INSTITUTO
SUPERIOR DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS RELIGIOSAS SÃO BOAVENTURA
O LOUVOR DE DEUS NO SOFRIMENTO
GABRIEL SOARES SOUSA
SÃO PAULO - 2020
GABRIEL SOARES SOUSA
O LOUVOR DE DEUS NO SOFRIMENTO
Monografia apresentada ao
Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo
aluno Gabriel Soares Sousa, como parte do requisito para obtenção do título de
Graduação em Teologia, sob a orientação do Prof. Pe. Dr. Micael de Moraes, sjs.
SÃO PAULO – 2020
GABRIEL SOARES SOUSA
O LOUVOR DE DEUS NO SOFRIMENTO
Monografia apresentada ao
Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo
discente Gabriel Soares Sousa, como parte do requisito para obtenção do título
de Graduação em Teologia.
Aprovado
em de outubro de 2020.
Prof.º Dr. Pe. Micael de Moraes, sjs
TABELA
DE SIGLAS
Ap
- Apocalipse
At
- Atos dos Apóstolos
CIgC
- Catecismo da Igreja Católica
Cl
- Colossenses
Cor
- Coríntios
Dt
- Deuteronômio
Ecl
- Eclesiástico
Ef
- Efésios
Fl
- Filipenses
Gl
- Gálatas
GS - Gaudium et Spes
Hb - Hebreus
Is
- Isaías
Jó
- Jó
Jo
- João
Lc
- Lucas
LG
- Lumen Gentium
Lm
- Lamentações
Mc
- Marcos
Mt
- Mateus
Pd
- Pedro
Rm
- Romanos
SC
- Sacrosanctum Concilium
SD
- Salvifici Doloris
Sl
- Salmos
Tm
- Timóteo
EPÍGRAFE
“Meu filho, se te ofereces para servir o Senhor,
prepara-te para a prova. Endireita teu coração e sê constante, não te apavores
no tempo da adversidade. Une-te a ele e não te separes, a fim de seres exaltado
no teu último dia. Tudo o que te acontecer, aceita-o, e nas vicissitudes que te
humilharem sê paciente, pois o ouro se prova no fogo, e os eleitos, no cadinho
da humilhação. Na doença e na indigência, conserva tua confiança. Confia no
Senhor, ele te ajudará, endireita teus caminhos e espera nele.”
(Eclesiástico
2, 1-6)
AGRADECIMENTO
Agradeço
a Deus, autor de minha vida e vocação, por sempre ter cuidado tão bem de mim,
não me faltando em nada. Sou eternamente grato aos meus pais, Ilson Soares Sousa
e Francisca Soares, pelo cuidado e amor-doação para comigo, por todas as
renúncias e sacrifícios. Aos meus amados irmãos Geone Martins e Thais Soares,
por estarem sempre ao meu lado, bem como meus amados sobrinhos, Bernardo e
Moisés.
Agradeço
o meu orientador, Pe. Micael de Moraes, sjs, que não só soube orientar esse
trabalho, mas acompanhou-me durante a sua construção, sempre apontado que a dor
nos faz viver o Louvor de Deus em sua profundidade.
Agradeço
aos professores e à direção do Instituto Superior de Filosofia e Ciências
Religiosas São Boaventura, pelo cuidado e esforço em minha formação durantes
todos esses anos.
Agradeço
a todos os meus irmãos Salvistas, que comigo levam o Louvor de Deus ao mundo,
pela alegria e unção, que são afago e cura para todos aqueles que se encontram entranhados
no sofrimento, continuemos irmãos a levar a faceta do Cristo que louva ao
mundo. De forma especial agradeço ao meu formador pessoal, Pe. Wendel, sjs,
pelo cuidado nesse tempo e por ter auxiliado em meu processo de crescimento, me
revelando o louvor, mesmo quando só enxergava dor, obrigado irmão. Gratidão aos
meus irmãos de turma, que desde 2012 estão ao meu lado, nessa escola do louvor.
Minha
gratidão a todos que fazem parte da Obra de Jesus Salvador, que estas páginas
os auxiliem na busca da santidade e sabedoria, como era desejo de nosso pai
fundador para nós, seus filhos. E muito obrigado pai, por ter unido cada dor a
Jesus, o fruto é a Fraternidade, e a sua doação, alcançou-me no Sudoeste
baiano, ao senhor minha gratidão.
Agradeço
a todas as pessoas que estiveram ao meu lado nesse tempo, enriquecendo esse
trabalho com suas histórias. A todos aqueles que fizeram parte de minha
história e que são expressão do ecoar do Louvor de Deus em minha história.
Por
fim, peço a Virgem Maria, Mãe de Pentecostes, que esteve firme até a Cruz, que
continue rogando por mim, lutando pela minha vocação, sustentando meus braços
falhos e o meu louvor a Deus. Que Ele
cresça em nós sem cessar!
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
O SOFRIMENTO HUMANO
1. Antropologia do
sofrimento
2. O sofrimento à luz do
Antigo Testamento
3. Compreensão do
sofrimento a partir do sacrifício de Jesus Cristo
4. Sacerdócio de Cristo: Sofrimento
e Sacrifício na Liturgia
CAPÍTULO II
O LOUVOR DE DEUS
1.
Considerações acerca do que é Louvor de Deus
2.
O Louvor de Deus à luz da Sagrada Escritura
3.
O Louvor de Deus a partir da Liturgia
4.
Louvor de Deus e as virtudes teologais
CAPÍTULO III
O LOUVOR DE DEUS
NO SOFRIMENTO
1. A relação entre Louvor
de Deus e sofrimento
2. Experiência do
sofrimento no Louvor de Deus
3. A Diaconia do
carisma Salvista, resposta ao comportamento hedonista
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
O
sofrimento é a condição do ser humano, que em sua existência vive situações
dolorosas, sejam elas morais ou físicas, ou até mesmo as duas simultaneamente.
Momento esse, onde o ser humano sente-se completamente desolado, sem esperança,
podendo chegar até mesmo ao desespero. Por isso faz-se necessário uma autêntica
compreensão sobre este tema, em sua raiz história e antropológica.
Na Sagrada Escritura, vê-se o homem que é
ocasionado pelas dores, que estão relacionados aos pecados, em Jó, é
apresentado uma nova figura, um homem bom, justo e íntegro, que vive
experiências dolorosas. A novidade deste livro, é que Jó vive o sofrimento de
maneira diferente, ele sofre diante de Iahweh, seu Deus, e é por isso
que as lágrimas de Jó, nos remetem a Jesus Cristo, que ao sofrer, mudará para
sempre o sentido do sofrimento, elevando-o a uma categoria redentora. Agora o homem
não está sozinho em suas experiências de dor, pode unir-se ao Cristo, e
enxergar esperança, isso é atualizado na Liturgia da Igreja, onde o altar se
torna Calvário, lugar da oferta e do amor.
É
inevitável evitar o sofrimento, o que pode ser evitado é como o homem o vive,
uma vez que deve reconhecer-se como sendo Louvor de Deus. Sobre este tema, o
presente trabalho apresentará o seu conceito, e passagens da Sagrada Escritura,
com ênfase nos salmos, que demonstram que o homem nasceu para o louvor de Sua Glória.
(Ef 1.6). Quando o homem tem a compreensão de ser Laus Dei, ele vive em
sua vida as virtudes teologais, que com maestria o auxiliam na abertura a Deus,
na vivência do amor, como Cristo viveu. E esse amor é a fonte mais plena para
pergunta acerca do sofrimento, resposta dada por Deus ao homem, na Cruz de
Jesus Cristo.
Por
fim, aquilo que parece ser antítese, nesse trabalho apresento em forma de
relação, o louvor Deus no sofrimento. Na tradição da Igreja, muitos fizeram
essa experiência redentora de Jesus em suas vidas, com a possibilidade de ver
um caráter de benção em meio a dor. Quando o homem une sua vida a de Jesus, o
seu sofrer é com sentido, mas isso só é possível quando o homem está aberto ao
louvor. Quando se fecha, vive o hedonismo, um mal para a sociedade que vivemos,
pois desfigura o homem, principalmente em sua capacidade de viver o amor,
enquanto que o louvor integra, vive as experiências de sofrimento, não
fechando-se, mas vivendo de forma fértil, gerando vida, sendo cura e salvação
para um mundo ferido e machucado.
CAPÍTULO I
O SOFRIMENTO HUMANO
O
ser humano, ao longo do seu itinerário de vida, já passou pela experiência do sofrimento. Sofrimento este que causa dor, dilacera e, muitas
vezes, faz com que a pessoa fique desorientada.
Para entender esse movimento, é necessário conhecer o sofrimento na sua raiz e
percorrer o seu trajeto antropológico.
Para trabalhar sobre esse conceito, será feito um percurso pelas seguintes
etapas: A origem e conceito de sofrimento e o seu percurso histórico. Após
isso, será explicitado sobre o sofrimento na Sagrada Escritura e o sofrimento
humano no Sacrifício Salvífico de Cristo, bem como na Tradição da Igreja,
analisando o processo do sofrimento como forma de bênção.
1.
Antropologia do Sofrimento
Dentro
da tradição ocidental, o sofrimento era designado para aqueles que estavam
acometidos pelo poder de outrem, escravos ou prisioneiros. Sob a luz da modernidade,
o termo sofrimento ganhou uma nova forma, que consiste na infelicidade do
homem. A criatura que sofre é aquela que padece dos infortúnios capazes de lhe
ferir em corpo ou alma. Ao buscarmos a sua etimologia nos deparamos com a
seguinte explicação:
É justamente o vocábulo
que designava a opressão, a submissão, a situação da criatura submetida ao
poder de outros como coisa, ou, "ferramenta", padece de todos
os infortúnios capazes de lhe "ferir" (machucar) corpo e alma.
(DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO, 2020)
No
sofrimento, o ser humano toca o seu nada, percebe que não é dono de si e, ao
mesmo tempo, atinge sua fragilidade. O Catecismo da Igreja Católica elucida
muito bem sobre isso, ao discorrer no parágrafo 1.500 que “a enfermidade e o
sofrimento sempre estiveram presentes entre os problemas mais graves da vida
humana. Na doença, o homem experimenta sua impotência, seus limites e sua
finitude. Toda doença pode fazer-nos entrever a morte.” (CIgC,
1500, p. 412.). O sofrimento
é inevitável, mas o que se pode evitar é qual postura empregar frente
ao sofrimento. O Catecismo quanto a isso continua:
A enfermidade pode
levar a pessoa à angústia, a fechar-se sobre si mesma e, às vezes, ao
desespero, e à revolta contra Deus. Mas também pode tornar a pessoa mais
madura, ajudá-la a discernir em sua vida o que não é essencial, para voltar-se
aquilo que é essencial. Não raro, a doença provoca uma busca de Deus, um
retorno a Ele. (CIgC. 1501, p. 412).
No
decorrer da história, vemos o percurso do sofrimento, sempre
acompanhando o ser humano,
em suas diversas épocas e contextos, e, sob cada tempo, o homem encontrou uma
maneira de encarar o sofrimento.
A
compreensão acerca do sofrimento, foi sendo desenvolvida ao longo da história
da humanidade, de modo veterotestamentário com o povo hebreu, por meio da
perseguição aos Cristãos, e, no tempo da cristandade, marcado pelo momento em
que o Cristianismo foi aceito como religião em meio à sociedade, ou até mesmo,
como religião oficial do Império Romano, tendo Constantino como imperador.
Com
a conversão de Constantino, é afastada a ideia da fatalidade do sofrimento para
a conservação da fé. As vítimas da dor eram aquelas que se encontravam
marginalizadas: viúvas, pobres, doentes, deficientes, entre outros. Destaca-se,
assim, a figura dos eremitas – religiosos que saíam de suas terras, e, ao
construírem albergues, ajudavam estes moribundos sofredores, abrigando-os ainda
que fosse transitoriamente –; a grande contribuição monástica foi: a de encontrar uma compreensão
no sofrimento, e enxergar no sofredor, o Cristo que sofre e, assim, encontrar
uma possibilidade de redimir os próprios pecados, pois a caridade apaga uma
multidão deles. (cf.1 Pd 4).
O
Concílio de Orléans (511), ameaçou caçar bispos negligentes, ou seja, aqueles
que não destinavam aos pobres, aquilo que deles era por direito. A maioria dos
“Hôtels-Dieu”, se não a maioria das
Santas Casas de Misericórdia, vêm de uma Domus
Dei episcopal, ação essa que remonta ao século VI e aprimora-se no século
IX, reservado aos pobres, doentes e viajantes. Nos séculos XIV-XVIII, há uma
continuação, ainda que silenciosa, da tradição cristã da assistência
caritativa.
É
possível contemplar a dor e o sofrimento na vida dos santos neste período, não
apenas dos mártires, mas de todos que viveram de forma
heroica o Evangelho. Por
viverem sofrendo com e por amor, adquiriram uma capacidade de se abrirem à
alegria e à dor, numa ambiguidade curiosa. Como se nota na alegria inabalável
de São Francisco, ou na serenidade que caracterizava São Francisco de Sales.
Entretanto,
o elemento mais significativo da atividade religiosa em relação à dor, nesta
época, encontra-se entre a pregação da Igreja e os escritos teológicos e
espirituais, dentre os quais, destaca-se a Imitação de Cristo, publicada no século XV. Leitura recomendada
e praticada pelos devotos, por ajudar seus leitores
a dar sentido às suas angústias.
No decorrer do século XVIII, o
conceito vivido de dor mudou em meios esclarecidos. A assimilação da nossa dor
para a dor redentora do Messias, constitui um elemento antropológico que
favoreceu, consideravelmente, a humanidade a desenvolver uma consciência de não
mais suprimir a dor, mas encontrar, de alguma forma, dar sentido a ela.
No
século XIX e primeira parte do século XX, a principal preocupação dos teólogos
ao abordar o tema do sofrimento é isentar Deus de qualquer culpa ou cumplicidade
com o mal. A cruz é imposta pela vida a todo homem e aqueles que desejam seguir
o Cristo, podem assumir essa cruz, na renúncia a si mesmo (cf.
Lc 9, 23), com amor e doando a própria vida.
2.
O sofrimento à luz do Antigo Testamento
O
Antigo Testamento contém livros que relatam diversas histórias, sobre o
sofrimento, e o que nos interessa nesse trabalho é perceber como os personagens
desses livros reagem diante de situações que os levam ao sofrimento. Dessa
forma, pode-se perceber que alguns
códices nasceram antes do exílio, e, outros escriturísticos durante o exílio,
ou seja, esses textos nasceram em ambientes de grandes crises.
O homem do Antigo Testamento vive a doença diante de Deus. É
diante de Deus que ele faz sua queixa sobre a enfermidade, e é para o Senhor da vida e da morte, que o homem implora a cura. Desta
forma, a enfermidade se torna caminho de conversão e o perdão de Deus dá início
à cura. (CIgC, 2000, n.412).
São
João Paulo II, em sua carta apostólica Salvifici
Doloris, diz algo bem interessante: “A Sagrada Escritura é um grande livro
sobre o sofrimento.”(SD, 1984, n. 6).E, no mundo do sofrimento humano,
podemos destacar dois tipos de sofrimento; o sofrimento moral e o sofrimento
físico.
O sofrimento é algo
mais amplo e mais complexo do que a doença e, ao mesmo tempo, algo mais
profundamente enraizado na própria humanidade. É-nos dada uma certa ideia
quanto a este problema pela distinção entre sofrimento físico e sofrimento
moral. Esta distinção toma como fundamento a dupla dimensão do ser humano e
indica o elemento corporal e espiritual como o imediato ou direto sujeito do
sofrimento. Ainda que se possam usar até certo ponto, como sinônimas, as
palavras “sofrimento” e “dor”, o sofrimento físico dá-se quando, seja de que
modo for, “dói” o corpo; enquanto que o sofrimento moral é “dor da alma”.
Trata-se, de fato, da dor do tipo espiritual e não apenas da dimensão
“psíquica” da dor, que anda sempre junta tanto com o sofrimento moral como com
o sofrimento físico. (SD, 1984, n. 9-10).
Outros livros do Antigo Testamento explicam sobre uma nova concepção do
sofrimento, não mais como castigo, e sim como possibilidade de crescimento, que
será compreendido de melhor forma na vida de Jó.
Mais do que uma meditação sobre o
sofrimento, o livro de Jó propõe uma reflexão sobre os caminhos de Deus, e ele
conservou para nós os traços de um
verdadeiro drama da fé. O mistério da leitura do livro de Jó se torna um
parâmetro para todo cristão, que, cedo ou tarde, vai enfrentar o mal e o
sofrimento.
A história literária do livro de Jó,
contada em 42 capítulos, pode ser dividido em quatro etapas: o conto primitivo,
os diálogos poéticos, os discursos de Eliú e o poema sobre a Sabedoria. Depois
da introdução na qual se descreve a felicidade de Jó e sua integridade moral
(cf. Jó 1, 1-5), o prólogo resume, em um díptico, as infelicidades que lhe
sobrevêm.
Satanás aparece no epílogo, e, não
podendo atacar a Iahweh, procura a perca de um homem inocente. A
primeira resposta de Jó (1, 20-21), diante do anúncio da primeira série de
desgraças, é se levantar, rasgar o manto, raspar a cabeça e cair por terra. Esses gestos não são de
arrependimento, e sim, sinais de luto. Nu, ele volta a ser o
que era no dia de seu nascimento: dependente. Jó percebe que a vida vale mais do que a veste. Mesmo envolto por
uma desgraça imerecida, ele não
discute, não duvida e não acusa Deus, pelo contrário, apenas o bendiz em vez de pronunciar a maldição que Satanás lhe
cobrava.
"Nu
saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá. Iahweh o deu, Iahweh o tirou,
bendito seja o nome de Iahweh." (Jó 1,21). Em Jó, é visto não
apenas sua bela confissão de fé depois da palavra de Deus, mas também o fato
dele interceder por aqueles que o haviam injuriado e ofendido, pois isto
constitui igualmente a obra do justo.
O itinerário noturno de Jó levou-o à
profunda metamorfose. Jó reclama unicamente um encontro com Deus para que lhe mostre sua
razão de viver e o justifique por haver esperado. Jó vive sua provação, antes
de tudo, como problema relativo a Deus, e é somente a Deus que Ele quer se
dirigir. Sem dizer do paradoxo latente em toda parte do destino de Jó, pois até
o silêncio de Deus desempenha papel motriz para sua esperança.
Assim como o amor
invisível de Deus dá o tempo a Jó, seu silêncio lhe abre espaço. Espaço para a
recusa ou para o assentimento, espaço para a fuga ou para a busca, porém, de
qualquer maneira, espaço de liberdade. O que é loucura de Deus é mais sábio que
o homem, e o que Jó se sente tentado a considerar cinismo, constitui, da parte
de Deus, a mais sadia e a mais audaciosa das pedagogias. Deus finge retirar-se,
mas é para que Jó consiga encaminhar-se para ele; Deus prefere parecer está
longe; no entanto, é para que Jó possa refazer, ao longo da vida, os primeiros
passos da esperança. (LEVEQUE, 1987, p. 83).
Jó pela via do sofrimento, começa a
atingir a sua verdade inteira, e, no ato de sua cura, descobre o que ele devia
curar. Cinco séculos antes da revelação definitiva que se dará em Jesus e sua
cruz, Jó, ou homem de Deus que se oculta por trás dele, já soube pressentir um
dos maiores paradoxos da salvação. Compreendeu que a ferida aberta em nós pelo
silêncio de Deus, nada mais é, senão a esperança, e esta ferida, ele aceitou
que não fosse curada. Por isso que todo cristão pode reconhecer em Jó um
companheiro de caminhada, que ousa dizer bem alto o que cada um sente de modo
confuso na hora da provação.
O drama do sofrimento vem perturbar
as evidências, as certezas fáceis e as belas ideias que inspiram segurança. É
principalmente no sofrer que os homens se voltam para Deus ou, acabam por se
desviarem Dele, mas, em ambos os casos, eles se defrontam com seu mistério. O
livro de Jó se torna dessa forma uma rota de fé, porque Deus sempre responde,
como respondeu ao seu Filho, na manhã da Páscoa. Jó contesta a verdade do
princípio que identifica o sofrimento como o castigo do pecado, e faz isso
baseando-se na própria situação pessoal. O seu sofrimento é o de um inocente, é
um anúncio, de certo modo, da Paixão de Cristo.
Outra experiência de sofrimento no
Antigo Testamento, foi sem dúvida o exílio babilônico, reunindo um material
literário escrito nas circunstâncias do exílio. A deportação para a Babilônia
revela acontecimentos marcantes para o povo de Israel. Milhares de pessoas
viveram em desterro. Inúmeras foram as pessoas que sucumbiram aos sofrimentos
de longas marchas e de trabalho forçado. A vida desses exilados não foi nada
suave, mas, em meio a esta dor, floresceu a esperança. O retorno à terra veio a
ser possível e o sofrimento transformado em êxito.
“O exílio babilônico aconteceu no
século VI. Mas, para bem compreendê-lo, devemos regredir, inicialmente, ao
século VIII. Aí se vai preparando o cenário, no qual está situada a deportação
ocorrida no século VI.” (SCHWANTES, 1987, p. 20).
Sobre os exilados dos tempos
babilônicos, houve diversos contingentes e deportados, ou seja, a deportação de
597 teve algumas marcas especiais. Foram levados o rei e sua corte. Estes
parecem ter sido uma espécie de reféns. Destinavam-se a pôr sob controle a
parte da corte remanescente em Jerusalém. "Em suma, em 597, em 587 e em
582 terão sido levados para a Babilônia e aí reassentados umas 15 mil pessoas,
oriundos basicamente da população de Jerusalém." (SCHWANTES, 1987, p. 29).
Os exilados não só se mantiveram
fiéis ao seu Deus, como também alteraram e recriaram suas expressões de fé. Foi
uma grande mudança. Antes eram da elite da capital de Jerusalém, e agora,
exilados, trabalham na terra, e, muito daquilo que lhes era próprio, não era
mais possível realizar em terra que não era a deles. Começaram a realizar o
mesmo trabalho em que outrora, era realizado pelos seus escravos. À força foram
levados a uma terra estranha.
Na descrição da dor, o sofrimento
humano ocupa largo espaço. Os velhos e as viúvas estão abandonados, as crianças
gemem de fome, a vida está permeada de morte. Esta é a tônica das lamentações,
livro que transpira esta atmosfera de morte e decomposição, exilados e
remanescentes são irmãos gêmeos do infortúnio, situação sem dúvida de extremo
sofrimento.
No tempo do exílio, passa-se à
escuta dos profetas, seus textos são lidos e interpretados. Os salmos foram de
grande relevância, é possível constatá-lo nas lamentações. Com a destruição do
templo, não haveria lugar para o sacrifício, parte central do culto a Javé, e
os salmos cantam esse momento: “Às margens dos rios da Babilônia nós nos
sentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião” (Sl 137, 1).
3. Compreensão
do sofrimento a partir do sacrifício de Jesus Cristo
Os cristãos vão desenvolver sua concepção de
sofrimento, como coparticipação na vida do Cristo Sofredor, ou melhor, o
sacrifício de Cristo perpetuado pela própria tradição da Igreja, no entendimento
do Evangelho de Mateus: "E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos
tempos" (Mt 28, 20). Não restringindo ao Batismo como um mergulho de toda
a vida nesse mistério Redentor. Mas uma presença contínua e atualizada do
sacrifício incruento através de um rito, no qual creem, no que chamam de “Mistério da Transubstanciação”, cujo pão e o vinho são, por meio de
palavras e gestos, transubstanciados (transformados) no corpo e sangue de
Jesus, ofertado para alimento ou fortalecimento ou até encorajamento, para a
oferta da própria vida de quem dele se alimenta, porém nesse mesmo e único
sacrifício.
Quando falamos sobre o sacramento da Eucaristia, por
exemplo, refletindo sobre seu valor sacrifical, ela é um alimento mais forte
que a pessoa que a come. A nossa morte é absolvida pela vida que esse alimento
nos traz. E, além disso, se comungamos nos sacrifícios de Cristo, os
sofrimentos, que nos separam uns dos outros, comungam nele uns com os outros,
esmagam os grãos que somos, para preparar o corpo místico de Cristo. A
participação no seu corpo real mistura e faz levedar toda essa massa. A Missa
se torna assim um banquete. Possui o simbolismo de uma refeição, que é a
realidade permanente do seu sacrifício. (Cf. REGAMEY, 2014. p. 89).
Para apreender melhor esse processo
do sofrimento humano no de Cristo, faz-se necessário saber, em que consiste o
Seu sacrifício.
O sacrifício de Cristo e seu
martírio começaram desde o primeiro instante de sua existência e continuaram
durante sua vida oculta e pública, atingindo
seu ponto culminante no momento de sua Paixão. “Ó vós todos que passais
pelo caminho, olhai e vede se existe dor igual à dor que pesa sobre mim, Eu que
fui golpeado por Deus No dia de sua ira ardente!” (Lm 1, 12). Processo esse que
se tornou integrador na vida do homem que sofre, sobre isso Cencini comenta:
“Na
sua morte e paixão, Jesus integra o ser humano. Assim o Filho nos salvou.
Naquele momento, também constituiu a cruz como fonte e sentido e centro de
atração, e o seu coração dilacerado como sinal de unidade, como coração do
mundo, como exatamente o Pai queria, como aquilo que lhe dá vida. É esse,
talvez, o verdadeiro sentido da exaltação da Cruz”. (CENCINI, 2007, p. 441)
Ao sair do Cenáculo, onde havia
instituído a Eucaristia para perpetuar na terra a sua presença e seu
sacrifício, vai para o jardim plantado com oliveiras, enquanto caminha com os
três discípulos mais próximos. A tristeza e o terror se estampam em seus
traços: “Minha alma está triste até a morte” (Mt 26, 38). Prevê a ingratidão e
a indiferença de muitos, que, por sua resistência à graça e por seus numerosos
pecados, contristaram seu coração. Condenado por Pilatos, Jesus é entregue a um
esquadrão de soldados romanos comandados por um centurião. Sobre seus ombros
feridos é colocada uma pesada cruz, e o levam para fora da cidade, para
conduzi-lo ao Calvário (cf. Mt 27, 31). Sobre este assunto Ratzinger comenta:
“Mesmo
na sua Paixão – tanto no monte das Oliveiras como na cruz – Jesus fala de si e
fala a Deus Pai com palavras dos Salmos. Mas essas palavras tiradas dos Salmos,
tornaram-se totalmente pessoais, palavras absolutamente próprias de Jesus na
sua tribulação: Ele é realmente o verdadeiro orante desses Salmos, o seu
verdadeiro sujeito. Aqui se identificam a oração muito pessoal e o rezar com as
palavras de súplica do Israel crente e sofredor”. (RATZINGER, 2011, p. 144)
Jesus chega, enfim, ao Calvário,
completamente esgotado, e do alto dessa colina contempla a cidade culpada que
acaba de rejeitá-lo, como também, além de seus muros, o mundo inteiro pelo qual
vai morrer. Os soldados o despojam de suas vestes, seu sangue escorre, grossos
cravos penetram em seus membros já tão sensíveis. E, no entanto, o Salvador não
maldiz seus algozes, mas reza pela conversão deles: “Meu Pai, perdoai-lhes,
eles não sabem o que fazem!” (Lc 23, 24). Pois era o seu amor pela humanidade
que o pregava à Cruz, muito mais que os pregos cravados pelos soldados.
Percebemos que, nessa entrega de
Jesus, a expiação pela humanidade, cujo cume está na crucificação, na qual os
cristãos compreendem o sofrimento de Cristo como a realização de Isaías (53,
5-6): “Mas ele foi traspassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado
por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele,
e pelas suas feridas fomos curados.”.
E é este conceito de sofrimento que
é impregnada a fé cristã e o entendimento do mesmo acerca do tema. E que Regamey
comenta:
Jesus se sacrificou a nós perdidamente. No sentido próprio
da palavra: perdeu a sua vida por nós. Nós somos sua razão de ser. A dimensão
mais misteriosa parece ser aquela que a imaginação, sensível não pode conceber
na cruz de madeira: a presença do sacrifício de Jesus, ontem, hoje e sempre.
Antes mesmo da cruz ter sido plantada no Calvário e até no fim dos tempos. Mas
aos poucos o olhar descobre a eficácia hoje e agora desse sacrifício que, em
si, tem um valor fora do tempo. (REGAMEY, 2014. p. 37)
Na Liturgia da Igreja, é atualizado
o grande mistério realizado no calvário, lugar onde Jesus encontra o homem, e
este homem encontra Seu Salvador, que por amor, sob ofertar-se até o fim. Cristo
ensinou o homem a fazer o bem com o sofrimento e, ao mesmo tempo, a fazer o bem
a quem sofre, nesse duplo aspecto, revela cabalmente o sentido do sofrimento.
4. Sacerdócio
de Cristo: sofrimento e sacrifício na Liturgia
Nesse
processo, entende-se que o sacrifício de Cristo na cruz, foi uma oferta de amor
total à humanidade, e o exercício de seu sacerdócio oblativo é perceptível na
Liturgia da Igreja, pois a doação de Cristo na Cruz é a mesma realizada na mesa
do Sagrado banquete, na qual ele, ainda hoje, se oferta como que em uma Kenosis
de amor. A Sacrosanctum Concilium
ilustra bem a ideia da vida
humana mergulhada em Cristo, principalmente ao referir-se aos sacerdotes,
chamados ministros ordenados, cuja vida toda é Sinal Visível na Terra do Cristo
e de sua entrega:
“[...] Presente está no
sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, “pois aquele que agora
oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na
Cruz”, quanto, sobretudo, sob as espécies eucarísticas. Presente esta pela Sua
força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo mesmo que
batiza. Presente está pela Sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem
as Sagradas Escrituras na Igreja. Está presente finalmente quando a Igreja ora
e salmodia, Ele que prometeu: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu
nome, aí estarei no meio deles” (Mt 18,20); (SC, 2001, p.733).
Realmente, em tão grandiosa obra,
pela qual Deus é perfeitamente glorificado e os homens são santificados, Cristo
sempre associa a si à Igreja, sua Esposa diletíssima, que invoca seu Senhor e
por Ele presta culto ao Eterno Pai. É a perspectiva, também, do Concílio Vaticano II,
que convida a Igreja a descobrir, de modo cada vez mais profundo e vital, que
Jesus Cristo, o Senhor crucificado e ressuscitado, é “a chave, o centro e o fim
de toda a história humana.” (Cf. GS, 1965, n.10).
Com razão, pois, a liturgia é tida como o exercício
do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é
significada e, de modo peculiar a cada sinal, realizada a santificação do
homem; e é exercido o culto público integral pelo Corpo Místico de Cristo,
Cabeça e membros.
“Disso segue-se que toda a celebração litúrgica, como obra de Cristo
sacerdote, e de Seu Corpo que é a Igreja, é uma ação sagrada por excelência,
cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da
Igreja”. (SC 7, 2000, p. 734).
Quando o sacerdote diz: “Orai irmãos
e irmãs para que o nosso Sacrifício seja aceito por Deus Pai Todo
Poderoso", e o povo responde: "receba o Senhor por tuas mãos este
Sacrifício, para a Glória do Seu Nome, para o nosso bem e de toda a Santa Igreja",
deve-se entender que o fiel participante deste sacrifício o faz de tal modo,
que ele também com sua vida é ofertado, oferta, portanto, ao altar as suas
alegrias e fadigas de cada dia, unindo-as às alegrias e fadigas do sacerdote,
em um único e mesmo Sacrifício da Cruz. O mesmo Cristo em si, assume na Oferta
das Oblatas, como Seu, os sofrimentos da humanidade inteira. Assim é feita, pelo ministro ordenado, a
oferta a Deus de todas as fadigas do ser humano e as une as do Cristo.
Fica evidente, pela própria celebração
da Missa, que o cristão é enxertado na Cruz e dispõe no altar os sacrifícios de
suas vidas, unidas aos de Cristo. Na fiel esperança de que o Senhor recebe o
sacrifício dos homens, para glória do Seu Nome, para o nosso bem e de toda a
Santa Igreja, ou seja, pela própria liturgia da missa, o cristão vai
amadurecendo a concepção do seu sofrimento unido ao de Cristo, como sofrimento
redentor. Consequentemente, o verdadeiro sacerdócio é
aquele ministério da Palavra e do Sacramento que transforma os homens em dom
para Deus e torna o universo louvor ao Criador e Redentor (Cf. RATZINGER, 2011,
p. 131).
A
Liturgia Batismal é a inserção nesse Mistério Salvífico de Cristo - O batismo
como esse mergulho da vida humana na Vida Divina, em que todo o seu ser está unido
ao sofrimento de Cristo.
Quando
se fala sobre o sofrimento e o espaço que ele ocupa na vida do cristão, tem-se
em mente, como paradigma o sofrimento do próprio Cristo Jesus que se deu na
Cruz, na verdade, sua vida inteira foi uma constante oferta de sacrifício ao
Pai, e, com isso, ele ensina aos seus seguidores, que a vitória vem pela Cruz,
destarte a cruz de cada dia se torna mais branda, pois ao olhar para Jesus, os
cristãos conseguem dar sentido aos seus
sofrimentos.
Na
concepção de sofrimento, naturalmente para a humanidade, paira uma certa
desesperança, um sentimento de impotência, mistérios e problemas que a razão
não consegue decifrar. Por isso, para o cristão, é indispensável recordar
constantemente à humanidade de que “sem efusão de sangue não há redenção” (Hb
9, 22).
O
sofrimento que gerou esse sacrifício de Cristo na Cruz é salvífico, e seu teor
se concretiza nos sacramentos, os quais comunicam graças invisíveis de Cristo,
por sinais sensíveis através da Igreja, seu corpo místico na concepção paulina:
"Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de
todas as coisas para a igreja, que
é o seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e
qualquer circunstância."(Ef 1, 20).
Cristo,
tendo redimido todo o ser humano por seu ato salvífico na Cruz, mostra ao homem
sua solidariedade para com ele. Desta maneira o homem, ocasionado pelo
sofrimento, não está mais só, pois agora, pode unir sua dor, ao sofrimento
redentor de Jesus Cristo. A
oferta da própria vida é redenção e muitos, como os discípulos, santos mártires,
santos, entre outros, entenderam esse percurso como ensinado pelo próprio Cristo. Tem-se a tônica nos
discípulos, em especial na vida de Paulo, como também os mártires que
enriqueceram a Igreja ofertando todo o seu sofrimento por algo maior em que
acreditavam, unindo-se ao Cristo sofredor.
A
participação nos sofrimentos de Cristo lhes entrega os tesouros da sabedoria de
Deus (cf. 1 Cor 1, 24). A suprema beleza está no supremo testemunho. "Bem
aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça." (Mt 5, 10). As
notas que os sofrimentos arrancam da alma santa atingem a sua plenitude na
alegria de sofrer pelo nome de Jesus (cf. At 5, 41).
Paulo,
que tanto sofreu, disse:
Quem
nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A fome? A nudez? O
perigo? A perseguição? A espada? [...] Somos sepultados como ovelhas para o
matadouro, mas de todas essas provas saímos vencedores por Aquele que nos amou.
(Rm 8, 35-37). O próprio (apóstolo) Paulo sofreu assombrosas necessidades e
mesmo ferimentos. Sua teologia do sofrimento não foi construção elaborada numa
torre de marfim. Era a maneira de ver seu sofrimento como parte integrante do
processo de salvação. Reforçou a consciência da sua própria fraqueza e
mortalidade e assim fortaleceu sua confiança em Deus. E Paulo via nele a
deterioração da sua própria carne, em que o pecado ainda exercia seu poder
sedutor e maligno. Via nele a crescente conformidade com a morte de Cristo com
sua promessa de participação mais plena na ressurreição de Cristo.
Naturalmente, uma teologia do sofrimento como atrito na interface entre era
antiga e era vindoura só tem sentido numa teologia da salvação que espera a
vida da ressurreição através da morte e além dela (DUNN, 2003, p. 562).
Não
há vida sem cruz, mas, no mistério da cruz, há uma alegria vitoriosa. Para um
cristão, a dor e o sofrimento humanos só se compreendem e se aceitam quando se
descobre o seu sentido último. A cruz de Cristo e seu mistério se unem à cruz
do cristão e isso dá uma inversão do
significado da dor na existência humana, pois o que era algo trágico e lúgubre
se transforma em benção.
Encontrar a cruz é encontrar a Cristo, fonte da ressurreição e horizonte aberto
a uma alegria sem fim.
Tendo
por base a natureza das coisas, não foi o sofrimento e a morte que fizeram da
paixão de Cristo um sacrifício, pelo contrário, foi o oferecimento dessa
imolação na cruz que lhes conferiu, como uma última extremidade do seu divino
paradoxo, o valor do sacrifício. Portanto, o amor divino é suficientemente rico para, até ao
fim dos tempos, poder se inverter e se abrir em um sacrifício que nos diviniza,
o sofrimento de todos os que obedecem a Cristo. Para tanto, toda a vida sofrida
é um sacrifício de agradável odor: dores, alegrias, e vida unida a Deus, são na
Liturgia Eucarística, associados ao Único e Eterno Sacrifício de Cristo, assim
sendo, o Coroamento de toda a vida cristã.
A
partir dessa concepção, o sofrimento vai sendo assimilado com nova dimensão: a
da bênção, um favor, uma graça que gera no coração ser humano a
Ação de Graças a Deus pelos benefícios
da dor (Eucaristia). Assim, a vida ofertada em meio à dor, pelos frutos
gerados na alma, faz explodir nova compreensão da dor, não mais como um mero
sacrifício em si mesmo, mas um sacrifício que se torna louvor. E esssa será
exatamente a explanação realizada no próximo capítulo.
CAPÍTULO II
O
LOUVOR DE DEUS
Após
uma análise sobre o sofrimento, este capítulo tem por finalidade abordar o tema
do “Louvor de Deus”, e para isso será realizado um percurso sobre a definição
do conceito; seu itinerário no Antigo e Novo Testamento, com ênfase
principalmente nos Salmos, como também alguns comentários dos padres da Igreja.
Após esse itinerário, tem-se a relação das virtudes teologais, Fé, Esperança e
Caridade, com o louvor de Deus, buscando apresentar como essas virtudes, abrem
o ser humano ao amor de oferta, como foi a de Cristo. Esse mesmo ser humano
auxiliado pela graça, faz de sua vida e consequentemente a de seus irmãos e
irmãs uma constante e firme louvação, existindo com o propósito de buscar
incessantemente a salvação, seja a pessoal, como também a dos irmãos e irmãs.
1.
Considerações acerca do que é Louvor de Deus
O
louvor de Deus é o processo, no qual homem, impulsionado pelo Espírito Santo,
se abre ao processo da graça e O louva por aquilo que Ele é, realizando uma
experiência de salvação. Se pelo pecado o homem se afasta de Deus, a graça o
aproxima. No encontro, a pessoa se abre, processo onde a benção age e o Louvor
de Deus acontece.
O
louvor segundo a definição de Bechara é “ação ou efeito de glorificar, de
louvar; glorificação, louvação (BECHARA, 2009, p. 566). O louvor então torna-se
reconhecimento de Deus e de Sua incontável grandeza. Para a Igreja “o louvor é
a forma de oração que reconhece o mais imediatamente possível que Deus é Deus”
(CIgC, 2639).
Cristo
é o maior exemplo de Louvor de Deus, e demonstrou isso no mais alto da Cruz. O
homem por sua vez, como partícipe da entrega de Cristo, pela ação do Espírito
Santo, se oferece em sacrifício de louvor ao Senhor.
Por
isso que o Louvor de Deus brota do coração que faz a experiência de
profundidade do Deus que se revela em amor. E é por isso que louvar corresponde
em bendizer, celebrar, grito de triunfo, glorificar. E ainda: “magnificar,
exaltar, cantar; celebração da honra, força e poder de Deus.” (LACOSTE,2004, p.
1051).
O
Padre Gilberto Maria Defina, sjs, fundador da Fraternidade Jesus Salvador,
tomou como carisma para sua fundação o Louvor de Deus. O conceito do carisma Salvista
é: “O Louvor de Deus sob todas as suas formas e a litúrgica em primeiro lugar,
e como consequência desse Louvor, a procura de santificação pessoal e
comunitária, através da consagração ao Espírito Santo, Deus-Amor”
(CONSTITUIÇÕES, 1998, n.22).
Esse
é o desejo que Deus inspirou no coração do Padre Gilberto, sjs, pois o Louvor
de Deus, salva e transforma o homem. A opção do Padre pelo louvor de Deus, se
deu porque é firme e constante, não é um louvor de momento, ou algo que passa,
encharcado de sentimento somente, mas constante, como foi o louvor de Jesus
Cristo ao Pai. E assim o Pe. Gilberto escreve:
“O louvor de Deus se manifesta em nós
pelo desejo de estar unidos a Deus, louvando pelo que ele é, por essa Trindade
feliz, por essa Santíssima Trindade que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Nós nos entregamos completamente à vontade de Deus, e a vontade de Deus é esta:
a nossa santificação. Se nós quisermos ser santos, temos que louvar a Deus,
porque através do louvor nos santificamos e santificamos também a comunidade
que estamos vivendo” (DEFINA, 2016 p. 129).
O
louvor de Deus é o que o ser humano fará na eternidade, pelos séculos dos
séculos, viver para louvar e bendizer a Deus. Brotado do contato com o Deus
vivo, o louvor desperta o homem todo (Sl 57, 8; 108, 2-6) e o arrasta a uma
renovação de vida. Para louvar a Deus, o homem empenha todo o próprio ser; se é
verdadeiro o louvor será incessante (Sl 145, Ap 4,8) “Ele é explosão de vida”.
(DUFOUR, 1972, p. 549).
O
louvor de Deus não tem outra consequência, senão a santificação do ser humano.
“O louvor de Deus é, portanto, a nossa vida que se torna um verdadeiro louvor” (MORAES,
2019. p. 50). E desta forma, sermos “para Deus o bom odor de Cristo, entre
aqueles que se salvam e aqueles que se perdem”. (2 Cor 2, 15).
Uma
vida unida a Deus é uma vida que ama, e os frutos vão demonstrar essa união.
Tais frutos se veem nos testemunhos que estão recolhidos na Sagrada Escritura,
e também na vida daqueles que decidiram abraçar o Louvor de Deus, que escolheram
amar e doar-se, desta forma, uniram-se a Deus em louvor.
2.
O Louvor de Deus à luz Sagrada Escritura
Na
Sagrada Escritura, nos textos veterotestamentários, estão as maravilhas de
Deus, sobre o que Ele fez na natureza ou entre os homens, como Criador e Senhor
da humanidade e do povo de Israel. Os que viveram o louvor de Deus, que mais
aproximaram-se d’Ele, são os que deixaram a graça de Deus agir em suas vidas,
os tomando por inteiro.
“Quando
vejo o céu, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste, que é o
homem, para dele te lembrardes e um filho de Adão, para virdes visitá-lo? E o
fizeste pouco menos do que um deus, coroando-o de glória e beleza. Para que
domine as obras de tuas mãos sob seus pés tudo colocaste: ovelhas e bois,
todos, e as feras do campo também; a ave do céu e os peixes do mar quando
percorre ele as sendas dos mares. Iahweh, Senhor nosso, quão poderoso é
teu nome em toda a terra!” (Sl 8, 4-10)
O
Salmista, em uma outra passagem, canta a glória de Deus de forma magnífica:
“Os
céus cantam a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra de suas mãos. O
dia entrega a mensagem a outro dia, e a noite a faz conhecer a outra noite. Não
há termos, não há palavras, nenhuma voz que deles se ouça, e por toda a terra
sua linha aparece, e até os confins do mundo a sua linguagem. Ali pôs uma tenda
para o sol, e ele sai, qual esposo da alcova, como alegre herói, percorrendo o
caminho. Ele sai de um extremo dos céus e até o outro extremo vai seu percurso;
e nada escapa ao seu calor. (Sl 19, 1-7).
Os
céus narram o louvor de Deus, e tudo louva a Sua criação. O homem, fruto dessa
criação, deve dar ao Seu Criador, por sua vez, uma resposta de louvor. E
desejar que sua alma louve a esse Deus, como está no salmo 104:
“Cantarei
a Iahweh enquanto eu viver, louvarei o meu Deus enquanto existir. Que
meu poema lhe seja agradável; quanto a mim, eu me alegro com Iahweh. Que
os pecadores desapareçam da terra e os ímpios nunca mais existam. Bendize a Iahweh,
ó minha alma.” (Sl 104, 33-35).
O
homem quando experimenta o louvor de Deus, realiza uma experiência profunda com
a grandeza divina, grandeza essa que preenche o coração de esperança,
fortalecendo-o em todas circunstâncias de sua vida, quando este O reconhece
como Deus soberano, único digno de todo louvor e de receber a glória,
retratando-se sobre isso, o profeta Isaías escreve:
“Não
o sabes? Não ouvistes dizer? Iahweh é Deus eterno, criador das
extremidades da terra. Ele não se cansa nem se fatiga, sua inteligência é
insondável. Ele dá força ao cansado, que prodigaliza vigor ao enfraquecido.
Mesmo os jovens se cansam e se esgotam; até os moços vivem a tropeçar, mas os
que põe a sua esperança em Iahweh renovam as suas forças, abrem asas
como as águias, correm e não se esgotam, caminham e não se cansam.” (Is 40,
28-31)
Deus
quer salvar o seu povo e tem sede por essa salvação. O homem dentro desse
processo, necessita viver uma constante ação de graça ao seu Deus, na certeza
de que Ele sempre está do lado de seu povo, e o povo deve reconhecer a grandeza
de Deus, vivendo Louvando-o.
“Iahweh,
tu és o meu Deus, eu te exaltarei, louvarei o teu nome, porque realizastes os
teus desígnios maravilhosos de outrora, com toda a fidelidade. Sim da cidade
fizeste um entulho, a cidade fortificada está em ruína. A cidadela dos
estrangeiros deixou de ser uma cidade, nunca mais será reconstruída. Eis porque
um povo te glorifica, a cidade das nações tirânicas teme a ti. Porque foste o
refúgio para o fraco, o refúgio para o indigente na sua angústia, o abrigo
contra a chuva e a sombra contra o calor. (Is 25, 1-4).
Deus
já é louvado nos mais antigos hinos do Antigo Testamento, bem como exaltado na
grandeza de seu nome. “A Ele deves louvar: ele é o teu Deus”. (Dt 10, 21). Tal
poder e grandiosidade Ele exerce para o seu povo e para com o mundo.
Além
do Louvor de Deus, o Laus Dei, existe um louvor a Deus, o Laus Deum,
nesse caso, na Sagrada Escritura, no Antigo Testamento, é o verbo hebraico halal,
ou o verbo grego aino, que trazem a ideia de elogio, engrandecimento
daquele que louvamos, que, no caso, é Deus (MORAES, 2019. p 52).
Já
o louvor de Deus nos livros do Novo Testamento, manifestam-se por sua
paternidade e missão em Jesus Cristo, que soube em tudo louvar ao Pai. Como no
episódio em Lucas: “Naquele momento, ele exultou de alegria sob a ação do
Espírito Santo e disse: Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque
ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos
pequeninos.”(Lc 10, 21). Vê-se o Cristo que louva ao Pai, pelo dom da
criação, e por revelar tais belezas aos mais pequenos, aos mais simples de
coração, pois só esses, são capazes de conceder um espaço no coração para Deus,
louvando-O de todo o coração.
Deus
se releva digno de ser louvado pelo homem, devido aos inúmeros benefícios que
este concede, confessando suas grandezas. O louvor se torna então esse ato de
dar glória a Deus. (Lc 17, 15-18; At 11,18; Fl 1, 11; Ef 1,6.12.14). “O louvor
pensa mais na pessoa de Deus do que em seus dons; é mais teocêntrico, mais perdido
em Deus, mais próximo da adoração. Os hinos de louvor estão geralmente
desligados de um contexto preciso e cantam a Deus porque Ele é Deus” (DUFOUR, 1972.
p. 549).
Os
hinos cantam a glória de Deus, e a grandeza de Seu nome. Logo, viver o louvor
de Deus é estar permanentemente nesta postura de exaltação e engrandecimento.
(Cf. Lc 1, 46; Cf. At 10, 46). Existir
louvando a Deus é, portanto, a vocação do homem. “Este louvor brota da
consciência exultante desta consciência de Deus” (DUFOUR, 1972 P. 548).
Ainda
no Novo Testamento, pode-se dizer que, ele conserva a posição dominante do
louvor, sempre em primeiro lugar, louvar a Deus, significa proclamar suas
grandezas, à própria volta (Mt 9, 31; Lc 2, 38; Rm 15, 9; Hb 13, 15; cf. Fl 2,
11). Uma existência que louve a Deus.
“No
seu movimento essencial, o louvor permanece o mesmo desde o Antigo ao Novo
Testamento. Agora, porém, ele é cristão, antes de tudo, porque é suscitado pelo
dom de Cristo, por ocasião do poder redentor manifestado em Cristo. É esse o
sentido do louvor dos anjos e dos pastores no Natal (Lc 2, 13s.20), como do
louvor das multidões depois dos milagres (Mc 7, 36 s.; Lc 18, 43; 19, 37); este
é mesmo o sentido fundamental do Hosana dos Ramos (cf. Mt 21, 16=Sl 8, 2s.), e
também do cântico do Cordeiro no Apocalipse (cf. Ap 15, 3). (DUFOUR, 1972. p.
550).
No
evangelho de Lucas temos os três cânticos Lc 1, 46-55 (O cântico de Maria); Lc
1, 69-79), Maria proclama o Louvor de Deus ao se fazer serva (cf. Lc 1,
38.43.47ss.), (o Benedictus) e Lc 2, 28-32 (o cântico de Simeão). Também João
Batista, expressa com sua vida o louvor de Deus, quando diz: “É necessário que
Ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). Paulo é marcado também por expressões de
louvor, onde encontramos dizeres como “para o louvor de sua glória” (Ef 1, 3-14).
O Apocalipse está repleto destes cânticos de louvor, sendo este uma
característica do livro. O louvor se traduz em ações de fé e alegria, pois
proclama o amor de Deus
Se
a Escritura Sagrada, trata do louvor de Deus, é porque é desejo de Deus que o
homem participe desta louvação, deste reconhecimento, unindo-se a Cristo, que
louvou o Pai na forma mais perfeita. No decorrer dos anos, na história da
Igreja, muitos foram os exemplos de pessoas, que louvaram a Deus, não somente
com palavras, mas com ações concretas, testemunhos fortes, onde suas vidas ao
serem ofertadas, tornam-se exemplos de Louvor de Deus, um culto de louvor agradável
ao Senhor.
3.
O Louvor de Deus a partir da Liturgia
A
Igreja celebra o Louvor de Deus em sua liturgia e os seus membros também vivem
para este mesmo louvor. A doação de Cristo no mais alto da Cruz, concede ao
fiel a graça dos sacramentos, e em cada um, Cristo e sua oferta ao Pai aparecem
de forma real e profética. A cada Santa Missa, o padre, ao fazer memória do
sacrifício de Cristo, atualiza a oferta do mesmo, que foi em tudo louvor. Da
oferta de Cristo, vê-se outros que também se ofertaram em louvor ao Pai, que
viveram de forma mais genuína e autêntica uma vida no Louvor de Deus:
“Expandindo-se
assim a partir da Escritura, deveria o louvor permanecer sempre primordial no
Cristianismo, marcando o ritmo da oração litúrgica com os Alleluia e os Gloria
Patri, animando as almas fieis em oração a ponto de tomar conta delas e
transformá-las num puro “Louvor de glória” (cf. Ef 1, 12). (LÉON-DUFOUR, 1972 p.
550).
Cristo
é o maior exemplo que existe de Louvor de Deus. Sua oferta, e oferta de cruz
(cf. Fl1,8), aponta a todos os seguidores dele, na Igreja, como dar a Deus o
verdadeiro louvor. Viveu o louvor na disponibilidade, porque muito amou e do
Pai era íntimo. Doação tamanha, que ainda hoje é atualizada:
A
Eucaristia é o sacramento que mais diretamente representa em nossa história o
acontecimento central da salvação: o mistério da morte e ressurreição de
Cristo, e celebra assim, o encontro entre Deus e o homem em Cristo, na nova
aliança que ele conquistou pra sempre na cruz. (Cf. BOROBIO, 1993 p. 179 ).
As
orações eucarísticas compostas, expressam e são sinal do louvor e da salvação
de Jesus, no qual o fiel deve ver-se inserido. O Prefácio IV, expressa algo
interessante, pois mesmo não necessitando de nossos louvores, Deus nos concede
o dom de Louvá-lo, “o louvor, dom de Deus”, que, por sinal, era o prefácio mais
querido, pelo Pe. Gilberto Maria Defina, sjs: “Ainda que nossos louvores não
vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Eles nada
acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós, por Jesus Cristo, vosso
Filho e Senhor nosso. (MISSAL ROMANO, 2011, p. 459).
Jesus
permanece na Eucaristia, que em sua raiz significa ação de graças.
“Tudo
até agora, foi prolongamento de louvor e ação de graças: uma oração cheia de
admiração agradecida para com Deus criador, o Senhor do universo, o todo santo,
que age na história da salvação e, sobretudo, no momento central da páscoa de
seu Filho. (Cf. ALDAZÁBAL, 1993 p. 251).
Por
isso, sobre o Louvor de Deus, no sacrifício salvífico de Cristo Jesus, pode-se
dizer que: “O louvor se converte em memorial sacramental daquilo que Cristo
disse e realizou tanto na ceia como na cruz”. (BOROBIO, 1993, p. 260).
Existe
um louvor que é ofertado na Cruz e que até hoje gera vida e louvor na vida de
todos que participam deste grande mistério de amor, que ocorre a cada Santa
Missa celebrada, como também em cada ato litúrgico. Alguns na história da
Igreja, escolheram viver essa realidade de louvor em suas vidas, e unidas a
Cristo, foram capazes de testemunhar esse amor, gerando frutos de santidade.
A
vida da virgem Maria é permeada por um grande louvor. Assim como o seu filho,
Jesus Cristo, Ela viveu um grande esvaziamento de si mesma, fazendo de sua vida
um perene louvor de Deus. Da anunciação à Cruz, foi mulher fiel, disposta a
louvar, mesmo em meio as intempéries, por isso é considerada mestra, por viver
em uma constante louvação ao Pai. “E meu espírito se alegra em Deus, meu
Salvador” (Lc 1, 47).
“Com
isso Maria nos ensina que devemos amar e louvar Deus em sua devida ordem e tal
como Ele é. Nunca devemos procurar nele algo de nosso próprio interesse. Ama e
louva Deus exclusivamente e de modo legítimo aquele que o louva somente porque
ele é bom” (LUTERO, 2015, p. 37).
O
Louvor de Maria é o louvor da Igreja, a humilde serva que reconhece a grandeza
de seu Senhor e Deus. “O Grande Deus manifesta paradoxalmente sua grandeza,
fixando-se no pequeno e detendo nele seu complacente olhar. O Deus forte se
mostra fraco para acudir o pequeno” (PAREDES, 1984. p. 76).
Além
de Maria e seu exemplo na história da Igreja, ainda pode se falar de vários
santos que souberam em suas vidas louvar a Deus e foram por esse motivo, peças
importantes na história da Igreja. Santo Irineu de Lyon, escreveu que: “A
glória de Deus é o homem vivo”. Diz isso, pois, morto, o homem não é
capaz de louvar a Deus, mas, quando vivo, permite que Deus seja o centro de sua
vida, e canta a Sua glória, pois o homem nasceu para esse fim (Ef 1, 6).
Santo
Agostinho também escreveu sobre o Louvor de Deus:
És grande, Senhor e infinitamente
digno de ser louvado; grande é teu poder, e incomensurável tua sabedoria. E o
homem, pequena parte de tua criação quer louvar-te, e precisamente o homem que,
revestido de sua mortalidade, traz em si o testemunho do pecado e a prova de
que resistes aos soberbos. Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja
louvar-te. Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste
para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso.
Concede, Senhor, que eu bem saiba se é mais importante invocar-te e louvar-te,
ou se devo antes conhecer-te, para depois te invocar. Mas alguém te invocará
antes de te conhecer? Porque, te ignorando, facilmente estará em perigo de
invocar outrem. Porque, porventura, deves antes ser invocado para depois ser
conhecido? Mas como invocarão aquele em que não crêem? Ou como haverão de crer
que alguém lhos pregue? Com certeza, louvarão ao Senhor os que o buscam, porque
os que o buscam o encontram e os que o encontram hão de louvá-lo. (AGOSTINHO,
2007, p. 15).
A Sagrada Escritura bem como a história da Igreja é repleta de
testemunhos inspiradores, de pessoas que, voltadas para Deus, não souberam ser
outra coisa senão louvor, apoiados no Cristo, aprenderam d’Ele o caminho do
amor e da doação, fazendo de suas vidas também louvor. Pessoas que viveram o
esvaziamento total de si, com fé, na firme esperança de que esse louvor que
começa aqui, se perpetuará na Eternidade, onde o homem viverá pelos séculos dos
séculos louvando o nome de Deus, em sua presença, bendizendo-O e glorificando-O.
4. Louvor de Deus e as virtudes teologais
Após conceituar o “Louvor de Deus” e perceber
sua ação na Sagrada Escritura e na história da Igreja, agora será estabelecida
sua relação com as virtudes teologais. O Catecismo da Igreja Católica vai dizer
que:
“As virtudes humanas se fundamentam
nas virtudes teologais que adaptam as faculdades do homem para que possa
participar da natureza divina. De fato, as virtudes teologais se referem
diretamente a Deus. Dispõe os cristãos viverem em relação com a Santíssima
Trindade. As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral
do cristão. São infundidas por Deus na alma dos fiéis para torna-los capazes de
agir como seus filhos e merecer a vida eterna. São garantia da presença e da
ação do Espírito Santo nas faculdades do ser humano. Há três virtudes
teologais: a fé, a esperança e a caridade” (CIgC, 200, p. 488).
As virtudes teologais são essas disposições
que tornam o homem agradável a Deus e que está em comunhão com a Santíssima
Trindade.
A caridade deve ser para a manifestação da
glória do Pai. Na primeira carta de São João, vê-se escrita a essência de Deus,
“Deus é amor” (1 Jo 4, 8b). Essência proclamada amor de comunhão, ou seja,
entre as três pessoas divinas. Portanto a caridade é a essência de Deus.
O louvor que é somente dele pode ser
efetivo a partir da caridade, isto é, Laus Dei caritas est, o louvor de Deus é
caridade. Somente a caridade o louva. O louvor de Deus são atos de amor que
brotam da graça de Deus e se efetiva quando cada ato do ser humano advindo da
graça proclama a santidade de Deus; portanto, o ato tem que brotar da graça e
do amor de Deus; cada ato, assim, louva verdadeiramente a Deus. Não um ato que
surja da obrigação da lei (cf. Rm 3, 20) ou da ânsia de aparecer (cf. Mt 6,
2-4), mas da graça do Espírito derramada em nossos corações (cf. Rm5,5). (Cf. MORAES,
2019, p. 99).
Só quem tem Fé pode viver o Louvor de Deus.
Assim é definida a Fé na carta aos Hebreus: “Ora, a fé é a certeza de coisas
que se esperam, a convicção de fatos que não se veem.” (Hb 11,1).
Definição essa que coloca o ser humano em um constante buscar Deus em sua
própria história.
É pela Fé, como está na Sagrada Escritura que
Abraão realiza a vontade de Deus, deixando tudo para trás e indo para o lugar
que Deus queria colocá-lo, entre outros exemplos, que discorre o capítulo 11 de
Hebreus. O exemplo também de Moisés até Raab, que caminharam pela fé e viveram
o louvor de Deus com as próprias vidas.
“Por isso, a Sagrada Escritura é
categórica, sem a fé é impossível agradar a Deus, é impossível que o louvor
brote de um coração que não acredita que um Deus existe e que ele age em nosso
meio, atua na História; desse modo, é impossível esse coração dar o seu
assentimento e sua adesão a Deus. É impossível agradar a Deus com obras que não
brotem da graça da fé, da “lei da fé” (Rm 3, 27).” (MORAES, 2019, p. 110).
Como já foi escrito, o louvor de Deus é caridade, todavia, para
que o homem se abra a essa experiência que é amor, através da graça, ele
necessita de fé, ter fé. “A fé atua no amor” (Gl 5,6). Sem a fé não há Laus
Dei, mas quando se há a virtude da fé, a graça é infundida no coração do
homem, que se transforma e se abre, desta forma louvando a Deus. Assim a fé age
na caridade e a fé louva a Deus. Sem a fé não se agrada a Deus (cf. Hb 11,6).
Após a relação do Louvor de Deus com a
virtude da caridade e da fé, é o momento da relação com a virtude da esperança.
Relação possível, uma vez que, o cristão louva aqui na terra, com firme esperança
de viver esse louvor na eternidade, pois segundo a Sagrada Escritura e a
história da Igreja, aqui se vive a antecipação, mas o cristão caminha para
viver o louvor eterno. Por isso as virtudes são grandes maestras na vida do ser
humano, abrindo-o ao amor, fazendo com que ele tenha sede de salvação e anseie
a eternidade.
“Acolhei com bondade no vosso reino
os nossos irmãos e irmãs que partiram desta vida e todos os que morreram na
vossa amizade. Unidos a eles, esperamos também nós saciar-nos eternamente da
vossa glória, quando enxugardes toda lágrima dos nossos olhos. Então
contemplando-vos como sois, seremos para sempre semelhantes a vós e cantaremos
sem cessar os vossos louvores.” (MISSAL ROMANO, 2011 p. 487).
A virtude da esperança auxilia o cristão a
não desanimar em meio as tribulações da vida. São Paulo fala sobre isso na
carta aos Romanos, sobre a perseverança. E dessa forma, esperar em Deus, no
cumprimento de suas promessas. “E a esperança não decepciona, porque o amor de
Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.”
(Rm 5,5).
A esperança é um dom do Espírito Santo e a
certeza que Deus em sua inabalável providência, nunca abandona os seus. Com
base para a relação de Louvor de Deus e a virtude da esperança, pode-se tomar o
que fora descrito no livro do Apocalipse:
“Depois destas coisas, vi, e eis
grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e
línguas, em pé diante do trono e diante do cordeiro, vestido de vestiduras
brancas, com palmas nas mãos; e aclamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso
Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação” (Ap 7,
9-10).
Quando a pessoa humana, em seu itinerário de
vida, vive o louvor de Deus aqui na terra, se prepara para vivê-lo eternamente
no céu. “se esperamos em Cristo só nessa vida, somos os mais miseráveis de
todos os homens” (1 Cor 15, 19). A virtude da esperança aponta que cada ser
humano, tem um destino que é a eternidade. O amor louva a Deus, louvação que se
dá mediante a fé e abre-se a esperança de viver eternamente o louvor de Deus. E
nesse processo a vivência das virtudes auxilia o homem a abertura, a viver o
amor. As práticas das virtudes desembocam no amor, pois toda virtude é amar.
Assim são forjados os santos, que passaram suas vidas amando e gozam da vida
junto de Deus no céu. As virtudes mostram então o caminho que o cristão, aberto
pela graça, deve percorrer para ser Louvor de Deus.
CAPÍTULO III
O LOUVOR DE DEUS NO SOFRIMENTO
O capítulo anterior teve como proposta
apresentar o “Louvor de Deus”. Sua definição, abordagem bíblica e construção no
decorrer da história, apresentou também as virtudes teologais, como sendo uma
escola que forma os santos, os ensinando a viver a caridade e a doação de suas
vidas, com um olhar todo voltado para a eternidade. E por isso as virtudes
teologais auxiliam o cristão de hoje, que deve existir louvando a Deus. Já o
atual capítulo procurará estabelecer relação entre o Louvor de Deus e o
sofrimento, observando o sentido cristão do sofrimento humano nesse processo.
Pois o sofrimento de Cristo foi o esplendor do louvor acolhido pelo Pai. Uma
vez que, o sofrimento de Jesus redime o sofrimento humano, tornando-se louvor.
Vislumbrar-se-á também as experiências e vivências que brotam de tal relação na
vida das pessoas, bem como os frutos provindos deste processo, e, por fim, como
a visão de louvor de Deus ilumina a existência do homem, sendo resposta e luz
ao homem contemporâneo, que por vezes, encontra-se envolto pelo comportamento
hedonista, que o leva muitas vezes à idolatria de si mesmo e à falta de sentido
em sua vida. O homem, despindo daquilo que não é sua identidade, de suas
idolatrias e atitudes hedonistas, é chamado por vocação a ser Louvor de Deus. O
que se reconhece Louvor de Deus, ao sofrer, une-se ao Cristo e por isso utiliza
da sua dor para encontrar-se com Deus.
1.
A relação entre Louvor de Deus e sofrimento
O apóstolo Paulo, em sua missão profética,
consagra todas as realidades existenciais ao seu ministério apostólico.
Trabalho, liberdade e até mesmo o cativeiro que por vezes experimentou. Nada
lhe parecia ser em vão, pelo contrário, ele prossegue confiante em sua missão,
mesmo quebrantado pelos sofrimentos, agravados pela saúde e tantos outros males
que o podiam afligir. Longe de o abater, para ele, tudo isso é fonte de
veemente alegria. “Agora regozijo-me nos meus sofrimentos por vós, e completo o
que falta às tribulações de Cristo.” (Cl 1, 24).
Por isso, Paulo, torna-se exemplo para o
cristão que sofre, mas que não para no sofrimento, pois é capaz de enxergar
através dele, enxergar salvação. E a alegria do apóstolo, brota desta união
esponsal com o sacrifício oblativo da doação de Cristo na Cruz. Quando um
cristão sofre em espírito cristão, isto é, como Corpo Místico, já não sofre só,
mas é o Cristo que nele sofre para estender a ele a obra da Redenção. “E, se
vivo, não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.” (Cf. Gl 2, 19s).
No Louvor de Deus a vida humana se torna
liturgia, na qual o homem se encontra inserido no mistério de Cristo,
redescobrindo o mistério da sua vida e da sua identidade. A Liturgia da Igreja,
torna-se, então, o espaço sagrado privilegiado de encontro do homem que sofre,
mas une o seu sofrimento ao de Jesus, que salva e gera vida, uma vida que
louva, lugar para viver o louvor de Deus. “A eucaristia é a solução para o
problema do sofrimento. Pois é a associação do sofrimento com o sacrifício. O
sofrimento punitivo humano, a marca da moralidade e do pecado, torna-se uno com
o sofrimento redentor, a marca da vida e da graça eterna”. (KREEFT, 1995, p. 182).
Cristo ofereceu ao Pai Celeste os sofrimentos
que Ele assim abraçou, oblação esta que teve certamente valor infinito, onde
Cristo, em sua entrega, é agradável ao Pai. Na liturgia, quando o homem se une
ao Cristo, pelo sofrimento, o sacerdote oferece o sacrifício e quando diz: “Por
Cristo, com Cristo e em Cristo”, ele eleva esse homem unido a Jesus, que pelo
sofrimento oferecido no altar, abre-se ao Louvor.
“A Igreja que nasce do mistério da Redenção na
Cruz de Cristo, tem o dever de procurar o encontro com o homem, de modo
particular no caminho do seu sofrimento. É em tal encontro que o homem “se
torna o caminho da Igreja”, e este é um dos caminhos mais importantes” (SD,
1988, p. 7).
Se é missão da Igreja ser louvor de Deus, o
homem também é chamado a vivê-lo em sua vida. Assim como na liturgia, o incenso
que é oferecido, sobe aos céus, o sacrifício do homem, unido ao de Cristo no
altar, que é o calvário, sobe ao céu como um perfume agradável a Deus. A Igreja
sempre auxiliou o seu povo, que caminha rumo a Cristo e a vida de Deus, e deve
auxiliar o homem visitado pelo sofrimento, a descobrir nele o seu sentido vivificador
e redentor, dado pela doação de Cristo Jesus em sua paixão, morte e
ressurreição.
“Por isso, no centro do mistério apostólico e
do anúncio do Evangelho que conduz, à fé, deve estar o ingresso ao mistério da
Cruz. Consequentemente, se na celebração da Eucaristia, na participação sempre
nova no mistério sacerdotal de Jesus Cristo, podemos ver o centro do culto
cristão, contudo há que ter sempre presente a sua extensão total: o objetivo
constante é atrair para dentro do amor de Cristo todo indivíduo e o mundo, de
modo que todos se tornem juntamente com Ele “uma oferta agradável a Deus,
santificada pelo Espírito Santo” (RATZINGER, 2011, p. 215).
Desta
forma, o homem torna-se aquilo que celebra no Mistério da Santa Missa:
Sacrifício de agradável odor. A cada Eucaristia, o mistério da Cruz se
atualiza. O Servo Sofredor (Is 53), uma vez mais, entrega-se todo para o homem,
com a oferta total de sua vida. Assim, Cristo une em si mesmo, a dor e o amor,
e impele o homem à uma resposta também total, encontrando no sofrimento que
vive – em união ao sofrimento de Cristo – sentido, conforto e esperança. E
retirando desta experiência o necessário para que haja uma transformação
interior, pois como está escrito na carta, Salvifici Doloris: “O
sofrimento tem caráter de prova” (SD, 1988 p. 20). E o homem só é capaz de ter essa
maturidade espiritual, em meio a sua dor, quando olha para o Cristo, em sua
oferta de dor, amor e louvor.
“E
Cristo estava cônscio de tudo isto e muitas vezes falou aos seus discípulos dos
sofrimentos e da morte que o esperavam: “Eis que subimos a Jerusalém; e o Filho
do homem vai ser entregue nas mãos dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas,
e eles condená-lo-ão à morte e entregá-lo-ão nas mãos dos gentios, que o hão de
escarnecer, cuspir sobre ele, flagelar e matar. Mas três dias depois
ressuscitará” (Mc 10, 33-34). Cristo vai ao encontro de sua paixão e morte com
plena consciência da missão que deve realizar exatamente desse modo. É por meio
desse seu sofrimento que ele tem de fazer com que “o homem não pereça, mas
tenha a vida eterna”. É precisamente por meio da sua Cruz que ele deve atingir
as raízes do mal, que se embrenham na história do homem e nas almas humanas. É
precisamente por meio da sua Cruz que ele deve realizar a obra da salvação.
Esta obra, no desígnio do amor eterno, tem um caráter redentor.” (SD, 1988, p.
28).
Cristo
foi extremamente obediente ao Pai em tudo, e foi fiel à sua missão salvífica.
No Getsêmani, a dor de sua alma é expressa nos olhos e no Calvário, ao
recitar o salmo 22: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes”, na verdade,
faz dele sua oração, uma oração cheia de esperança, mesmo em meio as dores que
o infligia. “Pode-se dizer que com a Paixão de Cristo, todo o sofrimento humano
veio a encontrar-se numa nova situação”. (SD, p. 37). É na paixão de Cristo que
a Igreja e o cristão, encontram forças para enxergar centelhas de louvor no
sofrimento. Na segunda carta aos Coríntios, o apóstolo escreve:
“Em
tudo atribulados, mas não oprimidos, perplexos, mas não desesperados,
perseguidos, mas não abandonados, abatidos, mas não perdidos, por toda a parte
levamos sempre no corpo os sofrimentos de Jesus, para que também a vida de
Jesus se manifeste no nosso corpo. De fato, enquanto vivemos, somos
continuamente entregues à morte por causa de Jesus, para que a vida de Jesus se
manifeste também na nossa carne mortal... com a certeza de que aquele que
ressuscitou o Senhor Jesus, nos ressuscitará também a nós com Jesus.” (2 Cor 4,
8-11.14).
É
nesse processo com o Cristo, que o ser humano, encontra esperança em meio ao
sofrimento, a esperança da ressurreição, da glória:
“A
eloquência da Cruz e da morte, no entanto, é completada com a eloquência da
Ressurreição. O homem encontra na ressurreição uma luz completamente nova, que o
ajuda a abrir caminho através das trevas cercadas das humilhações, das dúvidas,
do desespero e da perseguição”. (SD, 1988, p. 39).
Cristo,
da morte de Cruz à glória da Ressurreição, abre ao homem ocasionado pelo
sofrimento, uma perspectiva nova, um sentido repleto de louvor.
“Se o
homem se torna participante dos sofrimentos de Cristo, isso acontece porque
Cristo abriu o seu sofrimento ao homem, porque ele próprio, no seu sofrimento
redentor, se tornou, num certo sentido, participantes de todos os sofrimentos
humanos. Ao descobrir, pela fé, o sofrimento redentor de Cristo, o homem
descobre nele, ao mesmo tempo, os próprios sofrimentos, reencontra-os mediante
a fé, enriquecidos de um novo conteúdo e com um novo significado.” (SD, 1988,
p. 40).
Assim, o Tabor e o Gólgota se
unem, como a cruz e ressurreição, pois na dor, Deus demonstra sua grandeza.
Sendo assim, o deserto do sofrimento não revela só morte, mas torna-se lugar de
amadurecimento, que outros lugares não seriam capazes de revelar, pois é ali
que o homem olha para o seu Deus, seu Criador, permitindo que Ele realize a Sua
vontade salvífica em sua vida. Eis o verdadeiro louvor, o louvor dos fortes:
“Mas os que põem a sua esperança em Iahweh renovam suas forças, abrem
asas como águias, correm e não se esgotam, caminham e não cansam.” (Is 40, 31).
Estes são os que experimentam o Louvor de Deus,
caminham não mais sozinhos, mas com Deus, que, por meio dos sofrimentos, os
forma e os ensina, assim, o deserto não é mais um local infértil, mas sim
gerador de vida e vida espiritual.
No
Cristo, sofrimento e glória se unem: (Rm 8, 17-18; 2 Cor 4, 17-18;1 Pd 4, 13).
E o homem ao entrar nessa dinâmica, experimenta grandes frutos, o maior deles é
o amadurecimento espiritual. Pois assim como a ressurreição de Cristo, revela a
glória que está contida no próprio sofrimento de Cristo, o homem, completa em
sua carne, aquilo que faltou ao sofrimento de Cristo, não porque o sacrifício
de Cristo foi incompleto, mas porque Ele abriu as portas, para que o homem,
pudesse fazer a experiência redentora do sofrimento, que gera louvor de Deus. O
sofrimento humano, quando unido ao sofrimento de Jesus, no amor, completa esse
mesmo sacrifício.
2. Experiência de sofrimento no Louvor de Deus
O sofrimento é condição humana, e o homem
sempre o experimenta em algum momento ao longo de sua vida terrestre. O
interessante, é entender, como este vive essa dor, que por si só, não é capaz
de salvar. Todavia, quando o sofrimento do homem está enxertado no sofrimento
de Cristo, torna-se caminho para a sua salvação.
O sofrimento de Cristo na Cruz, tornou-se
redentor, pelo fato de que Ele muito amou, e por muito amar, ofereceu-se ao
Pai. Um amor autêntico e verdadeiro, que gera no coração, uma eterna ação de
graças, pelos feitos e maravilhas do Senhor, mesmo quando, o coração do homem é
acometido por experiências dolorosas de sofrimento, pois sabe que Deus é capaz
de realizar o que está no salmo: “Transformastes o meu pranto em uma festa,
meus farrapos, em adornos de alegria, para minh’alma vos louvar ao som da arpa
e ao invés de se calar, agradecer-vos: Senhor meu Deus, eternamente hei de
louvar-vos!”.(Sl 29, 12-13). Ou ainda na firme esperança de outro salmo que
reza: “Os que lançam as sementes entre lágrimas, colherão com alegria”. (Sl
125). O amor é o ápice do louvor, para a
glória de Deus. Só o amor-doação é capaz de transformar o sofrimento em louvor.
Há uma tradição ascética antiga da Igreja, que
diz que, na vivência da caridade, existem duas dimensões. Uma dimensão ativa e
outra passiva. A dimensão ativa são os atos de amor, quando ajudamos o irmão,
com um conselho, ou ajudando os pobres por exemplo; e existe também a dimensão
passiva, ou seja, quando nós suportamos por amor a Deus os sofrimentos,
qualquer forma de sofrimento, suportar por amor a Cristo, desta forma, o ser
humano torna-se Louvor de Deus.
Não existe louvor sem sofrimento, pois louvor
não é só levantar as mãos e saltar de alegria, quando nós sofremos por amor,
nós nos tornamos um louvor vivo, para a glória de Deus, assim como Cristo na
Cruz. Por isso é importante viver o amor ativo e passivo, vivendo no louvor, o
amor a Deus e aos irmãos. “O amor ainda é a fonte mais plena para a resposta à
pergunta acerca do sentido do sofrimento. Essa resposta foi dada por Deus ao
homem, na Cruz de Jesus Cristo”. (SD, 1988, p. 22).
O
sofrimento humano, quando unido ao sofrimento de Cristo, em uma oferta de amor,
torna o homem, louvor de Deus. E agora o seu sofrimento não é mais vazio, ou
sem significado, mas é redimido, acolhido, ofertado por amor, com amor e em
amor. No sofrimento, pela graça de Deus, o homem encontra-se e é capaz de dar
sentido à sua vida, a sua existência.
Esse é o fruto de quem vive imergido na graça,
e que está presente na vida dos santos, (especialmente os mártires) e de todos,
que unem o seu sofrimento ao de Cristo, por amor, fazendo de suas vidas um
lindo canto de Louvor. E do Antigo ao Novo Testamento, a Sagrada
Escritura oferece ao seu leitor, grandes exemplos daqueles que viveram o louvor
de Deus. A grande novidade desses exemplos, era de que, não obstante a esse
louvor, estava presente também a realidade do sofrimento. Revelando que é
possível ser louvor, mesmo em meio ao sofrimento.
O Novo Testamento tem uma compreensão mais
profunda do que o Antigo Testamento. “Quase todos os livros do Novo Testamento
falam do sofrimento em numerosas passagens” (BAUER, 1973, p. 1074). A partir da
vida de Cristo – também de seu sofrer –, e muitos fazem a experiência de se
confiarem em Deus, em postura e atitude de Louvor, de abandono e confiança. Os
seguidores do Senhor haverão de sofrer em suas vidas, mas o sofrimento ao qual
estão sujeitos é um sofrimento que foi transformado pelo Redentor. O cristão
possui uma nova perspectiva: sofrer é sofrer com Cristo, é unir-se a Ele pelo
mistério do sofrimento, unir-se à Sua Cruz. O sofrimento faz parte da condição
do homem, mas quando ele associa esse sofrimento, seja ele moral ou físico, ao
Cristo, ele aprende a amar e esse amor o purifica. A essa maneira são forjados
os santos, que tornaram o sofrimento fértil, gerador de vida.
Paulo
e Silas destacaram-se como os que souberam viver o louvor em meio ao
sofrimento. A palavra vai ser direta ao relatar: “Pela meia noite, Paulo e
Silas, em oração, cantavam os louvores de Deus, enquanto os outros presos os
ouviam. De repente, sobreveio um terremoto de tal intensidade que se abalaram
os alicerces do cárcere. Imediatamente abriram-se todas as portas, e os
grilhões de todos soltaram-se.” (Atos 16, 25-26). Nessa passagem, mais uma vez
se vê expresso o poder libertador e as força do louvor de Paulo e Silas na
prisão.
Vê-se
que a vivência do Louvor de Deus no sofrimento, quando experimentada, gera
frutos e foi o que sempre aconteceu na vida da Igreja, na vida de Maria, dos
santos mártires, dos santos e das pessoas que unem suas vidas a vida do Cristo
e com Ele são crucificados.
Assim
como foi a vida de seu Filho, a vida de Maria foi um longo martírio. Sobretudo
depois da profecia do ancião Simeão (cf. Lc 1, 33), uma longa série de
provações e de dores, por isso que a Igreja também celebra a compaixão da
Virgem.
“Segundo
o testemunho dos Santos, não poderemos jamais compreender a imensidão e a
profundidade dos sofrimentos de Maria, pois nunca poderemos conhecer a grandeza
do seu amor por Jesus, causa principal de suas dores. Esse é também o pensamento
da Igreja, que, em sua liturgia, aplica à Virgem compassiva, como ao próprio
Jesus, estas palavras do profeta Jeremias (Lm 1, 12): Ó vós todos que passais
pelo caminho, olhai e vede, Se há alguma dor igual à dor que pesa sobre mim!”
(TANQUEREY, 2014, p. 70).
Diante das dores enfrentadas por Maria, sempre
se encontra nesta santa mulher uma postura firme de louvor, postura que revela
em quem ela depositou sua confiança e por isso caminha sem titubear, mesmo com
o coração rasgado e traspassado, tudo ela oferece, tudo ela entrega, tudo
transforma em louvor de Deus.
“Se
começamos pelas dores de Jesus e Maria, é porque não há nada melhor do que o
seu exemplo para mostrar a necessidade e a eficácia do sofrimento para nossa
santificação e a de nossos irmãos, e nada que nos possa impulsionar com mais
força a segui-los na estrada real da Cruz. (TANQUEREY, 2014, p. 12)
Da manjedoura ao Calvário, Maria se oferta a
Deus em tudo. Como uma oblação de louvor, tudo suporta por amor a seu Divino
Filho, Jesus. Esse amor a faz permanecer de pé em todas as dores que sofreu e
ainda sofreria; é, portanto, um modelo para o cristão que sofre, por ser o
dela, um sofrimento repleto de sentido e confiança em Deus.
“É
impossível conceber maior ato de fé do que o da Virgem no Calvário: nessa hora
de obscuridade profunda, que foi chamada de “hora das trevas”, quando a fé dos
próprios apóstolos vacila, quando Jesus, humanamente falando, parece totalmente
vencido e sua obra aniquilada para sempre, quando o próprio Céu parece não responder
à súplica do Crucificado, Maria não cessa um só instante de crer que seu filho
é o Salvador da humanidade; e quando ele pronuncia suas últimas palavras:
Consummatum est, a Virgem, na plenitude de sua fé, compreende que a obra de
salvação é consumada pelo mais doloroso aniquilamento. Ela compreende que seu
Filho agonizante é já o vencedor do pecado, e que, dentro de três dias, será o
vencedor da morte, consequência do pecado. Esse é o seu maior ato de fé: ver o
dedo de Deus, e mais ainda, a intervenção suprema de Deus, lá onde os melhores,
os mais fiéis, só veem trevas e desolação”. (GARRIGOU-LAGRANGE, 1930, p. 820)
Com
isso, Maria nos revela que, ver esse dedo de Deus, é ter visão espiritual sobre
o que acontecia com Jesus, uma visão de louvor no sofrimento, visão que só o
simples de coração pode obter, pela fé. Maria vislumbrou isso em meio ao seu
sofrimento, por isso permaneceu firme, forte e constante, confiante em Deus e
não em suas próprias forças.
“Coragem,
portanto, meus filhos! Não há nada mais apostólico, e no fundo nada mais
consolador que o sofrimento generosamente aceito em união com meu Filho, por
amor a ele e em suas intenções. Aceitai-o, pois, e eu o transformarei em uma
chuva de bençãos recaindo sobre vós”. (TANQUEREY, 2014, p 93).
O
estar de pé de Maria, (cf. Jo 19, 25), foi a certeza de que a vitória viria
pelo louvor, ela soube dar sentido ao seu sofrimento, aceitando a vontade de
Deus e sendo mulher repleta de virtudes. Sendo exemplo para muitos que viriam
após ela. “Ao ler a história dos mártires, vemos que muitos deles declaram a
seus carrascos que, se não temem o sofrimento e se permanecem alegres em meio
às mais pavorosas torturas, é porque o Cristo vem sofrer neles.” (TANQUEREY, 1930,
p. 100). Por isso, que, Maria é venerada como a Senhora das Dores e também
Rainha dos Mártires.
Entre os vocacionados ao sofrimento,
existem aqueles que são chamados de modo ainda mais especial a viverem o
padecimento extremo, os passos do Cristo Sofredor e por sua causa: são os
mártires, cristãos que, diante de perseguições e torturas não negaram a Jesus, realizando
assim, uma adesão de fé ainda mais plena e suportaram todo sofrimento para
testemunharem a fé que abraçaram até a prova última de sua fidelidade na
entrega da própria vida nas mãos dos algozes.
“O
martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho
que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao
qual está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina
cristã”. (CIgC, 2000, n.2473).
Martírio
do grego “μαρτύριο”, significa “testemunho”. Os mártires são aqueles que
deram testemunho de sua fé em Cristo. É um cristão convicto de sua fé, tão
íntimo de Cristo que o segue até na via da dor. O cristianismo nasceu banhado
no sangue de Jesus e cresceu e frutificou pelo testemunho de tantos mártires
que, com a própria vida, e com o próprio sangue, proclamaram que Jesus é o
Redentor da humanidade.
Os
mártires respondem a um apelo de Cristo, a ponto de “fazer pouco caso dos
tormentos, na pressa de chegar a ele”. No martírio o cristão corresponde a um
chamado divino, que se insere na própria dinâmica da vida cristã. Não é uma
realidade que se reduz ao momento da morte, mas está presente no desenrolar de
toda a sua vida. Liga-se à sua vocação batismal. (FIGUEIREDO, 2012, p. 170).
Os
mártires, amaram e, sofrendo, louvavam, pois tinham o dom de enxergar vida e
ressurreição; onde outros só eram capazes de ver dor e morte. Os
mártires na Igreja foram pessoas; que muito amaram a Jesus, com um amor
esponsal, capazes de ofertar a sua própria vida sem nada reter, uma doação
geradora de vida. Os mártires foram participantes no sofrimento de Cristo, uma
vez que este sofrimento abriu a possibilidade para o cristão de união com a
participação em sua paixão redentora.
Assim foi o mártir Santo Inácio de Antioquia,
que se entregou sem reservas a vontade do Senhor. Inácio recebeu a gloriosa
coroa do martírio no ano de 107. Em sua vida escrevera várias cartas às
Igrejas, onde com erudição falava do Cristo. Sua memória já era celebrada em
Antioquia, desde o século IV. Se considerava trigo de Deus, e quem o faria
trigo, seria os dentes das feras:
“Tenho
escrito a todas as Igrejas e a todas elas faço saber que morro por Deus com
alegria... Sou trigo de Deus, serei triturado pelos dentes das feras para
tornar-me o puro pão de Cristo. Rogai a Cristo por mim, para que por este meio
me torne sacrifício para Deus... Eu que tanto desejo ser de Deus... Concedei-me
ser imitador da paixão do meu Deus.” (BREVIÁRIO, 1999, p. 1388).
Este
mártir, viveu além da caridade a fé e a esperança de querer estar unido a Deus,
desta maneira fez do seu sofrimento, do seu martírio, a expressão mais genuína
do Louvor de Deus.
“Santo É ele ainda que, relaciona o martírio
ao batismo, pois o movimento próprio de descer às águas batismais é um morrer
com Cristo para com Ele ressurgir, ser batizado é associar-se a Ele e a seu
mistério e o martírio traduz-se como consequência última dessa identificação
com Cristo pelo batismo.” (FIGUEIREDO,
2012, p. 171).
Além
dos santos mártires, muitos outros são os testemunhos que no sofrimento,
viveram o Louvor de Deus. Uma santa que testemunhou com sua vida o louvor em
meio a dor, foi Santa Josefina Bakhita, uma santa africana, canonizada a poucos
anos, possuidora de uma história singular e dramática. Aos dez anos fora
raptada por negreiros africanos, depois disso foi vendida várias vezes,
escravizada, maltratada sendo brutalmente explorada. Um cônsul italiano a
resgatou e a levou para a Itália, onde conheceu a fé cristã e consagrou-se a
Deus por meio da Vida Religiosa tornando-se religiosa Canossiana. Sempre muito
simples, cresceu incrivelmente, em sabedoria, que é concedida aos pequenos.
A vida
de Bakhita é um exemplo de vida reconciliada, não fez do seu sofrimento o seu
fim, mas uniu ao de Cristo, que ressignificou toda a vida dessa mulher, a ponto
dela mesma dizer: “Se encontrasse aqueles negreiros, beijaria as suas mãos.” (CENCINI,
2007, p.442). Ao falar de sua história, tinha sempre em sua boca as frases: “O
Senhor foi sempre bom comigo em toda a minha vida”, “O Senhor sempre me quis
bem”, “toda a minha vida foi dom de Deus” (ZANINI, 2014. p. 23). Diante as
pressões psicológicas, físicas e morais que a feriram, não é comum à sua
resposta, porém, é a correta. Bakhita ensina que:
“É
possível então, integrar o próprio passado, mesmo quando foi dramático e
traumático, é possível dar sentido àquilo que parece não ter sentido, é
possível até querer bem a quem não te quis bem, é possível levar os estigmas
(também físicos) da violência sofrida e não experimentar rancor por quem os
provocou, mas, ao contrário, expressar gratidão por quem foi mediação, mesmo
inconsciente, de um desígnio de providência e amor. Não somente o perdão, não
somente o ódio que se transforma em amor, mas até gratidão.” (CENCINI, 2007, p.
446).
Esta
grande Santa, olhou para a Cruz de Jesus e viu um escravo, preso e envolto
pelas dores, a mesma condição que ela estava, ela então uniu suas dores a de
Jesus, por isso tornou-se uma mulher ressuscitada, integrada, e por isso fez de
sua vida e sofrimento existencial uma verdadeira obra de louvor, tornando-se
louvor para aqueles que dela precisassem . “O bom Deus velava por mim..., e me
salvou, muitas vezes milagrosamente, aquele Deus que desde menina sentia no coração
sem saber quem era..., e agora o conheço. Graças, graças, meu Deus.” (CENCINI, 2007,
p. 446).
São
testemunhos que expressam o Louvor de Deus no sofrimento, entre tantos
exemplos, pode-se falar do Pe. Gilberto Maria Defina, sjs, que fez de sua vida essa
oferta, entregou tudo a Deus, suas alegrias e sofrimentos, ponto a ponto de
morrer feliz, por ter feito em tudo a vontade de Deus.
Muitos
foram os atos de humildade vividos na vida do padre, a própria Congregação que
ele fundara, é frutuosa, devido às humilhações e sofrimentos que ele viveu,
principalmente através das humilhações, mas que o forjaram na busca de
santidade, porque em tudo, ele uniu-se ao Cristo no alto da Cruz. Foi um homem
que se entregou para os outros. Já no fim de sua vida, onde muitos gostariam de
descansar, ele funda a Obra de Jesus Salvador. Por uma inspiração divina, ele
fundou a família Salvista. Um exército de homens e mulheres que oferecem a
própria vida, louvando a Deus. Foi uma pessoa realizada interiormente, e
através do louvor, ele nos ensina que Deus chama o ser humano para a Sua
glória.
Nada
pode ser realizado se faltar o amor. O padre Gilberto, sjs, ensinou isso com a
vida, foi exemplo até o fim de sua carreira, mesmo em uma cadeira de rodas e com
saúde frágil, oferecia tudo como o Cristo na Cruz, suportando por amor a Deus e
aos irmãos. Passando os últimos momentos de sua vida acamado, se assemelha a
Cristo na Cruz, e morre como ele, por asfixia, e em tudo viveu o louvor, sem
reclamar ou murmurar. Com isso o padre Gilberto, sjs, nos deu uma chave para
entender o sofrimento, enquanto muitos fogem da dor e da cruz, e São Paulo vai
dizer que quem foge da Cruz é inimigo da Cruz, o padre, no fim de sua vida,
como Jesus, se oferece ao Pai, pelo sofrimento, tornando-se semente, fértil e
repleta de vida, revelando e ensinando que, a dor é momento especial e
fundamental, para que aja uma união com à dor de Cristo que salvou a
humanidade.
Este é
o caminho preferencial para a salvação. Este é o caminho dos Salvistas, porque,
pregado em uma cadeira de rodas, se pode fazer pouca coisa, quase nada. Mais o
teu sofrimento, a tua purificação, a tua dor, alcança muitas pessoas, salvando,
como Cristo salvou na Cruz. Por isso esse último ensinamento do Pe. Gilberto,
sjs, é fundamental, para nos lembrarmos que nós não podemos ser inimigos da
cruz, mas devemos carregar a nossa cruz. A cruz no peito do Salvista não é um
enfeite, mas significa que é importante saber que Cristo crucificado e
ressuscitado está dentro do coração e é ele que o Salvista prega, com a própria
vida e testemunho.
A
semente que é o Padre Gilberto, sjs, morreu e dá fruto. Cristo deve estar
presente na oração de louvor, até mesmo na dor, pois só assim colheremos os
frutos, reunidos pelo Espírito Santo. A missão do Salvista é salvar o ser
humano, então a missão que o Padre Gilberto deixou aqui na terra foi a de
ajudar os homens e as mulheres, a entenderem a graça da salvação, e a
Fraternidade trabalha isso no mundo. O importante para o Salvista é falar a
linguagem do amor, que todos entendem. No mundo, a realidade Salvista traz uma
Igreja alegre.
O Pe.
Gilberto, sjs, se lançou a vontade de Deus até o fim de sua vida e sustentou o
seu sim até o mais alto da Cruz, com o simples desejo de fazer a vontade do
Pai, o maior dom que possuía, era o da fé e com esse dom, não só viveu em tudo
o Louvor de Deus, como conseguiu, de forma misteriosa, enxergar Deus em tudo,
até em seus sofrimentos, com gratidão e amor. O padre encontrou forças na cruz
de Jesus, e a Ele se uniu de todas as formas, inclusive no sofrimento. Como
Jesus, ele se oferece por inteiro ao Pai, fazendo de sua vida um ato de louvor
de Deus.
Todos
eles, foram capazes de interpretar a alegria provinda da descoberta do sentido
do sofrimento, pois Cristo ao sofrer de modo redentor, deu ao ser humano a
possibilidade de penetrar no sentido salvífico do sofrimento. “A redenção se
realizou mediante a Cruz de Cristo, ou seja, pelo seu sofrimento.” (SD, 1988, p.6). O sofrimento vivido em Cristo, se transforma
em amor e consequentemente louvor, gera fertilidade, produz frutos de
santidade, constrói estruturas firmes no ser humano e na humanidade,
características de quem vive uma vida enraizada na graça.
3. A Diaconia do carisma Salvista,
resposta ao comportamento hedonista
Quando Deus inspira um carisma novo na Igreja,
este sempre traz graças próprias para um determinado tempo na história da mesma
e da humanidade e no caso da Fraternidade Jesus Salvador, não tem sido
diferente. Além de suas características, possui sua Diaconia, que nada mais é,
do que, o serviço feito por e com amor.
O Louvor de Deus é forte, firme e constante,
com essas palavras que o Pe. Gilberto escolheu o carisma da Fraternidade Jesus
Salvador, fazendo uma feliz distinção entre o “Louvor a Deus” e o “Louvor de
Deus”. O fundador entendia que o Louvor a Deus dependia muito mais da ação do
homem, do que a ação do próprio Deus, o que pode ser interpretado por algo
momentâneo, um sentimento. Já o Louvor de Deus, parte mais de Deus, é mais
forte, pois quando o homem se encontra, repleto do Espírito Santo e aberto a
graça, entende que esse louvor não é de sentimento, mas um louvor que perpassa
toda a sua história, e por isso, também possui a característica de ser firme e
constante.
Só quem ama e é pequeno vive o Louvor de Deus,
porque torna-se dependente de seu Criador. Jesus recorda esta verdade, ao dizer
sobre o louvor dos simples: “ Naquele momento, ele exultou de alegria sob a
ação do Espírito Santo e disse: Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra,
porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos
pequeninos.” (Lc 10, 21). O padre Gilberto, completa ao escrever nas
Constituições:
Só o
simples de coração, conceberá a Deus o espaço que a Ele é devido, e para que
esta realidade aconteça, o homem, precisa decidir-se em viver essa realidade em
sua vida, como bem expressou o Padre Gilberto, quando escreveu: “O que nos leva
a este constante louvor divino é a procura do “Único necessário” em nossa vida:
é estar com Deus, pois nele mergulhados, vivemos, respiramos e existimos, pois,
tudo Ele criou para a sua glória” (CONSTITUIÇÕES, 1995, p. 81).
Quando Jesus Salvador é o centro da vida do ser
humano, este é vivificado pela graça e em resposta, o homem faz de sua vida um
verdadeiro culto latrêutico. A pessoa abre-se a Deus, louvando-O e adorando-O.
O Louvor de Deus imprime em nosso ser uma mentalidade que lhe é própria, que
deve atingir todos os âmbitos de nossa vida, não somente nossa vida interior,
mas também nossa humanidade, nosso estado de vida, nossa convivência social,
nossa mentalidade, conformando-nos a Cristo que louva.
Ladeado a latria, que é desejo de Deus para
cada ser humano, encontra-se no mundo contemporâneo realidades adversas a isso.
Por vezes disfarçadas como avanços, ou tantas outras coisas, mas que na
verdade, em vez de integrar o homem, o desfragmenta, ao invés de dar a ele uma
identidade, o desfigura. Principalmente atualmente, onde se vive uma cultura
hedonista, contrária ao amor de oferta, ao amor de sacrifício, para melhor
compreender é interessante saber:
O
hedonismo busca evitar sacrifícios e sofrimentos a todo custo. É diretamente
oposto à teologia da cruz. S. Paulo falou em seus dias dos inimigos da cruz de
Cristo. Seu fim é a destruição; seu deus, o estômago; e eles se gloriam da
própria desonra, com a mente voltada para os prazeres terrenos (cf. Fl 3, 18s).
Como dissemos, ele também ensinou que a cruz era um absurdo para os gentios
(cf. 1Cor 1, 23). (AZEVEDO, 2020).
Hedonismo
vem da palavra grega hēdonē, que significa “prazer”, e é semelhante à
palavra grega hēdys, que significa “doce”. Uma
sociedade imersa ao prazer separado do amor, enraizado cada vez mais em um
hedonismo exacerbado, que nada mais é, do que, prazer pelo prazer, onde o
homem, pelo egoísmo fecha-se ao amor tornando-se idólatra, pois não adora mais
a Deus, mas busca uma adoração de si próprio. Sobre essa realidade, o Pe.
Gilberto escreve:
“Nestes tempos, que são os nossos tempos,
àqueles que entendem os sinais dos tempos que Ele mesmo quer mostrar, reserva-nos
maravilhas para o nosso espírito. Ao lado de um mundo que se dessacraliza,
anticristão, vivendo toda a impiedade da idolatria, em que se blasfema o Nome
santo do Senhor.” (CONSTITUIÇÕES 1995, p.81).
Somos chamados a transformar as nossas ações em
louvor, irradiando a santidade divina: “A santidade da Igreja se exprime
incessantemente e deve manifestar-se nos frutos de graça que o Espírito Santo
ocasiona em nós”, ensina o Concílio Vaticano II (LG, 1997, n.39). Jesus redime
o ser humano através de seu sofrimento, e tudo transforma em atos de Louvor,
dando um testemunho de liberdade e não de escravidão. O homem se torna escravo,
quando vive o hedonismo, que prega que se deve evitar sacrifícios e sofrimentos
a todo custo, sendo o oposto pregado pela teologia da Cruz.
“Tendo o prazer e o poder se tornado as coisas
mais importantes para um indivíduo ou para uma civilização, quando na verdade
são coisas menores, secundárias, eles se transformam em obsessão, em vício;
paralisam o pensamento. O alcoólatra não entende o verdadeiro propósito do
vinho, “alegrar o coração do homem”. O libertino entende o propósito do sexo,
sua gloriosa e mística unificação do prazer, procriação e amor pessoal. E a
sociedade que faz do alívio do sofrimento seu summum bonum não entende o
significado do sofrimento ou do prazer” (KREEFT, 1995, p. 178).
Quando se vive o hedonismo, se rejeita todo e
qualquer tipo de sofrimento. O homem não possui mais tanta consistência e se
vive a cultura do descartável, que tanto tem nos alertado o Papa Francisco.
Famílias, namoros, relações, que estão cada vez mais desintegradas, onde o
outro é o meu objeto de prazer. Desta forma não se vive um amor autêntico, não
há responsabilidade no amar, e muito menos se aceita sofrer, pois não se ama, vive
o contrário, se utiliza o outro como um instrumento de prazer, que serve por um
momento, mas depois não serve mais.
Então se vive um louvor de si mesmo, repleto de
fechamento, que desestabiliza as relações, vínculos, emoções, gerando um povo
fraco, medíocre e inconsistente. O sociólogo Zygmunt Bauman, desenvolveu
o conceito de modernidade líquida, que diz respeito a uma nova época em que as
relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis,
como os líquidos. O hedonismo infectou profundamente a mentalidade moderna. O
conceito de cruz não é apenas absurdo, mas totalmente “imoral” para a mente hedonista,
que vê o prazer como o único bem humano verdadeiro (Cf. BAUMAN, 2000, p. 94).
A sociedade hedonista tem medo do que é sólido,
do que chama a responsabilidade. Bauman sobre isso acrescenta: “O amor
sólido raciocinava em termos de amor eterno, o amor líquido raciocina daqui até
as próximas “eternas” 24 horas”. (Cf. BAUMAN, 2000, p.89).
E com isso a pessoa humana e a família, estão
cada vez mais se esvaindo. A falta de autoconhecimento, processo onde a pessoa
se vê como criatura amada de Deus, gera uma crise de identidade, pois ela não
se vê como uma obra de louvor, e muito menos o seu semelhante, tratando-o como
sendo “descartável”.
A "vida líquida" e a
"modernidade líquida" estão intimamente ligadas. A "vida
líquida" é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa
sociedade líquido-moderna. "Líquido-moderna" é uma sociedade em que
as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que
aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de
agir. A liquidez da vida e a da sociedade se alimentam e se revigoram
mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido moderna, não pode manter
a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo. (BAUMAN,
2000, p.)
O amor líquido, onde nada mais é duradouro ou
aberto ao sofrer pelo outro. Como dizia Santa Teresa: “É justo que muito custe
o que muito vale”. Ou ainda Teresa de Calcutá, quando dizia: “É preciso amar
até doer”.
Nenhum sofrimento será em vão (Rm 8). Só
entendemos o calvário, unidos a Jesus, pela fé e pelo amor. Assim como a terra
é arada, machucada, para que quando a chuva vier, gere vida, assim Deus
trabalha na alma que se deixa conduzir por ele. “Para que outros vivem, vale a
pena morrer. (II Cor 4). Essa é a resposta que cura e sana a idolatria nos dias
de hoje. Por isso o Louvor de Deus vem ser remédio para essa sociedade. Pois
livra o ser humano desse processo de escravidão e idolatria em seu interior e
exterior, salvando o ser humano e o tornando forte, firme e constante.
O homem hodierno, quando renuncia a idolatria
de si mesmo, e une o seu sofrimento ao de Jesus, torna-se profecia na Igreja,
para a Igreja e na humanidade inteira.
O nosso sofrimento é ofertado ao Pai, pelo
padre na Liturgia eucarística quando ele reza: “por Cristo, com Cristo e em
Cristo.” Ao unir a dor do homem com a de Cristo, na cruz, este mesmo homem é
preenchido de luz, e torna-se capaz de encontrar e dar sentido ao seu nada
existencial, deixando Deus ser Deus, curando a sociedade da idolatria e do
hedonismo, e assim o vazio interior se torna um lugar da habitação de Deus, um
lugar de louvor. Daí então a desordem dá lugar a ordem, e ordenado para Deus, O
rende graças por suas fadigas e alegrias. O sofrimento que faz parte de nossa
condição, unida ao Cristo que louvou ao Pai na Cruz, faz com que o ser humano
em sua existência se torne louvor. Foi o que Deus inspirou no coração do Pe.
Gilberto, sjs:
“Por
isso é um grande presente de Deus para nós estar constantemente ouvindo e
louvando o Senhor pelos séculos eternos. Que desça sobre nós essa magnitude da
grandeza de Deus Criador, para que possamos exaltá-lo constantemente com a
nossa vida e a nossa existência: isso é o principal do Louvor de Deus, existir
louvando a Deus. Nossa própria existência é um louvor continuado na santidade
de Deus. A nossa vida constantemente fala do Louvor de Deus” (DEFINA,
2016, p. 162).
Ao mesmo
tempo que somos chamados a vocação de Louvor, estamos em um mundo vivendo todo
tipo de prazer, idolatria, separado da responsabilidade da doação, do amor. O
homem desfigurado porque não é capaz de sair de si para amar, envolto de
egoísmo contrário ao amor. Enquanto Jesus saiu de si para salvar a humanidade,
o homem está voltado para si, escravo do prazer. Na busca constante do prazer
pelo prazer, o homem é desfigurado em sua identidade e vocação, blasfemando o
nome do Senhor. Mediante a isso, o carisma do Louvor de Deus, além de profecia,
presta um serviço a Igreja e a humanidade ao mostrar que o amor é doação e que
no sofrimento, essa capacidade de amar, se abre ainda de forma mais íntima e
concreta.
Diz o salmo acerca do povo de Cristo: “ao passarem
pelo vale do bálsamo eles o transformam em fonte, e a primeira chuva o cobre de
bençãos” (Sl 84, 7). Mesmo no deserto de nosso sofrimento, nosso espírito sorri
na esperança e na convicção. Pois sabemos onde estamos e a quem pertencemos:
Eis por que suporto esses sofrimentos. Mas não me envergonho deles, pois sei em
quem depositei a minha fé e tenho a certeza de que ele tem o poder de guardar o
depósito que me é confiado até aquele Dia (2 Tm 1, 12).
Testemunho de liberdade e não de escravidão, na
Igreja, para Igreja e humanidade. O louvor de Deus gera vida, e hoje se vê um
dos males da sociedade que é o caso do suicídio, quem se suicida não administra
bem a própria vida.
O homem que no sofrimento ama, há fecundidade,
o homem fechado em si mesmo no prazer, é morte. O homem que sofre unido ao
Cristo ama gerando vida e louvor, o homem fechado em si mesmo no prazer se
depara com o vazio, falta de sentido de vida e morte. Essa é a diaconia do
carisma para o homem, que mesmo debilitado no seu físico, na sua alma, encontra
resposta, gera fecundidade, pois é próprio do amor fecundar, sofre com sentido
pois sabe o que é, e quem sofre com ele, essa é a profecia do carisma do Louvor
de Deus..
O hedonismo é uma forma de escravidão, o homem
que se torna escravo de si mesmo, fala-se tanto de liberdade no mundo, e em
nome dessa liberdade ele acaba se tornando escravo de si. Hoje no mundo que
tanto se fala da liberdade, sexualidade, drogas, vícios, dono de si,
protagonista de sua história, adentra em um grande engano, torna-se escravo de
si. O louvor de Deus devolve a essência do ser ao humano.
“Deixou-nos uma
interpretação do sofrimento que não é uma teoria teológica ou filosófica, mas
um fruto amadurecido ao longo do seu caminho pessoal de sofrimento, por ele
percorrido com a ajuda da fé no Senhor crucificado. Esta interpretação, que ele
tinha elaborado na fé e que dava sentido ao seu sofrimento vivido em comunhão
com o do Senhor, falava através da sua dor silenciosa, transformando-a numa
grande mensagem. O sofrimento de Deus crucificado não é apenas uma forma
de sofrimento ao lado das demais... Cristo, sofrendo por todos nós, conferiu um
novo sentido ao sofrimento, introduziu-o numa nova dimensão, numa nova ordem: a
do amor... A paixão de Cristo na Cruz deu um sentido radicalmente novo ao
sofrimento, transformou-o a partir de dentro... É o sofrimento que arde e
consome o mal com a chama do amor... Cada sofrimento humano, cada dor, cada
enfermidade encerra uma promessa de salvação... O mal... existe no mundo também
para despertar em nós o amor, que é dom de si... a quem é visitado pelo
sofrimento... Cristo é o Redentor do mundo: "Fomos curados pelas suas
chagas" (Is 53, 5)" (pág. 198 ss.). Tudo isto não é
simplesmente douta teologia, mas expressão de uma fé vivida e amadurecida no
sofrimento. Certamente, nós devemos fazer tudo para atenuar o sofrimento e
impedir a injustiça que provoca o sofrimento dos inocentes. Todavia, devemos
também fazer tudo para que os homens possam descobrir o sentido do sofrimento,
para serem assim capazes de aceitar o próprio sofrimento e de o unir ao
sofrimento de Cristo. Deste modo, ele funde-se juntamente com o amor redentor
e, por conseguinte, torna-se uma força contra o mal do mundo (BENTO XVI, 2005).
O sofrimento não é uma resposta, ele se torna
um caminho, que Cristo abriu em Sua Cruz redentora para o ser humano, o sofrimento
não é mais visto como desordem provocado pelo pecado, o sofrimento unido ao
Cristo agora, se torna um caminho de salvação. Jesus ao curar, revela sua
identidade de Salvador, retirando a desordem na vida humana provocada pelo
pecado. Coloca ordem a desordem que o pecado provocou no mundo, o sofrimento
agora redimido, não mais sendo consequência do pecado, se torna caminho de
salvação, e o homem pode abrir-se então a experiencia de viver o louvor de Deus
no sofrimento. O santo é livre e não escravo.
O homem enraizado no hedonismo, fecha-se ao
amor, quando acometido pela experiencia de sofrimento, vive o desespero.
“A única maneira
de carregar bem a cruz, é carrega-la com amor [...] Sem isto a cruz se
transforma em desespero, desânimo e tristeza, mas com amor ela é salvação”
(AQUINO, 2014, p. 58). O
contrário, quando o homem em sua essência, é Louvor de Deus, está aberto ao
amor, a doação, a oferta de si. Ao sofrer une-se ao sofrimento de Cristo, que
gerou vida, desta união brota a profecia do carisma do Louvor de Deus, porque
mesmo em meio ao sofrimento, o homem que
está aberto, vive as virtudes, então torna-se fértil, e assim como a oferta de
Cristo gerou salvação pelo seu sacrifício, o homem quando oferece sua dor,
torna-se uma profecia, porque sabe sofrer, e o amadurecimento que este sofrer
ocasiona em sua alma, transforma não só a sua vida e existência, mas a
existência de todos que ele toca, pois quando sou louvor de Deus, desejo a
salvação, o céu ao outro e encontro sentido em cada dor. O homem fechado,
hedonista, idólatra, egoísta, não é capaz de fazer o mesmo percurso, vive a
cultura de morte, falta de sentido e desesperança.
Por fim, o Louvor de Deus dá sentido a
contemporaneidade ferida, preenchendo-a de sentido de vida. Pois liberta o
homem do egoísmo e da idolatria, preenchendo-o de sentido a sua vida e seu
sofrimento. A partir do momento que o Louvor de Deus devolve ao homem a sua
identidade mais profunda, sua essência de ser louvor, este, deixa para trás,
todo e qualquer tipo de idolatria, une-se ao seu Salvador Jesus, fazendo de sua
vida um louvor, que ressoará na eternidade. Se o homem, antes, preso pelo
hedonismo e tantas outras realidades, se via como escravo, agora livre no
louvor dá testemunho de liberdade, tornando-se assim uma profecia na Igreja e
humanidade. Deus, porque ama, vai realizar esse processo no homem, mesmo que
pelo sofrimento muitas vezes, para que ele, livre de toda idolatria, permita
que o louvor de Deus seja o único ecoar de sua história e assim viverá louvando
a Deus. E desta forma o carisma do Louvor de Deus, ao prestar esse serviço à
Igreja, gera vida no coração do homem, que quando é tocado pela experiência de
louvor mesmo sofrendo, encontra sentido em doar-se aos irmãos, como fez Cristo
no mais alto da Cruz, pois tem sede de salvação, de vida eterna.
CONCLUSÃO
Nessas páginas, tratou-se sobre a relação
entre o Louvor de Deus e o sofrimento. Em seu itinerário de vida, o homem se
pergunta sobre o porquê do sofrimento e qual o sentido dele. Cristo ao realizar
pela via do sofrimento, a obra da redenção aos homens, concede um novo sentido
a dor humana. O judaísmo com a ideia da
retribuição terrena compreendia o sofrimento como castigo infligido por Deus ao
homem pecador, mas essa teologia já se apresentava fraca ante o sofrimento
experimentado pelo justo, inocente de pecado. Jesus Cristo traz nova
perspectiva para o sofrimento humano, sendo compreendido a partir do seu
sacrifício.
Sofrendo a paixão redentora e vencendo a
morte, transfigurou a essência do sofrimento, dando-lhe novo sentido: todo
aquele que, na fé, associa o sofrimento próprio aos sofrimentos do Cristo,
encontram no sofrimento vivido um instrumento eficaz para a comunhão com Deus.
Deus escolheu a via do sofrimento para manifestar o Seu infinito amor pelo
homem e deixou a possibilidade para cada pessoa de se unir profundamente nesse
mistério do sofrimento que leva a Deus. Mistério atualizado a cada Liturgia
celebrada.
O
homem nasceu para a glória de Deus (Cf. Ef 1,6), mesmo sofrendo é convidado a
confiar e esperar em seu Deus. Assim vive o homem da Sagrada Escritura que
confiou em Deus e na Tradição da Igreja existem exemplos de pessoas que, na
dor, uniram-se a Deus e ofertaram suas vidas porque muito amaram, conduzindo
outras para esta mesma vida, de sacrifício e louvor, gerando frutos de
santidade. A oferta da própria vida é redenção e muitos como Maria, os
discípulos, os santos mártires e os santos, entenderam essa máxima. Também os
cristãos não sofrem pelo sofrimento em si, mas porque esperam, com os
sofrimentos presentes, alcançar as alegrias eternas no céu, onde não haverá
mais nenhum sofrimento e sim, felicidade plena e vida sem fim.
É possível a relação entre louvor de Deus
e sofrimento, e é essa união resposta e profecia para a humanidade, que hoje
vive marcada pelo hedonismo e tantas outras realidades que roubam o ser humano
de sua identidade profunda de ser louvor. O homem hedonista, nada mais é que um
idólatra, um manipulador, incapaz de enxergar em seu sofrimento uma via de
amadurecimento e crescimento, isso porque está fechado em si mesmo, gerando
morte para si, como para todos que o circundam. O contrário, quando o homem é LAUS
DEI, quando inflamado pelo sofrimento, une-se a Cristo, vê nele uma oportunidade
de vida e ressurreição, aceita sofrer por amor, pois está unido Aquele que
muito amou, e por isso, a sua abertura, gera vida a muitos outros. “Sede
imitadores de Deus, como filhos que ele ama. Vivei no amor, como Cristo nos
amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de suave
odor.” (Ef 5, 1-2).
Por
fim, concluo que somos chamados a uma vocação de louvor, de união a Deus, que
gera auto doação e amor, como fez Jesus, vivendo com responsabilidade e sendo
presença vivificadora de Deus no mundo. O homem desfigurado pelo hedonismo e
pela idolatria, é incapaz de amar. O louvor de Deus é profecia e presta esse
serviço a Igreja e a humanidade. De devolver ao homem a sua identidade mais
profunda, tendo Deus como Senhor e Salvador. Pois o homem que no sofrimento
ama, há fecundidade, o homem fechado em si mesmo no hedonismo, gera morte para
si e para a humanidade. O louvor de Deus é resposta, porque cura a contemporaneidade
que se encontra ferida, dando-lhe sentido à vida e aos sofrimentos do homem e
da humanidade inteira.
BIBLIOGRAFIA
AGOSTINHO, Confissões. São Paulo: Paulus, 1984.
AQUINO,
F. R. Sofrendo na fé. Lorena: Cléofas, 2014.
BAUER,
J. B. Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Loyola, 1973.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar,
2001.
BECHARA,
Evanildo. Minidicionário de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
fronteira, 2009.
BÍBLIA:
Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
BOROBIO,
Dionísio. A celebração na Igreja. São Paulo: Edições Loyola, 1993.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola. 2000.
CENCINI,
Amadeo. A árvore da vida. São Paulo: Paulinas, 2007.
CNP: O que é
hedonismo? Muito mais do que você pensa!. 2020. Disponível em: https://padrepauloricardo.org/blog/o-que-e-hedonismo-muito-mais-do-que-voce-pensa/
Acesso em: 10 out. 2020.
CONSTITUIÇÃO
DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II.
Paulus: São Paulo, 1997.
CONSTITUIÇÃO
PASTORAL GAUDIUM ET SPES. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II.
São Paulo: Paulus, 1997.
CONSTITUIÇÕES
DO INSTITUTO MISSIONÁRIO SERVOS DE JESUS SALVADOR. São Paulo: 1995.
DEFINA,
Pe. Gilberto Maria. Padre Gilberto, uma vocação de santidade e louvor! São
Paulo: Canção Nova, 2016.
DICIONÁRIO Etimológico: Etimologia e Origem das Palavras. Etimologia e Origem das
Palavras. 2020. Disponível em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/sofrer/.
Acesso em: 15 jul. 2020.
DUNN,
J. D. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003.
FIGUEIREDO,
F. A. O amanhecer da Igreja. São Paulo: Lafonte, 2012.
JOÃO PAULO II. Salvifici Doloris: sobre o sentido
cristão do sofrimento humano. São Paulo: Edições Paulinas, 1988.
KREEFT,
Peter. Buscar sentido no sofrimento. São Paulo: Edições Loyola, 1995.
LACOSTE,
Jean-Yves. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas, 2004.
LAGRANGE, Garrigou. L’amour de Dieu et la croix de
Jesus. France: Éditon du Cerf, 1930.
LÉON-DUFOUR, Xavier. Vovabulário de
Teologia Bíblica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
LEPARGNEUR, Humbert. Antropologia do sofrimento.
Aparecida: Santuário, 1985.
LEVEQUE,
Jean. Jó o livro e a mensagem. São Paulo: Edições Paulinas, 1987.
LUTERO,
Martim. Magnificat o Louvor de Maria. São Paulo: Santuário, 2015.
MORAES,
Micael. O Louvor de Deus salva. Canas, São Paulo: RCCBRASIL, 2019.
OFÌCIO
DIVINO. Liturgia das horas. São Paulo: Paulinas. 1999.
PAREDES,
José Cristo Rey. Maria a Mulher do Reino de Deus. São Paulo: Ave Maria,
1984.
RATZINGER,
Joseph. Jesus de Nazaré. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011.
RÉGAMEY,
Pie. A Cruz de Cristo e a nossa. São Paulo: Quadrante, 2014.
SACROSANCTUM CONCILIUM.
Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997.
SCHWANTES,
Milton. Sofrimento e esperança no exílio. São Paulo: Paulinas, 1987.
TANQUEREY,
Adolphe. A divinização do sofrimento. São Paulo: Cultor de livros, 2014.
VATICAN: DISCURSO
DO PAPA BENTO XVI AOS CARDEAIS, ARCEBISPOS E PRELADOS DA CÚRIA ROMANA NA
APRESENTAÇÃO DOS VOTOS DE NATAL. 2005. Disponível em: http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2005/december/documents/hf_ben_xvi_spe_20051222_roman-curia.html/ Acesso
em: 21 out. 2020.
ZANINI,
R. Itálo. Bakhita. São Paulo: Paulus, 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário