INSTITUTO
SUPERIOR DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS RELIGIOSAS SÃO
BOAVENTURA
O LOUVOR DE DEUS COMO PARTICIPAÇÃO NA VIDA DA SANTÍSSIMA
TRINDADE
WILLIAM COSTA ESCUDEIRO DA SILVA
SÃO PAULO – 2018
WILLIAM COSTA
ESCUDEIRO DA SILVA
O LOUVOR DE DEUS COMO
PARTICIPAÇÃO NA VIDA DA SANTÍSSIMA
TRINDADE
Monografia de conclusão de curso apresentada ao Instituto
Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São
Boaventura, pelo aluno: William Costa Escudeiro da Silva, do 4º ano do
curso de Teologia, como requisito parcial para a obtenção do diploma. Sob
orientação do Prof°. Dr. Pe. Micael Moraes,
sjs.
SÃO
PAULO - 2018
WILLIAM COSTA
ESCUDEIRO DA SILVA
O LOUVOR DE DEUS COMO PARTICIPAÇÃO NA VIDA DA SANTÍSSIMA TRINDADE
Dissertação
apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São
Boaventura, pelo discente William Costa Escudeiro da Silva, como requisito
parcial para obtenção de diploma em Teologia.
Aprovado em de
novembro de 2018.
Prof° Dr. Pe. Micael Moraes,
sjs.
“O Louvor de Deus se manifesta em nós pelo desejo de estar unidos a Deus, louvando pelo que
Ele é, por essa Trindade Feliz, por essa Santíssima
Trindade que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.
Padre Gilberto
Maria Defina, sjs.
Gostaria de começar este agradecimento com as palavras
de São Paulo, que expressam o sentimento mais profundo do meu coração ao nosso
bom e amado Deus: “Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos
séculos! Amém (Rm 11,36). A Ele, em primeiro lugar, dirijo a minha gratidão,
por tudo aquilo que ele realizou em meu favor, por toda a graça dispensada a
mim para que pudesse desenvolver e concluir este trabalho, mas, sobretudo, por
me chamar a ser “Louvor de Deus” no mundo e no “Louvor de Deus” encontrar a
minha via de santificação.
Agradeço, também ao meu orientador, o Prof. Dr. Pe.
Micael Moraes, sjs, por toda a atenção e dedicação durante a elaboração deste
trabalho monográfico.
Agradeço, ainda, aos meus pais, que me deram a vida e
não cessam de interceder por minha vocação, a minha comunidade religiosa, que
me sustenta no Louvor de Deus, e amigos que sempre me apoiaram e me
incentivaram, sobretudo, àqueles que me ensinaram com a vida o que é ser
“Louvor de Deus” (eles sabem quem são).
Agradeço de forma toda especial, ao meu querido e
amado irmão Bruno (in memoriam), que
sempre se fez presente em meu itinerário vocacional, e hoje, no entanto,
encontra-se na eternidade, intercedendo por mim, lugar onde um dia nos
reencontraremos e juntos cantaremos louvores à Santíssima Trindade.
Por fim, não menos importante, quero agradecer ao meu
Pai-Fundador, Pe. Gilberto Maria Defina, sjs (in memoriam), que embora não o tendo conhecido, trago em mim um
grande amor por sua pessoa. Obrigado, padre, pelo seu sim. Ele me gerou neste
carisma!
CIC –
Catecismo da Igreja Católica GS – Gaudium
et Spes
IGLH – Instrução Geral da
Liturgia das Horas
CIMSJS –
Constituições do Instituto Missionário Servos de Jesus Salvador LH – Liturgia
das Horas
SC – Sacrosanctum Concilium
2. A
participação na celebração do Mistério Pascal é caminho para a união com a Santíssima Trindade----------------------------------------------------------------------------------------- 43
O presente trabalho tem por objetivo expor a via pela
qual o homem, obra das mãos de Deus, criado à sua imagem e semelhança, une a
sua vida à das três Pessoas divinas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O “Louvor de Deus” aparece, então, como a via mais adequada
e segura para chegar a Deus. Ele é reconhecimento de Deus, por aquilo que Ele
é, é resposta de amor. Nele o homem situa-se em sua condição de criatura e
reconhece o seu Criador. O louvor possibilita ao homem experimentar como que de
forma antecipada a vida que lhe é reservada no paraíso celeste.
Obra das mãos de Deus, o ser humano foi criado para
viver em perfeita união com seu Deus, no entanto, devido ao pecado de nossos
primeiros pais, os laços de amizade com Deus foram rompidos e o homem foi apartado
da presença da Trindade, Una e Santa. Dessa forma, a intenção, aqui, é
apresentar de modo sucinto, como é estabelecida essa comunhão com o Deus trino.
No primeiro capítulo, vamos fazer um breve estudo
sobre o “Louvor de Deus” nas Sagradas Escrituras, tanto no Antigo Testamento,
quanto no Novo, bem como suas raízes etimológicas, no intuito de compreender
qual era o entendimento dos autores Sagrados sobre este louvor divino. Já no
segundo capítulo, avançando um pouco os espaços das Sagradas Escrituras e adentrando
no campo dogmático, vamos nos aprofundar no louvor celeste que Jesus Cristo
trouxe à terra, no momento em que em comum acordo com a vontade do Pai, deixou
o seio trinitário e encarnou-se no seio da Virgem, tornando-se “Deus conosco”,
um Deus humanizado. Por fim, no terceiro e último capítulo, buscaremos
compreender de que maneira o “Louvor de Deus” une o homem à Santíssima
Trindade. Neste capítulo, vamos perceber a importância do Mistério Pascal de
Jesus Cristo, Mediador entre o homem e Deus, bem como entender que a vida do
homem, unida ao Sacrifício de Cristo,
que é perfeito, irrompe os céus, como um grande louvor, a ponto de
elevar o homem às alturas celestes e torá-lo participante de um único coro, o
coro dos redimidos, que cantam à Trindade Santa, louvores sem cessar.
A expressão “Louvor a Deus” é muito utilizada nas
Sagradas Escrituras, tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo Testamento,
podendo ser entendida como um elogio que prestamos a Deus. É o reconhecimento
de sua grandeza por tudo aquilo que Ele é; é um modo de exaltá-lo por todas as
maravilhas que seu amor realiza; é fruto de uma experiência íntima e pessoal do
homem com seu Criador; é a resposta natural daquele que ama a Deus e que ao
contemplar esse amor, canta, com gratidão, Àquele que é.
Podemos ampliar esta compreensão do termo quando
utilizamos a expressão “Louvor de Deus”, que consigo traz mais firmeza e força
para aquilo que quer manifestar (Cf. DEFINA, 2016, p. 161). Tal expressão nos faz perceber que o louvor que brota dos
lábios de quem louva, “é o lugar por excelência em que Deus é reconhecido como
Deus e em que o homem se situa na verdade de seu ser diante de Deus” (LACOSTE,
2004 p. 1052). Percebemos, portanto, que é muito mais que um mero
reconhecimento de ordem humana, ligado às suas capacidades e sentidos, mas é ação do próprio Deus no homem. É Deus
quem impele o homem à louvação, ao reconhecimento de Sua majestade, como
também, é Deus quem faz com que ele tome consciência de sua própria pequenez,
e, consequentemente, o torna participante da vida divina. Através do louvor o
homem declara que Deus é Deus!
Quando tomamos as Sagradas Escrituras percebemos dois
fatos interessantes: desde os primórdios da humanidade, o louvor está presente
e, ainda, que o louvor sempre teve sua grande importância na vida do crente.
Nela, encontramos, por várias vezes, palavras como louvar, dançar, exaltar,
etc, que designam a maneira com que o povo se utilizava para enaltecer a Deus
e, de certo
modo, fazem referência ao louvor. Entretanto, vale ressaltar que, as
raízes etimológicas destas palavras são diferentes, bem como seus significados,
por isso faremos um breve estudo dos termos hebraicos referentes a elas.
Yadah é a
palavra hebraica que significa confissão, louvor, ação de graças, hino de
louvor, uma ação voluntária que expressa dependência absoluta em Deus. Em outras palavras, Yadah é estar com os braços erguidos.
Sempre que utilizado na bíblia é neste contexto, e o seu antônimo é encolher os
braços e as mãos em sinal de desespero e angústia (Cf. STRONG’S):
Sim, eu te
contemplava no santuário, vendo teu poder e tua glória. Valendo teu amor mais
que a vida meus lábios te glorificarão. Assim, eu te bendirei em toda a minha
vida, e a teu nome levantarei as minhas mãos; eu me saciarei como o óleo e
gordura, e com alegria nos lábios minha boca te louvará (Sl 63, 3).
Todah é uma
palavra que remete ao sacrifício em ação de graças, bem como ao templo onde o
Senhor habita. A utilização do termo está bastante associada ao gesto de
levantar as mãos com ações de graças, dando graças a Deus por tudo aquilo que
dele já recebeu, e tudo aquilo que, pela fé, acredita que ainda receberá (Cf.
STRONG’S):
E
agora, bendizei a Iahweh, servos todos de Iahweh! Vós que servis na casa de
Iahweh pelas noites, nos átrios da casa do nosso Deus. Levantai vossas mãos
para o santuário e bendizei a Iahweh! Que Iahweh te abençoe de Sião ele que fez
o céu e a terra (Sl 134).
Halal é um
verbo hebraico que significa celebrar com palavras, com voz audível e de
maneira visível. É deste verbo que procede a “palavra aleluia”. É falar com
entusiasmo de alguém, tecer um elogio. No Antigo Testamento, quando alguém
estava envolvido de gozo interior, e queria exteriorizar seu amor
louvando a Iahweh, utilizava este termo. Através do halal se declara que Deus é incomparável e inigualável (Cf.
STRONG’S):
Cantai a
Iahweh um canto novo, pois ele fez maravilhas, a salvação lhe veio de sua
direita, de seu braço santíssimo. Iahweh fez conhecer sua vitória, revelou sua
justiça aos olhos das nações: lembrou-se do seu amor e fidelidade em favor da
casa de Israel. Os confins do universo contemplaram a salvação de nosso Deus. Aclamai
a Iahweh, terra inteira, dai gritos de alegria! Tocai para Iahweh com a harpa e
o som dos instrumentos; com trombetas e o som da corneta aclamai ao rei de
Iahweh. Estronde o mar e o que ele contém, o mundo e os seus habitantes; batam
palmas os rios todos e as montanhas gritem de alegria diante de Iahweh, pois
ele vem para julgar a terra: ele julgará o mundo com justiça e os povos com
retidão (Sl 98).
Shabach é
expressão de júbilo e vitória, utilizada sempre que o Senhor é lembrado e
reconhecido como o maior, como aquele que está acima dos homens e de todas as
coisas. A comunidade, sempre que reunida para celebrar os grandes feitos do
Senhor, seu poder, sua magnificência, as vitórias alcançadas nas batalhas e
suas conquistas, em alta voz, através de gritos de júbilo, louvava ao Senhor,
festejando-o (Cf. STRONG’S):
Povos
todos, batei palmas, aclamai a Deus com gritos de alegres! Pois Iahweh, o
Altíssimo é terrível, é o grande rei sobre a terra inteira. Ele põe as nações
sob o nosso poder, põe-nos os povos debaixo dos pés. Escolheu para nós a
herança, o orgulho de Jacó, a quem ele ama (Sl 47, 2-5).
Barach está
ligado ao ato de adorar, ou seja, é um louvor de adoração. Prostrado na
presença do Senhor, o crente o bendiz, esperando que seu Deus, realize um
milagre em seu favor (Cf. STRONG’S):
Vinde,
exultemos em Iahweh, aclamemos o rochedo que nos salva; entremos com louvor em
sua presença, vamos aclamá-lo com músicas [...] Entrai, prostrai-vos e
inclinai-vos de joelhos, frente a Iahweh que nos fez! Sim, ele é nosso Deus e nós o povo de seu pasto, o rebanho
de sua mão
(Sl 95, 1.6)
Zamar é o
termo utilizado quando se quer referir ao louvor através de ritmos e música. É
tocar com os dedos, tocar um instrumento musical. É tocar e cantar com força,
alegria, vigor, entusiasmo e sentimento (Cf. STRONG’S):
Aleluia!
Celebrai a Iahweh, invocai o seu nome, anunciai entre os povos as suas
façanhas! Cantai para ele, tocai, recitai suas maravilhas todas! Gloriai- vos
com seu nome santo, alegre-se o coração dos que procuram a Iahweh! Procurai a
Iahweh e sua força, buscai sempre a sua face; recordai as maravilhas que ele
fez, seus prodígios e os julgamentos de sua boca (Sl 105, 1-5).
Tehillah é a
forma mais exaltada de dar louvor ao Senhor, pois faz recordar que Ele habita
em meio aos homens e mulheres e governa o mundo manifestando seu poder. Assim,
as palavras de gratidão e adoração que acompanham este louvor não são frutos de
um prévio aprendizado da memória, mas um canto novo que brota da experiência de
liberdade no Espírito, que estabelece uma relação íntima e amorosa com o Senhor
(Cf. STRONG’S):
O
Senhor é meu pastor, nada me faltará. Em verdes prados ele me faz repousar.
Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as forças de minha alma. Pelos
caminhos retos ele me leva, por amor do seu nome. Ainda que eu atravesse o vale
escuro, nada temerei, pois estais comigo. Vosso bordão e vosso báculo são o meu
amparo. Preparais para mim uma
mesa
à vista dos meus inimigos. Derramais o perfume sobre minha cabeça, e transborda
minha taça. A vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias
de minha vida. E habitarei na casa do Senhor por longos dias (Sl 22).
Sintetizando, portanto, a partir das matizes hebraicas
e seus diferentes significados para a expressão “Louvor de Deus”, podemos dizer
que o louvor é, ainda, um engrandecimento de Deus mediante uma ação humana.
Onde o ser humano por inteiro e em todas as suas dimensões (corpórea, psíquica
e espiritual), através de gritos de alegria, instrumentos musicais, do
movimento de elevação dos braços, etc, elabora seu culto ao Senhor, fazendo de
sua própria vida um sacrifício aceitável e agradável a Deus.
Após esta breve explicação dos termos hebraicos
utilizados para falar do louvor, podemos avançar, no intuito de compreendermos
seu emprego na Bíblia.
2. O
louvor no Antigo Testamento
A Bíblia é uma coleção de livros, formada por diversas
obras de diversos autores sagrados, “em forma de antologia” (SCARDELAI, 2008,
p. 49), que exploram uma mesma temática; e organizadas de tal maneira, formam
uma coletânea, cuja temática é a história de Deus e o homem. Quando pegamos os
seus textos no original, podemos perceber que fora escrita em três línguas
diferentes, a saber: hebraico, aramaico e grego. A primeira delas e a mais
utilizada pelo escritores sagrados foi o hebraico; em seguida, embora considerada
uma linguagem tardia e pouco usada, o aramaico, que era a língua utilizada em
menor proporção por ser de caráter mais diplomático e uma língua mais ligada à
fala que a escrita, que ganhou mais destaque, principalmente, durante e após o
Exílio na Babilônia; o grego, por sua vez, é a terceira língua bíblica e tem
uma grande importância por estar ligada à primeira tradução da Bíblia Hebraica,
chamada dos Setenta (LXX), traduzida por uma comunidade de judeus residentes em
Alexandria, Egito, no século III, antes da era Cristã (Cf. SCARDELAI, 2008, p. 49).
De toda a literatura contida nas Sagradas Escrituras,
é importante que tenhamos em mente que ela “não se limita a assuntos
estritamente religiosos, embora a religião constitua, direta e indiretamente, o
principal pano de fundo temático” (SCARDELAI, 2008, 50), mas encontramos
diversos fatores históricos e culturais de um povo, que estudados em unidade
nos proporcionam um conhecimento mais amplo da religião judaico-cristã e suas
tradições e ritos que, muitas vezes, exercem influência sobre a maneira que prestamos
culto a Deus nos dias atuais.
Vale ressaltar que algo muito importante para se
compreender o “Louvor de Deus”, no Antigo Testamento, é entender como se
estruturou a religião judaica e o culto, e para isso faz-se necessário
percorrer os primeiros livros da Bíblia, chamado Pentateuco, onde encontraremos
as primeiras manifestações do surgimento de uma nova religião em meio ao povo.
Os escritores sagrados testemunham a existência de
diversas crenças e ideias religiosas pagãs, bem como a gênese da religião
monoteísta do povo de Israel, que tem por pai, Abraão e, sucessivamente, os
demais patriarcas, Isaac e Jacó, provindos, todos, da Mesopotâmia, e tendo se
estabelecidos na terra de Canaã.
O livro do Gênesis, a partir do capítulo 12, narra a
trajetória desses patriarcas, que levados pela necessidade de adquirir
propriedades, para sepultar os seus mortos e terras, para que seus rebanhos
pastassem, passaram a ter contato com outros povos originários das redondezas e
das áreas urbanas de Canaã. Povos politeístas, com diversos costumes e
diferentes práticas religiosas. Entretanto, é de se notar, que através do
contato com essas crenças e ideias pagãs, presentes entre os povos que
habitavam Canaã e o Antigo Oriente, deu-se o surgimento do monoteísmo bíblico.
As ideias pagãs estavam disseminando-se entre os povos antigos, contudo, à
medida que elas iam encontrando forças e tornavam-se ameaça à unidade do povo,
a ideia de cultuar somente um único Deus revigorava-se na consciência coletiva
de Israel, encontrando sua firmeza no núcleo familiar (Cf. Gn 12ss).
É evidente que não foi apenas a experiência com os
outros povos e a maneira com que eles exprimiam sua fé em outros deuses que deu
origem à fé do Israel- bíblico, embora este tenha sido um fator fundamental,
mas as ideias de Aliança e Eleição (Cf. Ex 20, 22-24.33) foram de suma
importância para que as bases de uma fé monoteísta popular encontrasse sua
firmeza (Cf. McKENZIE, 2013, p. 612). Tais ideias eram presentes de tal forma
na consciência do israelita que o levava a fazer uma releitura dos êxitos e
fracassos em toda a história do povo e o fazia buscar cumprir as exigências
divinas. São essas ideias que permeiam todo o Antigo Testamento, e serão as
chaves para chegarmos ao coração das práticas religiosas de Israel, que inclui
as variadas formas de louvar a Deus.
Com esta compreensão básica, podemos dar continuidade,
perpassando por alguns livros e versículos do Antigo Testamento, que fazem
referência ao louvor do ser humano a Deus.
Obedecendo a maneira e a ordem que se estruturam os
livros que compõem as Sagradas Escrituras, comecemos pelo livro do Gênesis.
O primeiro livro da Bíblia, também considerado o
protoevangelho, é o livro do Gênesis, ou seja, o livro das origens, que contém
desde os relatos da criação e o povoamento da terra, aos patriarcas. Nele
encontramos uma primeira menção de louvor a Deus feito por um ser humano. Em
seu capítulo 29, o autor narra o duplo casamento de Jacó com as irmãs Lia e
Raquel, e o nascimento de seus filhos. E é dos lábios de Lia, a irmã mais
velha, que fora desprezada pelo marido, e naquela altura já estava a dar à luz
ao quarto filho, que ecoa um louvor a Iahweh: “Desta vez louvarei ao Senhor”
(Gn 29,35).
Prosseguindo, no livro do Êxodo, no capítulo 15,
encontramos o cântico de Moisés, cântico que é proferido após a libertação do
povo das garras do Faraó. Tendo Moisés e os israelitas passados a pé enxuto
pelo Mar Vermelho, e visto quão poderosa era a mão de Iahweh que precipitara no mar os cavalos e os cavaleiros de Ramsés, entoaram um canto de louvor e
agradecimento diante da glória do Senhor:
Cantarei
a Iahweh porque se vestiu de glória; ele lançou ao mar o cavalo e o
cavaleiro. Iah é a minha força e o meu canto,
a ele devo a salvação. Ele é meu Deus,
e o glorificarei, o Deus do meu pai,
e o exalto. Iahweh é um guerreiro, Iahweh é o seu nome! (Ex. 15, 1-3).
O terceiro livro da Bíblia, Levíticos, possui uma
grande ligação com o livro do Êxodo, isto porque o livro está situado entre a
saída do Egito e a chegada à terra de Israel. Ele recebe este nome devido ao
valor dado às funções litúrgicas dos levitas e as leis que Deus havia prescrito
ao povo, a fim de organizar o culto e, para que pudessem caminhar sempre em
seus caminhos sem se dispersarem. É perceptível, neste livro, que o culto que
Israel prestava ao Senhor era uma manifestação da vivência da lei que, por sua
vez, era uma resposta de gratidão ao Deus que os havia libertado e salvado. As
determinações prescritas pela lei eram vistas pelos israelitas, não como um
fardo, mas como uma via de aproximação de Iahweh, e também um reconhecimento de que tudo o que eles
possuíam, até então, era obra das mãos daquele que os salvara. Deste modo,
podemos entender o porquê algumas leis propunham sacrifícios de louvor ao
Senhor, Deus de Israel (Cf. RIBEIRO, 2014. p. 77): “No quarto ano, todos os
frutos serão sagrados em um festa de louvor a
Iahweh” (Lv. 19,24). “Se oferecerdes a Iahweh um sacrifício de louvor,
fazei-o de maneira que sejais aceitos: será comido no mesmo dia, sem deixar
nada para o dia seguinte. Eu sou Iahweh” (Lv.
22,29)
Dando sequência, no livro do Deuteronômio, encontramos
alguns versículos que tratam do louvor humano prestado ao Deus verdadeiro. Este
livro, também, pode ser considerado uma “segunda lei”, pois traz uma nova chave
de interpretação da Lei e da história do povo de Deus. No desenvolvimento deste
livro, percebemos que existe uma grande preocupação de levar o povo a uma fidelidade a Aliança e ao compromisso
pessoal com Deus (Cf. RIBEIRO, 2014. p. 83):
Comerás e
ficarás saciado, e bendirás a Iahweh teu Deus na terra que ele te dará” (Dt.
8,10); “A ele deves louvar: ele é teu Deus. Ele realizou em teu favor essas coisas grandes e terríveis
que os teus olhos viram” (Dt. 10,21);
“Exultai
com ele, ó céus, e adorem-no todos os filhos de Deus! Nações, exultai com seu
povo, e afirmem sua força todos os anjos de Deus! Porque ele vinga o sangue dos
seus servos, e toma a vingança dos seus adversários. Ele retribui àqueles que o
odeiam e purifica a terra do seu povo (Dt. 32,43).
No livro de Josué, podemos contemplar a realização das
promessas do Senhor, os prodígios e milagres que Ele operava em meio ao povo.
Tamanha era a admiração por Iahweh que, percorrendo os capítulos, percebemos
que os louvores lhe eram constantes, e que eles garantiam as vitórias nas
guerras:
Quando
os sacerdotes tocaram as trombetas na sétima volta, Josué disse ao povo:
‘Gritai, porque o Senhor vos entregou a cidade... O povo clamou e os sacerdotes
tocaram as trombetas. E logo que o povo ouviu o som das trombetas, levantou um
grande clamor. A muralha desabou. A multidão subiu à cidade, sem nada diante de
si (Js 6, 16-20).
Nos livros de Samuel (I e II), é possível constatar a
potência do louvor, a força que ele traz em si. Em I Samuel 16, notamos que o
simples fato de tocar em louvor ao Senhor era capaz de acalmar o espírito mau
que apoderava-se de Saul. Assim, vemos que o louvor é uma grande força contra
os espíritos malignos: “Mandou então dizer a Jessé: ‘Peço-te que deixes Davi a
meu serviço, porque ele me é simpático’. E sempre que o espírito mau acometia o
rei, Davi tomava a harpa e tocava. Saul acalmava-se, sentia-se aliviado e o
espírito mau o deixava” (I Sm 16, 22-23). No segundo livro de Samuel no
capítulo 22, sobretudo, os versículos 4-7 e 47-50, encontramos um grande
cântico de louvor entoado pelos lábios de Davi. Ele, com o coração angustiado
em meio à perseguição sofrida e as guerras travadas, invoca o nome de Iahweh,
seu Deus, e este age poderosamente em seu favor, livrando-o de seus inimigos e
de Saul:
Invoco
o Senhor que é digno de todo louvor e fico livre de meus inimigos.
Circundavam-me os vagalhões da morte, torrentes devastadoras me aterrorizavam, entrelaçavam-me as
cadeias da habitação dos mortos, a própria morte ne prendia em suas redes. Na
minha angústia, invoquei o Senhor, gritei para meu Deus; do seu templo ele ouviu a minha voz, e o meu clamor
chegou aos seus ouvidos.” (II Sm 22, 4-7), “Por
isso vos louvarei, ó Senhor, entre todas as nações e celebrarei o vosso nome
(II Sm 22, 50).
Os livros de Crônicas (I e II), nos revelam que o
louvor em reconhecimento Iahweh era costume, isto é, o povo já estava habituado
ao louvor, pois era impossível não contemplar tudo aquilo que o Senhor
realizava em seu favor.
Em I Crônicas, durante o reinado de Davi, acontece uma
profunda organização do culto, e nesta organização, notamos que os serviços aos
quais o levitas eram encarregados estava, também, o de louvar ao Senhor, diante
da Arca da Aliança, que para eles, era onde Deus se fazia presente. Nos
capítulos deste livro é perceptível a
consciência de seu Senhor e do louvor que ele
merecia:
Davi
colocou diante da arca do Senhor levitas encarregados do serviço, que
invocavam, celebravam e louvavam o Senhor” (I Cr 16, 4); “Proclamai às nações a
sua glória, a todos os povos suas maravilhas! Porque o Senhor é grande e digno
de louvor, o único temível de todos os deuses” (I Cr 16, 24- 25); “Dizei:
Salvai-nos, Deus de nossa salvação, e recolhei-nos e salvai-nos entre as nações
para que possamos celebrar o vosso nome e ter satisfação de vos louvar” (I Cr
16, 35); “4.000 porteiros e 4.000 para celebrarem o Senhor com os instrumentos
que fiz para louvá-lo” (I Cr 23,5); “Eles deviam apresentar-se cada manhã e
cada tarde para louvar e celebrar o Senhor” (I Cr 23, 30); “Davi bendisse ao
Senhor, em presença de toda a assembleia: ‘Sede bendito – disse ele – para todo
o sempre, Senhor, Deus de nosso pai Israel! (I Cr 29, 10).
Em II Crônicas, encontramos algumas manifestações de
louvor a Deus, por parte do povo. A primeira delas, que vale a pena citar, é no
momento em que a Arca da Aliança é transladada de Sião para o seu lugar no
santuário do templo, a saber: o Santo dos Santos:
Quando os
tocadores de trombeta e os cantores se uniam para celebrar numa mesma sinfonia
o louvor do Senhor, no momento em que faziam ressoar o som das trombetas dos
címbalos e de outros instrumentos de música com este hino: ‘Louvor ao Senhor
porque ele é bom, porque sua misericórdia é eterna, nesse momento o templo se
encheu de uma nuvem tão espessa que os sacerdotes não puderam permanecer ali
para exercer sua função. A glória do Senhor enchia a casa de Deus (II Cr
5,13-14).
Ainda, em II Crônicas, no capítulo 20, vemos acontecer
como em Josué, os israelitas alcançarem a vitória sobre os que o atavam, no
momento em que entoavam seus louvores a Deus:
A seguir,
depois de ter deliberado com o povo, designou cantores que, revestidos com os
ornamentos sagrados, marchassem diante dos guerreiros, louvando a Iahweh e
repetindo: ‘Louvai a Iahweh, porque o seu amor é para sempre.’ No momento em
que entoavam os hinos de júbilo e de
louvor, Iahweh fez cair numa emboscada os amonitas, os moabitas e os habitantes
da montanha de Seir que atacavam Judá e que viram, então, derrotados” (II Cr
20, 21-22).
Outro livro do Antigo Testamento em que é possível
encontrar manifestações de louvores a Deus é o livro de Jó. O livro é marcado
pelos sofrimentos de um homem justo que, no entanto, é atingido por inúmeros
sofrimentos. Permitido, por Deus, a ser provado em sua fé e fidelidade, Jó
consegue, em meio a tantas dores enxergar a mão de Deus a lhe sustentar e,
assim, manter-se fiel. Logo nos primeiros
capítulos, diante das perdas de bens, animais e, até mesmo, dos filhos,
Jó, em meio ao sofrimento, é capaz de prostrar-se por terra e fazer soar
palavras de louvor a Iahweh, seu Deus: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu
voltarei para lá. Iahweh o deu, Iahweh o tirou, bendito seja o nome de Iahweh”
(Jó 1. 20-21). E deste modo é a trajetória de Jó até o final deste livro.
Em sequência, no livro dos Salmos, encontramos um
grande tratado de orações dirigidas a Deus, que nos levam a mergulhar na
profundidade das riquezas daquilo que eles contém. Sendo um grande tratado de
oração, possuem em si, diversos gêneros literários, dentre os quais podemos
destacar: “salmos de ação de graça” e, também, os “salmos de louvor”. Neles é
possível ver claramente, a experiência de um povo com seu Deus, que é bom e
cuja misericórdia é sem fim. E como fruto dessa experiência, brota o mais belo hino
de gratidão em reconhecimento a Ele.
Dentro dos 150 salmos, podemos encontrar os que expressam louvor a Iahweh pelo
perdão recebido (Sl 65), os que ressaltam o poder do Deus Altíssimo (Sl 21 e
100), os louvores de toda a criação (Sl 148 e 150), louvores ao Senhor em meio
aos sofrimentos (Sl 59 e 66), louvores diários a Deus (Sl 34 e 61), louvores
capazes de transformar o desgosto em felicidade (Sl 30), louvor em
reconhecimento à bondade de Deus (Sl 9, 71, 103 e 107). Contudo, estes são só
alguns, há dentro do corpo dos salmos outros ainda que reconhecem a
magnificência de Deus.
Os livros proféticos, que são os últimos livros que
compõem o Antigo Testamento, apresentam manifestações de louvor a Deus, por
parte do povo, durante e pós exílio. Em Isaías, encontramos estas
manifestações, sobretudo, a partir do capítulo 40, onde o Senhor se dirige ao
povo por meio de oráculos com conteúdo de consolação, e o povo enchendo-se de
esperança, uma vez que passara muito tempo exilado em solo Babilônio, é movido
a exclamar alegremente louvores ao Senhor: “Exultai ó céus, porque Iahweh o
fez! Erguei altos gritos, ó profundezas da terra! Dai gritos de alegria, ó
montes e florestas e todas as árvores que aí se encontram, porque Iahweh
resgatou Jacó e se glorificou em Israel” (Is 44, 23). Em Jeremias, também, é
possível encontrar tais manifestações frente a promessa de restauração,
dirigida ao povo, através do profeta:
Gritos
de alegria e gritos de júbilo, a voz do noivo e a voz da noiva, a voz daquele
que dizem, trazendo ao Templo de Iahweh sacrifícios de ação de graças: ‘Dai
graças a Iahweh dos Exércitos, porque Iahweh é bom, porque o seu amor é para
sempre!’ Porque trarei de volta os cativos da terra como antes, disse Iahweh
(Jr 33, 11).
Ainda no livro dos profetas, podemos citar o louvor do
profeta de Nínive. Jonas, que fora engolido por um peixe ao tentar fugir da
missão que o Senhor lhe confiara, e que somente após exaltar o nome de Iahweh
dos Exércitos, experimenta a libertação: “Quanto a mim, com cantos de ação de
graças, oferecer-te-ei sacrifícios e cumprirei os votos que tiver feito: a
Iahweh pertence a salvação! Então Iahweh falou ao peixe, e este vomitou Jonas
sobre a terra firme” (Jn 2, 10).
Para concluir esta exposição sobre o louvor no Antigo
Testamento, vale relembrar que ele está, basicamente, definido por estas três
palavras hebraicas: Barach, que
significa bendizer; Yadah, que quer
dizer dar graças e halal, que é o
aleluia ou louvai ao Senhor.
3. O
louvor no Novo Testamento
No Novo Testamento, pouco é utilizada a palavra
louvor, contudo, nas poucas vezes que se quer referir ao louvor cultuado a Deus
por parte do ser humano, encontramos os seguintes termos gregos: eucharistein, que é o mesmo que ação de
graças, um agradecimento, eulogein,
que significar bendizer ou abençoar; aineo,
ainesis, que são a tradução mais
precisa para louvor/louvar, e ainda, exomologeo,
que corresponde a aceitar, reconhecer, professar, confessar, louvar (Cf.
MORAES, 2010).
Se fizermos uma busca pelos livros do Novo Testamento,
assim como no Antigo, veremos que são permeados de expressões em louvor ao Deus
Altíssimo.
Logo no início do evangelho de São Mateus, temos o relato dos Magos, que
saindo do Oriente, sua Terra natal, se dirigem até o Egito a fim de prestar
homenagens, ao rei dos Judeus que acabara de nascer (Cf. Mt 2, 1-12). Contudo,
é no evangelho de Lucas, também, considerado “o evangelista do louvor”
(LACOSTE, 2004 p. 1051), que iremos encontrar os louvores a Deus em momentos
decisivos, a começar pelo louvor de Maria, através do cântico Magnificat (Lc
1,46), o de Zacarias (Lc 1, 67-79), dos anjos (Lc 2, 12-14), perante o
nascimento do menino Jesus, de Simeão (Lc 2, 29-32) e dos apóstolos após a
partida de seu Mestre (Lc 24,53). Estes são verdadeiros hinos de louvor e
adoração a Deus, como podemos ver a seguir.
Minha
alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus meu Salvador, porque
olhou para a humilhação de sua serva (Lc 1, 46). Bendito seja o Senhor Deus de
Israel, porque visitou e redimiu o seu povo, e suscitou-os uma força de
salvação, na casa de Davi seu servo (Lc 1, 67-68). E de repente juntou-se ao
anjo uma multidão do exército celeste a louvar a Deus dizendo: “Glória a Deus
no mais alto dos céus e paz na terra aos homens que ele ama!” (Lc 2, 13-14).
Agora, Soberano Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua
palavra; porque meus olhos viram tua salvação, que preparaste em face de todos
os povos, luz para iluminar as nações, e glória de teu povo, Israel (Lc 2,
29-32). E estavam continuamente no Templo, louvando a Deus (Lc 24,53).
Em Lucas 10, 21 e em seu paralelo em Mateus 11, 25,
encontramos o louvor proferido pela boca de Jesus. Nestes versículos vemos
empregado o termo grego exomologeo,
para falar do louvor que Ele elevara ao Pai: “Naquele momento, ele exultou de
alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: ‘Eu te louvo, ó Pai, Senhor do
céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos e as
revelastes aos pequeninos’” (Lc 10, 20-21).
A comunidade primitiva, também, era incessante em seus
louvores a Deus. Nos Atos dos Apóstolos, em diversas ocasiões, encontramos os
Apóstolos e os pagãos, convertidos à religião cristã, em atitude de louvação:
Louvavam
a Deus e gozavam da simpatia de todo o povo. E o Senhor acrescentava cada dia
ao seu número os que seriam salvos (At. 2, 47). No momento da cura do coxo à
porta do templo: E entrou com eles no Templo, andando, saltando e louvando a
Deus (At 3, 8b-9).
O apóstolo dos gentios, Paulo, em suas epístolas às
diversas comunidades recomendava insistentemente o louvor. Nas cartas dirigidas
aos fiéis pertencentes as comunidades, encontramos muitas expressões de louvor
e reconhecimento da grandeza de Deus, compostas pelo apóstolo:
“Bendito seja o Deus Pai de nosso Senhor Jesus Cristo,
o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação!” (II Cor 1,3);
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, que nos abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais nos céus, em
Cristo” (Ef 1,3);
“Para ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na
terra e nos infernos. E toda a língua confesse, para a glória de Deus Pai, que
Jesus Cristo é o Senhor” (Fl 2, 10-11);
“Por tudo dai graças, pois esta é a vontade de Deus a
vosso respeito em Cristo Jesus” (I Ts 5,18);
“Ao Rei dos séculos, ao Deus incorruptível, invisível
e único, honra e glória, pelos séculos dos séculos. Amém!” (1 Tm 1, 17);
“O Bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor
dos senhores, o único que possui a imortalidade, que habita uma luz
inacessível, que nenhum homem viu, nem pode ver. A ele, honra e poder eterno.
Amém!” (I Tm 6, 15-16);
Ó
abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus
juízos e impenetráveis seus caminhos! Quem com efeito conheceu os pensamentos
do Senhor? Ou quem se tornou seu conselheiro? Ou quem primeiro lhe fez o dom
para receber em troca? Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória
pelos séculos! Amém (Rm 11, 33-36).
Por fim, o último livro das Sagradas Escrituras, o
Apocalipse, ou livro das revelações, traz em si certa originalidade, devido os
diversos cânticos que o compõe (Cf. LACOSTE, Jean Yves,2004 p. 1052). Neste
livro, constatamos um grande louvor a
Deus, prestado pelos exércitos celestiais e pelos santos, bem como por aqueles
que foram redimidos e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro imolado,
Jesus Cristo. Eles elevam ao Senhor, o Grande Rei um louvor eterno, sem fim:
“Santo, Santo, Santo, Senhor Deus todo poderoso,
‘Aquele que era, Aquele que é, Aquele que vem’ [...] Digno és tu, Senhor e Deus
nosso, de receber a glória, a honra e o poder, pois tu criaste todas as coisas;
por tua vontade elas não existiam e foram criadas” (Ap. 4, 8.11);
“Digno é o Cordeiro imolado, de receber o poder, a
riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor” (Ap 5, 12);
“Amém! O louvor, a glória, a sabedoria, a ação de
graças, a honra, o poder e a força pertencem ao nosso Deus pelos séculos dos
séculos. Amém!” (Ap 7, 12);
“Nós te damos graças, Senhor Deus Todo-poderoso
‘Aquele que é e Aquele que era’, porque assumiste o teu grande poder e passaste
a reinar” (Ap. 11, 17);
“Grandes e maravilhosas são as tuas obras, ó Senhor
Deus Todo-poderoso; teus caminhos são justos e verdadeiros, ó Rei das nações”
(15, 3);
“Aleluia! A salvação, a glória e o poder são do nosso
Deus, porque seus julgamentos são verdadeiros e justos” (Ap 19, 1-2b).
Há, ainda, diversos textos e livros nas Sagradas
Escrituras, seja no Antigo Testamento, seja no Novo Testamento, que poderíamos
utilizar para fazer o estudo sobre o “Louvor de Deus”, entretanto, os que aqui
foram utilizados, foram capazes de corresponder satisfatoriamente, e revelar
que desde os primórdios, o homem já era impelido a louvar e estava habituado a
prestar culto a Deus em reconhecimento a seu
poderio.
Por conseguinte, resta-nos dizer que, as Sagradas
Escrituras compreendem o Louvor como oração consciente do israelita do Antigo
Testamento e do cristão do Novo Testamento. Fruto das experiências de salvação
realizadas por Deus, que revelara-se como Deus da Aliança, que garantia-lhes a
vida, a felicidade e a paz. Tais experiências, que abarcaram a história do
Israel bíblico, para os escritores sagrados, foram elementos decisivos, que
contribuíram para a compreensão de sua própria identidade de nação eleita, e ao
mesmo tempo, para reconhecimento de Iahweh, como Rei e Senhor soberano e
poderoso por parte do povo, que devotava seu amor e sua gratidão através de
cânticos de júbilos, festas e ações de graças.
No primeiro capítulo, vimos um pouco sobre o conceito,
as raízes etimológicas do louvor e o que
as Sagradas Escrituras dizem a seu respeito. Neste segundo capítulo,
abordaremos o louvor sob a ótica de Jesus Cristo, Deus humanizado, que ao
encarnar-se, deixa o seio trinitário, se encarna e traz à terra o louvor
celeste, revela aos homens o Pai e, ao oferecer sua própria vida em sacrifício,
une-os, novamente ao céu, e os ensina a louvar o Pai como Ele o merece.
1. A
criação do homem e o pecado original
As Sagradas Escrituras nos ensinam que no princípio,
Deus criou todas as coisas: o céu, a terra, o mar, toda espécie de animais e
plantas e, por fim, o homem (Cf. Gn 1). Dentre todas as coisas criadas, este
último, Deus fizera superior às demais criaturas e seres vivos, colocando-o
numa posição especial. Ele fora criado à Sua imagem e semelhança (Gn 1,26-27),
dotado de capacidade de amar, raciocinar e de liberdade, que o tornava apto a
tomar decisões morais.
O Senhor Deus revelava-se ao homem criado como um Deus
próximo, um Deus apaixonado, que importava-se com sua existência (Cf. SATTLER/
SCHNEIDER, 2012, p. 55). Não era um Deus distante, mas Alguém que caminhava dia
a dia junto e ele em meio ao jardim (Cf. Gn 3,8), mostrando-se um Deus desejoso
por estabelecer comunhão. Deu-lhe uma habitação: o Jardim do Éden, e toda
espécie de alimento, mas, sobretudo, deu-lhe todas as orientações necessárias
para viver bem e feliz, fazendo apenas uma proibição para que o homem não
viesse a provar da morte (Gn 2,16-17). Contudo, conforme os relatos da criação,
presentes no livro dos Gênesis (Cf. Gn 3), é de se notar que o ser humano não
foi capaz de manter-se fiel a Deus, fez mau uso de sua liberdade, e ao
deixar-se seduzir pela serpente, dando ouvidos à sua palavra, comeu do fruto que não devia, e pecou. Por
conseguinte, ao pecar, o homem, Adão (Adam
– אדם), perdeu “de imediato a graça da santidade
original” (CIC, 2000, n. 399), e uma barreira de separação foi criada entre ele
e Deus; a comunhão, a amizade, “a harmonia na qual estavam, estabelecida graças
à justiça original, foi destruída e o homem teve de voltar ao pó do qual fora
formado (Cf. CIC, 2000, n. 400).
As Sagradas Escrituras nos revelam que a queda adâmica
não afastou o Senhor da humanidade. Deus não a abandonou à sua própria sorte,
pelo contrário, de diversos modos, no curso da história, procurou atraí-la com
laços de amor (Cf. Os 11,4), buscando estabelecer novamente a aliança com ele:
-
aliança abraãmica: “Eu farei de ti um grande povo, eu
te abençoarei, engrandecerei teu nome; sê uma benção!” (Gn 12,2);
-
aliança mosaica: “Agora se ouvirdes a minha voz e
guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade peculiar entre
todos os povos, porque toda a terra é minha” (Ex 19,5). “Iahweh teu Deus mudará
a tua sorte para melhor e se compadecerá de ti; Iahweh teu Deus voltará atrás e
te reunirá de todos os povos entre os quais te havia dispersado” (Dt 30,3).
-
aliança davídica: “A tua casa e tua realeza
subsistirão para sempre diante de mim, e o teu trono se estabelecerá para
sempre” (II Sm 7,16).
Entretanto, é com a vinda de Jesus Cristo, Verbo do
Pai, encarnado no seio da Virgem Maria, que se dá uma Aliança Nova e definitiva
entre Deus e o homem. Por causa desta aliança, é possível afirmar que a última
palavra é sempre de Deus, que o pecado e o mal não pôde vencer e nem determinar
a obra de Deus, mas somente um, aquele que é Artífice, que governa e impera
sobre todas as realidades visíveis e invisíveis, pode proclamar a última
Palavra, e esta Palavra é o próprio Filho de Deus, humanizado.
O homem foi criado para a plena comunhão com seu
Senhor, e este era o aspecto mais sublime de sua dignidade: em viver em
comunhão com Deus estava a consistência de sua vocação. Contudo, o pecado
desfigurou-o e afetou a sua dignidade, rompendo os laços de amizade com Deus.
Entretanto, “o Deus ilimitadamente capaz e desejoso de se relacionar entra em
relação com os homens” (WERBICK, 2012, p. 501), disposto a tornar-se um deles.
Então, em Jesus Cristo Deus se autocomunica, tornando-se homem para os homens:
A
autocomunicação intratrinitárias assume, em termos econômico-salvíficos, a
forma do autoesvaziamento: no homem Jesus, o eterno Filho se entrega ao destino
de morte e ao poder do pecado; nesse autoesvaziamento, porém, o amor divino
revela seu poder superior ao pecado e à morte em benefício dos homens: o Pai,
que ressuscita o Filho no Espírito Santo, supera com sua ilimitada capacidade e
vontade de se relacionar, a hostilidade relacional do pecado e a interrupção de
todas as relações na morte. Assim, o Filho, que se tornou homem em Jesus
Cristo, é a “irreversível” – que abarca pecado e morte – oferta de relação de
Deus aos homens em pessoa (WERBICK,
2012, p. 501).
É importante destacar que é somente através da
autocomunicação de Deus, na kenósis do
Filho, isto é, na encarnação, que temos acesso à Trindade imanente e somos
capazes de concebê-la na história, uma vez que Ele é quem revela o Pai e o
Espírito (Cf. Mt 11,27; Jo 14, 26).
A encarnação é, para nós, a máxima, a demonstração por
excelência do amor de Deus, pois nela manifesta-se, não somente o amor divino,
mas a sua infinita misericórdia, sua justiça, seu poder. Nela, contemplamos a
entrega de Deus aos homens, que desde o momento da concepção virginal, em
solidariedade fez-se participante da natureza humana, na unidade da pessoa,
assumindo o pecado e a morte e compartilhando o destino do homem até o fim (Cf.
WERBICK, 2012, p. 501). O Verbo encarnado é a via de acesso às outras Pessoas
da Trindade: ao Pai e ao
Espírito. É assim
que tomamos conhecimento do Deus triuno que quis entrar no tempo e se revelar
na história.
O interessante é que, quando debruçamos os estudos
sobre essas relações imanentes entre as Pessoas trinitárias, encontramos
indícios de que já havia um culto latrêutico, isto é, de louvor entre Elas. Se
o louvor está enraizado no conhecimento admirativo de Deus e na confissão que
proclama amor (Cf. LACOSTE, 2002, p, 1052), não é possível olhar a Trindade
imanente sem enxergar, nela, este movimento de amor e contemplação que acontece
entre Pai e Filho, onde o Pai está totalmente voltado para o Filho, e o Filho,
igualmente, voltado para o Pai, este conhecimento admirativo que confessa a
verdade de ambos (Cf. CIMSJS, 2014, n.5).
Deste modo, só podemos afirmar que o reconhecimento mútuo que há entre Pai,
Filho e Espírito Santo, é louvor à santidade e a divindade de cada um.
Essa breve explanação do tema é importante para
entendermos que Jesus Cristo, segunda Pessoa da Santíssima Trindade, ao acolher
a vontade do Pai e ser enviado por Ele, com a missão de sanar os danos causados
pelo pecado e restaurar a dignidade humana, teve que deixar a morada em que
habitava, em plena comunhão de amor e de louvor, por causa do grande desejo de
Deus em procurar aquele que é a sua imagem e semelhança.
O Cristo de Deus fora enviado à terra para comunicar a
vida divina, reunir os dispersos e salvar o que estava perdido (Cf. Jo 10).
Aceitando livremente o plano do Pai para Si e para humanidade, o Verbo
encarnado, que procede do Pai, encarnou- se no seio de Maria, tornando-se homem
como nós. Jesus foi um judeu arraigado no mundo de Israel, que inserindo-se na
história da humanidade, revelou-se como Senhor acessível, de maneira nova,
introduzindo nesta terra de exílio os louvores que se canta eternamente no Céu
(Cf. IGLH, 1999, n. 3).
Obediente ao Pai em tudo, ao iniciar sua vida pública
peregrinando nesta terra, transmitiu tudo aquilo que d’Ele recebeu: “sua mensagem
central consistia em
proclamar o senhorio de Deus” (KESSLER, 2012, p. 242). Com autoridade em
suas palavras, anunciou o Reino dos Céus, denunciou os pecados e exortou à
conversão de vida para que se pudesse possuir a vida eterna (Cf. Mc 1, 14-15).
Em sua vida terrena, Jesus mostrou-se alguém orante,
de intimidade com o Pai, Mediador entre o céu e a terra. Deixou-nos seu
exemplo, apontou a oração como via certeira pela qual poderíamos nos tornar
próximos de Deus. Ensinou o homem a chamar Deus de “abbá” (Cf. Lc 11, 1-2).
Mediador entre Deus e a humanidade, na cruz, Jesus
entregou sua vida em favor dos homens, tornando-se “Sacerdote, Altar e
Cordeiro” (PREFÁCIO DA PÁSCOA IV). Contudo, embora sua paixão, morte e
ressureição seja o grande exercício de seu sacerdócio, “Cristo, durante sua
vida terrena, foi sacerdote também pela oração de louvor a Deus e de súplica
pelos homens” (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 667), quando, contemplando suas
dores, “alegrias e esperanças” (GS, 2000, n.1), apresenta-as ao Pai em forma de
oração, louvor, intercessão e propiciação, ressoadas de seu coração em termos
humanos (Cf. IGLH, 1999, n. 3):
E ainda: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da
terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes
aos pequeninos” (Lc. 10, 21b); e: “Jesus dizia: ‘Pai, perdoa-lhes: não sabem o
que fazem’” (Lc 23, 34).
De diversos modos, em toda a sua existência, Jesus
buscou reunir os povos mostrando-lhes a verdadeira face do Pai, testemunhando-O
e criando espaço ao próprio Deus, a fim de torná-Lo presente para os outros
(Cf. KESSLER, 2012, p. 391). Ao comunicar a vida de Deus e seus desígnios de
salvação, revelou “imediatez, familiaridade e aconchego para com Deus que só
podem emanar da experiência da solicitude amorosa e proximidade confiável de
Deus e de uma relação confiante e cotidiana com ele” (KESSLER, 2012, p. 252),
que é reflexo das íntima relação que existia no seio trinitário. Isto tornava
evidente a consciência que Jesus tinha acerca de Si e do Pai e lhe
possibilitara falar, com tamanha propriedade, deste Deus amoroso.
A grande novidade da vinda do Cristo está no anuncio
do Reino de Deus e a instauração de uma nova Aliança com Ele. Sua oração, seu
louvor é sempre de
caráter teocêntrico, isto é, nos ensinam a colocar Deus em primeiro lugar
(Cf. (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 820). Se olharmos atentamente para todos os
seus atos, conforme narrado pelos evangelistas, notaremos que em tudo Ele
colocava em evidência o Pai; nada Ele fazia por si e para si, mas conforme o Pai lhe desejava que fizesse.
Este estilo de vida de Jesus contrapunha toda a
maneira de viver dos grupos judaicos de sua época, que escondiam Deus e
evidenciavam-se a si próprios (Cf. Lc 18, 11-12). Sua relação com o Pai era
relação de pura verdade, sem fingimento ou hipocrisia. Era evidente que seu
modelo de vida despertava em muitos, aqueles que o ouviam com o coração aberto
e sincero, o desejo de aproximar-se do Deus que Ele pregava com tanta firmeza.
Sua vida era um perpétuo e constante reconhecimento d’Aquele que Ele já
conhecia desde toda eternidade. Sua vida é um
grande ensinamento de louvor, e isso podemos afirmar, sem medo de errar.
Ousando um pouco, pode-se dizer que a vida de Jesus é um grande tratado do
louvor, para aqueles que desejam aprender a fazer de suas vidas um louvor a
Deus. Não há melhor fonte de inspiração, se não Jesus. Sua vida fala aberta e
constantemente do louvor e é louvor a cada instante.
Nas definições de louvor de Deus, vimos que o mesmo “é
o lugar por excelência em que Deus é reconhecido como Deus e em que o homem se
situa na verdade de seu ser diante de Deus” (LACOSTE, 2002, p, 1052). Onde mais
podemos ver a concretização deste pensamento se não no Cristo?
Tudo que o ser humano tem deve a Deus, por isso
precisa reconhecê-lo e confessar sua dependência nele. Com o intuito de tornar
o Pai conhecido, e proclamar seu senhorio sobre os homens e todos os seres
vivos, Jesus fez de sua vida louvor do início ao fim. A partir desta afirmação,
cabe a nós colocarmos novas lentes sobre os atos de Jesus, e afirmar que no seu
agir está, intrínseca e implicitamente, presente o louvor, que nos
possibilitarão ir além do simples fato de Jesus ter realizado determinada
coisa. Entendendo o existir de Jesus como louvor de Deus, compreendemos,
também, a finalidade dos milagres e curas que realizava, que eram fazer com que
o homem pudesse devotar a Deus o louvor que Ele o merece:
Logo
vieram até ele numerosas multidões trazendo coxos, cegos, aleijados, mudos e
muitos outros, e os puseram aos seus pés e ele os curou, de sorte que as
multidões ficaram espantadas ao ver os mudos falando, os aleijados sãos, os
coxos andando e os cegos a ver. E renderam glória ao Deus de Israel (Mt 15,
30-31);
Diante dos milagres que eram operados pelas mãos de
Jesus; aqueles que eram agraciados não faziam outra coisa senão glorificar a
Deus:
Depois,
aproximando-se, tocou o esquife, e os que o carregavam pararam. Disse ele,
então: "Jovem, eu te ordeno, levanta-te!". E o morto sentou-se e
começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe. Todos ficaram com muito medo e
glorificavam a Deus, dizendo: "Um grande profeta surgiu entre nós e Deus
visitou o seu povo" (Lc 7, 14-16).
Estes versículos no ensinam que a glória de Deus é
revelada através de ações, e que todos os aspectos da vida de nosso Salvador,
bem como os seus ensinamentos, demonstravam claramente o poder, a justiça e a
compaixão de Deus. Tudo o que fazia manifestava a soberania do Pai, ao passo
que em suas visitas a povoados e sinagogas a ensinar, era glorificado por
todos, e sua fama só se espalhava por toda Galileia e as regiões circunvizinhas
(Cf. Lc 4,14-15).
É fato que toda a vida de Jesus remete ao louvor, como
já foi afirmado, entretanto, o ápice, seu louvor mais perfeito elevado ao Pai,
deixado como ensinamento aos homens, ecoou no alto da cruz e, consequentemente,
no sepulcro vazio, quando Ele se fez sumo-sacerdote, altar e vítima,
tornando-se mediador entre Deus e os homens (Cf. Hb 8,6). Na morte de cruz,
Jesus, fazendo-se nosso representante - pois éramos nós, homens, merecedores do
castigo - entendeu de que forma iria glorificar o Pai e receber d’Ele a mesma
glória (Cf. Jo 17,1), por isso, ofereceu sua própria vida em expiação,
suportando todo sofrimento, abandonando- se nas mãos de Deus em sinal de
dependência e confiança, e com sua ressurreição gloriosa, associou a Si a
humanidade, garantindo-lhe sua união com Deus (Cf. Hb 9, 11).
Mediador
único, Jesus é no sentido forte sujeito e objeto do louvor. Ele leva o fiel a
entrar em sua oração de louvor e de ação de graças (Mt 11,25-27), porque ele é
o Cordeiro Imolado digno de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor (Ap
5,12). Levando a seu termo os sacrifícios da antiga aliança, Ele é aquele por
quem oferecemos sem cessar a Deus um sacrifício
de louvor (Hb 13, 15. Cf. Lv 7,11-15). A vida do homem unida a oferenda de
Jesus torna-se louvor” (LACOSTE, 2002, 1052).
A vinda do Filho, sua vida abarcada desde a
encarnação, vida pública, morte e ressurreição, revelam-nos que a terra, e,
sobretudo, os homens, foram contemplados com aquele louvor que é cantado nas
habitações celestes (Cf. Ap 7, 9-12):
Sumo
Sacerdote do Novo e eterno Testamento, Cristo Jesus, assumindo a natureza
humana, introduziu nesta terra de exílio, aquele hino que é cantado por todo o
sempre nas habitações celestes. Ele associa a Si toda a comunidade dos homens,
e une-a consigo na celebração deste divino cântico de louvor (SC, 2000, n. 83).
Com efeito, este culto latrêutico, introduzido por
Jesus, deve estar associado à vida humana em todas as suas dimensões, e é uma
forma encontrada para os seres humanos experimentarem aquilo que se dá na
eternidade, onde os anjos e os santos cantam a Deus sem cessar. Essa liturgia
celeste só pode ser antegozada pelo homem, até a instauração definitiva do
Reino, porque o Cordeiro sem mancha, Jesus Cristo, através de um movimento
kenótico, deixou as moradas celestes e vindo ao mundo comunicou a vida de Deus aos
seres humanos, a fim de torná-los novamente participantes das habitações
celestes. O “Louvor de Deus” na vida do homem será tanto mais eficaz, e
produzirá muito mais frutos de santidade e união com Deus, quando, ele,
contemplando a vida de Jesus, sobretudo, sua paixão morte e ressurreição, numa
via oblativa, também, entregar sua vida em sinal de confiança,
dependência e
obediência nos braços d’Aquele que é, tão somente, amor (Cf. LACOSTE, 2002,
1052).
De todas as ações de Cristo, podemos destacar a
obediência à vontade do Pai até o fim, como a grande marca, o seu maior
testemunho de reconhecimento à majestade de Deus. Ela foi verdadeiramente
grande movimento de louvor.
O Filho de Deus se encarnou, passou pela terra
ensinando a vontade do Pai, padeceu, foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia
e subiu aos céus, onde está sentado junto de Deus. Esta é a fé que, enquanto
Igreja Católica Apostólica Romana, professamos.
A ressurreição de Jesus Cristo e sua subida gloriosa
aos céus foram eventos que manifestaram a Onipotência de Deus e o esplendor de
sua glória. Todavia, ao subir para os céus, Ele não levou de volta consigo o
louvor que ecoara de sua vida para a vida dos homens, mas confiou à Igreja, sua
esposa, conduzida pelo Espírito Santo, a missão de fazer com que o culto
latrêutico que ensinara, se perpetuasse pelos séculos a fora, até o dia em que,
ela, unindo-se com os coros dos anjos e com os santos e santas de Deus, pudesse
cantar o mesmo e único canto de louvor, glória e adoração em reconhecimento à
magnificência de Deus.
A Igreja, esposa de Cristo, “começou no desígnio de
Deus com a história do mundo” (CONGAR, 1993, p. 193). Esta afirmação só é
possível devido aos indícios que são apresentados pelo AT, mas, sobretudo,
através da compreensão da eleição, onde Deus reúne um povo, que é chamado seu:
Povo de Deus. Para o cristianismo, essa experiência de eleição assume novo
significado a partir da ideia de nova Aliança, estabelecida por Jesus na sua
entrega na cruz, a Igreja de Cristo é o novo Israel de Deus, e a ela é
assegurada os privilégios do antigo povo” (Cf. CONGAR, 1993, p. 194).
É fato que a Igreja tem sua origem na cruz, no momento
em que o coração de Jesus é transpassado pela lança, donde jorra sangue e água,
que se tornaram verdadeiros símbolos dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia
(Cf. Jo 19, 33- 34). Por ter sua origem em Cristo pregado na cruz, lugar onde
se dá o perfeito e mais agradável louvor ao Pai, a Igreja recebe dele o mesmo
espírito orante, e é incumbida de revelar ao mundo de geração em geração, a
face do Cristo que louva.
A oração de louvor é característica de todo aquele que
foi alcançado, tocado e salvo por Jesus,
e “está presente em toda manifestação da igreja que ora” (SARTORE; TRIACCA,
1992, p.820); sua essência em nada foi alterada, seguindo, portanto, os mesmos
parâmetros e definições dos louvores que eram elevados a Deus no AT (DUFOUR,
2013, p. 550). No entanto, em Cristo, este hino cantado há séculos, recebe um
novo significado, torna-se louvor cristão, evidenciando, ao mesmo tempo, a sua origem:
A
oração cristã tem origem trinitária, porque é o hino que ecoa eternamente no
seio das três pessoas divinas, trazido pelo Verbo à terra, quando ele se fez
homem. A partir de então, de puro louvor se transformou também adoração,
propiciação, intercessão (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 667).
A oração da Igreja, ressignificada por Cristo, cuja
origem está nas três Pessoas divinas, também é de caráter trinitário, ou seja,
remete ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, isto porque a oração que o Corpo
(Igreja) oferece ao Pai, é sempre em nome daquele que é a Cabeça (Jesus), sob a
ação do Espírito Santo. Este último é o
sujeito fundamental de toda oração Cristã (Cf. IGLH, 1999, n.8). É Ele quem
“faz jorrar do coração da Igreja o louvor trinitário” (IGLH, 1999, n.3),
vivificando-a, e estabelecendo uma perfeita união à oração de Cristo (Cf. IGLH,
1999, n.3) “assegurando sua indefectível santidade” (CONGAR, 1993, p. 195).
“O corpo de Cristo é animado pelo Espírito do Cristo”
(CONGAR, 1993, p.195); sem Ele, os membros deste corpo não encontrariam
harmonia entre si. Grande maestro desta orquestra é Ele quem garante a unidade,
organização e
inspira o canto a
ser cantado pela Igreja orante, porque é próprio de Sua natureza vir em auxílio
da fraqueza humana (Cf. IGLH, 1999, n.8):
Eis,
pois, que no plano do louvor eclesial a Deus se encontra certa unidade, jamais
rompida, a qual é a obra do Espírito Santo, princípio unificador. Esta função
aglutinante é ainda mais íntima e profunda, porque o Espírito Santo é o mesmo princípio dinâmico que vivifica toda
oração (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 667).
“A Igreja é o templo do Espírito Santo” (CONGAR, Yves,
1993, p. 195), Ele opera nela, aperfeiçoando aquilo que ela reza, fazendo com
que os louvores que ressoam de seus lábios subam aos céus como perfume de
agradável odor aceito por Deus Pai todo poderoso.
Dentre todos os modos e práticas de oração e piedade
cultivados pela Igreja, a Liturgia - aqui entendida, a celebração dos
sacramentos e a Liturgia das Horas - tornou-se o lugar primordial de encontro
com Deus, pois nela, Cristo está sempre presente, salmodiando e suplicando
junto à Igreja que ora (Cf. IGLH, 1999, n.13).
Na
liturgia terrena, antegozando, participamos da Liturgia celeste, que se celebra
na cidade santa de Jerusalém, para a qual, peregrinos, nos encaminhamos. Lá,
Cristo, está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do tabernáculo
verdadeiro; com toda a milícia do
exército celestial entoamos um hino de glória ao Senhor e, venerando a memória
dos Santos, esperamos fazer parte da sociedade deles; suspiramos pelo Salvador,
Nosso Senhor Jesus Cristo, até que Ele, nossa vida, Se manifeste, e nós
apareçamos com Ele na glória (SC, 2000, n.8)
A oração da Igreja, unida ao sacrifício de Jesus, que
através da Liturgia, torna-se atual, oferece ao Pai, não um novo sacrifício,
mas o mesmo realizado pelo Filho em sua páscoa, o qual é aceito por Deus Pai.
Assim sendo, na oração litúrgica que possui caráter
anamnésico, a Igreja, impelida pelo Espírito Santo, exerce o mesmo múnus de
Cristo, recordando suas palavras e ações, a fim de que os fiéis, unindo-se a
ela em sinal de comunhão, alcancem a salvação que o Filho bendito de Deus
garantiu aos homens (Cf. IGLH 12).
Por fim, vale ressaltar que o louvor celeste ensinado
por Jesus se perpetua (e se perpetuará) no mundo, sobretudo, através das
celebrações litúrgicas realizadas pela Igreja ao longo dos séculos, pois em
tais celebrações, o Espírito Santo, força vital de toda Igreja, age
eficazmente, atualizando aquele louvor que ressoou da vida de Jesus Cristo, a
fim de que ele continue a ressoar na vida e da vida dos fiéis. Mantendo vivo e
inspirando sempre novos louvores no coração dos homens e mulheres batizados, o
Espírito, conduzindo toda a Igreja pelo Filho, garante-lhe a perfeita união com
o Pai.
O “Louvor de Deus” é a resposta natural que brota do
coração daquele que ama a Deus. Quanto a isso, não nos resta dúvida.
Entretanto, agora, nos vem a questão: Como este louvor, resposta de amor do ser
humano, obra das mãos de Deus, é capaz de uni-lo ao seu Autor, lhe
possibilitando viver em comunhão participando da vida das três Pessoas divinas?
Deus é amor! (I Jo 4,8b) No seu Filho, Jesus Cristo,
Ele se tornou “um de nós” e, desse modo, se aproximou dos homens, como Criador
e Reconciliador destruindo “o muro de separação” (Ef 2,14b) existente, até
então.
O Filho Unigênito, “em seu relacionamento singular com
Deus, abriu aos outros seres humanos a possibilidade do único relacionamento
adequado e redentor com Deus” (KESSLER, 2012, p. 380). Libertando-o do pecado e
salvando-o do aguilhão da morte, garantiu-lhe a vida eterna e infundiu em seu
ser o Espírito do Filho, isto é, o
Espírito de adoção filial (Cf. IGLH, 1999, n. 8),
tornando-o apto a união Consigo:
No Filho,
nosso irmão Jesus Cristo, e no Espírito Santo, que nos liberta do pecado e do
poder da morte para o amor, Deus revela o seu mais íntimo: a comunhão do amor,
que une Pai e Filho entre si e com o (respectivamente no) Espírito Santo e que
– no Espírito Santo – quer incluir os homens para a sua salvação (WERBICK,
2012, p. 505).
A oferta de Jesus, na cruz, foi aceita pelo Pai como
sacrifício perfeito e agradável de louvor. Aquele que foi instituído Mediador
entre Deus e os homens,
tornou-se, também, o grande Ministro do Santuário de Deus (Cf. Hb 8,2).
No Antigo Testamento, era comum oferecer sacríficos a Deus, contudo, era
necessário que o sacerdote subisse, anualmente, ao templo para oferecê-los
pelos seus pecados e pelos de outrem, no intuito de estabelecer comunhão com
Deus (Cf. Lv 7, 1-15). Em Cristo Jesus, no entanto, isso não é mais necessário,
pois ele “entrou de uma vez por todas no Santuário” (Hb 9,12), ofereceu sua
vida em sacrifício perfeito e perpétuo, a fim de comparecer diante de Deus, no
céu, donde intercede em favor dos homens (Cf. Hb 9, 24). Assim sendo, a oração
do homem deve, necessariamente, estar vinculada a Cristo, o qual incorpora a Si
toda a comunidade humana (IGLH, n.6).
No Filho e no Espírito, que liberta do pecado, os
homens e mulheres de boa vontade encontram uma via de acesso para chegar
novamente à comunhão com o Pai, e assim, saciar aquele desejo mais profundo de
Deus inscrito em seus corações, desde os primórdios da vida humana, pelo qual o
Pai não cessa de atrai- los a Si. (Cf. CIC, 2000, n. 27).
Sim! O ser humano traz consigo um ardente desejo de
plenitude, por isso “sai de si para lançar-se em Deus, o qual é o único capaz
de levar o homem à perfeita e perene realização de si mesmo” (MONDIM. 1980, p.
268). Tanto entendeu isto, que Santo Agostinho escreveu em suas confissões:
“nos criastes para ti, e o nosso coração não tem sossego, enquanto não repousar
em ti” (SANTO AGOSTINHO, 2017, p. 13). A inquietude de sua alma é apaziguada,
somente, na medida em que ele, auxiliado pelo Espírito do Filho, reconhece-se
filho no Filho, unindo toda a sua vida e existência à oferenda de Jesus, a fim
de que ela seja elevada ao mais alto dos céus (Cf. LACOSTE, 2012, p. 1052).
O desejo de eternidade e comunhão com Deus, trazido no
coração do homem, é saciado pelo “Louvor de Deus”, que se tornou via unitiva
entre o céu e a terra, entre Deus e o homem. No “Louvor de Deus”, o homem rasga
os céus “entrando na comunhão, na misericórdia e na feliz eternidade” (Cf.
DEFINA, 2016, p. 162). Este louvor que rasga os céus, no entanto, não deve ser
entendido como mera reprodução de palavras, quase que mecanicamente, mas como do dom de si unido ao dom de
Cristo, por quem oferecemos a Deus, sem cessar, nosso sacrifício de
louvor. Somente
nesta perspectiva de união à entrega de Jesus é que a vida do ser humano há de
tornar-se louvor (Cf. LACOSTE, 2012, p. 1052).
Neste itinerário de louvor, rumo à perfeita união com
o Pai, o Filho e o Espírito Santo, um pré-requisito é exigido ao homem: fazer
parte do corpo eclesial. Se por um lado, somente unido à vida de Jesus, a vida
do homem se torna louvor, não tão diferente, se faz necessário que o mesmo
esteja unido à Igreja, Corpo místico de Cristo, onde em cada liturgia, os fiéis
redimidos, num só coração e numa só alma, em comum exultação, entoam louvores
em íntima união com a Igreja celeste, ao Deus Uno e Trino (Cf. WIEDENHOFER,
2012, p.106):
Em
nenhum momento os fiéis podem dar testemunho mais evidente de sua pertença a
Cristo do que quando estão reunidos em torno da mesa do Senhor: por Cristo, com
Cristo, em Cristo, na unidade do Espírito Santo, eles oferecem o sacrifício da
Nova Aliança, sacrifício no qual estão contidas toda honra e toda glória devida
a Deus. Eles são ajudados a nesse espírito por meio de orações, cantos, gestos
e funções que sublinham a oferta de cada um e de toda assembleia, feita com
coração contrito e humilde, confessando a própria pequenez, mas com mesmo coração exultando de
alegria, reverência, devolução, gratidão e dom
de si pelo inestimável dom que Deus concede em seu Filho, e nele o dom
de todas as outras coisas (BORRIELLO; CARUANA; GENIO; SUFFI, 2003 p. 17).
A salvação oferecida pelo Mistério Pascal de Jesus,
cujo ápice foi sua entrega em obediência à vontade do Pai e em solidariedade
aos seres humanos, é anunciada pela Igreja ao longo dos séculos e realiza-se
por meio do culto celebrado por ela, o qual chamamos Liturgia. Na Liturgia,
sobretudo, na celebrações dos sacramentos, o único, eficiente e mesmo
sacrifício de Jesus, Filho Unigênito de Deus, é atualizado de forma eficaz. Em
outras palavras, na Liturgia se
exerce o sacerdócio de Cristo.
Na
liturgia, por meio de sinais sensíveis, realiza-se a santificação dos seres
humanos. Ainda, por meio dela, o corpo místico de Cristo, que é a Igreja, e sua
cabeça, o próprio Cristo, prestam culto público a Deus. No Espírito, toda
a
santificação realizada por Deus em favor do ser humano e todo culto que a Igreja presta ao Pai se dá na pessoa de Cristo e através
dele (MAYER, 2013).
É claro, portanto, que este culto divino, celebrado
pela Igreja, só pode ser compreendido quando associado a Cristo, sua cabeça,
pois do contrário, tornar-se-ia uma celebração vazia de sentido, repleta de
repetições de ritos e gestos, incapaz de realizar a santificação das criaturas,
conforme é o querer benevolente de Deus.
Na Liturgia, organizada e celebrada pela comunidade
orante, Deus se comunica com o seu povo, através da sua Palavra que é viva e
eficaz, e o povo, por sua vez, o responde, ora com cânticos, ora com orações.
(Cf. SC, 2000 n. 13). Quando os homens se reúnem em torno do altar de Cristo,
para celebrar os mistérios da salvação, “o Espírito Santo que está em Cristo,
em toda a Igreja em cada um dos seus batizados, é quem realiza a unidade da
Igreja orante (IGLH, 1999,
n. 8),
levando-a a participar da Liturgia celeste, em perfeita união com a Igreja
padecente e a Igreja triunfante (Cf. CIC, 2000, n. 1139).
Recapitulados
em Cristo, tomam parte no serviço do louvor de Deus e na realização do seu
desígnio: os Poderes celestes, toda a criação (os quatro viventes), os
servidores da Antiga e da Nova Aliança (os vinte e quatro anciãos), o novo povo
de Deus (os cento e quarenta e quatro mil), em particular os mártires,
“degolados por causa da Palavra de Deus” (Ap
6, 9) e a santíssima Mãe de Deus (a Mulher; a Esposa do Cordeiro), enfim,
“uma numerosa multidão que ninguém podia contar e provinda de todas as nações,
tribos, povos e línguas” (Ap 7, 9)
(CIC, 2000, n. 1138).
Falar de Liturgia como lugar propício de união e
participação da vida Trinitária faz-se necessário, pois não existe outro modo,
ou outra ação da Igreja que a iguala ou a supera em eficácia (Cf. SC, 2000, n.
7), possibilitando aos seres humanos adentrar nos átrios de Deus. Ela é o lugar
por excelência e primordial do “Louvor de Deus”.
É digno de nota, ainda, falar do duplo movimento que
há no “Louvor de Deus”, e
consequentemente na Liturgia, a saber: movimento descendente e ascendente. Um
pensamento capaz de nos ajudar nesta compreensão é o pensamento do Padre
Gilberto Maria Defina, fundador da Fraternidade Jesus Salvador, cujo Carisma
principal é o “Louvor de Deus”: “o Louvor de Deus se manifesta em nós pelo
desejo de estar unidos a Deus, louvando pelo que Ele é, por essa Trindade
Feliz, por essa Santíssima Trindade que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo”
(DEFINA, p.161). Por movimento descendente devemos entender a resposta de Deus ao desejo do coração do homem, através de um
movimento kenótico. Na Liturgia, Ele desce até o homem e concede-lhe uma graça
especial: o dom de louvá-lo (Cf. PREFÁCIO COMUM IV), para santificá-lo e,
consequentemente, leva-lo à comunhão Consigo. Num segundo momento, não tão
diferente quanto ao sair de si, temos o movimento ascendente, que nada mais é
do que o desejo do homem de elevar-se a Deus, para entrar em comunhão com Ele.
Reconhecendo os atributos divinos, ele sai de si para ir ao Outro.
Deste modo, pode-se afirmar, também, que na Liturgia,
o “Louvor de Deus” torna-se princípio vivificador, santificador e unificador
para o homem, onde ele recebe, verdadeiramente a vida e é envolvido pela
santidade de Deus, pois de outro modo, jamais poderia elevar-se a Deus:
O Louvor a
Deus necessariamente santifica a quem O louva: é um corolário teológico. E
quanto maior e mais constante a louvação que alguém Lhe atribui, maiores serão
as graças e favores derramados; maior, mais sublime e mais elevada é a
santificação dessa pessoa e dessa comunidade. (DEFINA, 2016, p. 162)
As Sagradas Escrituras tanto reconhecem isso, que
ensinam que somente os justos, e a partir de uma perspectiva cristã, os
redimidos louvam a Deus: “Porque no seio da morte não há quem vos lembre; quem
vos glorificará na habitação dos mortos” (Sl 6,6); “Acaso vossa bondade é
exaltada no sepulcro, ou vossa fidelidade na região dos mortos?” (Sl 87, 12)
“Andarei na presença de Deus, junto a Ele, na terra dos vivos” (Sl 115, 9);
“Quem está vivo, somente quem está vivo pode louvar- vos” (Is 38, 19).
Para São Paulo, a morte é consequência do pecado
cometido contra Deus (Cf. Rm 6,23). Em contrapartida a este pensamento, deve
ser entendida a vida que provém da Liturgia como libertação do pecado. Somente
liberto do pecado, pleno de vida e santidade, o homem pode dar a Deus a glória
que lhe é devida, explicitando “toda adoração, o agradecimento e amor lhe são
devidos como divindade Una e Trina” (DEFINA, 2016, 162).
Alguns santos, como Santo Irineu de Lion, e Santo
Agostinho de Hipona, fazem esta relação entre louvor, santidade e vida quando
afirmam que “a glória de Deus é o homem vivo” (LH, 1999, p. 1384), ou ainda,
quando instruem a viver a santidade para que o louvor não cesse: “Não deixeis
de viver santamente e louvarás sempre a Deus”; “Vós sereis o seu maior louvor
se, viverdes santamente” (Cf. LH, 1999, p. 778).
É evidente, portanto, que é possível ao homem
participar da vida trinitária, e esta participação se concretiza na medida que,
ele mesmo, tornando-se louvor, através da oração por excelência da Igreja, isto
é, a Liturgia, se une ao louvor de Cristo e, consequentemente, ao louvor
celeste.
2. A
participação na celebração do Mistério Pascal é caminho para união com a
Santíssima Trindade
A Igreja reconhece que a obra de Deus, ela toda, desde
a criação até a consumação dos tempos, quando Jesus vier em glória, a fim de
ser tudo em todos (Cf. I Cor 15, 28), é uma benção, por isso, não se cansa de
celebrar a santa Liturgia, onde verdadeiramente o Mistério Pascal de Cristo é
plenamente revelado e comunicado ao homem.
Na Liturgia, a Igreja terrestre obediente ao mandato
de Jesus, quando, durante a última ceia, ordenou que, em sua memória, os doze
discípulos repetissem o mesmo que Ele estava a fazer (Cf. Lc 22,19), Ela
celebra e realiza os maiores acontecimentos de sua história e não cessa de
incorporar nestes mesmos acontecimentos salvíficos a vida humana, objeto da
misericórdia e salvação divina. As comunidades apostólicas dos primeiros
séculos, crendo firmemente, levaram a efeito
tais palavras que eram perseverantes na doutrina de seus predecessores:
louvavam a Deus,
partiam o pão assiduamente, cativavam os povos (Cf. At 2, 41- 47).
Nunca,
depois disto, a Igreja deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal:
lendo “tudo quanto a Ele se referia em todas as Escrituras” (LC 24, 27),
celebrando a Eucaristia, na qual “se torna novamente presente a vitória e o
triunfo de sua morte” e, ao mesmo tempo, dando graças “a Deus pelo dom
inefável” (II Cor 9,15) em Jesus Cristo, “para louvor de sua glória” (EF,
1-12), pela força do Espírito Santo (SC, 1963, n. 6).
Para
alguns teólogos e estudiosos, a Igreja, através da Constituição
Sacrosanctum
Concilium, do Concílio Vaticano II, ensina que:
A liturgia atualiza o mistério de Cristo, sobretudo no
sacramento do batismo, onde os fiéis, pela morte e ressurreição de Cristo,
recebem o Espírito Santo em que tem acesso ao Pai. Na eucaristia, que representa
a vitória de Cristo sobre o triunfo da morte, os crentes, que dela participam
em jubilosa ação de graças, anunciam a morte do Senhor até que ele venha. (Cf.
SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 772).
Em cada celebração
litúrgica, Cristo realiza seu mistério – destrói a morte com sua morte, ressuscita e concede a vida
eterna àqueles que o Pai lhe deu – e convence toda a Igreja do caráter
salvífico e unitivo presente em cada uma delas. Cônscia da importância e quão
eivada de significado são elas, a Mãe Igreja, não tem a pretensão de
concebê-las, e jamais permitirá que as mesmas sejam concebidas, como
acontecimentos passados que ficaram no passado (Cf. CIC, 2000, n. 1085), pelo
contrário, deseja, ardentemente, que todos os fiéis que a ela se achegam,
aprendam que quando celebram “o mistério de Cristo, há uma palavra que marca a
oração da Igreja: hoje!” (CIC 1165), ou seja, é atual, se dá no agora. Este princípio deve permear a
vida dos crentes e contribuir para que cheguem à plena consciência e a uma
ativa participação nas celebrações litúrgicas (Cf. SC, 1963, n.14), pois
somente desta maneira há de se ter um povo “bem disposto para o Louvor de Deus”
(CIMSJS, 2008, n. 7), que está explícito em cada ação litúrgica.
“A Liturgia da Igreja é
plena de significado, nela, a Igreja unida ao mistério pascal de Jesus Cristo,
seu Senhor, sob a ação do Espírito Santo, “bendiz o Pai por seu dom inefável
(II Cor 9,15), mediante a adoração, o louvor e a ação de graças” (CIC 1083).
É digno de nota que em,
cada celebração litúrgica, seja ela o Santo Sacrifício, isto é, a Eucaristia,
seja nos demais sacramentos ou, ainda, na Liturgia das Horas, “que é como
que um prolongamento da celebração eucarística” (CIC, 2000, n. 1178), para a santificação das horas, “o Mistério Pascal de
Cristo é celebrado, não é repetido; o que se repete são as celebrações; em cada
uma delas sobrevém a efusão do Espírito Santo que atualiza o único mistério”
(CIC, 2000, n. 1104), tornando-o vivo, eficaz, capaz de gerar vida nova e
dispor os corações para um verdadeiro louvor, que brota da experiência de
salvação que delas emana. Deste modo, cabe afirmar que “o mistério pascal é
colocado como fundamento e chave interpretativa de todo o culto cristão
(SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 772).
Algo de muito valioso que
a Igreja ensina através do Catecismo é que “a liturgia é memorial do Mistério
da Salvação”, e que “o Espírito Santo é a memória da Igreja” (CIC 1099). De
fato, o Espírito Santo, terceira Pessoa da Trindade, é o sujeito principal e
operante em cada ação litúrgica; Ele quem ressuscitou Jesus dentre os
mortos (Cf. Rm 8,11) é a causa eficiente que torna atual o sacrifício de
Cristo. Isto é tão verdadeiro, que se descartarmos Sua presença, não haveria
Eucaristia, nem sacerdócio, muito menos, a remissão dos pecados, uma vez que
para que os mesmos se realizem e a presença real e atual de Cristo aconteça, é
necessário que o sacerdote através da “epiclese
(“invocação sobre”) (CIC, 2000, 1105), que está presente em todos os sacramentos,
invoque a presença do Espírito Santo, a fim de que os mesmos se tornem sinais
visíveis e eficaz da presença de Cristo.
O poder transformador do Espírito Santo na liturgia apressa a vinda do reino e a consumação do mistério
da salvação. Na expectativa e na
esperança ele nos faz realmente
antecipar a comunhão plena com a Santíssima Trindade. Enviado pelo Pai que ouve
a epiclese da Igreja, o Espírito dá a vida aos que o acolhem e constitui para
eles, desde já, o “penhor” de sua herança. (CIC 1107)
É evidente que o Espírito,
e tão somente Ele, é a alma de toda e qualquer ação da Igreja; Ele é a origem
de toda unidade que existe na assembleia litúrgica, sem Ele não existiria
comunhão entre os fiéis, muito menos entre o Corpo e a Cabeça, Jesus Cristo. Na
celebração litúrgica, é Ele quem suscita no coração do homem o desejo de unir
sua vida e seus sacrifícios diários ao Sacrifício de Cristo, a fim de que se
torne louvor agradável ao Pai. Ele, através da liturgia vai modelando o homem,
a fim de que este se torne louvor, e, assim, o Espírito concede um precioso
fruto, que é a comunhão com a Santíssima Trindade.
A
assembleia deve se preparar para se encontrar com seu Senhor, deve ser “um povo
bem disposto”... A graça do Espírito Santo procura despertar a fé, a conversão
do coração e a adesão à vontade do Pai. Essas disposições constituem
pressupostos para receber as outras graças oferecidas na própria celebração e
para os frutos de vida nova que ela está destinada a produzir posteriormente.
(CIC 1098)
Para se colher estes
frutos concedidos pelo Espírito Santo, faz-se necessário que os homens e
mulheres participem ativa, piedosa e conscientemente de cada ação litúrgica,
“oferecendo seus corpos, como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm
12,1), pois quanto maior e melhor for sua participação nos Mistérios de Cristo,
tanto mais irão beber do espírito genuíno do cristão, que emana da Liturgia.
A
Igreja pede, pois, ao Pai que envie o Espírito Santo para que faça da vida dos
fiéis uma oferenda viva a Deus por meio da transformação espiritual, à imagem
de Cristo, (por meio) da preocupação pela unidade da Igreja e da participação
da sua missão pelo testemunho e pelo serviço da caridade. (CIC 1109)
Portanto, a participação
integral do homem, isto é, corpo, alma e espírito, na celebração do Mistério
Pascal de Cristo é a maneira eficaz e eficiente para que ele chegue à plena e
perfeita união com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, Trindade Santa e
Comunidade feliz. Quanto mais ele unir-se aos mistérios de Cristo, atualizados na Liturgia, sobretudo, nos sacramentos, tanto mais o Espírito lhe
concederá graças santificadoras que
imprimirão em sua vida os traços, as feições, as características do “Louvor de
Deus”, pois somente o homem, que ofereceu sua vida juntamente com o sacrifício
de Cristo, transformando-a em louvor, igualmente, com Ele, ressuscita, para
poder cantar, como homem novo, um canto novo de louvor e de glória ao Senhor.
Conclui-se, portanto, que o “Louvor de Deus” é para o
homem o estilo de vida ideal para que ele possa voltar a comunhão com a
Trindade.
Por meio do louvor o ser humano, filho de Deus,
através do dom de si, une sua oferta, sua gratidão e reconhecimento da majestade
de Deus, ao sacrifício e louvor de Jesus Cristo, transformando sua própria vida
em louvor, e uma vez, tendo se unido ao louvor de Cristo, sua vida é elevada às
alturas celestes diante do trono de Deus, e ali é aceita por Ele como oferta
agradável, capaz de restaurar a aliança e amizade entre ambos.
A vida do homem, transformada em louvor, só se realiza
dentro do ambiente eclesial, isto é, dentro da Igreja, do corpo místico de
Cristo, porque ela é o lugar privilegiada o “Louvor de Deus”. Na Igreja, de
modo particular, na liturgia celebrada por ela, frequentemente, por meio do
sacrifício de Cristo, único mediador entre nós homens e Deus, o Louvor encontra
sua máxima, uma vez que é atualizado aquele sacrifício perfeito e agradável,
digno de ser aceito por Deus Pai. A vida do homem, unida ao sacrifício único de
Cristo é “Louvor de Deus” que perpassa o céu e o une a Igreja triunfante, onde
aqueles que almejaram suas vestes no sangue do cordeiro, encontram-se reunido
para o único e eterno culto à Santíssima Trindade.
Por fim, o “Louvor de Deus” tanto mais unirá o homem a
Trindade, quanto mais, ele, deixar-se santificar por esse louvor, que
constantemente o leva a experimentar as realidades celestes.
BÍBLIA SAGRADA
AVE MARIA. 192. ed. São Paulo: Ave Maria, 2010. BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo:
Paulus, 2002.
BORRIELO, L. CARUANA. E. DEL GENIO,
M.R. SUFFI, N. Dicionário
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Mística. São Paulo: Paulus, 2003.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA.
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COMPÊNDIO
DO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum
Concilium. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2000.
.
Constituição Pastoral Gaudium et Spes.
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CONGAR,
Yves. Perspectivas de Teologia Dogmática.
São Paulo: Loyola, 1993.
CONSTITUIÇÕES
DO INSTITUTO MISSIONÁRIO SERVOS DE JESUS SALVADOR. São Paulo: 2008.
CONSTITUIÇÕES
DO INSTITUTO MISSIONÁRIO SERVOS DE JESUS SALVADOR. São Paulo: 2014.
DEFINA,
Padre Gilberto Maria. - Uma Vocação de
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