INSTITUTO SUPERIOR DE
FILOSOFIA E CIÊNCIAS RELIGIOSAS SÃO BOAVENTURA
MARIA MODELO DE LOUVOR
MARCELO DOS SANTOS ROCHA
SÃO PAULO - 2020
MARCELO DOS SANTOS ROCHA
MARIA MODELO DE LOUVOR
Monografia apresentada ao
Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo
aluno Marcelo dos Santos Rocha, como parte do requisito para obtenção do título
de Graduação em Teologia, sob a orientação do Prof. Pe. Dr. Micael de Moraes,
sjs.
SÃO PAULO – 2020
MARCELO DOS SANTOS ROCHA
MARIA MODELO DE LOUVOR
Monografia apresentada ao
Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo
discente Marcelo dos Santos Rocha, como parte do requisito para obtenção do
título de Graduação em Teologia.
Aprovado
em de outubro de 2020.
Prof.º Dr. Pe. Micael de Moraes, sjs
TABELA
DE SIGLAS
Ap
– Apocalipse
CIC
– Catecismo da Igreja Católica
Cor
– Coríntios
Ef
– Efésios
Est
– Ester
Ex
– Êxodo
Gn
– Gênesis
Hb
– Hebreus
Is
– Isaias
Jo
– João
Jt
– Judite
Jz
– Juízes
Lc
– Lucas
LG
– Lumem Gentium
Mt
– Mateus
Sl
– Salmo
Sm
– Samuel
EPÍGRAFE
“Então ficou decidido que
tudo seria através de Maria, por meio de Maria”
(Padre
Gilberto Maria Defina, sjs)
AGRADECIMENTO
Agradeço
em primeiro lugar a Deus, meu criador, autor da minha vocação, pois tudo que
sou enquanto homem e religioso foi por sua Graça. Todo meu conhecimento e
sabedoria são para Ele, juntamente com minha eterna gratidão e meu Louvor.
Louvo
e bendigo a Jesus Salvador pela minha família de sangue, pois através dela aprendi
a amar primeiramente as coisas de Deus, a ter intimidade com a Virgem Maria,
foi através deles que aconteceu meu primeiro despertar ao chamado de Deus.
Ao
Prof. Padre Dr. Micael de Moraes, sjs que me orientou nessa pesquisa. Gratidão
pela sua sabedoria, confiança, liberdade e pelo tempo dedicado à leitura e
acompanhamento deste trabalho, além de orientador, é também um Pai, um irmão,
que igualmente me orienta na minha caminhada vocacional.
Gostaria
ainda de agradecer duas pessoas que muito me ajudaram e contribuíram para que
este trabalho acontecesse: Carla Cristina (Terciaria Salvista), Léa dos Anjos e
o Frater Maicon Douglas, sjs. Que a Virgem Maria possa sempre abençoar a
vocação de vocês. Tenho um carinho imenso por vocês.
Minha
eterna gratidão à minha comunidade, que, com a paciência e compreensão na vida
comunitária colaboraram para ser um melhor religioso como era desejo do meu
fundador. E aqui agradeço imensamente a todos os meus formadores que pacientemente
me ajudaram no decorrer destes nove anos de formação. Agradeço ainda aos meus
irmãos de turma que desde o início aprendemos juntos o que é ser Louvor de
Deus. (Frater Bernardo, Frater Carlos Gabriel, Frater Gabriel e Frater Pedro de
Jesus).
A
todas as pessoas das paróquias onde fiz meu estágio pastoral (Paróquia Nossa
Senhora Aparecida – MS, Paróquia Nossa Senhora de Pentecostes, Paróquia São
João Batista e Santa Catarina de Alexandria), que me ajudaram a crescer
enquanto ser humano, enquanto consagrado. Vocês me incentivaram a buscar um
maior conhecimento sobre Maria, assim como fizeram expandir meu amor e devoção
à ela e encontrar nela o modelo de consagração.
Agradeço
imensamente aos meus amigos, que me ajudam a continuar nos projetos de Deus
através do carinho e da reciprocidade. Obrigado meus queridos amigos por serem
balsamo na minha caminhada rumo a vontade de Deus, mas aqui destaco uma pessoa
que tem uma grande importância na minha vocação, Padre João Pedro, sjs. Obrigado
por sempre acreditar em nossa amizade. Sua amizade é alívio para minha vocação.
Por
fim, porém não menos importante, agradeço ao meu Fundador Padre Gilberto Maria
Defina, sjs por ser sinal de Louvor e Santidade, pois sua vida e sua vocação me
ajudaram acreditar no céu. O senhor mostrou com sua vida que tudo seria por
meio de Maria!
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
O LOUVOR DA MULHER NA SAGRADA ESCRITURA
1.
A figura da mulher
na Sagrada Escritura
2.
Ana: a mulher da
confiança
3.
Judite: a mulher
da humildade
4.
Débora: uma mulher
de firmeza
5.
Ester: a mulher
corajosa
CAPÍTULO II
MARIA: VIDA QUE
LOUVA
1.
Louvor na Sagrada
Escritura
2.
Maria nas Sagradas
Escrituras
3.
Maria: Vida que
Louva
4.
Virtudes de Maria
CAPÍTULO III
MAGNIFICAT COMO EXPRESSÃO DO
LOUVOR
1.
Exegese do Magnificat
2.
Magnificat como expressão de
Louvor
3.
Magnificat como resposta para
o nosso tempo
4.
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
A reflexão sobre a figura feminina tem aumentado seu
espaço de reflexão em meio à sociedade contemporânea. Por essa razão, esta
pesquisa pretende explorar de forma coerente e atual a figura de algumas
mulheres na Sagrada Escritura que fizeram de sua vida, um canto de gratidão a
Deus. De modo especial o canto da Santíssima Virgem Maria, mulher descrita na Sagrada
Escritura como modelo autêntico de Louvor de Deus a fim de promover
um culto sadio e eficaz em torno daquilo que ela realmente foi e do que ela realmente é para nós.
O
objetivo desta pesquisa é refletir sobre o culto do Louvor no cântico do
Magnificat. Diversas mulheres na Sagrada Escritura, vivenciaram profundamente
o Louvor a Deus e, a exemplo delas temos Maria “a mulher do Louvor por
excelência”, Louvor este que faz crescer a fé em Cristo Jesus, verdadeiro Deus
e Verdadeiro homem, sendo ele o real centro e ápice da fé cristã. Por isso, é
necessário dizer, que o Magnificat é de suma importância para todos nós,
principalmente neste tempo que estamos vivendo. O Louvor de Maria é importante,
sim, para a elaboração da fé cristã, porém, devemos saber de antemão que Lucas
colocou na boca de Maria o cântico de Ana, a mulher do antigo testamento, que
reconheceu a grandeza de Deus em sua pequena vida.
Primeiramente,
apresentaremos um panorama sobre a Mulher no Antigo Testamento que supera os
textos proféticos que estão em sua origem, revelando na “cheia de graça” o
início de uma intervenção divina. Neste primeiro capítulo irei abordar as
mulheres na Sagrada Escritura que souberam cantar o magnificat “Aquelas que
celebraram a grandeza de Deus”.
Em
seguida, apresentamos em linhas gerais que a história da Salvação constitui o
desenvolvimento da ação salvadora de Deus através do tempo. Na história da
salvação, a figura e a missão de Maria, são entendidas a luz da Sagrada
Escritura. Maria é para a Igreja motivo de alegria, pois ela participou direta
e intimamente da obra redentora de Jesus Cristo, colaborando na obra da
Salvação, quando pelo seu SIM, veio ao mundo o Salvador da Humanidade, Jesus
Cristo. E neste capítulo irei descrever o papel dela na história da salvação,
demonstrando como a sua vida refletia o Louvor.
Por
fim, destacarei o Magnificat como fonte de análise do Louvor de Deus,
carisma este, vivido pelo fundador do IMSJS, Padre Gilberto Maria Defina, sjs,
cuja vida entregou a Deus este canto. Espero em Deus que este trabalho de
pesquisa me faça, antes de tudo, um Religioso mais devoto da Santíssima Mãe de
Deus e da Igreja. E que, através desta minha devoção particular, tal qual me
ensinou meu fundador, que em tudo eu possa dar Graças a Jesus Salvador.
Capítulo 1
O louvor da mulher
na Sagrada Escritura
1.
A figura da Mulher na Sagrada Escritura
A
figura da mulher se faz presente em todo o contexto bíblico. Desde o Antigo ao
Novo Testamento, as mulheres exerceram relevantes papéis. No Antigo Testamento encontram-se muitas mulheres exercendo importantes
funções de liderança e mulheres cheias de virtudes. A figura da mulher está
presente onde a vida se mostra fragilizada e ameaçada. Desde o livro de Gênesis
com Eva e Sara e em outros livros como: Ana, Judite, Ester e Débora, mulheres
fazendo de suas virtudes, parte na história da salvação. Mulheres que
experimentaram diante das lutas a firmeza e a resistência.
Nota-se, contudo, que na tradição de Israel sempre
existiram as marcas da atuação feminina exercendo uma capacidade forte de
resistência e defesa frente ao sofrimento de seu povo.
No Novo Testamento não é diferente, quanto a
participação feminina na história da Salvação. Maria Madalena é a mulher cheia
de fé, que foi acolhida por seu Mestre, aquela que permaneceu com Jesus ao pé
da Cruz, aquela que depositou toda a sua vida aos pés do seu Mestre, aquela que
foi a testemunha da Ressureição. Ela soube crer no amor de Jesus, amor tão
grande que chegou a regenerar sua pessoa e lhe devolveu toda a sua autoestima e
sua vocação.
A Sagrada Escritura tem muitos exemplos de pessoas
imperfeitas, mas que ao longo do caminho foram sendo transformadas para cumprir
o Plano de Salvação de Deus na Terra. O Antigo Testamento é marcado pela
infertilidade enquanto o Novo Testamento inaugura um novo tempo com a
fertilidade de Maria, pois ela é o ápice de todas as Mulheres do Antigo
Testamento e do Novo Testamento, pois nela se resume todas as virtudes.
E encontramos em Maria a mais importante de todas as
mulheres, pois ela possui as virtudes destas santas mulheres já citada acima,
mas o que sobressai entre todas as virtudes de Maria é a humildade, pois o seu
sim foi um abandono total e confiante na história da salvação (Cf. ARRUDA,
2017, p.48).
Nos próximos tópicos deste referido trabalho, irei
descrever e falar um pouco de algumas mulheres que em suas virtudes podemos
encontrar traços marianos e traços de louvor em sua vida e em sua história.
2.
Ana: a mulher da confiança.
Ana
uma mulher que nos guia na oração de louvor ao Senhor da Vida. Ana teve muitas
virtudes, que poderíamos descrever, mas a que melhor caracteriza é a virtude da
confiança (Cf. I Sm 2,1-10).
O
que seria essa confiança?
A
virtude da confiança é um trasbordamento, um abandono total nas mãos de um Deus
que tudo pode realizar, um termo excepcionalmente
rico em sentido espiritual, ele significa um abandono inabalável de uma fé
inteligente. As palavras originais têm a ver com o coração da religião vital. בּטח, bāṭaḥ,
“confiar”; אמן, 'aman, “apoiar,” portanto, confiar (DEFOUR,1970,
p.163).
E Ana foi essa mulher
que confiou e apoio sua vida em Deus, abandonou-se em total confiança Naquele
que tudo podia realizar em sua vida.
Ana,
no primeiro livro de Samuel “não é só a mãe do grande profeta Samuel, mas é
também aquela que, no seu cântico, quase oferece praticamente todos os
elementos e as virtudes espirituais e poéticos para a construção do célebre
hino de Maria, o Magnificat”(RAVASI, 2008, p.59).
No
primeiro livro de Samuel, é Ana quem canta o hino, depois de oferecer ao Senhor
o seu filho, o pequeno Samuel. A vida de Ana foi uma história de sofrimento,
porque, como a história nos diz, o Senhor a tinha feito mama estéril.
Vivendo
em uma geração onde a esterilidade era sinal de maldição. Carregava em seu
corpo e em sua alma a ferida do preconceito e da rejeição da sociedade, bem
como as provocações de sua rival, que a perseguia dia e noite com palavras
duras que turbavam -lhe a alma em sofrimento e dor. Durante anos teve que viver
com a esterilidade, mas nunca desistiu de clamar ao Senhor e nunca se entregou
a murmuração (ABDO, 2016, p. 37).
No
Antigo Testamento a mulher estéril era considerada um ramo seco, uma presença
morta. Ana, também porque impedia que o marido
tivesse uma continuidade na recordação das gerações seguintes. No entanto, Ana
tinha colocado a sua confiança no Deus da Vida e orou assim:
“Iahweh dos Exércitos, se
quiseres dar atenção à humilhação da tua serva e te lembrares de mim, e não te
esqueceres da tua serva e lhe deres um filho homem, então eu o consagrarei a
Iahweh por todos os dias da sua vida, e a navalha não passará sobre a sua
cabeça” (1 Sm 1,11).
Como nos diz o profeta Isaías, Deus
ouviu a oração desta mulher humilhada, dando-lhe Samuel: do tronco seco surgiu
um herdeiro vivo (cf. Is 11,1). O que era impossível aos olhos humanos, era uma
realidade pulsante naquela criança que se consagraria ao Senhor. Na amargura,
ela chora e derrama a sua alma diante de Deus; seu sofrimento se torna uma
oração de louvor, pois ela sabe expressar a sua gratidão ao se tornar mãe de
Samuel: “Eu o pedi a Iahweh” (1 Sm 1, 20). Gerar filhos era um sinal de bênção
divina (Cf. Sl 127,3), a incapacidade de gerar filhos frequentemente era vista
como um sinal de castigo divino.
O
status da mulher na família seria de pouca importância se ela não gerasse
filhos. Uma mulher estéril era frequentemente rejeitada, banida ou passada para
um status inferior.
O
canto de ação de graças que Deus levantará a esta mãe será refeito por outra
Mulher no Novo Testamento. A amargura de Ana modificou-se em um Magnificat,
revelado na sua oração de louvor e gratidão.
A
estrutura do Magnificat no Novo Testamento é moldada sobre o Canto dos Anawin
(dos pobres de Iaweh), como se pode ver no canto de Ana, a estéril, que está
incluída na série dos Anawin: “O meu coração exulta em
Iahweh, meu chifre se eleva a Iahweh, a minha boca se escancara contra meus
inimigos. Não há Santo como Iahweh. e Rocha alguma existe como o nosso Deus” (1
Sm 2,1-2).
Pode-se
aqui perceber que o cântico de Ana é o cântico do servo e do pobre, que entende
o benefício aos que dele são dignos; os que temem a Iaweh. Representa aqui os
seus protegidos e os pobres. Podemos, assim, afirmar que os anawin não pertencem aos números dos que
são felizes neste mundo, mas Deus reverte essa situação. “Ana, a mulher que era
o tronco seco, que sentia amargura, a mulher das lágrimas, cheia de desespero,
que se tornou a mulher do herdeiro vivo, a mulher do louvor, do sorriso, da
confiança, a mulher do Magnificat” (RAVASI, 2008, p.65).
A
história de Ana é o retrato de uma mulher cheia de fé, que tem um
relacionamento vivo e sincero com Deus e não renuncia aos bons planos dele para
sua vida. Ana era uma das esposas de Elcana, a que ele mais amava. A outra era
Fenena; que gerava filhos. No costume da época, era permitido ao marido ter uma
segunda esposa caso a primeira fosse estéril. O objetivo era garantir a
descendência dele. Seu marido não a rotulava e muito menos a rejeitava como uma
estéril, ele a amava tanto que, quando era a época do sacrifício lhe dava uma
parte excelente: “Ana, por que choras
e não te alimentas? Por que estás triste? Será que eu não valho para ti mais do
que dez filhos?” (1 Sm 1,8). Mas não podemos dizer o mesmo de Fenena, a
outra esposa de Elcana. Ana nunca demonstrou ter inveja de sua adversária,
porque ela soube transformar sua dor em louvor.
Após isso, o
primeiro livro de Samuel vai relatar:
“Elcana conheceu sua mulher Ana, e Iahweh se
lembrou dela. Ana concebeu e, no devido tempo, deu à luz um filho a quem chamou
Samuel, porque disse ela, ‘eu o pedi a Iahweh” (1 Sm 1,19-20).
O
Senhor concedeu o desejo de Ana, alegrou o coração da sua serva e a atitude de
Ana é de gratidão e louvor, pois o Senhor escutou o seu pedido e seu clamor.
O
cântico de Ana teria sido pronunciado por ocasião da dedicação do menino
Samuel, em cumprimento ao voto feito pela sua mãe quando orou a Deus e pediu
que lhe desse um filho. O tema central desse canto é o poder de Deus para
reverter a sorte das pessoas, mas Cook destaca:
“Que a oração fora
proferida por causa da dedicação do filho que, para Ana, era fruto da resposta
positiva de Deus ao seu pedido de remoção da esterilidade, as palavras do poema
não estariam relacionadas a situação particular de Ana, mas organizadas em
torno de uma temática que aponta para um Deus que reverte a sorte de tudo”
(COOK,1999, p. 40).
Deste
modo, retornemos à oração de Ana: “O meu coração exulta ao
IAHWEH, meu chifre se eleva a Iahweh, a minha boca se escancara contra meus
inimigos, porque me alegro em tua salvação” (1 Sm 2,1).
Retornamos
a essa oração de Ana pois ela se alegra em Deus pelo fato de ter sua oração
respondida e correspondida, o que mostra a ela que sua fé não é vazia, sem
propósito, inútil, mas que Deus a escutava. Sua resposta diante disso é o
louvor, o louvor de uma mulher no Antigo Testamento. Ela é poderosa em Deus!
Após humilhações, desprezo e vergonha, pode cantar o seu canto de louvor. Ela proclama,
em alto, em alto e bom som, o que o Senhor fez: A minha boca se dilatou sobre
os meus inimigos, porquanto me alegro na tua salvação.
Ana
declara palavras de vitória sobre seus inimigos:
“Não há Santo como Iahweh
(porque outro não há além de ti), e Rocha alguma existe como o nosso Deus.3Não
multipliqueis palavras altivas, nem brote dos vossos lábios a arrogância, pois
Iahweh é Deus sapientíssimo: cabe a ele pesar as ações.4O arco dos poderosos é
quebrado, os debilitados são cingidos de força” (1 Sm 1,2-4)
A
confiança de Ana em Deus é levada para outro nível. Ela confia completamente no
julgamento do Senhor. Sabe que não há força humana que resista ao poder de
Deus. Ela reconhece a soberania do
Senhor em tudo. Reconhece que não há causa perdida para Ele. A visão espiritual
de Ana é alargada à medida que ela se entrega à oração, e então declara que
Deus é poderoso para mudar completamente o nosso futuro, que o Senhor tem
compromisso com quem lhe serve. Reconhece, mais uma vez, que o esforço humano
não é suficiente para alcançar o favor do Senhor e que não há força humana
suficiente para lutar contra Ele.
O cerne do salmo de Ana está onde se
confessa o triunfo do Senhor sobre a morte, o seio estéril de Ana, é semelhante
a um sepulcro, mas o Senhor pode deste seio-sepulcro fazer germinar a vida
(RAVASI, 2008, p.64).
O Louvor de Ana
através do cântico é uma relação de confiança com Deus, pois ela precisou se abandonar na vontade de Deus, e esse
abandonar é, antes de tudo, uma atitude de confiança, pois somente quem confia
pode abandonar, somente quem sabe reconhecer pode ofertar, e ela soube ofertar
o seu tudo. Ana no primeiro Livro de Samuel se torna a mãe do grande profeta
Samuel, mas é também aquela que no seu cântico reconhece a grandeza de Deus. É
interessante notarmos que Ana não desistiu do seu voto, não adiou, nem alterou
em nada, mas cumpriu fielmente o que havia prometido ao Senhor, ofertando seu
único filho, “pois do tronco árido de Ana brotou o rebento verdejante”, e esse
rebento verdejante é Samuel, o filho que o Senhor havia prometido. (RAVASI,
2008, p.64).
Ana agradou
muito a Deus, pois entregou o seu único filho pra Ele, assim como o “Pai
entregou o seu Filho unigênito por nós” (Cf. Jo 3,16). Ela soube confiar. No
final do seu cântico ela transforma o seu hino em cântico de louvor e de
esperança para todos os pobres do Senhor, e assim, conclui-se que Ana vai da amargura de alma ao cântico
de vitória, pois como está escrito: “Não há santo como Iahweh; porque outro não há além
de ti, e Rocha alguma existe como o nosso Deus” (1 Sm 2,2). E por sua
atitude de confiança e da sua entrega, ela pode com seus lábios de Louvor,
fazer de sua vida o mais belo poema de Louvor, um hino de exaltação e de
vitória, pois ela recebeu de Deus o tudo que ela tanto desejava, e como forma
de gratidão ela devolve o seu tudo ao
Senhor.
3. Judite: A mulher da Humildade
Etimologicamente, a origem da palavra Humildade
significa “pouca elevação”, ou seja, uma relação com a ideia de modéstia. A
palavra “humildade” tem parentesco com homem e ambas derivam de “húmus”, que
significa “solo”, “fecundidade”. (Cf. DEFOUR, 2013, p.426).
Humilde é aquele que está embaixo, perto do solo e,
justamente por isso, se arrisca menos a perder o equilíbrio, aquele que tem os
pés firmes na terra, a pessoa humilde não pretende ser maior nem menor do que
realmente o é. O humilde é aquele que se faz pequeno, o humilde é aquele que
reconhece que tudo o que ele tem, recebeu de Deus; como diz o Papa Francisco, a
humildade é uma virtude que caminha junto de mãos dadas com a vitória:
A fecundidade
de sua existência depende de se oferecer, em espírito de serviço, para realizar
o que é capaz na direção do bem dos outros.
A vida sempre ensina, àqueles que se deixam formar por ela, que a
humildade é uma virtude que caminha de mãos dadas com a vitória, pois, todos
aqueles, que pretensiosamente engrandecem a si próprios, fechando-se às suas
próprias fraquezas e limitações, acabam experienciando derrotas e dissabores.
(FRANCISCO, 2013, n.198)
Quando nos deparamos com a Sagrada Escritura, não é
difícil perceber que ela pretende nos persuadir do bem da humildade e nos
afastar do mal do orgulho. Jesus pronunciou estas palavras: “Eu te louvo, ó
Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e
entendidos, e as revelaste aos pequeninos.” (Lc 10,21).
“Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como
algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a
condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem,
humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o
sobreexaltou grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome, para
que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres
e dos que vivem sob a terra, e, para glória de Deus, o Pai, toda língua
confesse: Jesus é o Senhor” ( Fl 2, 6-11).
A virtude da Humildade
se expressa na verdade do confronto entre o ser humano, com suas fragilidades e
limites, colocado diante do próprio Deus, que não o esmaga nem o destrói, mas o
eleva.
Judite é uma mulher notável cheia dessa
virtude, seu cântico também merece atenção quando ela se expressa: “Entoai um cântico a meu Deus com
tímpanos, cantai ao Senhor com címbalos, modulai para ele salmo e hino, exaltai
e invocai o seu nome” (Jt 16, 1-17).
O cântico de louvor acima é
atribuído a Judite, uma heroína que se tornou o orgulho de todas as mulheres de
Israel, porque ela soube demonstrar o poder libertador de Deus num momento
dramático da vida do seu povo, através do seu cântico novo. (RAVASI, 2008, p.94).
Judite é a mulher belíssima,
íntegra e forte e com uma humildade sem igual, ela corta a cabeça do grande
inimigo de Israel, Holofernes, por isso, diz-se que ela é a prefiguração de
Maria, que esmagou a cabeça do inimigo do gênero humano, “o demônio”, que é o
próprio mal. Maria se aplica admiravelmente aos elogios dirigidos a Judite
pelos habitantes de Betúlia: “Tu és a glória de Jerusalém, tu és o supremo
orgulho de Israel, tu és a grande honra de nossa raça! (Jt 15,9).
Judite foi
aquela mulher cheia de humildade ao Senhor Deus e cuja beleza encantava os
homens. Permaneceu firme em sua pureza e derrotou o inimigo por causa da sua
humildade, ferindo-lhe a cabeça: “Porei inimizade entre
ti e a mulher entre a tua descendência e a dela. Ela te ferirá a cabeça, e tu
lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3,15).
Ainda
sobre esta vitória da mulher contra o inimigo, o próprio livro de Judite
relata: “Bendito sejas, ó nosso
Deus, que hoje aniquilaste os inimigos de teu povo” (Jt 13,17). Por isso, afirma-se que Judite, no Antigo
Testamento, prefigura Maria, a “Ó Mulher tão forte, invicta Judite” (COMUNIDADE
CANÇÃO NOVA, 2004, p.26), como vai rezar o hino no ofício da Imaculada.
No cântico na liturgia das Laudes, recita-se algo
parecido, mas apenas alguns versículos, e novamente podemos enxergar este
cântico de Judite no salmo 81:
“Gritai de alegria ao Deus, nossa força, aclamai ao Deus de Jacó. Elevai
a música, soai o tamborim, a harpa melodiosa e a cítara; soai a trombeta pelo
novo mês, na lua cheia, no dia da nossa festa. Porque é uma lei para Israel,
uma decisão do Deus de Jacó, um testemunho que ele pôs em José quando saiu
contra aterra do Egito”. (Sl 81,2-5)
Eles convidam a fazer festa, cantando em sintonia
de vozes, tocando tamboris e címbalos, para louvar o Senhor que "põe
fim às guerras" (Jt 16,2). Esta última expressão, define
o verdadeiro rosto de Deus que ama. Trata-se de uma vitória alcançada pelos
Israelitas de maneira totalmente surpreendente, por obra de Deus que interfere
para os humilhar à perspectiva de uma derrota iminente e total.
A situação descrita pelas palavras de Judite é
parecida com outras vividas por Israel, nas quais a salvação chegara quando
parecia que já não havia caminhos de salvação. A obra de Deus é muito mais
luminosa, porque Ele não recorre a um guerreiro ou a um exército, como outrora,
no tempo de Débora (Jz 4, 17-21). Deus se utiliza e serve-se de novo de uma
mulher fraca para ajudar o povo que se encontra em dificuldade.
O seu Louvor
põe em grande evidência a sua humildade: Sua sandália roubou seu olhar, sua beleza
cativou sua alma... e o alfanje cortou seu pescoço (Jt 16, 9). O Louvor de
Judite tornar-se-á depois o modelo que permitirá não só à tradição hebraica,
mas também à cristã, destaca a predileção de Deus por tudo o que é considerado
frágil e débil, mas que precisamente por isso é escolhido para manifestar o
poder divino.
Ela é uma figura exemplar também para exprimir o
Louvor da mulher, chamada à igualdade com o homem, de acordo com as suas
características específicas, a desempenhar um papel significativo no desígnio
de Deus.
A saga de Judite é um mosaico de temas, alusões,
citações, modelos bíblicos, mas o que destaca em sua vida é a sua humildade,
especialmente o da escolha do último e do fraco, para além da relativa inversão
das sortes ou dos destinos. O fraco é defendido por Deus e é por isso que
prevalece sobre o violento. Como
reza a heroína no Capítulo 9: “Tua força não está no número, nem tua autoridade nos
violentos, mas tu és o Deus dos humildes, o socorro dos oprimidos, o protetor
dos fracos, o abrigo dos abandonados, o salvador dos desesperados” (Jt 9,11)
Algumas expressões do livro de Judite serão
adotadas, de modo mais ou menos integral, pela tradição cristã, que verá na
heroína hebraica uma das prefigurações de Maria. Não será talvez um eco dos
tons de Judite quando, no Magnificat Maria canta (ABIB, 2011, p.15):
"Depôs poderosos de seus tronos,
e a humildes exaltou" (Lc 1, 52). Por conseguinte,
compreende-se como a tradição litúrgica, que gosta de atribuir à Mãe de Jesus
expressões que se referem a Judite, como as seguintes: "Tu és a glória de Jerusalém, tu és
supremo orgulho de Israel, tu és a grande honra de nossa raça" (Jt 15, 9).
Aqui podemos claramente ver que esta mulher soube encontrar seu lugar, pois
atribuiu todo o seu Louvor a Deus.
Em uma outra passagem: "Bendita sejas, filha, pelo
Deus altíssimo, mais que todas as mulheres da terra, e bendito seja o Senhor
Deus, Criador do céu e da terra, que te conduziu para cortar a cabeça do chefe
dos nossos inimigos” (Jt 13,18). Aqui novamente pode-se perceber o rosto de Maria
sobre Judite: “Com um grande
grito, exclamou: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de
teu ventre” (Lc 1,42).
Partindo da experiência da
vitória, o Louvor de Judite é um convite a elevar a Deus um cântico novo,
reconhecendo-o "grande e
glorioso". Judite recorda-o com grande ênfase: “As montanhas
se agitarão como água desde os fundamentos; as rochas se derreterão como cera
diante de tua face; mas, para os que te temem, tu serás, de novo, propício” (Jt 16, 15).
Este cântico de vitória e de humildade não quer amedrontar,
mas confortar. De fato, Deus oferece o seu poder invencível em apoio de quantos
lhe são fiéis. “Todos esses temas
envolvem e iluminam a figura de Maria, cantada pela Igreja como a nova Judite
que aniquila a força do mal em nome do seu Senhor.
(RAVASI, 2008, p.89).
O louvor de
Judite foi de uma mulher humilde, um louvor de reconhecimento, uma mulher que
soube cantar um Magnificat porque ela soube ser pequena. E eis o que
ela cantou: “Cantarei ao meu Deus um cântico novo. Senhor, tu és grande e glorioso,
admirável em tua força, invencível” (Jt 16,13).
Judite nos indica que o louvor autêntico é aquele
que nasce da fidelidade a Deus e ao seu projeto em que o povo está vivendo.
Deus estará sempre com aqueles que lutam para conquistar a liberdade e a vida,
procurando destruir toda e qualquer forma de escravidão e morte.
A sua oração de Louvor demostra que foi uma mulher
que soube encontrar Graça diante de Deus, pois a sua oração foi tão verdadeira
e humilde, que alcançou o coração de Deus. Judite orou com grande insistência a
Deus, uma oração intensa, regada a jejum, grande louvor e lágrimas, tirou suas
vestes de luto, e vestiu as vestes do Louvor, da alegria, do jubilo, as vestes
do Magnificat.
A figura de Judite é aquela de uma mulher que
conhecendo e sentindo a opressão dos poderosos sobre seu povo, teve uma coragem
fora do comum, e essa coragem veio de uma vida de intimidade, uma vida de
Louvor. E assim podemos concluir que a sua humildade foi a virtude responsável
por sua vida de Louvor “ Deus ó meu Deus, ouve-me, que sou uma pobre viúva” (Jt
9,4), nesta oração podemos perceber a sua humildade e sua pequenez, ela não
tinha nada, não tinha esposo, não tinha um herdeiro, mas encontrou em Deus o
seu verdadeiro esposo, encontrou em Deus o seu Único e Necessário. E esta
virtude é a grande chave para cantar o Louvor de Deus, envolve e ilumina a
figura de Maria, cantada pela Igreja como a nova Judite que aniquila a força do
mal pela força do Louvor que é de Deus.
4. Débora: uma
mulher de Firmeza
A
Fortaleza é a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e
constância na procura do bem. Ela firma a resolução de resistir às tentações e
superar os obstáculos na vida moral.
“A
virtude da Fortaleza nos torna capazes de vencer o medo, inclusive da morte, de
superar a provação e as perseguições. Dispõe a pessoa a aceitar até a renúncia
e o sacrifício de sua vida para defender uma causa justa. É a virtude que levou
os santos a testemunhar até a morte as verdades da fé” (POTESXKI,
2018, p.59.)
A Fortaleza é uma
das 4 virtudes cardinais do cristianismo e, ela "assegura a firmeza nas dificuldades e a
constância na procura do bem, chegando até à
capacidade do eventual sacrifício da própria vida por uma causa
justa. (CIC, 2000, n.1808.)
E na vida de Débora não
foi diferente, por ser uma mulher sabia e temente a Deus ela pode apoiar sua
vida na procura do bem. De
tal maneira a história como o cântico enfatizam o fato de que Débora é uma
mulher cheia da fortaleza.
O
cântico de Louvor de Débora marca uma grande crise na história de Israel, pois
celebra o seu triunfo sobre os Cananeus, na última posição e investida feitas
por estes antigos habitantes para retomar seu país.
Como
aconteceu em outros relatos bíblicos, Deus se utiliza e faz uma escolha
aparentemente diferente, ele escolhe uma mulher, uma criatura desprezada, mas
será ela que ajudara na história salvífica. “Será uma mulher,
criatura menosprezada, a dar a Israel a liberdade, será uma mulher a revelar
profeticamente a proximidade de Deusa um povo oprimido”. (RAVASI,
2008, p.40).
Na
sua dedicação a Deus, Débora passou a ter o discernimento espiritual necessário
para julgar as causas mais difíceis que havia no meio do povo e, por isso,
acabou se impondo como juíza em Israel. Não eram os homens que reconheciam esta
ou aquela pessoa como juiz, mas tudo era resultado de uma vida de comunhão com
o Senhor (Cf. CATALAMESSA, 1992, p.52)
E
Débora, foi reconhecida por Deus (RAVASI, 2008, p.40), que passou a ser
considerada pelo povo como juíza em Israel por causa do seu testemunho e de sua
vida espiritual. Débora assume esta grande aventura de libertação, o seu
cântico encontra-se no capítulo 5 do livro dos Juízes, e seu cântico é um
convite universal à benção do Senhor, e toda as nações da terra são convidados
a contemplar a grandeza divina.
O
fato de Débora ser chamada no texto de “mulher profetisa” (RAVASI, 2008, p.39),
também nos revela algo muito importante: o fato dela se uma profetisa, ter sido
elevada a juíza de Israel, não alterou a sua posição na sociedade. Débora
alçara uma posição que jamais uma mulher havia obtido e que jamais viria a
obter novamente na história de Israel daquele período. No entanto, isto não
modificou a sua qualidade de “mulher”.
O
cântico de Louvor, é um canto de vitória, ela celebra um ato de guerra santa,
na qual Deus, luta contra os inimigos do seu povo, que também são seus
inimigos: “Assim perecem todos os teus adversários, Iahweh, aqueles que te
amam, sejam como o sol quando se levanta na sua força” (Jz 5,31). Pois ela
soube procurar sempre assegura a firmeza nas dificuldades e a constância na
procura do bem, chegando até à capacidade do eventual sacrifício da própria
vida por uma causa justa.
No
cântico em que Débora louva ao Senhor pela vitória, cântico que, como toda obra
do gênero no Antigo Testamento, é, na verdade, uma mensagem inspirada pelo
Espírito Santo, Débora nos mostra que, enquanto Baraque atraíra os soldados das
tribos de Naftali e de Zebulom, a profetisa conseguira o apoio das tribos de
Efraim, Benjamim e da meia tribo de Manassés.
Neste
cântico, Débora mostra que era uma mulher de Deus, que o Espírito Santo nela
repousava, que se tratava de uma pessoa despertada para as coisas de Deus (Cf.
Jz.5,12), que não temia falar a verdade e que nem a vitória impedia de
considerar as falhas e os acertos de cada um. Era uma mulher com amplo
discernimento espiritual e responsabilidade e que sabia bem delinear as
responsabilidades de cada um. (CHALLIES, 2013, p.59). Por isso, tinha condições de julgar Israel,
pois agia com imparcialidade, retidão e justiça.
Então
o povo de Iahweh desceu às portas: “Desperta, Débora, Desperta! Desperta, desperta,
entoa um cântico novo! (Jz 5,12).
Débora
cantou um hino de gratidão ao Deus de Israel, e podemos perceber o quão
sensível Débora era com as questões políticas e espirituais de Israel. Ela
tinha consciência de que o pecado de seu povo havia feito com que Deus
permitisse que eles passassem por todo aquele sofrimento. Em seu cântico ela
abençoa aqueles que se dispuseram a lutar contra Sísera e seu exército e
amaldiçoa as Tribos de Israel que temeram diante do inimigo. Ela termina seu
hino com as seguintes palavras: "Assim perecem todos os seus adversários,
Iahweh! Aqueles que te amam, sejam como o sol, quando se levanta a sua
força."(Jz 5,31).
Débora
contribui para a vitória e para a libertação do Povo de Deus, através da sua
firmeza (cf. Jz 4; 5), em Maria, com sua proteção e sua firmeza, cuida dos seus
devotos do jugo pesado e das paixões desordenadas e lhes garante a vitória
completa” (DAMINO, 1957, p. 25).
A
Fortaleza de Débora se tornou em um cântico novo, um cântico de alegria. Débora
com seu belíssimo canto, refulge diante de nós, nos seus traços, nas suas
virtudes, o rosto da Virgem Maria que por humildade: “foi o Poderoso que fez
grandes coisas” (Cf. Lc 1,49). Podemos dizer que o Louvor de Débora e o Louvor
de Maria, pois tudo que foi realizado foi por obra de Deus, e as duas souberam
reconhecer a grandiosidade de Deus, e nisto podemos afirmar, Débora se tornou a
grande mulher do cântico novo, um cântico de firmeza e de reconhecimento.
5. Ester: a mulher Corajosa
Coragem, é a capacidade
de agir apesar do medo, do temor e da intimidação, a coragem não significa a
ausência do medo, e sim a ação apesar deste. Coragem é a confiança que uma
pessoa tem em momentos de temor ou situações difíceis, transformando assim o
medo em um verdadeiro ato de Louvor.
E esta virtude
encontramos em uma belíssima jovem judia órfã, de uma beleza notável e de uma
confiança sem igual. Estar com Deus para ela era sua constante vontade, e que
apesar do medo, do temor e da intimidação ela encontrou força em Deus para ir
ao encontro do grande leão. Essa belíssima jovem se chama Ester.
Ester aparece de imediato
como uma mulher de presença muito bela e de aspecto muito fascinante (RAVASI,
2008, p. 92). Ela é uma jovem forte, não porque lutava com armas, mas lutava em
favor dos seus, e sua coragem tocou o coração de Deus e do seu grande
adversário. Ela foi escolhida como rainha contra sua vontade, contudo, porque
acreditava que Deus tinha um grande propósito com sua eleição, e aqui podemos
fazer alusão a virgem Maria quando o anjo Gabriel trouxe a grande notícia que
ela seria a mãe do Salvador. Maria não compreendeu a tão linda notícia, mas ela
aceitou porque acreditava que Deus tinha um grande proposito (Cf. Lc 1, 26-38).
O que não agradava o
coração dessa jovem era o extermínio da sua raça (RAVASI, 2008, p.93), mas sua
coragem e sua decisão por Deus, dissipou essa grande ameaça pela sua oração
verdadeira:
"Ó meu Senhor, nosso
Rei, tu és o Único! Vem em meu auxílio, pois estou só e não tenho outra
proteção fora de ti, pois vou expor minha vida. Aprendi desde a infância no
seio de minha família que foste tu, Senhor, que escolheste Israel entre todos
os povos e nossos pais entre todos os seus antepassados, para ser tua herança
perpétua; e os trataste como lhes prometeste. E como pecamos contra ti, nos
entregaste nas mãos de nossos inimigos por causa das honras prestadas aos seus
deuses. Tu és justo, Senhor! (...) Ó Deus, cuja força a tudo vence, ouve a voz
dos desesperados, tira-nos da mão dos malfeitores e a mim, livra-me do medo!"
(Et 4, 17k-17m,17y).
Concluída sua oração,
Ester apresenta-se diante de Assuero para tentar a sua arriscada missão da
salvação do seu povo, e o triunfo da sua oração, resultou em vitória para o seu
povo. Ester por ser pequena, soube encontrar forças Naquele que é Grande, e sua
oração verdadeira à fez uma mulher cheia de Louvor.
Ester transforma- se em
modelo de confiança em Deus e uma mulher cheia de fortaleza, pois sua oração
foi de reconhecimento. Ela soube colocar Deus em seu lugar por excelência, e
colocou-se como pequena serva, pois não estava fazendo por si, mas por causa do
seu povo. E sua oração gerou frutos pois ela conseguiu dobrar o coração do
grande Rei: “Ester então alcançou favor na corte de Assuero, isto é, ela
conseguiu o agrado necessário para poder sobreviver na corte” (cf. Est 2,17;
5,2). Obviamente isso foi resultado da providência divina, foi resultado de um
coração próximo de Deus, de uma vida regada pela oração e o jejum.
Ester faz uma oração
sincera, verdadeira e confiante ao Senhor, e é atendida. A Igreja sempre viu em
Ester a presença da Virgem Maria.
Não é sem razão que a
Liturgia da Igreja celebra a Mãe e protetora do povo cristão com a Primeira
Leitura tirada do livro de Ester 5,1b-2;7,2b-3 que no Brasil lê-se na Solenidade
de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.
Uma das virtudes vividas
em grau heroico pela Virgem Maria e Ester é a Coragem de assumir os planos de
Deus. A Coragem é a marca daquela que soube assumir os planos de Deus.
Com efeito, Nossa
Senhora, em razão de sua colaboração na missão de seu Filho e pela ação do
Espírito Santo, combina em si uma ditosa pluralidade de virtudes humanas: “Na
pessoa da Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já aquela perfeição, sem mancha
nem ruga, que lhe é própria” (CIC, 2000, n. 829). A Coragem e as outras
virtudes coexistem e superabundam em favor da sua missão. De fato, como afirma
o Catecismo da Igreja Católica:
“Ao longo da Antiga Aliança, a missão de Maria foi preparada pela missão
de santas mulheres. (...) Deus escolheu o que era tido por incapaz e fraco para
mostrar a sua fidelidade à promessa feita: Ana, a mãe de Samuel, Débora, Rute,
Judite e Ester e muitas outras mulheres. Maria é a primeira entre os humildes e
pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de Deus” (CIC,
2000, n.489).
Dentre estas Santas Mulheres, a Rainha Ester soube reconhecer a Deus,
soube dar a Ele o que era Dele, ela pode na sua vida Louvar a Deus, e Maria
viveu de forma perfeita esse Louvor de Deus. Não é à toa que ambas são vistas
como “Rainha”. São duas mulheres que protegeram com Coragem o seu povo. Ester
foi “padroeira” de Israel.
“Ester por sua sábia
atitude, conseguiu livrar seu povo do extermínio, devolvendo-lhe a esperança.
Maria é padroeira de todas as nações, aquela que inclusive apareceu aos pobres
pescadores que serviam aos nobres de Aparecida, devolvendo-lhes a alegria da
vida” (BENNERT, 1995, p. 460).
A história de Ester nos
faz tocar na soberania de Deus que cumpri os seus propósitos, ainda que isto coloque
em risco a nossa própria vida, mas tudo isso devemos fazer em espirito de
oração, pois somente uma pessoa como Ester que se debruçou na Palavra de Deus
pode encontrar a coragem de vencer o
grande Leão.
Ester, com a sua atitude,
passou para a história como símbolo de fidelidade, de resistência e de fé. Ela
libertou o povo oprimido, devolvendo a esperança e a alegria a seu povo, que,
com pavor, esperava o dia da morte. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica:
“Serão sobretudo os
pobres e os humildes do Senhor os portadores desta esperança. As mulheres
santas como Sara, Rebeca, Raquel, Míriam, Débora, Ana, Judite e Ester
conservaram viva a esperança da salvação de Israel. Maria é a imagem puríssima
desta esperança”. (CIC, 2000, n. 64).
Ester foi mulher de
grande fidelidade porque nunca esqueceu seu povo e seu Deus. Mesma tornando-se
Rainha de um povo com cultura e práticas religiosas diferentes das suas, Ester
optou por permanecer fiel às suas origens, temente a Deus e cumpridora de Seus
mandamentos. A Bíblia sentencia que sua fidelidade era tamanha afirmando que
“Ester não mudou de conduta” (Est 2,20).
Santo Afonso Maria de
Ligório nos diz: “que se Assuero, por amor a Ester, lhe concedeu a salvação dos
judeus; como poderá, então, Deus, cujo amor por Maria é sem medida, deixar de
ouvi-la quando pede pelos pobres pecadores, que a ela se recomendam?” (Cf.
LIGÓRIO, 1989, p.38).
Com a vida de Ester
podemos aprender, que a virtude da coragem e do Louvor é o caminho de salvação
individual e comunitária. Ela é nosso modelo porque reza clamando a Deus por
sua salvação e dos seus, para viver sua vida como um Louvor de Deus, ela teve
que viver uma vida de intimidade, “viver como cidadão do céu, como aqueles que
vivem nesse mundo sem ser do mundo, pois a figura deste mundo passa. “(Cf. 1
Cor 7, 31), e na vida desta grande jovem, enxergamos que ela soube viver aqui
na terra, aquilo que ela iria viver na eternidade, Louvando a Deus.
Encontramos nas virtudes destas santas as
mulheres as virtudes da confiança, da humildade, da firmeza e da coragem,
virtudes essas que são caminho seguro, pois são uma disposição habitual e firme
de fazer o bem, e o homem nasceu para fazer o bem. Do Gênesis, primeiro livro
da Bíblia, quando Deus fala: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn
1,26), portanto, nascemos para cuidar bem das coisas que Ele criou para nós e
para viver bem uns com os outros. Nascemos para cultivar e praticar a virtude, que
é a boa vontade de sempre fazer o bem, e podemos encontrar em Maria todas as
virtudes das santas mulheres do Antigo Testamento que encontraram e souberam
reconhecer o seu lugar, e reconhecer a grandeza de Deus. Elas experimentaram em
sua vida o Louvor de Deus, toda a vida destas mulheres são reflexo do perfeito
Louvor, pois bem, em Maria podemos encontrar a mulher de todas as
virtudes como afirma o Concilio Vaticano II: “a santidade iminente de Maria que
refulge para toda a comunidade dos eleitos como exemplo de virtudes” (PAULO VI,
1964 n. 65). Porém, nós podemos nos perguntar qual a maior virtude de Maria? Se
nela brilham de maneira fulgurante todas as virtudes em especial a fé, a
esperança e a caridade, que são virtudes teologias, qual seria a maior? “A
maior virtude de Maria sem dúvida foi o desprendimento e a total
disponibilidade a Deus” (PAULO VI, 1964 n. 65). E ainda, quando ela agradece ao
Senhor, vai exclamar: “…olhou para a humilhação de sua escrava” (Lc 1,48).
Maria é a mulher do Louvor. Ela, é o ápice de todas as mulheres do Antigo e do Novo
Testamento, pois nela se resumem todas as virtudes. E as virtudes de Maria podem
ser encontradas de forma concreta nas Sagradas Escrituras, uma mulher que fez
da sua vida um caminho de Louvor, e em Sua vida encontramos e experimentamos o
que é ser Louvor de Deus.
Capítulo 2
Maria:
Vida que louva
1. Louvor na Sagrada Escritura
A expressão Louvor é muito utilizada na Sagrada
Escritura, tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo Testamento, podendo ser
compreendido como um elogio, um ato de agradecimento a alguém, um cântico de
ação de graças que prestamos a Deus. Podemos dizer que é o reconhecimento de
sua grandeza por tudo aquilo que Ele é; é um modo de reconhecer as maravilhas que seu amor realiza e continua
realizando; é uma experiência profunda, íntima e pessoal do homem com seu
Criador; é a resposta daquele que ama a Deus e que ao contemplar esse amor,
canta, com gratidão uma resposta livre: “Eu te louvo ó Pai, Senhor do céu e da
Terra” (Lc 10,21).
“A partir de uma perspectiva cristã, é claro, somente o próprio Deus que
é verdadeiramente digno de toda honra possível, por isso não é de se estranhar
que na maioria das Bíblias, a palavra “adoração” esteja ligada ao culto a Deus.
O Louvor é a resposta mais adequada de todos os seres morais e sensíveis a
Deus, atribuindo de maneira agradável toda a honra e valor ao seu criador
precisamente porque Ele é digno” (KEKKER, CARSON, 2017, p.18).
Sabemos que é Deus que impele o homem a louvação, é
Deus que faz com que o homem tome consciência de sua própria pequenez e
reconheça o quanto ele é dependente da grandeza Dele, pois é através desse
Louvor de reconhecimento que o homem declara que Deus é Deus.
Louvamos nosso Deus, porque Ele é digno, e o que
deve tornar o louvor mais digno, é quando o Louvamos por sua grandeza
portentosa, ou seja, reconhecer aquilo que Deus é na sua essência, e com isso o
louvor se torna algo excelente, e o nosso louvor deve brota de uma intimidade
com Deus pela oração, pois a oração nos faz amigos Dele.
“O louvor é a forma de oração que reconhece o mais imediatamente possível
que Deus é Deus! Canta-o pelo que Ele mesmo é, dá-lhe glória, mais do que pelo
que Ele faz, por aquilo que Ele É. Participa da bem-aventurança dos corações
puros que o amam na fé antes de o verem na Glória. Por ela, o Espírito se
associa nosso espírito para atestar que somos filhos de Deus, dando testemunho
ao Filho único, em quem somos adotados e por quem glorificamos o Pai. O louvor
integra as outras formas de oração e as levar Àquele que é sua fonte e termo
final: "O único Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos
feitos" (1 Cor 8,6). (CIC, 2000, p. 2639).
O Louvor
integra o homem e o impele para reconhecer a grandeza de Deus, pois este Louvor
é o mais puro reconhecimento da santidade de Deus e de Seu Senhorio sobre a
criação inteira. É profissão de fé no Deus que é amor, misericórdia e
compaixão. A melhor definição que podemos relatar sobre Louvor é sobre os
comentários dos salmos de Santo Agostinho: “Quereis cantar louvores a Deus?
Sede vós mesmos o canto que ides cantar. Vós sereis o seu maior louvor, se
viverdes santamente” (AGOSTINHO, 1988, p. 238), esta expressão de jubilo é a
verdade que deve brotar de uma alma que reconhece seu Senhor, e isso é um
verdadeiro hino de Louvor. Santo Agostinho nos leva a esta dimensão de que
cantar não é simplesmente um conjunto de notas ou melodia, mas sim uma
ferramenta poderosa de jubilo, que levar o próprio coração ao louvor de Deus.
“O louvor é necessário para conhecer Aquele que se Louva, pois com esse louvor
se efetiva a presença daquele que estava ausente, e, aquele que não O louva,
corre o risco de não efetivá-lo.” (CARSON, 2017, p.117). De fato, aquele que
não O louva com a devida verdade, corre o risco de serem palavras vazias, um
louvor infértil, um louvor sem reconhecimento. Pois Louvar bem a Deus é louvar
com júbilo, o louvor de jubilo deve ser direcionado apenas para aquele que O
merece, senão diante do Deus. O louvor de jubilo, é o louvor dos pequeninos,
somente aquele que se faz pequeno, sabe reconhecer a grandeza de Deus. (Cf. Sl
8,3). O nosso louvor deve ser contínuo, sem pausa, nossa gratidão deve se em
todos os momentos, pois o louvor de Deus nos salva, pois o louvor é a resposta
do nosso coração ao amor de Deus.
“Qual a língua que aguenta o dia inteiro cantar o louvor de Deus? Agora
mesmo o sermão foi um pouco mais comprido, e ficastes cansados. Quem permanece
o dia inteiro a louvar a Deus? Sugiro um remédio, para louvares a Deus o dia
inteiro, se quiseres. Seja o que for que fizeres, faze-o bem, e louvaste a
Deus. Quando cantas um hino, louvas a Deus; o que faz tua língua se tua
consciência também não louvar? Paraste de cantar um hino e sais para tomar a
refeição? Não te embriagues e louvaste a Deus. Vais embora para dormir? Não te
levantes para fazer o mal, e louvaste a Deus. Estás negociando? Não defraudes,
e louvaste a Deus. Cultivas um campo? Não abras um pleito, e louvaste a Deus.
Prepara-te com a inocência em tuas obras a louvar a Deus o dia inteiro” (AGOSTINHO,1988,
p. 291).
Santo Agostinho, afirma neste sermão, que existe um
remédio para louvar o dia inteiro, esse remédio é fazer o bem, fazer boas
obras, preparar o coração para bem louvar aquele que é o motivo do nosso
júbilo.
Pois o sacrifício de louvor, de acordo com a Sagrada Escritura, é o fruto dos
lábios que confessam o nome do Senhor Jesus Cristo (Cf. Hb 13,15).
As
Escrituras nos mostram, várias passagens que nos faz mergulhar na profundidade
do Louvor: “Eu te celebro, Iahweh, de todo coração, enumero todas as tuas
maravilhas” (Sl 9,2) ; “Cantai-lhe um
cântico novo, tocai com arte na hora da ovação” (Sl 33,3) ; “Povos todos, batei
palmas, aclamai a Deus com gritos de alegria” (Sl 47,1) ; “Aclamai a Iahweh,
terra inteira, dai gritos de alegria” (Sl 98,4) “Levantai vossas mãos para o
santuário e bendizei a Iahweh” (Sl 134,2) ; “Louvai-o por suas façanhas,
louvai-o por sua grandeza imensa (Sl 150, 2) ;”Falai uns aos outros com salmos,
hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor em vosso coração,
sempre e por tudo dando graças a Deus, o Pai, em nome de nosso Senhor Jesus
Cristo. (Ef 5,19-20) e o cântico do Magnificat que podemos perceber que
do início até o fim, é um cântico de Louvor “Minha alma engrandece o Senhor e
meu espírito exulta em Deus meu Salvador” (Lc, 1,46).
Como podemos perceber, a palavra Louvor é
basicamente uma expressão de admiração, exultação, reconhecimento, em seu
sentido mais amplo, também inclui uma expressão de gratidão e ações de graças
por favores recebidos. Mas devemos também reconhecer e engrandecer ao Senhor
belos bens que não recebemos, pois nosso louvor não é troca, ou um acordo, mas
reconhecer sempre a grandeza de Deus.
“Contudo, as
formas mais puras de louvor não incluem agradecimentos ou gratidão. São em
essência expressões de admiração e adoração ao objeto de louvor,
independentemente do fato de favores haverem sido recebidos ou não, sempre
devemos reconhecer a grandeza portentosa de Deus, mesmo não recebendo de suas
mãos aquilo que desejamos” (Cf. CARSON, 2017, p. 75).
E esse Louvor podemos encontrar em vários momentos
na Sagradas Escrituras, desde o Antigo até o Novo Testamento, como foi relatado
acima, com alguns trechos da Sagradas Escrituras.
A Sagrada Escritura do Antigo ao Novo Testamento,
mostram de modo progressivo e mais claro, o papel da Mãe do Salvador na
história da salvação, pois é pela Sagrada Escritura que poderemos nos alimentar
do Sim fecundo de Maria e toda a obra de Salvação que Deus fez por meio dela.
2. Maria nas Sagradas Escrituras
“Os
livros do Antigo Testamento descrevem a história da salvação na qual se vai
preparando lentamente a vinda de Cristo ao mundo” (PAULO VI, 1964, n.55). À luz do Novo Testamento, a Igreja
interpretou algumas passagens do Antigo Testamento cujo significado permanecera
oculto. Isaías, por exemplo, havia anunciado: “Eis que uma Virgem conceberá e
dará à luz um filho” (Is 7,14). Essa profecia só pôde ser entendida quando o
Espírito Santo desceu sobre Maria e, pelo poder do Altíssimo, Ela concebeu o
Filho de Deus (Lc 1,35). Maria encontra-se já profeticamente apresentada na
promessa da vitória sobre a serpente (Gn 3,15), feita aos primeiros pais caídos
no pecado, Ela é, igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho,
cujo nome será Emmanuel (Is. 7,14; Mt. 1, 22-23). É a primeira entre os
humildes e pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de
Deus.
Em todos os Evangelhos a Mãe de Jesus se faz
presente, no entanto, o que mais destaca, e não se contém em colocar a Virgem
Santa Maria como protagonista, em algumas passagens, é o evangelista Lucas,
desde os primeiros capítulos de sua narração até ao fim, Nossa Senhora fala,
medita, interpela, preocupa-se, caminha rapidamente, enfim, é uma figura
altíssima e ativa.
No diálogo com o Arcanjo Gabriel, quando Ela,
pronunciando uma palavra, concebeu o Verbo de Deus (Cf. Lc 1,35), na sua
resposta ao anjo, a Santíssima Maria ensinou-nos que a única resposta aos
desígnios de Deus é o “Sim”. Em sua visita a Santa Isabel, na qual, ao ouvir a
voz de Maria, João Batista estremeceu de alegria no ventre da mãe, e Isabel
ficou cheia do Espírito Santo. Nossa Senhora é proclamada “bendita entre todas
as mulheres” (Lc 1,42) e feliz porque acreditou (Lc 1,45), e logo engrandece o
Senhor porque olhou para sua humildade e fez nela maravilhas, por isso todas as
gerações hão de chamá-la bem-aventurada (Lc 1,48-49). Desse modo, tornou-se exemplo
ao mesmo tempo de humildade e grandeza. Nas bodas de Caná pede ao Filho que
realize um milagre em favor dos noivos, pois eles não têm mais vinho, aqui a
Virgem Maria aparece como onipotente intercessora e caminho até seu Divino
Filho: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5).
“Este divino mistério da salvação é-nos relevado e continua
na Igreja, instituída pelo Senhor como Seu corpo; nela, os fiéis, aderindo à
cabeça que é Cristo, e em comunhão com todos os santos, devem também venerar a
memória «em primeiro lugar da gloriosa sempre Virgem Maria Mãe do nosso Deus e
Senhor Jesus Cristo” (PAULO VI, 1964, n. 52).
Maria já havia decidido
manter-se virgem ou, pelo menos, desejava a virgindade. Este seu propósito de
virgindade, está dentro do contexto que devemos estabelecer a pergunta de
Maria: “Como se fará isso, pois não conheço homem?” (Lc 1, 34). O Papa João
Paulo II explica:
“Maria é a Virgem que pergunta para
poder compreender e acolher a palavra de Deus em toda a sua plenitude. Pergunta,
para fazer daquilo que escuta a verdade da sua vocação, a fim de que se torne
sua opção no presente e para o resto da vida. Maria pergunta por que é humilde:
ela se encontrou de repente diante da infinita majestade do Altíssimo, o três
vezes santo e, portanto, pergunta para conhecer até ao fim a vontade de Deus,
desejando assim compreender-se a si mesma na palavra que lhe é dirigida pelo
mensageiro divino” (JOÂO PAULO II, 1992).
Maria cresceu na
profundidade da Palavra e a cada passo do seu diálogo com o Anjo, ela penetrou
intensamente na Palavra ao longo da sua peregrinação terrena. Maria como modelo
de Igreja cresceu na intimidade da Palavra, meditando-a com humildade e
paciência, pois tudo que ela ouvia, ela guardava e meditava em seu coração (Cf.
LC 2,19). Diz o Catecismo que, “graças à assistência do Espírito Santo, a
compreensão tanto das realidades como das palavras do depósito da fé pode
crescer na vida da Igreja pela contemplação e estudo dos que creem, os quais as
meditam em seu coração”. (CIC, 2000, n.94). Com efeito, Maria se fez serva e
discípula da Palavra até conceber no seu coração e na sua carne o Verbo feito
homem.
A Mãe de Jesus também é
comparada à Arca da Aliança, da qual Deus falava a Moisés (cf. Ex 25, 10-22). A
Arca da Aliança era de madeira preciosa e incorruptível. Maria é a Arca da Nova
Aliança, que foi sempre imaculada e seu corpo puríssimo foi preservado da
corrupção do sepulcro. Como a Arca era revestida inteiramente de ouro, Maria
era animada pelo fogo da caridade divina, que entre as virtudes é o mesmo que o
ouro entre os metais. “Na Arca estavam guardados um jarro de maná, as tábuas da
Lei e o báculo de Arão. Maria guardou em seu seio Jesus Cristo, o verdadeiro
pão vindo do Céu, o sacerdote do Novo Testamento” (DAMINO,
1945, p. 22).
No Livro do Apocalipse
de São João: “Um sinal grandioso apareceu no céu: uma Mulher vestida com o sol,
tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doe estrelas”. (Ap 12,1)
Trata-se, de acordo com João, de uma Mulher. Ela deu à luz um filho, um varão
que regerá todas as nações com o cetro de ferro. (Ap 12,5). Nota-se que este parto se trata de
um grande sinal. Este é o mesmo sinal que Isaías narrou para Acaz sobre o
nascimento de Jesus: “Pois sabei que o Senhor mesmo vos dará um sinal, eis que
a jovem, está grávida, e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel” (Is
7,14). O texto mostra o intuito de demonstrar a identidade e a história desta
Mulher, marcada pela inimizade para com o demônio. Tradicionalmente, “a Igreja
aplica este primeiro versículo à própria Mãe de Deus em todo o esplendor após
sua santa Assunção” (Cf. PIO XII, 1950, n.27)
Assim, as gloriosas
mulheres do Antigo Testamento são imagens da Mãe de Cristo. Nossa Senhora, por
vontade do Pai e por obra do Espírito Santo, foi templo santo do Filho Jesus
(cf. Lc 1, 26-38). Por sua cooperação no mistério da salvação, Maria tornou-se
nossa Mãe na ordem da graça (PAULO VI, 1964, n. 61), Mãe da Igreja. Depois de
elevada ao céu, Maria não abandonou esta missão salvadora. “Com a sua intercessão,
ela continua a alcançar-nos. Maria,
pois, é aquela que acolhe a Palavra de Deus. Ressalta-se que, em toda a Bíblia,
Maria é a única que recebe o título de Cheia de Graça”. (Cf. VIANELLO, 2018, p.
56).
Diante desse chamado,
Maria se considera a “serva do Senhor”, totalmente disponível diante do plano
de Deus. Maria é modelo de Louvor em toda a Sagrada Escritura, seja por meio
das mulheres que prefigura Maria, seja por ela própria no Novo Testamento. Se
pensamos na parábola do semeador e da semente (cf. Lc 8, 4-18), podemos dizer
que o coração de Maria é a terra virgem, a terra boa preparada para a acolher a
semente da Palavra. De fato, no íntimo do seu coração, Maria é pura
receptividade em relação à Palavra de Deus.
pois em sua vida o que melhor ela soube fazer, foi cantar os Louvores de
Deus. “Assim Maria é modelo e mestra da Igreja na escuta da Palavra. Isto vale
sobretudo para a Sagrada Liturgia que é o diálogo do Esposo com a Esposa, isto
é, de nosso Senhor Jesus Cristo com a Igreja” (OROZCO, 2016, p.198), um dos
momentos essenciais que é a escuta da Palavra de Deus.
Por isso, o exemplo de
Maria nos faz compreender que a escuta da Palavra Divina nos faz assimilar e
compreender a Vontade de Deus, e assim podemos concluir que a figura da mulher,
“aqui podemos dizer Maria”, é indispensável para a estrutura da fé bíblica,
pois ela é a mulher que pela escuta da Palavra, soube corresponder em o que
seria uma vida entregue ao Louvor, pois ela é para todos nós, modelo de Louvor
de Deus, de Santidade, de Espírito Missionário e Evangelizador
3. Maria: Vida que Louva
A mais bela oração é a de louvar a Deus, pelo que
Ele é, reconhecer sua grandeza infinita, seu poder absoluto e seu amor sem
limites, pois essa oração nos motiva a reconhecer que é uma necessidade da
alma, pois foi Ele por sua onipotência, onisciência, onipresença, perfeição,
majestade, eternidade que nos trouxe a essa vida de Louvor, e por isso Ele tem
direito de receber de todas as suas criaturas o louvor permanente, por uma
razão muito simples, foi Ele quem as criou. Na eternidade louvaremos a Deus sem
cessar, pois a vida eterna consiste em louvar a Deus.
Mas não é possível louvar a Deus sem conhecê-Lo, só
quem o conhece pode reconhecer a sua grandeza portentosa. Maria foi aquela que
soube Louvar, que soube reconhecer, que carregou o perfeito louvor em seu seio,
e foi em seus braços que olhou nos olhos Daquele que é o Verdadeiro Louvor,
tudo porque ela muito amou, muito se entregou, pois o Louvor é a expressão primeira de entrega,
e essa entrega foi a vida de Maria, uma mulher que em tudo encontrou a
felicidade, a felicidade de entregar o seu tudo, uma vida ofertada ao Louvor.
Santo Agostinho dizia que:
“Nossa meditação é uma espécie de treino no louvor do Senhor. Se a
felicidade da vida futura consiste em louvar a Deus, como poderemos louvá-lo se
não fomos treinados? Louva e bendiz ao Senhor todos e em cada um dos teus dias
para que quando venha esse dia sem fim, possas passar de um louvor ao outro sem
esforço” (RUBIO, 1996, p. 194).
Expressão maior de uma
vida que louva é o sacrifício que se dá na cruz (Kenosis). A Paixão,
morte e ressurreição de Jesus é oferta de louvor, é entrega para a glória do
Pai, para que todos saibam que é Ele o Deus verdadeiro (Cf. Jo 17,3).
Maria de modo algum rompe com o os projetos de Deus, aquilo que Jesus sofria na
carne, ela porém sofria na alma, pois era mãe, mas ela acolhe tudo como vontade
de Deus, mesmo com a espada sendo transpassada sua alma na profecia de Simeão
(Cf. Lc 2,35), a sua vida era voltada para o Louvor de Deus, ela soube
transformar a sua dor em Louvor, isso é vida que Louva, encontrar no sofrimento
uma resposta de Deus. “Pois o louvor
supõe uma disponibilidade à escuta da palavra de Deus e a capacidade de
discerni-lo em suas ações e suas obras” (LACOSTE, 2004, p. 1052). E Maria é
aquela mulher atenta aos planos de Deus, ela teve a capacidade de discernir
tudo em Deus, e a capacidade de ouvir e discernir vem de uma vida abandonada ao
Louvor.
Em Maria reconhecemos essa vida que Louva, pois é um
caminho de união interior e exterior, de alma, mente e corpo, ou seja, é uma
vida entregue a Deus. É uma vida que se derrama ao amor de Deus e existimos
para amar primeiramente a Ele: e ela foi escolhida para o louvor de Deus. No
reconhecimento de sua verdade mais íntima, Maria reconhece a sua pequenez e
dependência de Deus e, somente assim, é capaz de louvá-lo e enaltecê-lo por seu
amor, afinal: “que é o homem, Senhor, para vós? Por que dele cuidais tanto
assim?” (Cf. Sl 143, 3). E o cuidado de Deus por Maria, foi escolhê-la para ser
mãe do seu Filho único.
O perfeito Louvor de Maria se deu na cruz como
transbordar da sua entrega onde ela entregou sua vida, entregou seu filho aos
cuidados de Deus, pois o perfeito Louvor é dado pelos lábios dos mais pequenos
(Cf. Sl 8,3) e Maria foi essa pequena serva, dos lábio pequenos, porque pouco
falou, mais muito louvou “o louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a
honra, o poder e a força” que “pertencem ao nosso Deus pelos séculos dos
séculos. Amém!” (Ap 7, 12).
Maria é modelo de Louvor, pois, ela é aquela que
quer viveu o louvor da glória de Deus, Maria é modelo do anúncio profético da
Igreja e para a Igreja. O “Magnificat”, cantado por Ela, expressa tudo
isso. O “Magnificat” é o verdadeiro kairós, um tempo novo instaurado na
história. E neste cântico de louvor podemos perceber a docilidade de Maria aos
projetos de Deus:
"Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus em
meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as
gerações todas me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo-poderoso fez grandes
coisas em meu favor. Seu nome é santo e sua misericórdia perdura de geração em
geração, para aqueles que o temem. Agiu com a força de seu braço. dispersou os
homens de coração orgulhoso. Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes
exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias. Socorreu
Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia conforme prometera a nossos
pais em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre!" (Lc 1,
46-55).
Para onde está voltado o olhar de Maria? Totalmente
fixado em Deus. Aquela, que acreditou, está com o olhar totalmente voltado para
o Todo-poderoso, à vida de Maria foi um contínuo louvor, porque a sua vida
estava voltada para Deus Pai e dessa forma, Maria sente-se no “Magnificat”,
olhada por Deus e, ao mesmo tempo, pequena. Maria sente-se olhada e alcançada
pelo amor de Deus, essa é a experiência do autêntico louvor.
O louvar de Deus
não é somente um ato de agradecer por coisas ruins ou boas que nos
acontecem, mas aquele que louva reconhece que Deus é bondoso, misericordioso e
nunca nos abandonara, esse ato de Louvar, é um ato de abandono, de entrega e de
virtude, pois o louvor não é nosso, ele é de Deus, e em Maria percebemos que
sua vida, foi um total abandono a vontade de Deus, ela não quis aparecer por
ser Mãe do Filho de Deus, mas soube ser pequena e reconhecer que tudo era de
Deus.
4.
Virtudes de Maria
Falar de Maria, relacionada às virtudes, nos remete
a uma questão teológica bem profunda, ou seja: falar de Maria e a ação do
Espírito Santo nela. “Existem as virtudes naturais que se adquirem e as
virtudes sobrenaturais, que são infundidas e doadas, como fruto da graça de
Deus agindo na pessoa”. (CIPOLINI, 2012) Desde a origem da história do Povo de
Israel, na teofania do monte Sinai, até em Pentecostes, o Espírito é o mesmo:
força de Deus presente como promessa e uma realidade de salvação, que se
concretiza para gerar vida e vida em abundância. Jesus sem dúvida é aquele que
recebeu a plenitude do Espírito Santo, como esta escrito no livro do profeta
Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Iahweh meu ungiu…” (Is
61,1), e em seguida diz: “Hoje se
cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” ( Lc 4, 20).
Porém o Espírito Santo está em Maria, pois ela
recebeu a força do Espírito Santo:
“Maria então é aquela que foi envolvida por Deus a partir de dentro, “o
Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com sua sombra”
(Lc. 1,35) – ela concebe o filho de Deus – e a partir de fora: ela está envolta
na força de Deus, “Alegra-te cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc
1,28). (Cf. PAREDES,1984, p. 70)
Esse apelativo de Graça, Maria se torna sinal
permanente da graça de Deus entre todos os homens, pois nela encontramos o
modelo de benevolência, que permanece constantemente até os dias de hoje.
“O nome de graça é acompanhado por uma frase singular: “O Senhor é
contigo”. Dos grandes personagens do Antigo Testamento se dizia nas Escrituras
que “o Senhor estava com eles (...) com esta expressão se queria dizer que
poderiam realizar sua importante missão no povo porque Deus, presente
dinamicamente neles, os protegera, ajudaria, livraria e procuraria que fossem
abençoados e tivessem êxito” (Cf. PAREDES,1984, p. 61)
E Maria foi essa mulher cheia de graça, que foi
acompanhada por Deus durante toda sua missão, e Deus a protegeu para cumprir o
seu projeto de Salvação, ela recebeu uma graça especial que é à força do
Espírito Santo, onde seria toda envolvida pela sombra do Altíssimo.
O Concílio Vaticano II ressalta a santidade iminente
de “Maria que refulge para toda a comunidade dos eleitos como exemplo de
virtudes” (LG, 1965, n. 65). Maria como ressalta o Concilio Vaticano é o exemplo
de todas as virtudes, e nela encontramos as virtudes das grandes mulheres do
Antigo Testamento, ela foi uma mulher confiante como Ana,
Humilde como Judite, firme como Débora e corajosa como Ester, mas a sua maior virtude sem dúvida foi o desprendimento
e a total disponibilidade a Deus: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim
segundo a tua Palavra” (Lc 1, 38), aqui podemos dizer que ela proclamou o
Louvor de Deus em sua vida, ela soube reconhecer o seu lugar, e reconhecer o
Lugar Daquele que a chamava para sua missão, e ainda mais, quando ela agradece
ao Senhor, vai exclamar: “…olhou para a humilhação de sua serva” (Lc 1,48), se
fez pequena, somente quem se faz pequeno, pode cantar os Louvores de Deus.
Maria é, portanto, “o molde com o qual Deus quer formar os seus santos, é a
forma que somos lançados para adquirir o formato e a figura de Jesus”.
(MONTFORT, 2013, p. 214).
Maria acredita na Palavra de Deus, porque ela lançou
sua vida em Deus, no episódio da visitação, Isabel proclama a virtude de Maria, “Feliz aquela que creu” (Lc. 1,45), encontramos nesse
lançar-se de Maria, e aparece o primeiro cântico que saiu de sua boca:
O Magnificat (Minha alma engrandece o Senhor: Lc 1,46-56). Aliás,
é interessante falar da presença dela nos outros dois cânticos de Lucas: O Benedictus
(Bendito seja o Senhor Deus de Israel: Lc 1,67-79), proclamado por Zacarias,
pai de João Batista; e o Nunc dimittis (Deixai, agora, vosso servo ir em
paz: Lc 2,29-32). (PAREDES, 1984, p.
76),
Esses cânticos, que tiveram Maria como protagonista
(o Magnificat) ou como testemunha (o Benedictus e o Nunc
dimittis), tornaram-se, hoje, na Liturgia das Horas, a oração da Igreja,
portanto, Maria é modelo de virtudes a ser seguido.
Maria, pelo magnificat soube reconhecer-se
como humilde serva, sentia-se pequena do Senhor, sem vaidade nenhuma se
entregou ao Senhor os louvores que recebia e não havia nada em seu coração que
permanecesse nela. Sua simplicidade, e seus atos eram feitos no silêncio e no
escondimento. A humildade de Maria é a principal virtude, pois pela sua
humildade ela soube encontrar graças diante de Deus. Ela se alegrava em servir
ao próximo e se colocava sempre em último lugar, e isso se chama virtude.
“A humildade não teve jamais que reprimir nEla o menor primeiro movimento
de orgulho ou de vaidade, mas A conduzia ao ato próprio desta virtude, a
reconhecer que por Ela mesma nada podia e nada representava, sem a graça, na
ordem da salvação. Assim inclinava-se Ela diante da infinita majestade de Deus
e diante do que dEle havia em todo ente criado. Mais do que qualquer outra
criatura. Ela pôs sua grandeza em Deus. (DIAS, 1997, p.476).
Este desprendimento e total disponibilidade de
humildade é a expressão de quem está como a terra (húmus), em total
disponibilidade para que sobre ela tudo se faça. Através de sua entrega total,
de esvaziamento, confiando de maneira absoluta na palavra e em Deus, é a
virtude de Maria que fica em evidência. A oração de Maria, portanto, foi sempre
está: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc
1,38).
Portanto, em virtude do que foi mencionado, o
Louvor é um reconhecimento total e um abandono a vontade de Deus, o Louvor de
Deus no que foi abordado até ao presente momento é uma resposta através do sim
de Maria. A Mãe de Jesus, sempre foi modelo de discípula com a mais autêntica
espiritualidade cristã. Maria como modelo de Louvor, nos ajuda todos a crescer
na fé, nos faz mais reflexivos e atentos à vontade de Deus. “Cantar o Louvor de
Maria é redescobrir a identidade de Maria” (BROWN, 1985, p.185), servidora fiel
de Deus que realiza maravilhas, em favor dos descendentes de Abraão (Lc 1,55).
Maria vida que louva é objeto de estudo e reflexão neste capítulo, e é uma
referência da espiritualidade mariana, pois o louvor de Maria é recitado pelas
mais variadas formas dentro a Igreja, o Louvor de Maria é uma expressão poética
do itinerário espiritual, pois Maria louva o Senhor que a escolheu para a
missão de gerar o Messias. Maria canta o Magnificat, e ela é a mesma Mulher
humilde de Nazaré que, ao receber do anjo a notícia das maravilhas do
Todo-Poderoso, assume a condição de servidora do Senhor (cf. Lc 1,38). Lucas, o
autor do terceiro evangelho e do livro dos Atos dos Apóstolos, coloca Maria na
linha das grandes mulheres do povo de Deus, como: Rute, Judite, Ester, Débora,
Ana, mas Lucas vai ainda mais longe e situa a Mãe de Jesus entre o resto de
Israel, a classe mais humilde da população (Cf. OROZCO, 2016, p.117).
Porém, Deus se encantou com a simplicidade do seu
coração e a escolheu para a sublime missão de ser a Mãe do Salvador, este
trabalho de maneira alguma visa esgotar a riqueza que é o tema, por isso iremos
aprofundar um pouco mais no próximo capítulo, sobre o tema principal que é o Magnificat
como expressão do Louvor.
Capítulo 3
Magnificat como expressão do Louvor
No capítulo
anterior tratamos sobre o Louvor na Sagradas Escrituras e Maria como modelo de
louvor. Neste capítulo, nos ocuparemos com o Magnificat como expressão
desse Louvor que acontece de forma profunda na vida do homem, pois é modelo de
gratidão para todos nós, cristãos. Neste capítulo nos ocuparemos com uma breve
exegese do Magnificat como expressão desse louvor que acontece de forma
profunda na vida do homem e sobretudo como vivenciá-lo nos tempos em que
vivemos pois é um modelo de gratidão para todos nós cristãos.
1.
Exegese do Magnificat
Quando,
aprofundamos o nosso olhar sobre a Sagrada Escritura, quando dilatamos o nosso
olhar para aprofundar e mergulhar nos mistérios Deus, conseguimos perceber que
Deus de uma forma profunda nos traz alguns cânticos, que manifesta a gratidão
da criatura com seu Criador, e “Lucas é a primeira pessoa versada no estudo de
hinos e de cânticos cristãos” (BROWN, 1985, p. 152). O Evangelho segundo Lucas é musical, por isso
que há cinco Cânticos registrados neste Evangelho
Cânticos no Evangelho segundo Lucas: “Beatitude” – O Cântico de
Isabel (Lc 1.42); “Magnificat” – O Cântico de Maria (Lc 1.46-55) ; “Benedictus”
– O Cântico de Zacarias (Lc 1.68-79) ; “Gloria in excelsis Deo” – O
Cântico dos Anjos (Lc 2.14) e “Nunc Dimits” – O Cântico de Simeão (Lc
2.29-32) (BROWN, 1985, p. 152).
Estudiosos dos Evangelhos consideram esses poemas musicais
registrados por Lucas como sendo “os últimos
dos salmos hebraicos e os primeiros dos hinos cristãos” (BROWN,
1985, p. 154).
O Evangelho segundo Lucas é de uma profundidade especial, e
tem uma dimensão de oferta, holocausto, mas ele de uma forma única fala sobre
Maria. O evangelista apresenta Maria como discípula e missionária, desde a
anunciação do Anjo até o canto do Magnífica na casa de Isabel, sua
prima. O Magnificat está no Capítulo 1, 46-55 do Evangelho de São Lucas:
"Minha alma engrandece o
Senhor, e meu espírito exulta em Deus em meu Salvador, porque olhou para a
humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de
bem-aventurada, pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. Seu nome
é santo e sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles que o
temem. Agiu com a força de seu braço dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs
poderosos de seus tronos e a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e
despediu ricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo lembrado de sua
misericórdia conforme prometera a nossos pais em favor de Abraão e de sua descendência,
para sempre!" (Lc 1,46-55).
O Magnificat é o texto bíblico mais longo colocado na
boca de Maria. Porém, ela, aqui, não quer falar de si própria, mas ela fala de
Deus e das maravilhas que realizou nela. O cântico de Maria ressoa de citações do
Antigo Testamento, especialmente em relação ao Cântico de Ana, pronunciado por
ocasião do nascimento do filho Samuel (1Sm 2,1-10).
O Magnificat é
um cântico verdadeiramente teológico porque revela a experiência do rosto de
Deus feita por Maria, Deus não só é o Poderoso, a quem nada é impossível, como
havia declarado o anjo Gabriel (cf. Lc 1,37), mas também o Misericordioso,
capaz de ternura e fidelidade para com todo ser humano. “Lucas põe na boca de
Maria as esperanças dos ‘pobres de Javé’, e ele caracteriza a Maria não somente
como pessoa crente, mas como a primeira evangelista, visto que seu cântico se
refere, quanto ao conteúdo, à vinda do messias” (SCHNEIDER, 2012, p. 149).
E assim faremos
uma exegese deste belíssimo cântico, buscando interpretar, ou seja, arrancar
para fora do texto o que ele significa, iremos trabalhar cada parte desse
belíssimo cântico e trazer para fora a riqueza que ele contém.
“Minha alma engradece o Senhor, e meu espírito
exulta em Deus meu Salvador”
(Lc 1,46-48), Maria manifesta o sentimento de sua pequenez, aqui podemos
perceber um termo grego ταπείνωση “tapeinosis” que “indica a humildade
de uma mulher de condição humilde” (RUSCON 2018, p.450). Com uma expressão,
Maria apresenta sua situação de pobreza e a consciência de sua pequenez perante
Deus que, com decisão gratuita, colocou seu olhar sobre ela, porque Ele viu que
seu coração era humilde, que seu coração era dilatado para o Louvor. Percebemos
ainda uma grande alegria, Maria mostra-se uma jovem alegre, é um dom que nasce
de uma profunda experiência de Deus, de Seu poder e de Seu amor. Deus, quando
escutou de seus lábios que sua alma engradecia por Ele, Deus a escolheu porque
o orgulho não passava em seu coração, mas sim uma palavra resumia a sua vida:
Humildade. Essa palavra nasce de uma amor intenso e de uma alegria profunda,
por isso Maria não diz “Eu enalteço a Deus”, mas “minha alma”, como se ela
quisesse dizer: “Minha vida com todos os meus dons se movimenta no amor de
Deus, em louvor e grande alegria” (LUTERO, 2015, p. 27).
No Salmo 33 no
versículo 4 contemplamos na boca do salmista o mesmo trecho que se encontra no
Evangelho de São Lucas: “Engrandecei a Iahweh comigo, juntos exaltemos o
seu nome”. Então podemos perceber que os livros do Antigo Testamento estão
repletos de comparações de palavras de gratidão e de exultação a Deus.
Podemos analisar
que o magnificat é uma mensagem profética, pois enquanto Maria e Isabel
juntas cresciam na intimidade com Deus, elas louvavam a Deus por inúmeros
benefícios pois o Magnificat é o louvor daqueles que reconhecem o poder
de Deus.
“O louvor da coisas vitoriosas que Deus fez pela comunidade oprimida
segue o modelo dos cânticos veterotestamentários de louvor divino e descreve a
inversão de circunstancias terrenas nas quais a pessoa reconhece a ação divina
e irrompe em cântico como as mulheres primitivas: Débora (Jz 51-31), Ana (1Sm 2
1-10), e Judite (Jt 16 1-17)” (COYLE, 2012, p. 91).
Podemos assim
afirmar que não somente Maria, mas o Magnificat é a resposta de todas as
almas que reconhece a grandeza de Deus, todo o ser, daquele que canta, se elava
num gesto de reconhecimento e esperança.
“Porque olhou
para a humilhação de sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de
bem-aventurada” (Lc 1,48).
Vale lembrar que
na Sagrada Escritura a palavra humilhar, significa rebaixar, ou até mesmo
arrasado: “estou por demais arrasado” (Sl 116,10). Assim podemos perceber que
humildade nada mais é do que um estado ou condição de desprezo, rebaixamento.
É uma
característica de Deus olhar as coisas insignificantes. Portanto, Maria teve a
seguinte intenção ao recita o cântico: Deus olhou para mim, uma moça pobre,
simples e insignificante, Ele poderia ter escolhido ricas, importante, nobres e
poderosas rainhas, poderia ter escolhido a filha de Anás o Caifás, porém Ele
olhou para mim por pura bondade e usou para esse fim uma moça humilde e
simples. (Cf. LUTERO, 2015, p. 45). Neste trecho trata-se então da virtude
pessoal da Virgem, que assume com coragem sua pouca importância e se entrega a
Deus cheia de temor e de confiança, exatamente como uma verdadeira “pobre do
Senhor”. Maria proclama do grego δούλης “doúles” (RUSCONI,
2018, p.136), ser serva, porque
toda a sua vida era de serviço a Deus, e
é “através desse título que ela entende sua identidade e sua missão”
(HENRIQUES, 2005, p. 19), e desta forma
é possível acertadamente afirmar que todas as gerações chamarão esta grande
mulher de bem-aventurada, pois ela se colocou como serva, aquela que colocou
sua vida em Deus, e ela é bendita entre todas as mulheres da terra, pelo
simples fato de acreditar nas promessas que Deus tinha reservado para ela.
“Pois o todo
poderoso fez grandes coisas em meu favor, seu nome é Santo” (Lc 1, 49).
Maria se alegra
por causa da dimensão da ação do Poderoso Deus em sua vida. Ela parte da
constatação da sua condição de pequenez e humildade diante da grandeza de Deus.
A palavra Santo é uma doxologia comum dentro do contexto judaico no qual O Nome
(cf. Lv 24,11 e Dt 28,58) é associado à pessoa de Deus. E aqui podemos fazer
alusão às libertações e à esterilidade no Antigo Testamento:
Grandes mulheres, como Ana, a mãe de Samuel; Débora, a juíza; Judite, que
decapitou Holofernes; Ester, por cuja intercessão o povo foi salvo do extermínio.
Maior, porém, que todas essas libertações é aquela de que Maria é a portadora:
de trazer a Salvação, pois o poderoso fez grandes coisas em sua vida.
(HENRIQUE, 2005, p. 20).
Aqui podemos
dizer que Maria cantou todas as obras que Deus tinha feito nela, pois ela não
falade um favor específico, mas canta que “Ele fez grandes coisas” (Cf. Lc
1,49). Assim podemos afirmar que tudo que Deus fez nela é grande. Martinho
Lutero comenta essa expressão de “grandes coisas”:
“as grandes coisas nada são senão o fato de Maria ter chegado a ser mãe
de Deus, foram dadas a ela tantas e tão grandes obras, que ninguém as pode
compreender, por essa razão ela é uma pessoa especial dentro do gênero humano,
pois ninguém se iguala a ela, porque ela tem um filho com o Pai Celeste. E que
filho! Ela própria é incapaz de descrever esse acontecimento por ser muito
grande” (LUTERO, 2015, p. 64).
Mas todo esse
mérito, Maria atribuiu à graça de Deus, Ele fez grandes coisas em sua vida por
iniciativa própria, porque Deus voltou seu olhar para ela, porque ela é a cheia
de graça e assim digna de dar à luz a um filho que seria grande (Cf. Lc 1,28).
“E sua
misericórdia perdura de geração em geração, para aquele que o temem” (Lc 1, 50).
O Salmo 102, 17
nos traz essa dimensão de que o amor de Iahweh existe desde toda
eternidade. “Mas o amor de Iahweh existe desde sempre e para sempre
existirá por aqueles que o temem” (Sl 102,17).
O fato é que
Maria vê o amor de Deus cobrindo a sua história por completa, e essa
misericórdia é o próprio amor de Deus que envolve não só Maria, mas que também,
ao envolvê-la, envolve todos aqueles que esperam Nele. Mas, é preciso acolher o
amor de Deus. “Os ‘tementes de Deus’ assumem, em geral, na história a figura
sociopolítica dos ‘humildes’ (pequenos e fracos) e a figura socioeconômica dos ‘famintos’
(pobres) (LUTERO, 2015, p. 75). Essa misericórdia é totalmente inspirada no
Pai, neste Pai que ama profundamente, e derrama esse amor a todo ser humano que
anseia por Ele.
“Agiu com a
força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs poderosos
de seus tronos e os humildes exaltou”
(Lc 1, 51-52).
Maria canta, exulta e louva a Deus que ama os
pobres, derrubando os poderosos de seus lugares de destaques. A ação do braço
de Deus em favor dos pequenos é sinal de sua fidelidade e de seu amor
preferencial pelos pequenos (cf. Jr 31,3).
Maria não quer de forma alguma, neste
versículo, a “destruição” física dos soberbos, ela usa um termo mais ameno:
“dispersa” (Cf. BOFF, 2014, p. 415). Neste versículo, verifica-se a preferência de Deus não pelos arrogantes,
ricos das coisas do mundo e vazios das do alto, como é visível em toda Sagrada Escritura,
mas, acima de tudo para aqueles que se reconhecem pequenos, como o fez Maria,
que em vários momentos demonstra a sua servidão “como principal traço de sua
personalidade; uma servidão obediente diante dos mistérios de Deus”
(CATALAMESSA,1992, p.65).
Estas palavras
do cântico, ao mesmo tempo em que nos mostram em Maria um modelo concreto de
amor pelos pequenos, nos ajudam a compreender que o que atrai a benevolência de
Deus é sobretudo a humildade de coração.
“O seu amor preferencial pelos pobres acha-se admiravelmente inscrito do Magnificat
de Maria. Maria está profundamente impregnada do espírito dos “pobres de Javé”
que, segundo a oração dos salmos, esperavam de Deus a própria salvação, pondo
nele toda a sua confiança. O
Senhor, confundindo os critérios do mundo, vem em auxílio dos pobres e
pequenos, em detrimento dos ricos e dos poderosos, e, de modo
surpreendente, enche de bens os humildes, que lhe encomendam sua
existência” (REDEMPTORIS MATER, 1989, p.37).
Com
sua leitura sapiencial da história, Maria nos leva a descobrir os
critérios da misteriosa ação de Deus.
“Cumulou de bens
a famintos e despediu ricos de mãos vazias. Socorreu a Israel, seu servo,
lembrado de sua misericórdia”
(Lc 1,53-54).
Este ponto que
deixa bem claro a predileção pelos pobres, pois somente o pobre, o pequeno que
pode vos louvar, como o salmista recita no salmo 112:
“Aleluia! Louvai, servos de Iahweh, louvai o nome de Iahweh! Seja bendito
o nome de Iahweh, desde agora e para sempre; do nascer do sol até o poente,
seja louvado o nome de Iahweh! Elevado sobre os povos todos é Iahweh, sua
glória está acima do céu! Quem é como Iahweh nosso Deus? Ele se eleva para
sentar-se,6e se abaixa para olhar pelo céu e pela terra. Ele ergue o fraco da
poeira e tira o indigente do lixo, fazendo-o sentar-se com os nobres, ao lado
dos nobres do seu povo; faz a estéril sentar-se em sua casa, como alegre mãe de
filhos” (Sl 112, 1-9).
Sabemos, que
quando se trata de rico, não se trata de posses, mas de pessoas que não cantam
os louvores de Deus, ou seja, pessoas que se bastam, que conseguem tudo pelos
seus próprios esforços. Aqui existem traços de uma heresia pelagiana, em
relação aos ricos (soberbos), visto que os mesmos não tem conhecimento das
obras de Deus e também não entendem a obras de suas mãos (Cf. Sl 28,5), pois o
coração do ser humano não deve- se apegar ás coisas terrenas, mas deve- se
apegar ás coisas do alto que sempre serão um consolo para a nossa alma:
“Olha que grande consolo: não é uma pessoa humana, mas o próprio Deus
enche (de bens) o faminto e o sacia. Além disso, Maria acrescenta “de Bens”,
isso significa que esse encher é algo proveitoso e salutar, para que o
beneficie corpo e alma com todas as forças” (LUTERO, 2015, p.102).
O rico sempre
terá fome, mesmo tendo tudo o que precisa, pois ele sempre se alimenta de bens
temporais, já o pequeno ele sempre será saciado com o verdadeiro alimento, o
que traz vida.
Esse é o
alimento que Maria experimentou na sua vida, o alimento dela é o Louvor do Magnificat,
pois aqueles que viviam na fartura se empregaram por comida, e os que
tinham fome não precisaram trabalhar. (Cf. I Sm 2,5). A misericórdia de Deus é
eterna, pois ele sempre lembrará dos seus servos (pequenos), aqueles que
dependem unicamente da graça de Deus, aqueles que sabem proclamar com sua vida
o Louvor de Deus.
“Conforme
prometera a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência para sempre” (Lc 1,55).
Deus cumpre suas
promessas e nunca deixa seus filhos desamparados. E Maria foi uma destas que a
promessa de Deus cumpriu e que podemos contemplar até os dias de hoje; por isso
a chamamos de a grande mulher da humildade, pois, reconhecendo o poder de Deus
em sua vida soube se colocar em seu lugar e o o seu amor pela humanidade será
para sempre.
“Do ponto de vista espiritual, humilde é quem reconhece que tudo recebe
de Deus. Sabe-se servidor de uma causa que vai além de sua individualidade, nas
relações humanas, conhece seu lugar, não invade o espaço dos outros e se mostra
discreto” (MURAD, 2012, p. 74-75).
A humildade não
é uma qualidade dos fracos, mas de todo ser humano a caminho da maturidade, e
Maria foi essa que encontrou o caminho de maturidade e soube se colocar em seu
lugar e nunca invadiu o lugar de ninguém, pelo contrário, ela soube reconhecer
o poder de Deus, e o Magnificat é o exemplo dessa verdade que me refiro
neste parágrafo.
No canto do Magnificat,
Maria reconhece-se como uma mulher especial, agraciada por Deus. Ela diz
claramente que “todas as gerações, de agora em diante, me chamaram de bendita
(Cf. Lc 1,48), ela não se esconde em baixo de uma falsa modéstia, ela conhece
seu valor, sua potencialidade, mas jamais e de forma alguma ela utiliza para
fortalecer seu ego, mas reconhece que tudo é dom de Deus, “ela não toma nenhum
louvor ou honra para si, mas tudo leva de volta para Deus, em gesto de
reverencia e ação de graças” (MURAD, 2012, p.76). E este cântico é uma resposta apropriada para
dizer que Maria é a profetiza da nova humanidade, o Magnificat é uma
expressão de Louvor que todos nós devemos reconhecer.
2.
Magnificat, como expressão de Louvor
O Magnificat é uma resposta apropriada do
homem que fez da sua vida um abandono total e confiante a Deus, pois só podemos
louvar verdadeiramente quando deixamos Ele conduzir, sabendo que tudo é Dele e
para Ele. “O homem deve dar ao Senhor a glória devida ao seu nome, tragam
ofertas e venham à sua presença e adorem o Senhor no esplendor da sua
santidade” (1 Cr 16,29). Isso faz recordar o homem para aquilo que ele mesmo
foi chamado, louvar ao Senhor no esplendor de tudo o que torna o que ele é,
Deus “entrai, prostrai-vos e inclinai-vos, de joelhos, frente a Iahweh
que nos fez! Sim, é ele o nosso Deus, e nós o povo do seu pasto, o rebanho de
sua mão” (Sl 95,6-7).
O Magnificat é uma resposta apropriada da
criatura ao seu Criador, o louvor não cria algo, pelo contrário, é uma
conclusão transparente ao que é um reconhecimento daquilo que somos criaturas e
aquilo que Ele é Criador (Cf. CARSON, 2017, p. 28). O Louvor ao nosso Deus
Criador é precisamente porque Ele é digno deste mesmo Louvor, eis a nossa
vocação, nascemos para cantar a sua Glória.
Sim, eu te contemplava no santuário, vendo teu poder e tua glória.
Valendo teu amor mais que a vida meus lábios te glorificarão. Assim, eu te
bendirei em toda a minha vida, e a teu nome levantarei as minhas mãos; eu me
saciarei como o óleo e gordura, e com alegria nos lábios minha boca te louvará
(Sl 63, 3-6).
É necessário esclarecer algo sobre o “Louvor de
Deus” e o Louvor a Deus”.
O Louvor de Deus acontece a partir da experiência do
Magnificat, quando o ser humano abre-se ao Amor de Deus, e se efetiva,
quando cada ato do ser humano, proclama a grandeza de Deus, pois o Louvor de
Deus não se limita a algum momento do dia, mas tudo o que fazemos cantamos a
gloria que é Dele, trata-se de é um louvor continuo, sem pausa, sem alguma
parada, mas um louvor que nunca terá um fim, pois até o céu cantaremos o Louvor
de Deus, e esse louvor de Deus é uma vida que proclama que Deus é Santo, que
Ele é digno, que a Ele devemos nos submeter, como rezamos no Prefacio IV: “ainda
que nossos louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos
louvar. Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós por Jesus
Cristo, vosso Filho e Senhor nosso. (MISSAL ROMANO, 2011, p. 459).
Os nossos louvores não são necessários a Deus,
mas é Ele quem nos concede a graça e o dom de louvar, logo Louvar a Deus, é
apenas um momento, e o Louvor de Deus, como foi relatado acima é uma atitude
continua e constante, é uma vida que se coloca inteiramente a louvar e a
agradecer a Deus. “O Louvor é reconhecimento da grandeza de Deus fora isso, o
nosso louvor torna-se, na verdade, uma abominação” (Cf. CARSON, 2017, p. 37).
Ao falarmos de louvor contínuo e constante, nos
referimos ao reconhecimento, ao cântico de ação de graças, assim como o Magnificat,
um cântico entoado, ou recitado frequentemente na liturgia dos serviços
eclesiásticos cristãos. (COYLE, 2012, p.89).
O texto do cântico está expresso no Evangelho
segundo Lucas 1,46-55, onde é recitado pela Virgem Maria na ocasião da
Visitação à sua prima Isabel. Na narrativa, após Maria saudar Isabel, que está
grávida com aquele que será conhecido como João Batista, a criança se exulta
dentro do útero de Isabel. “Quando esta louva Maria por sua fé, Maria entoa o
Magnificat como resposta. E Este cântico ecoa em diversas passagens do Antigo
Testamento, porém é mais notável à Canção de Ana” (MURAD, 2012, p. 83). Todo
este cântico é uma expressão de gratidão, de reconhecimento, de louvor, celebra
a grandeza de Deus, “um Louvor excelente que vai em busca do próprio Deus”
(MURAD, 2012, p.29).
Maria, cantou o Louvor de Deus, cantou o magnificat,
não foi somente um louvor pausado, mas foi um louvor contínuo, desde a
anunciação até aos pés da cruz, foi um louvor verdadeiro e constante, um louvo
que não se esgota diante do sofrimento, mas que se prolonga, e o cântico do Magnificat
nos mostra essa experiencia:
O Magnificat, um cântico verdadeiramente teológicos, porque revela
a experiência do rosto de Deus feita por Maria, Deus não só é o Poderoso, a
quem nada é impossível, como havia declarado Gabriel, mas também o
Misericordioso, cheio de ternura e fidelidade para com todo ser humano (COYLE,2012,
p.91).
A Mensagem profética do Magnificat caracteriza
a vinda de Deus como compaixão, o cumprimento da promessa feita a Abraão e
Sara, somos todos convidados a entoar esse cântico que para nós é um canto de
Louvação.
O louvor a Deus brota do coração que
faz a experiência de profundidade do Deus que se revela em amor. Pois louvar é
reconhecer a grandeza de Deus e glorificá-lo. Louvar corresponde em bendizer,
celebrar, grito de triunfo, glorificar. E ainda: magnificar, exaltar, cantar;
celebração da honra, força e poder de Deus. (LACOSTE, 2004, p. 1051).
Podemos perceber que a
pressa de Maria para chegar na casa de sua prima, foi um desejo de preparar o
coração bem disposto para Louvar o seu criador, ela quis que Isabel encontrasse
com Deus, dentro do Louvor que é dele, tudo pela grande obra que Ele mesmo
estava fazendo na sua vida e na vida de sua prima.
Essa pressa e a exclamação
de Louvor de Isabel mostram a alegria exuberante de duas futuras mães, e ainda
quando Isabel abençoa Maria: “Bendita és tu entre as mulheres” (Lc 1,42). “Palavras
que fazem eco ao Louvor de Deus, endereçado a outras mulheres famosas na
história de Israel, que ajudara a livrar do perigo o povo de Deus”. (COYLE,
2012, p.89). Podemos
dizer que Maria é o eco desse Louvor de Deus, pois inspirada pelo Espírito
Santo, o seu Sim foi o verdadeiro plano de Salvação para toda a humanidade.
Inspirada pelo Espírito,
Isabel profeticamente anuncia que a mãe do seu Senhor foi visitá-la. Ela é a
primeira pessoa no Evangelho de Lucas a confessar Jesus como seu Senhor, o seu
reconhecimento é Louvor de Deus, o seu reconhecimento foi de uma profunda
experiencia com seu Senhor. (Cf. Lc, 1,42).
3. O Magnificat,
como resposta para o nosso tempo
O Magnificat, canto que revela o mais
profundo do coração de Maria e anuncia a História da Salvação, ele também é o
canto daqueles que experimentam o Louvor de Deus, pois ele é lição de oração e
de compromisso, que aprendemos na escola materna de Maria, o grande grito
contagiante da pobreza de Maria e de seu amor, e este cântico é o canto dos
humildes, dos pequeninos como está em Lucas 10, 21. Pois do Louvor nos advém
toda a graça e toda a perpetuidade, e Maria, fez a experiencia de se colocar
como pequena, como serva de Jesus Salvador, pois nela Deus operou maravilhas.
O carisma
do Louvor de Deus, nasce de uma experiencia de intimidade com Deus, a
nossa vida que se torna um verdadeiro Louvor, e esse Louvor nos impulsiona a
viver em comunidade, e neste aspecto podemos perceber em Maria, a mulher que
soube em tudo viver em fraternidade, soube entregar tudo, até mesmo entregar
sua herança no alto da cruz, e a cruz nos remeterá sempre ao Louvor de Deus.
“Tendo Maria como
nossa padroeira, como nossa intercessora, devemos seguir o seu silencio, que é
pertinente pela santidade pessoal e santidade comunitária. Quando uma
comunidade é quieta no Louvor de Deus, não falamos muitas palavras inutilmente,
guardando silêncio, agrada muito a Deus, tudo isso importa nesse Louvor de
Deus” (DEFINA, 2016, p. 171).
O Louvor de Deus é um carisma dado por
Deus ao Pe. Gilberto, e essa carisma é dom para a Igreja Católica, não somente
para aqueles que se consagram a este carisma, mas é uma graça para todos.
Devemos viver este Louvor, pois um dia iremos todos cantar o nosso Magnificat
no céu, e viveremos o Louvor de Deus na Eternidade.
Nas Constituições de 2014, o Carisma
Salvista é definido assim:
O carisma do
Instituto é o “Louvor de Deus” sob todas as suas formas, a litúrgica em
primeiro lugar e, como consequência deste “louvor a santificação pessoal e
comunitária. Este carisma vivencia em profundidade a dimensão latrêutica, isto
é, de louvor, do culto divino. Inspiração fundamental é a atitude do próprio
Senhor, que vive eternamente voltado para o Pai. Procuramos centralizar a nossa
espiritualidade nessa dimensão, vivida em primeiro lugar na intimidade do
coração, em seguida na vida comunitária com as diversas expressões litúrgicas e
devocionais e no exercício da missão procurando despertar os cristãos para o
“Louvor de Deus”, caminho seguro para a santidade (CONSTITUIÇÕES, 2014, n.5).
Por tudo isso, todos os dias reatualizarmos
o Magnificat de Maria em nossa vida; Não basta conhecê-lo, rezá-lo.
Devemos aprender com os Salvistas que todos os dias, devemos proclamar nossa
pobreza, proclamar a riqueza que é o Louvor de Deus, é assim devemos proclamar
a ação de graças, o nosso jubilo, com a nossa voz que desejamos ser pequenos
servos de Jesus Salvador.
A Virgem Maria está constantemente nos ajudando
neste caminho que nos leva a uma verdadeira humildade e isso demonstra-o de
modo especial o cântico do Magnificat, que, tendo jorrado da
profundidade da fé de Maria na Visitação, não cessa de vibrar no coração da
Igreja ao longo dos séculos. Prova-o a sua recitação quotidiana na liturgia das
Vésperas e em muitos outros momentos de devoção, quer pessoal, quer comunitária
(HENRIQUES, 2005, p. 17).
Na Liturgia,
o Magnificat é cantado todos os dias pela Igreja, na celebração das
Vésperas, durante a Liturgia das Horas, reconhecendo que Deus guia a Igreja e
nela realiza maravilhas. Em todos os finais de dia, portanto, a Igreja canta o Magnificat
para entoar um canto de ação de graças por aquilo que Deus fez em seu favor
no decorrer daquele dia. Deste modo, a Igreja assume este cântico de Maria como
uma via de espiritualidade para o ser humano, reconhecendo em Maria a primeira
cristã, membro do corpo eclesial, que participa da glória divina.
“O Concílio Vaticano II incentivou a que, cada vez mais, se
recite a Liturgia das Horas com a comunidade dos fiéis, para que esse tesouro
da Igreja não fique reservado somente aos padres, mas que seja distribuído
também aos fiéis, para que possam santificar o dia por meio da oração” (Cf.
ALDAZÁBAL, 2010, p. 40).
O Cântico de
Louvor que ressoamos eternamente, é o cântico de ação de graças, que este
cântico foi e sempre será repetido pela Igreja, constante e fielmente, na
maravilhosa variedade e de diversas formas. O Carisma do Louvor de Deus faz com
que cada ser humano encontre vida. Assim,
“quando se recita as orações da Liturgia das Horas louva-se a Deus, na terra,
fazendo um louvor que no céu é incessante” (Cf. ALDAZÁBAL, 2010, p. 39). Na
santificação do dia, das horas, no tempo, a realidade da eternidade se faz
presente. Também nós queremos, por meio do louvor, transformar a nossa vida em
história de salvação.
“Pelo Cântico do Magnificat Maria não glorificou a si
mesma, Ela o chama meu Salvador, Foi ele quem moldou o barro e fez nela
maravilhas, ou seja, Deus fez grandes maravilhas na vida dela, ela mesmo
declarou isso “(...) porque o Poderoso fez para mim coisas grandiosas, o eu
nome é santo” (Cf. ABIB, 2011, p.44).
Com sua
leitura sapiencial da história, Maria nos leva a descobrir os critérios da
misteriosa ação de Deus. “O Senhor, confundindo os critérios do mundo, vem em
auxílio dos pobres e pequenos, em detrimento dos ricos e dos poderosos, e, de
modo surpreendente, enche de bens os humildes, que lhe encomendam sua
existência” (Cf. JOÃO PAULO II, 1989, p.37).
Nada melhor
do que utilizar a própria Palavra de Deus para falar com Ele. Por isso, ao
recitar a Liturgia das Horas, estamos falando com o Próprio Deus, mediante a
sua Palavra, a Liturgia das horas é uma escola de oração. Jesus Cristo recitou
também os Salmos. Os Apóstolos igualmente. Da mesma forma, a Igreja (nós)
continuamos recitando esta belíssima liturgia ao longo dos séculos.
“O Magnificat — um retrato de Maria — é inteiramente
tecido com fios da Sagrada Escritura, com fios tirados da Palavra de Deus.
Desta maneira se manifesta que Ela Se sente verdadeiramente em casa na Palavra
de Deus, dela sai e a ela volta com naturalidade. Fala e pensa com a Palavra de
Deus; esta torna-se palavra d'Ela, e a sua palavra nasce da Palavra de Deus” (BENTO
XVI, 2005, p.41).
Cantá-lo na liturgia das vésperas, no
quotidiano, conforme realizam muitos fiéis, deverá levar a um compromisso
radicado no projeto de transformação inerente ao evangelho: “O Magnificat
é a expressão de um processo de encantamento, de sedução [...] vivido na
esperança e na busca de um povo peregrino na luta por justiça e verdade, tendo
Deus como parceiro [companheiro de caminhada]” (BUENO, 2014, p.285).
Em meio as
devoções Marianas, devemos sempre lembrar que não somente os religiosos, mas
todos o fiel batizado, deve recitar o Magnificat como resposta a tudo
aquilo que Deus realiza em nossas vidas. A piedade deve penetrar a existência
pessoal de cada fiel, nos momentos mais difíceis do nosso cotidiano devemos
recorrer a algum pequeno sinal do amor de Deus, e o Magnificat é a
oração que nos faz ser pequenos, pobres e dependentes de Deus, pois somente o
“poderoso faz em nós maravilhas, e somente o nome Dele que é Santo” (Cf, Lc
1,49).
Neste Cântico, ao mesmo tempo em que nos
mostram em Maria um modelo concreto e sublime, nos ajudam a compreender que o
que atrai a benevolência de Deus é sobretudo a humildade de coração, aqueles
que são pequenos. Não adiante apenas recitar o cântico, é preciso viver como
Maria viveu, ter um coração humilde, mesmo diante dos poderosos que aparecem no
decorrer da nossa vida, devemos ser sempre os pequenos, pois é para os pequenos
que Deus se revela (Cf. Lc 10,21-22).
A principal fonte inspiradora do Magnificat
é o “Cântico de Ana”, como relatado no primeiro capítulo deste trabalho: Ana
era mulher estéril, por isso discriminada e humilhada. Na amargura, ela chora e
derrama a sua alma diante de Deus (Cf. I Sm 1,10.15). Mas sabe expressar a sua
gratidão ao se tornar mãe de Samuel: “Eu o pedi ao Senhor” (1 Sm 1, 20). Da
mesma forma nós, em meio às amarguras e humilhações, devemos seguir o exemplo
das santas mulheres que com sua vida souberam derramar as suas lágrimas em
Louvor a Deus. Toda a criação foi feita pelas mãos de Deus, para que possa
louvá-lo sempre. O homem, como ápice da criação, é aquele que deve viver esta realidade
por excelência este Louvor de Deus.
Este cântico não é apenas dito há pouco
mais de 2000 mil anos atrás, entretanto, esse cântico [Magnificat]
percorre vários livros do Antigo Testamento, como Isaías havia dito:
“Transbordo de alegria em Javé, a minha alma se alegra, porque ele me vestiu
com vestes de salvação, cobriu-me com um manto de justiça” (Cf. Is 61,10). Um
Profeta diz algo semelhante: “Eu me alegrarei em Javé, exultarei no Deus de
minha salvação” (Cf. Hab 3,18), a figura do “servo sofredor” também é retomada,
quando o poema diz que o Senhor “socorreu Israel seu servo” (cf. Lc 1,54). Como
diz Santo Agostinho: “ó Beleza tão antiga e tão nova” (CARROCINI, 2014, p.54),
este cântico se faz presente de uma forma tão nova em nossas vidas, um cântico
belíssimo, através do qual escutamos a voz de Maria ressoar nos tempos atuais
em que vivemos.
Todo o ser humano foi criado para o Louvor
da Glória de Deus, e Maria cumpriu muito bem esse chamado ao Louvor, pois com
sua vida e com suas atitudes ela demostrou esse perfeito louvor, “Maria soube
cumprir tão bem o seu ofício de criatura racional sobre a terra, porque é uma
verdade tremenda aquela que Santo Inácio coloca como princípio e fundamento dos
seus exercícios espirituais: O homem foi criado para louvar a Deus”
(IGLESIAS,1991, p.40).
E
se o homem foi criado para o Louvor da Glória de Deus, somos chamados a ter uma
grande estima, por aquela que que sem demora fez da sua vida um Louvor de Deus.
A Lumen Gentium nos exorta: “Tenham em grande estima as práticas e
exercícios de piedade para com ela” (PAULO VI, 1964, p. 67), devemos nos lembrar
de que a verdadeira devoção não consiste numa emoção estéril e passageira, mas
nasce de um coração dilatado para amar, e isso nos faz reconhecer a grandeza da
Mãe de Deus e nos motiva a amar filialmente a nossa mãe e a imitar as suas
virtudes.
Esse Louvor, que chamamos de Magnificat,
é uma grande inspiração para todos nós que exercitamos no cotidiano de
nossas vidas essa pia devoção, que não consiste em algo morto, mas nos enche de
virtudes necessárias para viver nos tempos em que vivemos.
E o Magnificat nos tempos que
estamos vivendo é um meio de redescobrir as entranhas maternas da Igreja. Sem
um canto verdadeiro, poucas possibilidades temos hoje de inserir-nos em um
mundo de ‘feridos’ que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor. Hoje,
podemos encontrar uma via de espiritualidade e de encontro com Jesus Salvador,
através deste carisma, através deste cântico, que para nós é Salvação.
Os textos lucanos, especialmente do Magnificat,
possibilitam desvelar um alívio, um porto seguro em meios as angústias e
tribulações do tempo atual [Pandemia], que estamos vivendo na humanidade, mesmo
diante dessa dor que experimentamos, quando tudo parece estéril e sem vida,
podemos cantar o Magnificat como inspiração de uma sua espiritualidade
para os tempos de hoje. Pois diante da dor, das incertezas, das mortes, de um
fim que não esperávamos, buscamos a Esperança, a mesma Esperança de que o Magnificat
nos revela: “pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. Seu nome
é santo e sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles que o
temem” (Lc 1, 49-50).
E o louvor é um transbordar da ação de
Deus e contagia e a todos aqueles que se aproximam, o
louvor de Deus brota do coração que faz a experiência da profundidade do Deus
que se revela em amor. Pois louvar é reconhecer a grandeza de Deus e
glorificá-lo. A humanidade é chamada a ser uma família de louvor, no qual
juntos elevam a Deus “o louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a
honra, o poder e a força que pertencem ao nosso Deus pelos séculos dos séculos.
Amém!” (Ap 7, 12).
O
Magnificat mostra que Maria é ao mesmo tempo uma mulher santa, toda de Deus,
e uma pessoa com consciência da história, da luta e das esperanças do seu povo.
O coração aberto para Deus faz dela um ser humano alegre, cheio de vida e,
também, solidário com o povo sofrido. Maria nos inspira um jeito de ser-cristão
atual. Ela nos abre um novo caminho de integrar o louvor como uma resposta para
o nosso tempo, pois o louvor nos faz compreender qual é o nosso lugar, e o
nosso lugar é viver para o Seu louvor.
Portanto, o Magnificat é importante
para realizar esse encontro com Deus, pois é através do Louvor que encontramos
nosso lugar, encontramos a nossa família, é através deste cântico que
preparamos o nosso coração para uma experiência de Salvação. Assim, o fiel dispõe
seu coração para o Louvor de Deus. Toda a sociedade humana é chamada a honrar a
Deus com sua vida, e é nesta experiência que devemos encontrar a prometida
Esperança. Por isso, nada mais digno ao homem senão o perene louvor em ação de
graças a Deus através do Magnificat.
O
presente trabalho buscou evidenciar o papel de Maria com o aspecto principal do
Louvor. A base de toda teologia é a Sagrada Escritura, livros, documentos e
manuais dogmáticos. O “sim” de Maria é reciprocidade ao amor infinito de Deus.
O Evangelho segundo Lucas traz, pelo relato da visitação um olhar diferenciado
dos outros evangelhos. Ora, enquanto Marcos e Mateus fazem uso da dimensão masculina
da descendência davídica, Lucas dá ênfase à dimensão feminina com Maria e
também com Isabel. O Senhor não viria, mas já estava com ela, derramando sua
graça. Maria torna-se cheia de graça e espaço de salvação, pelo seu cântico de
louvor, que hoje todos nós experimentamos em nossas vidas o Magnificat.
O
Magnificat (também conhecida como Canção de Maria) é um cântico entoado
(ou recitado) frequentemente na liturgia dos serviços eclesiásticos cristãos. O
texto do cântico vem diretamente do Evangelho segundo Lucas, 1, 46-55, onde é
recitado pela Virgem Maria na ocasião da Visitação de sua prima Isabel.
Assim
percebemos como a Santíssima Virgem e as suas companheiras do Antigo Testamento
conheciam bem a história de seu povo e dela tiravam forças para louvar. A
principal fonte inspiradora do Magnificat é o “Cântico de Ana”, mulher estéril,
por isso discriminada e humilhada. Na amargura, ela chora e derrama a sua alma
diante de Deus, e ali ela expressa o seu verdadeiro louvor (cf. I Sm 1,10.15).
Mas sabe expressar a sua gratidão ao se tornar mãe de Samuel: “Eu o pedi ao
Senhor” (1 Sm 1, 20). Muito sabiamente, o redator de I Samuel a ela atribui o louvor
presente em 1 Sm 2,1-10. “O meu coração exulta em Deus, a minha força se
exalta, o arco dos poderosos é quebrado, os fracos são cingidos de força” (1 Sm
2, 4-5). Esse cântico do Magnificat percorre vários livros do Antigo
Testamento.
Em
Maria acontece algo extraordinário, pois toda a sua alma glorifica e louva a
Deus. Assim, com Nossa Senhora, engrandece ao Senhor aquele que segue
dignamente a Jesus Cristo. Maria louva e glorifica a Deus por tamanha graça
tornando-A Mãe do mesmo Filho de quem é o Pai. Ela glorifica o Pai, o Filho e o
Espírito Santo pelas infinitas graças que fizeram e têm o desígnio de fazer a
todo o gênero humano.
Maria
é mulher que Glorifica e que pede a intercessão do Filho, que medita as coisas
de Deus em seu coração. Maria é mulher do louvor, que apresenta a seu Filho um
Deus que eleva os humildes e despede os ricos sem nada. Maria é mulher que
conhece a Palavra e a guarda no coração. Maria é mulher do Magnificat,
pois todos, e não só os católicos, engrandecem ao Senhor com suas palavras. Maria
é mulher do serviço, pois em meio à sua gravidez, correu ao auxílio de sua
prima Isabel. Maria é mulher do Louvor de Deus.
Em
um mundo fragmentado tal qual o atual, faz-se necessário o exercício do Louvor,
pois o louvor é a resposta que precisamos para os dias atuais. Nesta pesquisa,
realizada no período de tês anos (2018-2020), busquei olhar Maria de uma forma
singular, a Eleita do hino do Magnificat (Lc 1,46-55), seu modelo de
humildade e de Louvor, fez com que o olhar amoroso de Deus voltasse para ela,
pois Ela e a quem todas as gerações proclamarão bem-aventurada, pois nela Deus
operou maravilhas.
Por
tudo isso, sempre atualizamos o Magnificat de Maria em nossas vidas. Não basta conhecê-lo,
rezá-lo, mas é preciso aprender com ele que os “pobres” são os escolhidos por
Deus, pois o Magnificat, é o cântico
verdadeiramente teológico, porque revela a experiência do rosto de Deus feita
por Maria, na qual Deus não só é o Poderoso, a quem nada é impossível, como
havia declarado Gabriel (cf. Lc 1,37), mas também o Misericordioso, capaz de
ternura e fidelidade para com todo ser humano.
Maria é um modelo concreto e sublime de Louvor
de Deus que nos ajuda a compreender que o que atrai a benevolência de Deus é
sobretudo aqueles que são pequeninos (Cf. Lc 10,21), pois assim foi do Seu
agrado!
BIBLIOGRAFIA
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ALDAZÁBAL,
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