNERT, 1995, p. 460).

A história de Ester nos faz tocar na soberania de Deus que cumpri os seus propósitos, ainda que isto coloque em risco a nossa própria vida, mas tudo isso devemos fazer em espirito de oração, pois somente uma pessoa como Ester que se debruçou na Palavra de Deus pode encontrar a coragem de vencer  o grande Leão.

Ester, com a sua atitude, passou para a história como símbolo de fidelidade, de resistência e de fé. Ela libertou o povo oprimido, devolvendo a esperança e a alegria a seu povo, que, com pavor, esperava o dia da morte. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica:

“Serão sobretudo os pobres e os humildes do Senhor os portadores desta esperança. As mulheres santas como Sara, Rebeca, Raquel, Míriam, Débora, Ana, Judite e Ester conservaram viva a esperança da salvação de Israel. Maria é a imagem puríssima desta esperança”. (CIC, 2000, n. 64).

Ester foi mulher de grande fidelidade porque nunca esqueceu seu povo e seu Deus. Mesma tornando-se Rainha de um povo com cultura e práticas religiosas diferentes das suas, Ester optou por permanecer fiel às suas origens, temente a Deus e cumpridora de Seus mandamentos. A Bíblia sentencia que sua fidelidade era tamanha afirmando que “Ester não mudou de conduta” (Est 2,20).

Santo Afonso Maria de Ligório nos diz: “que se Assuero, por amor a Ester, lhe concedeu a salvação dos judeus; como poderá, então, Deus, cujo amor por Maria é sem medida, deixar de ouvi-la quando pede pelos pobres pecadores, que a ela se recomendam?” (Cf. LIGÓRIO, 1989, p.38).

Com a vida de Ester podemos aprender, que a virtude da coragem e do Louvor é o caminho de salvação individual e comunitária. Ela é nosso modelo porque reza clamando a Deus por sua salvação e dos seus, para viver sua vida como um Louvor de Deus, ela teve que viver uma vida de intimidade, “viver como cidadão do céu, como aqueles que vivem nesse mundo sem ser do mundo, pois a figura deste mundo passa. “(Cf. 1 Cor 7, 31), e na vida desta grande jovem, enxergamos que ela soube viver aqui na terra, aquilo que ela iria viver na eternidade, Louvando a Deus.

Encontramos nas virtudes destas santas as mulheres as virtudes da confiança, da humildade, da firmeza e da coragem, virtudes essas que são caminho seguro, pois são uma disposição habitual e firme de fazer o bem, e o homem nasceu para fazer o bem. Do Gênesis, primeiro livro da Bíblia, quando Deus fala: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn 1,26), portanto, nascemos para cuidar bem das coisas que Ele criou para nós e para viver bem uns com os outros. Nascemos para cultivar e praticar a virtude, que é a boa vontade de sempre fazer o bem, e podemos encontrar em Maria todas as virtudes das santas mulheres do Antigo Testamento que encontraram e souberam reconhecer o seu lugar, e reconhecer a grandeza de Deus. Elas experimentaram em sua vida o Louvor de Deus, toda a vida destas mulheres são reflexo do perfeito Louvor, pois bem,  em Maria  podemos encontrar a mulher de todas as virtudes como afirma o Concilio Vaticano II: “a santidade iminente de Maria que refulge para toda a comunidade dos eleitos como exemplo de virtudes” (PAULO VI, 1964 n. 65). Porém, nós podemos nos perguntar qual a maior virtude de Maria? Se nela brilham de maneira fulgurante todas as virtudes em especial a fé, a esperança e a caridade, que são virtudes teologias, qual seria a maior? “A maior virtude de Maria sem dúvida foi o desprendimento e a total disponibilidade a Deus” (PAULO VI, 1964 n. 65). E ainda, quando ela agradece ao Senhor, vai exclamar: “…olhou para a humilhação de sua escrava” (Lc 1,48).

Maria é a mulher do Louvor. Ela, é o ápice de todas as mulheres do Antigo e do Novo Testamento, pois nela se resumem todas as virtudes. E as virtudes de Maria podem ser encontradas de forma concreta nas Sagradas Escrituras, uma mulher que fez da sua vida um caminho de Louvor, e em Sua vida encontramos e experimentamos o que é ser Louvor de Deus.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 2

 

Maria: Vida que louva

 

1. Louvor na Sagrada Escritura

A expressão Louvor é muito utilizada na Sagrada Escritura, tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo Testamento, podendo ser compreendido como um elogio, um ato de agradecimento a alguém, um cântico de ação de graças que prestamos a Deus. Podemos dizer que é o reconhecimento de sua grandeza por tudo aquilo que Ele é; é um modo de reconhecer  as maravilhas que seu amor realiza e continua realizando; é uma experiência profunda, íntima e pessoal do homem com seu Criador; é a resposta daquele que ama a Deus e que ao contemplar esse amor, canta, com gratidão uma resposta livre: “Eu te louvo ó Pai, Senhor do céu e da Terra” (Lc 10,21).

“A partir de uma perspectiva cristã, é claro, somente o próprio Deus que é verdadeiramente digno de toda honra possível, por isso não é de se estranhar que na maioria das Bíblias, a palavra “adoração” esteja ligada ao culto a Deus. O Louvor é a resposta mais adequada de todos os seres morais e sensíveis a Deus, atribuindo de maneira agradável toda a honra e valor ao seu criador precisamente porque Ele é digno” (KEKKER, CARSON, 2017, p.18).

Sabemos que é Deus que impele o homem a louvação, é Deus que faz com que o homem tome consciência de sua própria pequenez e reconheça o quanto ele é dependente da grandeza Dele, pois é através desse Louvor de reconhecimento que o homem declara que Deus é Deus.

Louvamos nosso Deus, porque Ele é digno, e o que deve tornar o louvor mais digno, é quando o Louvamos por sua grandeza portentosa, ou seja, reconhecer aquilo que Deus é na sua essência, e com isso o louvor se torna algo excelente, e o nosso louvor deve brota de uma intimidade com Deus pela oração, pois a oração nos faz amigos Dele.

“O louvor é a forma de oração que reconhece o mais imediatamente possível que Deus é Deus! Canta-o pelo que Ele mesmo é, dá-lhe glória, mais do que pelo que Ele faz, por aquilo que Ele É. Participa da bem-aventurança dos corações puros que o amam na fé antes de o verem na Glória. Por ela, o Espírito se associa nosso espírito para atestar que somos filhos de Deus, dando testemunho ao Filho único, em quem somos adotados e por quem glorificamos o Pai. O louvor integra as outras formas de oração e as levar Àquele que é sua fonte e termo final: "O único Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos feitos" (1 Cor 8,6). (CIC, 2000, p. 2639).

 O Louvor integra o homem e o impele para reconhecer a grandeza de Deus, pois este Louvor é o mais puro reconhecimento da santidade de Deus e de Seu Senhorio sobre a criação inteira. É profissão de fé no Deus que é amor, misericórdia e compaixão. A melhor definição que podemos relatar sobre Louvor é sobre os comentários dos salmos de Santo Agostinho: “Quereis cantar louvores a Deus? Sede vós mesmos o canto que ides cantar. Vós sereis o seu maior louvor, se viverdes santamente” (AGOSTINHO, 1988, p. 238), esta expressão de jubilo é a verdade que deve brotar de uma alma que reconhece seu Senhor, e isso é um verdadeiro hino de Louvor. Santo Agostinho nos leva a esta dimensão de que cantar não é simplesmente um conjunto de notas ou melodia, mas sim uma ferramenta poderosa de jubilo, que levar o próprio coração ao louvor de Deus. “O louvor é necessário para conhecer Aquele que se Louva, pois com esse louvor se efetiva a presença daquele que estava ausente, e, aquele que não O louva, corre o risco de não efetivá-lo.” (CARSON, 2017, p.117). De fato, aquele que não O louva com a devida verdade, corre o risco de serem palavras vazias, um louvor infértil, um louvor sem reconhecimento. Pois Louvar bem a Deus é louvar com júbilo, o louvor de jubilo deve ser direcionado apenas para aquele que O merece, senão diante do Deus. O louvor de jubilo, é o louvor dos pequeninos, somente aquele que se faz pequeno, sabe reconhecer a grandeza de Deus. (Cf. Sl 8,3). O nosso louvor deve ser contínuo, sem pausa, nossa gratidão deve se em todos os momentos, pois o louvor de Deus nos salva, pois o louvor é a resposta do nosso coração ao amor de Deus.

“Qual a língua que aguenta o dia inteiro cantar o louvor de Deus? Agora mesmo o sermão foi um pouco mais comprido, e ficastes cansados. Quem permanece o dia inteiro a louvar a Deus? Sugiro um remédio, para louvares a Deus o dia inteiro, se quiseres. Seja o que for que fizeres, faze-o bem, e louvaste a Deus. Quando cantas um hino, louvas a Deus; o que faz tua língua se tua consciência também não louvar? Paraste de cantar um hino e sais para tomar a refeição? Não te embriagues e louvaste a Deus. Vais embora para dormir? Não te levantes para fazer o mal, e louvaste a Deus. Estás negociando? Não defraudes, e louvaste a Deus. Cultivas um campo? Não abras um pleito, e louvaste a Deus. Prepara-te com a inocência em tuas obras a louvar a Deus o dia inteiro” (AGOSTINHO,1988, p. 291).

Santo Agostinho, afirma neste sermão, que existe um remédio para louvar o dia inteiro, esse remédio é fazer o bem, fazer boas obras, preparar o coração para bem louvar aquele que é o motivo do nosso júbilo. Pois o sacrifício de louvor, de acordo com a Sagrada Escritura, é o fruto dos lábios que confessam o nome do Senhor Jesus Cristo (Cf. Hb 13,15). 

As Escrituras nos mostram, várias passagens que nos faz mergulhar na profundidade do Louvor: “Eu te celebro, Iahweh, de todo coração, enumero todas as tuas maravilhas” (Sl 9,2) ;  “Cantai-lhe um cântico novo, tocai com arte na hora da ovação” (Sl 33,3) ; “Povos todos, batei palmas, aclamai a Deus com gritos de alegria” (Sl 47,1) ; “Aclamai a Iahweh, terra inteira, dai gritos de alegria” (Sl 98,4) “Levantai vossas mãos para o santuário e bendizei a Iahweh” (Sl 134,2) ; “Louvai-o por suas façanhas, louvai-o por sua grandeza imensa (Sl 150, 2) ;”Falai uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor em vosso coração, sempre e por tudo dando graças a Deus, o Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. (Ef 5,19-20) e o cântico do Magnificat que podemos perceber que do início até o fim, é um cântico de Louvor “Minha alma engrandece o Senhor e meu espírito exulta em Deus meu Salvador” (Lc, 1,46).

 Como podemos perceber, a palavra Louvor é basicamente uma expressão de admiração, exultação, reconhecimento, em seu sentido mais amplo, também inclui uma expressão de gratidão e ações de graças por favores recebidos. Mas devemos também reconhecer e engrandecer ao Senhor belos bens que não recebemos, pois nosso louvor não é troca, ou um acordo, mas reconhecer sempre a grandeza de Deus.

“Contudo, as formas mais puras de louvor não incluem agradecimentos ou gratidão. São em essência expressões de admiração e adoração ao objeto de louvor, independentemente do fato de favores haverem sido recebidos ou não, sempre devemos reconhecer a grandeza portentosa de Deus, mesmo não recebendo de suas mãos aquilo que desejamos” (Cf. CARSON, 2017, p. 75).

E esse Louvor podemos encontrar em vários momentos na Sagradas Escrituras, desde o Antigo até o Novo Testamento, como foi relatado acima, com alguns trechos da Sagradas Escrituras.

A Sagrada Escritura do Antigo ao Novo Testamento, mostram de modo progressivo e mais claro, o papel da Mãe do Salvador na história da salvação, pois é pela Sagrada Escritura que poderemos nos alimentar do Sim fecundo de Maria e toda a obra de Salvação que Deus fez por meio dela.

2. Maria nas Sagradas Escrituras

            “Os livros do Antigo Testamento descrevem a história da salvação na qual se vai preparando lentamente a vinda de Cristo ao mundo” (PAULO VI, 1964, n.55).  À luz do Novo Testamento, a Igreja interpretou algumas passagens do Antigo Testamento cujo significado permanecera oculto. Isaías, por exemplo, havia anunciado: “Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um filho” (Is 7,14). Essa profecia só pôde ser entendida quando o Espírito Santo desceu sobre Maria e, pelo poder do Altíssimo, Ela concebeu o Filho de Deus (Lc 1,35). Maria encontra-se já profeticamente apresentada na promessa da vitória sobre a serpente (Gn 3,15), feita aos primeiros pais caídos no pecado, Ela é, igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho, cujo nome será Emmanuel (Is. 7,14; Mt. 1, 22-23). É a primeira entre os humildes e pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de Deus.

Em todos os Evangelhos a Mãe de Jesus se faz presente, no entanto, o que mais destaca, e não se contém em colocar a Virgem Santa Maria como protagonista, em algumas passagens, é o evangelista Lucas, desde os primeiros capítulos de sua narração até ao fim, Nossa Senhora fala, medita, interpela, preocupa-se, caminha rapidamente, enfim, é uma figura altíssima e ativa.

No diálogo com o Arcanjo Gabriel, quando Ela, pronunciando uma palavra, concebeu o Verbo de Deus (Cf. Lc 1,35), na sua resposta ao anjo, a Santíssima Maria ensinou-nos que a única resposta aos desígnios de Deus é o “Sim”. Em sua visita a Santa Isabel, na qual, ao ouvir a voz de Maria, João Batista estremeceu de alegria no ventre da mãe, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Nossa Senhora é proclamada “bendita entre todas as mulheres” (Lc 1,42) e feliz porque acreditou (Lc 1,45), e logo engrandece o Senhor porque olhou para sua humildade e fez nela maravilhas, por isso todas as gerações hão de chamá-la bem-aventurada (Lc 1,48-49). Desse modo, tornou-se exemplo ao mesmo tempo de humildade e grandeza. Nas bodas de Caná pede ao Filho que realize um milagre em favor dos noivos, pois eles não têm mais vinho, aqui a Virgem Maria aparece como onipotente intercessora e caminho até seu Divino Filho: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5).

“Este divino mistério da salvação é-nos relevado e continua na Igreja, instituída pelo Senhor como Seu corpo; nela, os fiéis, aderindo à cabeça que é Cristo, e em comunhão com todos os santos, devem também venerar a memória «em primeiro lugar da gloriosa sempre Virgem Maria Mãe do nosso Deus e Senhor Jesus Cristo” (PAULO VI, 1964, n. 52).

Maria já havia decidido manter-se virgem ou, pelo menos, desejava a virgindade. Este seu propósito de virgindade, está dentro do contexto que devemos estabelecer a pergunta de Maria: “Como se fará isso, pois não conheço homem?” (Lc 1, 34). O Papa João Paulo II explica:

“Maria é a Virgem que pergunta para poder compreender e acolher a palavra de Deus em toda a sua plenitude. Pergunta, para fazer daquilo que escuta a verdade da sua vocação, a fim de que se torne sua opção no presente e para o resto da vida. Maria pergunta por que é humilde: ela se encontrou de repente diante da infinita majestade do Altíssimo, o três vezes santo e, portanto, pergunta para conhecer até ao fim a vontade de Deus, desejando assim compreender-se a si mesma na palavra que lhe é dirigida pelo mensageiro divino” (JOÂO PAULO II, 1992).

Maria cresceu na profundidade da Palavra e a cada passo do seu diálogo com o Anjo, ela penetrou intensamente na Palavra ao longo da sua peregrinação terrena. Maria como modelo de Igreja cresceu na intimidade da Palavra, meditando-a com humildade e paciência, pois tudo que ela ouvia, ela guardava e meditava em seu coração (Cf. LC 2,19). Diz o Catecismo que, “graças à assistência do Espírito Santo, a compreensão tanto das realidades como das palavras do depósito da fé pode crescer na vida da Igreja pela contemplação e estudo dos que creem, os quais as meditam em seu coração”. (CIC, 2000, n.94). Com efeito, Maria se fez serva e discípula da Palavra até conceber no seu coração e na sua carne o Verbo feito homem.

A Mãe de Jesus também é comparada à Arca da Aliança, da qual Deus falava a Moisés (cf. Ex 25, 10-22). A Arca da Aliança era de madeira preciosa e incorruptível. Maria é a Arca da Nova Aliança, que foi sempre imaculada e seu corpo puríssimo foi preservado da corrupção do sepulcro. Como a Arca era revestida inteiramente de ouro, Maria era animada pelo fogo da caridade divina, que entre as virtudes é o mesmo que o ouro entre os metais. “Na Arca estavam guardados um jarro de maná, as tábuas da Lei e o báculo de Arão. Maria guardou em seu seio Jesus Cristo, o verdadeiro pão vindo do Céu, o sacerdote do Novo Testamento” (DAMINO, 1945, p. 22).

No Livro do Apocalipse de São João: “Um sinal grandioso apareceu no céu: uma Mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doe estrelas”. (Ap 12,1) Trata-se, de acordo com João, de uma Mulher. Ela deu à luz um filho, um varão que regerá todas as nações com o cetro de ferro.  (Ap 12,5). Nota-se que este parto se trata de um grande sinal. Este é o mesmo sinal que Isaías narrou para Acaz sobre o nascimento de Jesus: “Pois sabei que o Senhor mesmo vos dará um sinal, eis que a jovem, está grávida, e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel” (Is 7,14). O texto mostra o intuito de demonstrar a identidade e a história desta Mulher, marcada pela inimizade para com o demônio. Tradicionalmente, “a Igreja aplica este primeiro versículo à própria Mãe de Deus em todo o esplendor após sua santa Assunção” (Cf. PIO XII, 1950, n.27)

Assim, as gloriosas mulheres do Antigo Testamento são imagens da Mãe de Cristo. Nossa Senhora, por vontade do Pai e por obra do Espírito Santo, foi templo santo do Filho Jesus (cf. Lc 1, 26-38). Por sua cooperação no mistério da salvação, Maria tornou-se nossa Mãe na ordem da graça (PAULO VI, 1964, n. 61), Mãe da Igreja. Depois de elevada ao céu, Maria não abandonou esta missão salvadora. “Com a sua intercessão, ela continua a alcançar-nos.  Maria, pois, é aquela que acolhe a Palavra de Deus. Ressalta-se que, em toda a Bíblia, Maria é a única que recebe o título de Cheia de Graça”. (Cf. VIANELLO, 2018, p. 56).

Diante desse chamado, Maria se considera a “serva do Senhor”, totalmente disponível diante do plano de Deus. Maria é modelo de Louvor em toda a Sagrada Escritura, seja por meio das mulheres que prefigura Maria, seja por ela própria no Novo Testamento. Se pensamos na parábola do semeador e da semente (cf. Lc 8, 4-18), podemos dizer que o coração de Maria é a terra virgem, a terra boa preparada para a acolher a semente da Palavra. De fato, no íntimo do seu coração, Maria é pura receptividade em relação à Palavra de Deus.  pois em sua vida o que melhor ela soube fazer, foi cantar os Louvores de Deus. “Assim Maria é modelo e mestra da Igreja na escuta da Palavra. Isto vale sobretudo para a Sagrada Liturgia que é o diálogo do Esposo com a Esposa, isto é, de nosso Senhor Jesus Cristo com a Igreja” (OROZCO, 2016, p.198), um dos momentos essenciais que é a escuta da Palavra de Deus.

Por isso, o exemplo de Maria nos faz compreender que a escuta da Palavra Divina nos faz assimilar e compreender a Vontade de Deus, e assim podemos concluir que a figura da mulher, “aqui podemos dizer Maria”, é indispensável para a estrutura da fé bíblica, pois ela é a mulher que pela escuta da Palavra, soube corresponder em o que seria uma vida entregue ao Louvor, pois ela é para todos nós, modelo de Louvor de Deus, de Santidade, de Espírito Missionário e Evangelizador

 

3. Maria: Vida que Louva

A mais bela oração é a de louvar a Deus, pelo que Ele é, reconhecer sua grandeza infinita, seu poder absoluto e seu amor sem limites, pois essa oração nos motiva a reconhecer que é uma necessidade da alma, pois foi Ele por sua onipotência, onisciência, onipresença, perfeição, majestade, eternidade que nos trouxe a essa vida de Louvor, e por isso Ele tem direito de receber de todas as suas criaturas o louvor permanente, por uma razão muito simples, foi Ele quem as criou. Na eternidade louvaremos a Deus sem cessar, pois a vida eterna consiste em louvar a Deus.

Mas não é possível louvar a Deus sem conhecê-Lo, só quem o conhece pode reconhecer a sua grandeza portentosa. Maria foi aquela que soube Louvar, que soube reconhecer, que carregou o perfeito louvor em seu seio, e foi em seus braços que olhou nos olhos Daquele que é o Verdadeiro Louvor, tudo porque ela muito amou, muito se entregou, pois o Louvor  é a expressão primeira  de entrega,  e essa entrega foi a vida de Maria, uma mulher que em tudo encontrou a felicidade, a felicidade de entregar o seu tudo, uma vida ofertada ao Louvor. Santo Agostinho dizia que:

“Nossa meditação é uma espécie de treino no louvor do Senhor. Se a felicidade da vida futura consiste em louvar a Deus, como poderemos louvá-lo se não fomos treinados? Louva e bendiz ao Senhor todos e em cada um dos teus dias para que quando venha esse dia sem fim, possas passar de um louvor ao outro sem esforço” (RUBIO, 1996, p. 194).

Expressão maior de uma vida que louva é o sacrifício que se dá na cruz (Kenosis). A Paixão, morte e ressurreição de Jesus é oferta de louvor, é entrega para a glória do Pai, para que todos saibam que é Ele o Deus verdadeiro (Cf. Jo 17,3). Maria de modo algum rompe com o os projetos de Deus, aquilo que Jesus sofria na carne, ela porém sofria na alma, pois era mãe, mas ela acolhe tudo como vontade de Deus, mesmo com a espada sendo transpassada sua alma na profecia de Simeão (Cf. Lc 2,35), a sua vida era voltada para o Louvor de Deus, ela soube transformar a sua dor em Louvor, isso é vida que Louva, encontrar no sofrimento uma resposta de Deus. “Pois o louvor supõe uma disponibilidade à escuta da palavra de Deus e a capacidade de discerni-lo em suas ações e suas obras” (LACOSTE, 2004, p. 1052). E Maria é aquela mulher atenta aos planos de Deus, ela teve a capacidade de discernir tudo em Deus, e a capacidade de ouvir e discernir vem de uma vida abandonada ao Louvor.

Em Maria reconhecemos essa vida que Louva, pois é um caminho de união interior e exterior, de alma, mente e corpo, ou seja, é uma vida entregue a Deus. É uma vida que se derrama ao amor de Deus e existimos para amar primeiramente a Ele: e ela foi escolhida para o louvor de Deus. No reconhecimento de sua verdade mais íntima, Maria reconhece a sua pequenez e dependência de Deus e, somente assim, é capaz de louvá-lo e enaltecê-lo por seu amor, afinal: “que é o homem, Senhor, para vós? Por que dele cuidais tanto assim?” (Cf. Sl 143, 3). E o cuidado de Deus por Maria, foi escolhê-la para ser mãe do seu Filho único.

O perfeito Louvor de Maria se deu na cruz como transbordar da sua entrega onde ela entregou sua vida, entregou seu filho aos cuidados de Deus, pois o perfeito Louvor é dado pelos lábios dos mais pequenos (Cf. Sl 8,3) e Maria foi essa pequena serva, dos lábio pequenos, porque pouco falou, mais muito louvou “o louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e a força” que “pertencem ao nosso Deus pelos séculos dos séculos. Amém!” (Ap 7, 12).

Maria é modelo de Louvor, pois, ela é aquela que quer viveu o louvor da glória de Deus, Maria é modelo do anúncio profético da Igreja e para a Igreja. O “Magnificat”, cantado por Ela, expressa tudo isso. O “Magnificat” é o verdadeiro kairós, um tempo novo instaurado na história. E neste cântico de louvor podemos perceber a docilidade de Maria aos projetos de Deus:

"Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus em meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. Seu nome é santo e sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles que o temem. Agiu com a força de seu braço. dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia conforme prometera a nossos pais em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre!" (Lc 1, 46-55).

Para onde está voltado o olhar de Maria? Totalmente fixado em Deus. Aquela, que acreditou, está com o olhar totalmente voltado para o Todo-poderoso, à vida de Maria foi um contínuo louvor, porque a sua vida estava voltada para Deus Pai e dessa forma, Maria sente-se no “Magnificat”, olhada por Deus e, ao mesmo tempo, pequena. Maria sente-se olhada e alcançada pelo amor de Deus, essa é a experiência do autêntico louvor.

O louvar de Deus  não é somente um ato de agradecer por coisas ruins ou boas que nos acontecem, mas aquele que louva reconhece que Deus é bondoso, misericordioso e nunca nos abandonara, esse ato de Louvar, é um ato de abandono, de entrega e de virtude, pois o louvor não é nosso, ele é de Deus, e em Maria percebemos que sua vida, foi um total abandono a vontade de Deus, ela não quis aparecer por ser Mãe do Filho de Deus, mas soube ser pequena e reconhecer que tudo era de Deus.

4. Virtudes de Maria 

Falar de Maria, relacionada às virtudes, nos remete a uma questão teológica bem profunda, ou seja: falar de Maria e a ação do Espírito Santo nela. “Existem as virtudes naturais que se adquirem e as virtudes sobrenaturais, que são infundidas e doadas, como fruto da graça de Deus agindo na pessoa”. (CIPOLINI, 2012) Desde a origem da história do Povo de Israel, na teofania do monte Sinai, até em Pentecostes, o Espírito é o mesmo: força de Deus presente como promessa e uma realidade de salvação, que se concretiza para gerar vida e vida em abundância. Jesus sem dúvida é aquele que recebeu a plenitude do Espírito Santo, como esta escrito no livro do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Iahweh meu ungiu…” (Is 61,1),  e em seguida diz: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” ( Lc 4, 20).

Porém o Espírito Santo está em Maria, pois ela recebeu a força do Espírito Santo:

“Maria então é aquela que foi envolvida por Deus a partir de dentro, “o Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com sua sombra” (Lc. 1,35) – ela concebe o filho de Deus – e a partir de fora: ela está envolta na força de Deus, “Alegra-te cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc 1,28).  (Cf. PAREDES,1984, p. 70)

Esse apelativo de Graça, Maria se torna sinal permanente da graça de Deus entre todos os homens, pois nela encontramos o modelo de benevolência, que permanece constantemente até os dias de hoje.

“O nome de graça é acompanhado por uma frase singular: “O Senhor é contigo”. Dos grandes personagens do Antigo Testamento se dizia nas Escrituras que “o Senhor estava com eles (...) com esta expressão se queria dizer que poderiam realizar sua importante missão no povo porque Deus, presente dinamicamente neles, os protegera, ajudaria, livraria e procuraria que fossem abençoados e tivessem êxito” (Cf. PAREDES,1984, p. 61)

E Maria foi essa mulher cheia de graça, que foi acompanhada por Deus durante toda sua missão, e Deus a protegeu para cumprir o seu projeto de Salvação, ela recebeu uma graça especial que é à força do Espírito Santo, onde seria toda envolvida pela sombra do Altíssimo.

O Concílio Vaticano II ressalta a santidade iminente de “Maria que refulge para toda a comunidade dos eleitos como exemplo de virtudes” (LG, 1965, n. 65). Maria como ressalta o Concilio Vaticano é o exemplo de todas as virtudes, e nela encontramos as virtudes das grandes mulheres do Antigo Testamento, ela foi uma mulher confiante como Ana, Humilde como Judite, firme como Débora e corajosa como Ester, mas a sua maior virtude sem dúvida foi o desprendimento e a total disponibilidade a Deus: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1, 38), aqui podemos dizer que ela proclamou o Louvor de Deus em sua vida, ela soube reconhecer o seu lugar, e reconhecer o Lugar Daquele que a chamava para sua missão, e ainda mais, quando ela agradece ao Senhor, vai exclamar: “…olhou para a humilhação de sua serva” (Lc 1,48), se fez pequena, somente quem se faz pequeno, pode cantar os Louvores de Deus. Maria é, portanto, “o molde com o qual Deus quer formar os seus santos, é a forma que somos lançados para adquirir o formato e a figura de Jesus”. (MONTFORT, 2013, p. 214).

Maria acredita na Palavra de Deus, porque ela lançou sua vida em Deus, no episódio da visitação, Isabel proclama a virtude de Maria, “Feliz aquela que creu” (Lc. 1,45), encontramos nesse lançar-se de Maria, e aparece o primeiro cântico que saiu de sua boca:

O Magnificat (Minha alma engrandece o Senhor: Lc 1,46-56). Aliás, é interessante falar da presença dela nos outros dois cânticos de Lucas: O Benedictus (Bendito seja o Senhor Deus de Israel: Lc 1,67-79), proclamado por Zacarias, pai de João Batista; e o Nunc dimittis (Deixai, agora, vosso servo ir em paz: Lc 2,29-32).  (PAREDES, 1984, p. 76),

Esses cânticos, que tiveram Maria como protagonista (o Magnificat) ou como testemunha (o Benedictus e o Nunc dimittis), tornaram-se, hoje, na Liturgia das Horas, a oração da Igreja, portanto, Maria é modelo de virtudes a ser seguido.

Maria, pelo magnificat soube reconhecer-se como humilde serva, sentia-se pequena do Senhor, sem vaidade nenhuma se entregou ao Senhor os louvores que recebia e não havia nada em seu coração que permanecesse nela. Sua simplicidade, e seus atos eram feitos no silêncio e no escondimento. A humildade de Maria é a principal virtude, pois pela sua humildade ela soube encontrar graças diante de Deus. Ela se alegrava em servir ao próximo e se colocava sempre em último lugar, e isso se chama virtude.

“A humildade não teve jamais que reprimir nEla o menor primeiro movimento de orgulho ou de vaidade, mas A conduzia ao ato próprio desta virtude, a reconhecer que por Ela mesma nada podia e nada representava, sem a graça, na ordem da salvação. Assim inclinava-se Ela diante da infinita majestade de Deus e diante do que dEle havia em todo ente criado. Mais do que qualquer outra criatura. Ela pôs sua grandeza em Deus. (DIAS, 1997, p.476).

Este desprendimento e total disponibilidade de humildade é a expressão de quem está como a terra (húmus), em total disponibilidade para que sobre ela tudo se faça. Através de sua entrega total, de esvaziamento, confiando de maneira absoluta na palavra e em Deus, é a virtude de Maria que fica em evidência. A oração de Maria, portanto, foi sempre está: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).

 Portanto, em virtude do que foi mencionado, o Louvor é um reconhecimento total e um abandono a vontade de Deus, o Louvor de Deus no que foi abordado até ao presente momento é uma resposta através do sim de Maria. A Mãe de Jesus, sempre foi modelo de discípula com a mais autêntica espiritualidade cristã. Maria como modelo de Louvor, nos ajuda todos a crescer na fé, nos faz mais reflexivos e atentos à vontade de Deus. “Cantar o Louvor de Maria é redescobrir a identidade de Maria” (BROWN, 1985, p.185), servidora fiel de Deus que realiza maravilhas, em favor dos descendentes de Abraão (Lc 1,55). Maria vida que louva é objeto de estudo e reflexão neste capítulo, e é uma referência da espiritualidade mariana, pois o louvor de Maria é recitado pelas mais variadas formas dentro a Igreja, o Louvor de Maria é uma expressão poética do itinerário espiritual, pois Maria louva o Senhor que a escolheu para a missão de gerar o Messias. Maria canta o Magnificat, e ela é a mesma Mulher humilde de Nazaré que, ao receber do anjo a notícia das maravilhas do Todo-Poderoso, assume a condição de servidora do Senhor (cf. Lc 1,38). Lucas, o autor do terceiro evangelho e do livro dos Atos dos Apóstolos, coloca Maria na linha das grandes mulheres do povo de Deus, como: Rute, Judite, Ester, Débora, Ana, mas Lucas vai ainda mais longe e situa a Mãe de Jesus entre o resto de Israel, a classe mais humilde da população (Cf. OROZCO, 2016, p.117).

Porém, Deus se encantou com a simplicidade do seu coração e a escolheu para a sublime missão de ser a Mãe do Salvador, este trabalho de maneira alguma visa esgotar a riqueza que é o tema, por isso iremos aprofundar um pouco mais no próximo capítulo, sobre o tema principal que é o Magnificat como expressão do Louvor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 3

 

Magnificat como expressão do Louvor

 

No capítulo anterior tratamos sobre o Louvor na Sagradas Escrituras e Maria como modelo de louvor. Neste capítulo, nos ocuparemos com o Magnificat como expressão desse Louvor que acontece de forma profunda na vida do homem, pois é modelo de gratidão para todos nós, cristãos. Neste capítulo nos ocuparemos com uma breve exegese do Magnificat como expressão desse louvor que acontece de forma profunda na vida do homem e sobretudo como vivenciá-lo nos tempos em que vivemos pois é um modelo de gratidão para todos nós cristãos.

1. Exegese do Magnificat

Quando, aprofundamos o nosso olhar sobre a Sagrada Escritura, quando dilatamos o nosso olhar para aprofundar e mergulhar nos mistérios Deus, conseguimos perceber que Deus de uma forma profunda nos traz alguns cânticos, que manifesta a gratidão da criatura com seu Criador, e “Lucas é a primeira pessoa versada no estudo de hinos e de cânticos cristãos” (BROWN, 1985, p. 152).  O Evangelho segundo Lucas é musical, por isso que há cinco Cânticos registrados neste Evangelho

Cânticos no Evangelho segundo Lucas: “Beatitude” – O Cântico de Isabel (Lc 1.42); “Magnificat” – O Cântico de Maria (Lc 1.46-55) ; “Benedictus” – O Cântico de Zacarias (Lc 1.68-79) ; “Gloria in excelsis Deo” – O Cântico dos Anjos (Lc 2.14) e “Nunc Dimits” – O Cântico de Simeão (Lc 2.29-32) (BROWN, 1985, p. 152). 

Estudiosos dos Evangelhos consideram esses poemas musicais registrados por Lucas como sendo “os últimos dos salmos hebraicos e os primeiros dos hinos cristãos” (BROWN, 1985, p. 154). 

O Evangelho segundo Lucas é de uma profundidade especial, e tem uma dimensão de oferta, holocausto, mas ele de uma forma única fala sobre Maria. O evangelista apresenta Maria como discípula e missionária, desde a anunciação do Anjo até o canto do Magnífica na casa de Isabel, sua prima. O Magnificat está no Capítulo 1, 46-55 do Evangelho de São Lucas:

"Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus em meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. Seu nome é santo e sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles que o temem. Agiu com a força de seu braço dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs poderosos de seus tronos e a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo lembrado de sua misericórdia conforme prometera a nossos pais em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre!" (Lc 1,46-55).

O Magnificat é o texto bíblico mais longo colocado na boca de Maria. Porém, ela, aqui, não quer falar de si própria, mas ela fala de Deus e das maravilhas que realizou nela. O cântico de Maria ressoa de citações do Antigo Testamento, especialmente em relação ao Cântico de Ana, pronunciado por ocasião do nascimento do filho Samuel (1Sm 2,1-10).

O Magnificat é um cântico verdadeiramente teológico porque revela a experiência do rosto de Deus feita por Maria, Deus não só é o Poderoso, a quem nada é impossível, como havia declarado o anjo Gabriel (cf. Lc 1,37), mas também o Misericordioso, capaz de ternura e fidelidade para com todo ser humano. “Lucas põe na boca de Maria as esperanças dos ‘pobres de Javé’, e ele caracteriza a Maria não somente como pessoa crente, mas como a primeira evangelista, visto que seu cântico se refere, quanto ao conteúdo, à vinda do messias” (SCHNEIDER, 2012, p. 149).

E assim faremos uma exegese deste belíssimo cântico, buscando interpretar, ou seja, arrancar para fora do texto o que ele significa, iremos trabalhar cada parte desse belíssimo cântico e trazer para fora a riqueza que ele contém.

 “Minha alma engradece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus meu Salvador” (Lc 1,46-48), Maria manifesta o sentimento de sua pequenez, aqui podemos perceber um termo grego ταπείνωση “tapeinosis” que “indica a humildade de uma mulher de condição humilde” (RUSCON 2018, p.450). Com uma expressão, Maria apresenta sua situação de pobreza e a consciência de sua pequenez perante Deus que, com decisão gratuita, colocou seu olhar sobre ela, porque Ele viu que seu coração era humilde, que seu coração era dilatado para o Louvor. Percebemos ainda uma grande alegria, Maria mostra-se uma jovem alegre, é um dom que nasce de uma profunda experiência de Deus, de Seu poder e de Seu amor. Deus, quando escutou de seus lábios que sua alma engradecia por Ele, Deus a escolheu porque o orgulho não passava em seu coração, mas sim uma palavra resumia a sua vida: Humildade. Essa palavra nasce de uma amor intenso e de uma alegria profunda, por isso Maria não diz “Eu enalteço a Deus”, mas “minha alma”, como se ela quisesse dizer: “Minha vida com todos os meus dons se movimenta no amor de Deus, em louvor e grande alegria” (LUTERO, 2015, p. 27).

No Salmo 33 no versículo 4 contemplamos na boca do salmista o mesmo trecho que se encontra no Evangelho de São Lucas: “Engrandecei a Iahweh comigo, juntos exaltemos o seu nome”. Então podemos perceber que os livros do Antigo Testamento estão repletos de comparações de palavras de gratidão e de exultação a Deus.

Podemos analisar que o magnificat é uma mensagem profética, pois enquanto Maria e Isabel juntas cresciam na intimidade com Deus, elas louvavam a Deus por inúmeros benefícios pois o Magnificat é o louvor daqueles que reconhecem o poder de Deus.

“O louvor da coisas vitoriosas que Deus fez pela comunidade oprimida segue o modelo dos cânticos veterotestamentários de louvor divino e descreve a inversão de circunstancias terrenas nas quais a pessoa reconhece a ação divina e irrompe em cântico como as mulheres primitivas: Débora (Jz 51-31), Ana (1Sm 2 1-10), e Judite (Jt 16 1-17)” (COYLE, 2012, p. 91).

Podemos assim afirmar que não somente Maria, mas o Magnificat é a resposta de todas as almas que reconhece a grandeza de Deus, todo o ser, daquele que canta, se elava num gesto de reconhecimento e esperança.

“Porque olhou para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada” (Lc 1,48).

Vale lembrar que na Sagrada Escritura a palavra humilhar, significa rebaixar, ou até mesmo arrasado: “estou por demais arrasado” (Sl 116,10). Assim podemos perceber que humildade nada mais é do que um estado ou condição de desprezo, rebaixamento.

É uma característica de Deus olhar as coisas insignificantes. Portanto, Maria teve a seguinte intenção ao recita o cântico: Deus olhou para mim, uma moça pobre, simples e insignificante, Ele poderia ter escolhido ricas, importante, nobres e poderosas rainhas, poderia ter escolhido a filha de Anás o Caifás, porém Ele olhou para mim por pura bondade e usou para esse fim uma moça humilde e simples. (Cf. LUTERO, 2015, p. 45). Neste trecho trata-se então da virtude pessoal da Virgem, que assume com coragem sua pouca importância e se entrega a Deus cheia de temor e de confiança, exatamente como uma verdadeira “pobre do Senhor”.  Maria  proclama  do grego δούλης “doúles” (RUSCONI, 2018, p.136), ser serva,  porque toda a sua vida era de serviço a Deus, e  é “através desse título que ela entende sua identidade e sua missão” (HENRIQUES, 2005, p. 19), e  desta forma é possível acertadamente afirmar que todas as gerações chamarão esta grande mulher de bem-aventurada, pois ela se colocou como serva, aquela que colocou sua vida em Deus, e ela é bendita entre todas as mulheres da terra, pelo simples fato de acreditar nas promessas que Deus tinha reservado para ela.

“Pois o todo poderoso fez grandes coisas em meu favor, seu nome é Santo” (Lc 1, 49).

Maria se alegra por causa da dimensão da ação do Poderoso Deus em sua vida. Ela parte da constatação da sua condição de pequenez e humildade diante da grandeza de Deus. A palavra Santo é uma doxologia comum dentro do contexto judaico no qual O Nome (cf. Lv 24,11 e Dt 28,58) é associado à pessoa de Deus. E aqui podemos fazer alusão às libertações e à esterilidade no Antigo Testamento:

Grandes mulheres, como Ana, a mãe de Samuel; Débora, a juíza; Judite, que decapitou Holofernes; Ester, por cuja intercessão o povo foi salvo do extermínio. Maior, porém, que todas essas libertações é aquela de que Maria é a portadora: de trazer a Salvação, pois o poderoso fez grandes coisas em sua vida. (HENRIQUE, 2005, p. 20).

Aqui podemos dizer que Maria cantou todas as obras que Deus tinha feito nela, pois ela não falade um favor específico, mas canta que “Ele fez grandes coisas” (Cf. Lc 1,49). Assim podemos afirmar que tudo que Deus fez nela é grande. Martinho Lutero comenta essa expressão de “grandes coisas”:

“as grandes coisas nada são senão o fato de Maria ter chegado a ser mãe de Deus, foram dadas a ela tantas e tão grandes obras, que ninguém as pode compreender, por essa razão ela é uma pessoa especial dentro do gênero humano, pois ninguém se iguala a ela, porque ela tem um filho com o Pai Celeste. E que filho! Ela própria é incapaz de descrever esse acontecimento por ser muito grande” (LUTERO, 2015, p. 64).

Mas todo esse mérito, Maria atribuiu à graça de Deus, Ele fez grandes coisas em sua vida por iniciativa própria, porque Deus voltou seu olhar para ela, porque ela é a cheia de graça e assim digna de dar à luz a um filho que seria grande (Cf. Lc 1,28).

“E sua misericórdia perdura de geração em geração, para aquele que o temem” (Lc 1, 50). 

O Salmo 102, 17 nos traz essa dimensão de que o amor de Iahweh existe desde toda eternidade. “Mas o amor de Iahweh existe desde sempre e para sempre existirá por aqueles que o temem” (Sl 102,17).

O fato é que Maria vê o amor de Deus cobrindo a sua história por completa, e essa misericórdia é o próprio amor de Deus que envolve não só Maria, mas que também, ao envolvê-la, envolve todos aqueles que esperam Nele. Mas, é preciso acolher o amor de Deus. “Os ‘tementes de Deus’ assumem, em geral, na história a figura sociopolítica dos ‘humildes’ (pequenos e fracos) e a figura socioeconômica dos ‘famintos’ (pobres) (LUTERO, 2015, p. 75). Essa misericórdia é totalmente inspirada no Pai, neste Pai que ama profundamente, e derrama esse amor a todo ser humano que anseia por Ele.

“Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs poderosos de seus tronos e os humildes exaltou” (Lc 1, 51-52).

 Maria canta, exulta e louva a Deus que ama os pobres, derrubando os poderosos de seus lugares de destaques. A ação do braço de Deus em favor dos pequenos é sinal de sua fidelidade e de seu amor preferencial pelos pequenos (cf. Jr 31,3).

 Maria não quer de forma alguma, neste versículo, a “destruição” física dos soberbos, ela usa um termo mais ameno: “dispersa” (Cf. BOFF, 2014, p. 415). Neste versículo, verifica-se  a preferência de Deus não pelos arrogantes, ricos das coisas do mundo e vazios das do alto, como é visível em toda Sagrada Escritura, mas, acima de tudo para aqueles que se reconhecem pequenos, como o fez Maria, que em vários momentos demonstra a sua servidão “como principal traço de sua personalidade; uma servidão obediente diante dos mistérios de Deus” (CATALAMESSA,1992, p.65).

Estas palavras do cântico, ao mesmo tempo em que nos mostram em Maria um modelo concreto de amor pelos pequenos, nos ajudam a compreender que o que atrai a benevolência de Deus é sobretudo a humildade de coração.

“O seu amor preferencial pelos pobres acha-se admiravelmente inscrito do Magnificat de Maria. Maria está profundamente impregnada do espírito dos “pobres de Javé” que, segundo a oração dos salmos, esperavam de Deus a própria salvação, pondo nele toda a sua confiança. O Senhor, confundindo os critérios do mundo, vem em auxílio dos pobres e pequenos, em detrimento dos ricos e dos poderosos, e, de modo surpreendente, enche de bens os humildes, que lhe encomendam sua existência” (REDEMPTORIS MATER, 1989, p.37).

Com sua leitura sapiencial da história, Maria nos leva a descobrir os critérios da misteriosa ação de Deus.

“Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias. Socorreu a Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia” (Lc 1,53-54).

Este ponto que deixa bem claro a predileção pelos pobres, pois somente o pobre, o pequeno que pode vos louvar, como o salmista recita no salmo 112:

“Aleluia! Louvai, servos de Iahweh, louvai o nome de Iahweh! Seja bendito o nome de Iahweh, desde agora e para sempre; do nascer do sol até o poente, seja louvado o nome de Iahweh! Elevado sobre os povos todos é Iahweh, sua glória está acima do céu! Quem é como Iahweh nosso Deus? Ele se eleva para sentar-se,6e se abaixa para olhar pelo céu e pela terra. Ele ergue o fraco da poeira e tira o indigente do lixo, fazendo-o sentar-se com os nobres, ao lado dos nobres do seu povo; faz a estéril sentar-se em sua casa, como alegre mãe de filhos” (Sl 112, 1-9).

Sabemos, que quando se trata de rico, não se trata de posses, mas de pessoas que não cantam os louvores de Deus, ou seja, pessoas que se bastam, que conseguem tudo pelos seus próprios esforços. Aqui existem traços de uma heresia pelagiana, em relação aos ricos (soberbos), visto que os mesmos não tem conhecimento das obras de Deus e também não entendem a obras de suas mãos (Cf. Sl 28,5), pois o coração do ser humano não deve- se apegar ás coisas terrenas, mas deve- se apegar ás coisas do alto que sempre serão um consolo para a nossa alma:

“Olha que grande consolo: não é uma pessoa humana, mas o próprio Deus enche (de bens) o faminto e o sacia. Além disso, Maria acrescenta “de Bens”, isso significa que esse encher é algo proveitoso e salutar, para que o beneficie corpo e alma com todas as forças” (LUTERO, 2015, p.102).

O rico sempre terá fome, mesmo tendo tudo o que precisa, pois ele sempre se alimenta de bens temporais, já o pequeno ele sempre será saciado com o verdadeiro alimento, o que traz vida.

Esse é o alimento que Maria experimentou na sua vida, o alimento dela é o Louvor do Magnificat, pois aqueles que viviam na fartura se empregaram por comida, e os que tinham fome não precisaram trabalhar. (Cf. I Sm 2,5). A misericórdia de Deus é eterna, pois ele sempre lembrará dos seus servos (pequenos), aqueles que dependem unicamente da graça de Deus, aqueles que sabem proclamar com sua vida o Louvor de Deus.

“Conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência para sempre” (Lc 1,55).

Deus cumpre suas promessas e nunca deixa seus filhos desamparados. E Maria foi uma destas que a promessa de Deus cumpriu e que podemos contemplar até os dias de hoje; por isso a chamamos de a grande mulher da humildade, pois, reconhecendo o poder de Deus em sua vida soube se colocar em seu lugar e o o seu amor pela humanidade será para sempre.

“Do ponto de vista espiritual, humilde é quem reconhece que tudo recebe de Deus. Sabe-se servidor de uma causa que vai além de sua individualidade, nas relações humanas, conhece seu lugar, não invade o espaço dos outros e se mostra discreto” (MURAD, 2012, p. 74-75).

A humildade não é uma qualidade dos fracos, mas de todo ser humano a caminho da maturidade, e Maria foi essa que encontrou o caminho de maturidade e soube se colocar em seu lugar e nunca invadiu o lugar de ninguém, pelo contrário, ela soube reconhecer o poder de Deus, e o Magnificat é o exemplo dessa verdade que me refiro neste parágrafo.

No canto do Magnificat, Maria reconhece-se como uma mulher especial, agraciada por Deus. Ela diz claramente que “todas as gerações, de agora em diante, me chamaram de bendita (Cf. Lc 1,48), ela não se esconde em baixo de uma falsa modéstia, ela conhece seu valor, sua potencialidade, mas jamais e de forma alguma ela utiliza para fortalecer seu ego, mas reconhece que tudo é dom de Deus, “ela não toma nenhum louvor ou honra para si, mas tudo leva de volta para Deus, em gesto de reverencia e ação de graças” (MURAD, 2012, p.76).  E este cântico é uma resposta apropriada para dizer que Maria é a profetiza da nova humanidade, o Magnificat é uma expressão de Louvor que todos nós devemos reconhecer.

 

2. Magnificat, como expressão de Louvor

O Magnificat é uma resposta apropriada do homem que fez da sua vida um abandono total e confiante a Deus, pois só podemos louvar verdadeiramente quando deixamos Ele conduzir, sabendo que tudo é Dele e para Ele. “O homem deve dar ao Senhor a glória devida ao seu nome, tragam ofertas e venham à sua presença e adorem o Senhor no esplendor da sua santidade” (1 Cr 16,29). Isso faz recordar o homem para aquilo que ele mesmo foi chamado, louvar ao Senhor no esplendor de tudo o que torna o que ele é, Deus “entrai, prostrai-vos e inclinai-vos, de joelhos, frente a Iahweh que nos fez! Sim, é ele o nosso Deus, e nós o povo do seu pasto, o rebanho de sua mão” (Sl 95,6-7).

O Magnificat é uma resposta apropriada da criatura ao seu Criador, o louvor não cria algo, pelo contrário, é uma conclusão transparente ao que é um reconhecimento daquilo que somos criaturas e aquilo que Ele é Criador (Cf. CARSON, 2017, p. 28). O Louvor ao nosso Deus Criador é precisamente porque Ele é digno deste mesmo Louvor, eis a nossa vocação, nascemos para cantar a sua Glória.

Sim, eu te contemplava no santuário, vendo teu poder e tua glória. Valendo teu amor mais que a vida meus lábios te glorificarão. Assim, eu te bendirei em toda a minha vida, e a teu nome levantarei as minhas mãos; eu me saciarei como o óleo e gordura, e com alegria nos lábios minha boca te louvará (Sl 63, 3-6).

É necessário esclarecer algo sobre o “Louvor de Deus” e o Louvor a Deus”.

O Louvor de Deus acontece a partir da experiência do Magnificat, quando o ser humano abre-se ao Amor de Deus, e se efetiva, quando cada ato do ser humano, proclama a grandeza de Deus, pois o Louvor de Deus não se limita a algum momento do dia, mas tudo o que fazemos cantamos a gloria que é Dele, trata-se de é um louvor continuo, sem pausa, sem alguma parada, mas um louvor que nunca terá um fim, pois até o céu cantaremos o Louvor de Deus, e esse louvor de Deus é uma vida que proclama que Deus é Santo, que Ele é digno, que a Ele devemos nos submeter, como rezamos no Prefacio IV: “ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós por Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso. (MISSAL ROMANO, 2011, p. 459).

Os nossos louvores não são necessários a Deus, mas é Ele quem nos concede a graça e o dom de louvar, logo Louvar a Deus, é apenas um momento, e o Louvor de Deus, como foi relatado acima é uma atitude continua e constante, é uma vida que se coloca inteiramente a louvar e a agradecer a Deus. “O Louvor é reconhecimento da grandeza de Deus fora isso, o nosso louvor torna-se, na verdade, uma abominação” (Cf. CARSON, 2017, p. 37).

Ao falarmos de louvor contínuo e constante, nos referimos ao reconhecimento, ao cântico de ação de graças, assim como o Magnificat, um cântico entoado, ou recitado frequentemente na liturgia dos serviços eclesiásticos cristãos. (COYLE, 2012, p.89).

O texto do cântico está expresso no Evangelho segundo Lucas 1,46-55, onde é recitado pela Virgem Maria na ocasião da Visitação à sua prima Isabel. Na narrativa, após Maria saudar Isabel, que está grávida com aquele que será conhecido como João Batista, a criança se exulta dentro do útero de Isabel. “Quando esta louva Maria por sua fé, Maria entoa o Magnificat como resposta. E Este cântico ecoa em diversas passagens do Antigo Testamento, porém é mais notável à Canção de Ana” (MURAD, 2012, p. 83). Todo este cântico é uma expressão de gratidão, de reconhecimento, de louvor, celebra a grandeza de Deus, “um Louvor excelente que vai em busca do próprio Deus” (MURAD, 2012, p.29).

Maria, cantou o Louvor de Deus, cantou o magnificat, não foi somente um louvor pausado, mas foi um louvor contínuo, desde a anunciação até aos pés da cruz, foi um louvor verdadeiro e constante, um louvo que não se esgota diante do sofrimento, mas que se prolonga, e o cântico do Magnificat nos mostra essa experiencia:

O Magnificat, um cântico verdadeiramente teológicos, porque revela a experiência do rosto de Deus feita por Maria, Deus não só é o Poderoso, a quem nada é impossível, como havia declarado Gabriel, mas também o Misericordioso, cheio de ternura e fidelidade para com todo ser humano (COYLE,2012, p.91).

A Mensagem profética do Magnificat caracteriza a vinda de Deus como compaixão, o cumprimento da promessa feita a Abraão e Sara, somos todos convidados a entoar esse cântico que para nós é um canto de Louvação.

O louvor a Deus brota do coração que faz a experiência de profundidade do Deus que se revela em amor. Pois louvar é reconhecer a grandeza de Deus e glorificá-lo. Louvar corresponde em bendizer, celebrar, grito de triunfo, glorificar. E ainda: magnificar, exaltar, cantar; celebração da honra, força e poder de Deus. (LACOSTE, 2004, p. 1051).

Podemos perceber que a pressa de Maria para chegar na casa de sua prima, foi um desejo de preparar o coração bem disposto para Louvar o seu criador, ela quis que Isabel encontrasse com Deus, dentro do Louvor que é dele, tudo pela grande obra que Ele mesmo estava fazendo na sua vida e na vida de sua prima.

Essa pressa e a exclamação de Louvor de Isabel mostram a alegria exuberante de duas futuras mães, e ainda quando Isabel abençoa Maria: “Bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1,42). “Palavras que fazem eco ao Louvor de Deus, endereçado a outras mulheres famosas na história de Israel, que ajudara a livrar do perigo o povo de Deus”. (COYLE, 2012, p.89).  Podemos dizer que Maria é o eco desse Louvor de Deus, pois inspirada pelo Espírito Santo, o seu Sim foi o verdadeiro plano de Salvação para toda a humanidade.

Inspirada pelo Espírito, Isabel profeticamente anuncia que a mãe do seu Senhor foi visitá-la. Ela é a primeira pessoa no Evangelho de Lucas a confessar Jesus como seu Senhor, o seu reconhecimento é Louvor de Deus, o seu reconhecimento foi de uma profunda experiencia com seu Senhor. (Cf. Lc, 1,42).

 

3. O Magnificat, como resposta para o nosso tempo

O Magnificat, canto que revela o mais profundo do coração de Maria e anuncia a História da Salvação, ele também é o canto daqueles que experimentam o Louvor de Deus, pois ele é lição de oração e de compromisso, que aprendemos na escola materna de Maria, o grande grito contagiante da pobreza de Maria e de seu amor, e este cântico é o canto dos humildes, dos pequeninos como está em Lucas 10, 21. Pois do Louvor nos advém toda a graça e toda a perpetuidade, e Maria, fez a experiencia de se colocar como pequena, como serva de Jesus Salvador, pois nela Deus operou maravilhas.

O carisma  do Louvor de Deus, nasce de uma experiencia de intimidade com Deus, a nossa vida que se torna um verdadeiro Louvor, e esse Louvor nos impulsiona a viver em comunidade, e neste aspecto podemos perceber em Maria, a mulher que soube em tudo viver em fraternidade, soube entregar tudo, até mesmo entregar sua herança no alto da cruz, e a cruz nos remeterá sempre ao Louvor de Deus.

“Tendo Maria como nossa padroeira, como nossa intercessora, devemos seguir o seu silencio, que é pertinente pela santidade pessoal e santidade comunitária. Quando uma comunidade é quieta no Louvor de Deus, não falamos muitas palavras inutilmente, guardando silêncio, agrada muito a Deus, tudo isso importa nesse Louvor de Deus” (DEFINA, 2016, p. 171).

O Louvor de Deus é um carisma dado por Deus ao Pe. Gilberto, e essa carisma é dom para a Igreja Católica, não somente para aqueles que se consagram a este carisma, mas é uma graça para todos. Devemos viver este Louvor, pois um dia iremos todos cantar o nosso Magnificat no céu, e viveremos o Louvor de Deus na Eternidade.

Nas Constituições de 2014, o Carisma Salvista é definido assim:

O carisma do Instituto é o “Louvor de Deus” sob todas as suas formas, a litúrgica em primeiro lugar e, como consequência deste “louvor a santificação pessoal e comunitária. Este carisma vivencia em profundidade a dimensão latrêutica, isto é, de louvor, do culto divino. Inspiração fundamental é a atitude do próprio Senhor, que vive eternamente voltado para o Pai. Procuramos centralizar a nossa espiritualidade nessa dimensão, vivida em primeiro lugar na intimidade do coração, em seguida na vida comunitária com as diversas expressões litúrgicas e devocionais e no exercício da missão procurando despertar os cristãos para o “Louvor de Deus”, caminho seguro para a santidade (CONSTITUIÇÕES, 2014, n.5).

Por tudo isso, todos os dias reatualizarmos o Magnificat de Maria em nossa vida; Não basta conhecê-lo, rezá-lo. Devemos aprender com os Salvistas que todos os dias, devemos proclamar nossa pobreza, proclamar a riqueza que é o Louvor de Deus, é assim devemos proclamar a ação de graças, o nosso jubilo, com a nossa voz que desejamos ser pequenos servos de Jesus Salvador.

A Virgem Maria está constantemente nos ajudando neste caminho que nos leva a uma verdadeira humildade e isso demonstra-o de modo especial o cântico do Magnificat, que, tendo jorrado da profundidade da fé de Maria na Visitação, não cessa de vibrar no coração da Igreja ao longo dos séculos. Prova-o a sua recitação quotidiana na liturgia das Vésperas e em muitos outros momentos de devoção, quer pessoal, quer comunitária (HENRIQUES, 2005, p. 17).

Na Liturgia, o Magnificat é cantado todos os dias pela Igreja, na celebração das Vésperas, durante a Liturgia das Horas, reconhecendo que Deus guia a Igreja e nela realiza maravilhas. Em todos os finais de dia, portanto, a Igreja canta o Magnificat para entoar um canto de ação de graças por aquilo que Deus fez em seu favor no decorrer daquele dia. Deste modo, a Igreja assume este cântico de Maria como uma via de espiritualidade para o ser humano, reconhecendo em Maria a primeira cristã, membro do corpo eclesial, que participa da glória divina.

“O Concílio Vaticano II incentivou a que, cada vez mais, se recite a Liturgia das Horas com a comunidade dos fiéis, para que esse tesouro da Igreja não fique reservado somente aos padres, mas que seja distribuído também aos fiéis, para que possam santificar o dia por meio da oração” (Cf. ALDAZÁBAL, 2010, p. 40).

O Cântico de Louvor que ressoamos eternamente, é o cântico de ação de graças, que este cântico foi e sempre será repetido pela Igreja, constante e fielmente, na maravilhosa variedade e de diversas formas. O Carisma do Louvor de Deus faz com que cada ser humano encontre vida.  Assim, “quando se recita as orações da Liturgia das Horas louva-se a Deus, na terra, fazendo um louvor que no céu é incessante” (Cf. ALDAZÁBAL, 2010, p. 39). Na santificação do dia, das horas, no tempo, a realidade da eternidade se faz presente. Também nós queremos, por meio do louvor, transformar a nossa vida em história de salvação.

“Pelo Cântico do Magnificat Maria não glorificou a si mesma, Ela o chama meu Salvador, Foi ele quem moldou o barro e fez nela maravilhas, ou seja, Deus fez grandes maravilhas na vida dela, ela mesmo declarou isso “(...) porque o Poderoso fez para mim coisas grandiosas, o eu nome é santo” (Cf. ABIB, 2011, p.44).

Com sua leitura sapiencial da história, Maria nos leva a descobrir os critérios da misteriosa ação de Deus. “O Senhor, confundindo os critérios do mundo, vem em auxílio dos pobres e pequenos, em detrimento dos ricos e dos poderosos, e, de modo surpreendente, enche de bens os humildes, que lhe encomendam sua existência” (Cf. JOÃO PAULO II, 1989, p.37).

Nada melhor do que utilizar a própria Palavra de Deus para falar com Ele. Por isso, ao recitar a Liturgia das Horas, estamos falando com o Próprio Deus, mediante a sua Palavra, a Liturgia das horas é uma escola de oração. Jesus Cristo recitou também os Salmos. Os Apóstolos igualmente. Da mesma forma, a Igreja (nós) continuamos recitando esta belíssima liturgia ao longo dos séculos.

“O Magnificat — um retrato de Maria — é inteiramente tecido com fios da Sagrada Escritura, com fios tirados da Palavra de Deus. Desta maneira se manifesta que Ela Se sente verdadeiramente em casa na Palavra de Deus, dela sai e a ela volta com naturalidade. Fala e pensa com a Palavra de Deus; esta torna-se palavra d'Ela, e a sua palavra nasce da Palavra de Deus” (BENTO XVI, 2005, p.41).

Cantá-lo na liturgia das vésperas, no quotidiano, conforme realizam muitos fiéis, deverá levar a um compromisso radicado no projeto de transformação inerente ao evangelho: “O Magnificat é a expressão de um processo de encantamento, de sedução [...] vivido na esperança e na busca de um povo peregrino na luta por justiça e verdade, tendo Deus como parceiro [companheiro de caminhada]” (BUENO, 2014, p.285). 

Em meio as devoções Marianas, devemos sempre lembrar que não somente os religiosos, mas todos o fiel batizado, deve recitar o Magnificat como resposta a tudo aquilo que Deus realiza em nossas vidas. A piedade deve penetrar a existência pessoal de cada fiel, nos momentos mais difíceis do nosso cotidiano devemos recorrer a algum pequeno sinal do amor de Deus, e o Magnificat é a oração que nos faz ser pequenos, pobres e dependentes de Deus, pois somente o “poderoso faz em nós maravilhas, e somente o nome Dele que é Santo” (Cf, Lc 1,49).

Neste Cântico, ao mesmo tempo em que nos mostram em Maria um modelo concreto e sublime, nos ajudam a compreender que o que atrai a benevolência de Deus é sobretudo a humildade de coração, aqueles que são pequenos. Não adiante apenas recitar o cântico, é preciso viver como Maria viveu, ter um coração humilde, mesmo diante dos poderosos que aparecem no decorrer da nossa vida, devemos ser sempre os pequenos, pois é para os pequenos que Deus se revela (Cf. Lc 10,21-22).

A principal fonte inspiradora do Magnificat é o “Cântico de Ana”, como relatado no primeiro capítulo deste trabalho: Ana era mulher estéril, por isso discriminada e humilhada. Na amargura, ela chora e derrama a sua alma diante de Deus (Cf. I Sm 1,10.15). Mas sabe expressar a sua gratidão ao se tornar mãe de Samuel: “Eu o pedi ao Senhor” (1 Sm 1, 20). Da mesma forma nós, em meio às amarguras e humilhações, devemos seguir o exemplo das santas mulheres que com sua vida souberam derramar as suas lágrimas em Louvor a Deus. Toda a criação foi feita pelas mãos de Deus, para que possa louvá-lo sempre. O homem, como ápice da criação, é aquele que deve viver esta realidade por excelência este Louvor de Deus.

Este cântico não é apenas dito há pouco mais de 2000 mil anos atrás, entretanto, esse cântico [Magnificat] percorre vários livros do Antigo Testamento, como Isaías havia dito: “Transbordo de alegria em Javé, a minha alma se alegra, porque ele me vestiu com vestes de salvação, cobriu-me com um manto de justiça” (Cf. Is 61,10). Um Profeta diz algo semelhante: “Eu me alegrarei em Javé, exultarei no Deus de minha salvação” (Cf. Hab 3,18), a figura do “servo sofredor” também é retomada, quando o poema diz que o Senhor “socorreu Israel seu servo” (cf. Lc 1,54). Como diz Santo Agostinho: “ó Beleza tão antiga e tão nova” (CARROCINI, 2014, p.54), este cântico se faz presente de uma forma tão nova em nossas vidas, um cântico belíssimo, através do qual escutamos a voz de Maria ressoar nos tempos atuais em que vivemos.

Todo o ser humano foi criado para o Louvor da Glória de Deus, e Maria cumpriu muito bem esse chamado ao Louvor, pois com sua vida e com suas atitudes ela demostrou esse perfeito louvor, “Maria soube cumprir tão bem o seu ofício de criatura racional sobre a terra, porque é uma verdade tremenda aquela que Santo Inácio coloca como princípio e fundamento dos seus exercícios espirituais: O homem foi criado para louvar a Deus” (IGLESIAS,1991, p.40).

 E se o homem foi criado para o Louvor da Glória de Deus, somos chamados a ter uma grande estima, por aquela que que sem demora fez da sua vida um Louvor de Deus. A Lumen Gentium nos exorta: “Tenham em grande estima as práticas e exercícios de piedade para com ela” (PAULO VI, 1964, p. 67), devemos nos lembrar de que a verdadeira devoção não consiste numa emoção estéril e passageira, mas nasce de um coração dilatado para amar, e isso nos faz reconhecer a grandeza da Mãe de Deus e nos motiva a amar filialmente a nossa mãe e a imitar as suas virtudes.

Esse Louvor, que chamamos de Magnificat, é uma grande inspiração para todos nós que exercitamos no cotidiano de nossas vidas essa pia devoção, que não consiste em algo morto, mas nos enche de virtudes necessárias para viver nos tempos em que vivemos.

E o Magnificat nos tempos que estamos vivendo é um meio de redescobrir as entranhas maternas da Igreja. Sem um canto verdadeiro, poucas possibilidades temos hoje de inserir-nos em um mundo de ‘feridos’ que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor. Hoje, podemos encontrar uma via de espiritualidade e de encontro com Jesus Salvador, através deste carisma, através deste cântico, que para nós é Salvação.

Os textos lucanos, especialmente do Magnificat, possibilitam desvelar um alívio, um porto seguro em meios as angústias e tribulações do tempo atual [Pandemia], que estamos vivendo na humanidade, mesmo diante dessa dor que experimentamos, quando tudo parece estéril e sem vida, podemos cantar o Magnificat como inspiração de uma sua espiritualidade para os tempos de hoje. Pois diante da dor, das incertezas, das mortes, de um fim que não esperávamos, buscamos a Esperança, a mesma Esperança de que o Magnificat nos revela: “pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. Seu nome é santo e sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles que o temem” (Lc 1, 49-50).

E o louvor é um transbordar da ação de Deus e contagia e a todos aqueles que se aproximam, o louvor de Deus brota do coração que faz a experiência da profundidade do Deus que se revela em amor. Pois louvar é reconhecer a grandeza de Deus e glorificá-lo. A humanidade é chamada a ser uma família de louvor, no qual juntos elevam a Deus “o louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e a força que pertencem ao nosso Deus pelos séculos dos séculos. Amém!” (Ap 7, 12).

O Magnificat mostra que Maria é ao mesmo tempo uma mulher santa, toda de Deus, e uma pessoa com consciência da história, da luta e das esperanças do seu povo. O coração aberto para Deus faz dela um ser humano alegre, cheio de vida e, também, solidário com o povo sofrido. Maria nos inspira um jeito de ser-cristão atual. Ela nos abre um novo caminho de integrar o louvor como uma resposta para o nosso tempo, pois o louvor nos faz compreender qual é o nosso lugar, e o nosso lugar é viver para o Seu louvor.

Portanto, o Magnificat é importante para realizar esse encontro com Deus, pois é através do Louvor que encontramos nosso lugar, encontramos a nossa família, é através deste cântico que preparamos o nosso coração para uma experiência de Salvação. Assim, o fiel dispõe seu coração para o Louvor de Deus. Toda a sociedade humana é chamada a honrar a Deus com sua vida, e é nesta experiência que devemos encontrar a prometida Esperança. Por isso, nada mais digno ao homem senão o perene louvor em ação de graças a Deus através do Magnificat.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou evidenciar o papel de Maria com o aspecto principal do Louvor. A base de toda teologia é a Sagrada Escritura, livros, documentos e manuais dogmáticos. O “sim” de Maria é reciprocidade ao amor infinito de Deus. O Evangelho segundo Lucas traz, pelo relato da visitação um olhar diferenciado dos outros evangelhos. Ora, enquanto Marcos e Mateus fazem uso da dimensão masculina da descendência davídica, Lucas dá ênfase à dimensão feminina com Maria e também com Isabel. O Senhor não viria, mas já estava com ela, derramando sua graça. Maria torna-se cheia de graça e espaço de salvação, pelo seu cântico de louvor, que hoje todos nós experimentamos em nossas vidas o Magnificat.

O Magnificat (também conhecida como Canção de Maria) é um cântico entoado (ou recitado) frequentemente na liturgia dos serviços eclesiásticos cristãos. O texto do cântico vem diretamente do Evangelho segundo Lucas, 1, 46-55, onde é recitado pela Virgem Maria na ocasião da Visitação de sua prima Isabel.

Assim percebemos como a Santíssima Virgem e as suas companheiras do Antigo Testamento conheciam bem a história de seu povo e dela tiravam forças para louvar. A principal fonte inspiradora do Magnificat é o “Cântico de Ana”, mulher estéril, por isso discriminada e humilhada. Na amargura, ela chora e derrama a sua alma diante de Deus, e ali ela expressa o seu verdadeiro louvor (cf. I Sm 1,10.15). Mas sabe expressar a sua gratidão ao se tornar mãe de Samuel: “Eu o pedi ao Senhor” (1 Sm 1, 20). Muito sabiamente, o redator de I Samuel a ela atribui o louvor presente em 1 Sm 2,1-10. “O meu coração exulta em Deus, a minha força se exalta, o arco dos poderosos é quebrado, os fracos são cingidos de força” (1 Sm 2, 4-5). Esse cântico do Magnificat percorre vários livros do Antigo Testamento.

Em Maria acontece algo extraordinário, pois toda a sua alma glorifica e louva a Deus. Assim, com Nossa Senhora, engrandece ao Senhor aquele que segue dignamente a Jesus Cristo. Maria louva e glorifica a Deus por tamanha graça tornando-A Mãe do mesmo Filho de quem é o Pai. Ela glorifica o Pai, o Filho e o Espírito Santo pelas infinitas graças que fizeram e têm o desígnio de fazer a todo o gênero humano.

Maria é mulher que Glorifica e que pede a intercessão do Filho, que medita as coisas de Deus em seu coração. Maria é mulher do louvor, que apresenta a seu Filho um Deus que eleva os humildes e despede os ricos sem nada. Maria é mulher que conhece a Palavra e a guarda no coração. Maria é mulher do Magnificat, pois todos, e não só os católicos, engrandecem ao Senhor com suas palavras. Maria é mulher do serviço, pois em meio à sua gravidez, correu ao auxílio de sua prima Isabel. Maria é mulher do Louvor de Deus.

Em um mundo fragmentado tal qual o atual, faz-se necessário o exercício do Louvor, pois o louvor é a resposta que precisamos para os dias atuais. Nesta pesquisa, realizada no período de tês anos (2018-2020), busquei olhar Maria de uma forma singular, a Eleita do hino do Magnificat (Lc 1,46-55), seu modelo de humildade e de Louvor, fez com que o olhar amoroso de Deus voltasse para ela, pois Ela e a quem todas as gerações proclamarão bem-aventurada, pois nela Deus operou maravilhas.

Por tudo isso, sempre atualizamos o Magnificat de Maria em nossas vidas. Não basta conhecê-lo, rezá-lo, mas é preciso aprender com ele que os “pobres” são os escolhidos por Deus, pois o  Magnificat, é o cântico verdadeiramente teológico, porque revela a experiência do rosto de Deus feita por Maria, na qual Deus não só é o Poderoso, a quem nada é impossível, como havia declarado Gabriel (cf. Lc 1,37), mas também o Misericordioso, capaz de ternura e fidelidade para com todo ser humano.

 Maria é um modelo concreto e sublime de Louvor de Deus que nos ajuda a compreender que o que atrai a benevolência de Deus é sobretudo aqueles que são pequeninos (Cf. Lc 10,21), pois assim foi do Seu agrado!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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