quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Frt. Pio da Cruz, sjs, - Monografia - O LOUVOR DE DEUS COMO PARTICIPAÇÃO NA VIDA DA SANTÍSSIMA TRINDADE


INSTITUTO SUPERIOR DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS RELIGIOSAS SÃO
BOAVENTURA















O LOUVOR DE DEUS COMO PARTICIPAÇÃO NA VIDA DA SANTÍSSIMA
TRINDADE






WILLIAM COSTA ESCUDEIRO DA SILVA















SÃO PAULO – 2018

WILLIAM COSTA ESCUDEIRO DA SILVA













O LOUVOR DE DEUS COMO PARTICIPAÇÃO NA VIDA DA SANTÍSSIMA
TRINDADE








Monografia de conclusão de curso apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo aluno: William Costa Escudeiro da Silva, do 4º ano do curso de Teologia, como requisito parcial para a obtenção do diploma. Sob orientação do Prof°. Dr. Pe. Micael Moraes, sjs.


















SÃO PAULO - 2018

WILLIAM COSTA ESCUDEIRO DA SILVA


O LOUVOR DE DEUS COMO PARTICIPAÇÃO NA VIDA DA SANTÍSSIMA TRINDADE



Dissertação apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São Boaventura, pelo discente William Costa Escudeiro da Silva, como requisito parcial para obtenção de diploma em Teologia.




Aprovado em       de novembro de 2018.



















Prof° Dr. Pe. Micael Moraes, sjs.







































“O Louvor de Deus se manifesta em nós pelo desejo de estar unidos a Deus, louvando pelo que Ele é, por essa Trindade Feliz, por essa Santíssima Trindade que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.
Padre Gilberto Maria Defina, sjs.




Gostaria de começar este agradecimento com as palavras de São Paulo, que expressam o sentimento mais profundo do meu coração ao nosso bom e amado Deus: “Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos! Amém (Rm 11,36). A Ele, em primeiro lugar, dirijo a minha gratidão, por tudo aquilo que ele realizou em meu favor, por toda a graça dispensada a mim para que pudesse desenvolver e concluir este trabalho, mas, sobretudo, por me chamar a ser “Louvor de Deus” no mundo e no “Louvor de Deus” encontrar a minha via de santificação.
Agradeço, também ao meu orientador, o Prof. Dr. Pe. Micael Moraes, sjs, por toda a atenção e dedicação durante a elaboração deste trabalho monográfico.
Agradeço, ainda, aos meus pais, que me deram a vida e não cessam de interceder por minha vocação, a minha comunidade religiosa, que me sustenta no Louvor de Deus, e amigos que sempre me apoiaram e me incentivaram, sobretudo, àqueles que me ensinaram com a vida o que é ser “Louvor de Deus” (eles sabem quem são).
Agradeço de forma toda especial, ao meu querido e amado irmão Bruno (in memoriam), que sempre se fez presente em meu itinerário vocacional, e hoje, no entanto, encontra-se na eternidade, intercedendo por mim, lugar onde um dia nos reencontraremos e juntos cantaremos louvores à Santíssima Trindade.
Por fim, não menos importante, quero agradecer ao meu Pai-Fundador, Pe. Gilberto Maria Defina, sjs (in memoriam), que embora não o tendo conhecido, trago em mim um grande amor por sua pessoa. Obrigado, padre, pelo seu sim. Ele me gerou neste carisma!









CIC – Catecismo da Igreja Católica GS – Gaudium et Spes
IGLH – Instrução Geral da Liturgia das Horas

CIMSJS – Constituições do Instituto Missionário Servos de Jesus Salvador LH – Liturgia das Horas
SC – Sacrosanctum Concilium





2.      A participação na celebração do Mistério Pascal é caminho para a união com a Santíssima Trindade----------------------------------------------------------------------------------------- 43



INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem por objetivo expor a via pela qual o homem, obra das mãos de Deus, criado à sua imagem e semelhança, une a sua vida à das três Pessoas divinas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O “Louvor de Deus” aparece, então, como a via mais adequada e segura para chegar a Deus. Ele é reconhecimento de Deus, por aquilo que Ele é, é resposta de amor. Nele o homem situa-se em sua condição de criatura e reconhece o seu Criador. O louvor possibilita ao homem experimentar como que de forma antecipada a vida que lhe é reservada no paraíso celeste.
Obra das mãos de Deus, o ser humano foi criado para viver em perfeita união com seu Deus, no entanto, devido ao pecado de nossos primeiros pais, os laços de amizade com Deus foram rompidos e o homem foi apartado da presença da Trindade, Una e Santa. Dessa forma, a intenção, aqui, é apresentar de modo sucinto, como é estabelecida essa comunhão com o Deus trino.
No primeiro capítulo, vamos fazer um breve estudo sobre o “Louvor de Deus” nas Sagradas Escrituras, tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo, bem como suas raízes etimológicas, no intuito de compreender qual era o entendimento dos autores Sagrados sobre este louvor divino. Já no segundo capítulo, avançando um pouco os espaços das Sagradas Escrituras e adentrando no campo dogmático, vamos nos aprofundar no louvor celeste que Jesus Cristo trouxe à terra, no momento em que em comum acordo com a vontade do Pai, deixou o seio trinitário e encarnou-se no seio da Virgem, tornando-se “Deus conosco”, um Deus humanizado. Por fim, no terceiro e último capítulo, buscaremos compreender de que maneira o “Louvor de Deus” une o homem à Santíssima Trindade. Neste capítulo, vamos perceber a importância do Mistério Pascal de Jesus Cristo, Mediador entre o homem e Deus, bem como entender que a vida do homem, unida ao Sacrifício de Cristo,  que é perfeito, irrompe os céus, como um grande louvor, a ponto de elevar o homem às alturas celestes e torá-lo participante de um único coro, o coro dos redimidos, que cantam à Trindade Santa, louvores sem cessar.



CAPÍTULO I

O LOUVOR DE DEUS NAS SAGRADAS ESCRITURAS




A expressão “Louvor a Deus” é muito utilizada nas Sagradas Escrituras, tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo Testamento, podendo ser entendida como um elogio que prestamos a Deus. É o reconhecimento de sua grandeza por tudo aquilo que Ele é; é um modo de exaltá-lo por todas as maravilhas que seu amor realiza; é fruto de uma experiência íntima e pessoal do homem com seu Criador; é a resposta natural daquele que ama a Deus e que ao contemplar esse amor, canta, com gratidão, Àquele que é.

Podemos ampliar esta compreensão do termo quando utilizamos a expressão “Louvor de Deus”, que consigo traz mais firmeza e força para aquilo que quer manifestar (Cf. DEFINA, 2016, p. 161). Tal expressão nos faz perceber que o louvor que brota dos lábios de quem louva, “é o lugar por excelência em que Deus é reconhecido como Deus e em que o homem se situa na verdade de seu ser diante de Deus” (LACOSTE, 2004 p. 1052). Percebemos, portanto, que é muito mais que um mero reconhecimento de ordem humana, ligado às suas capacidades e sentidos, mas é ação do próprio Deus no homem. É Deus quem impele o homem à louvação, ao reconhecimento de Sua majestade, como também, é Deus quem faz com que ele tome consciência de sua própria pequenez, e, consequentemente, o torna participante da vida divina. Através do louvor o homem declara que Deus é Deus!




Quando tomamos as Sagradas Escrituras percebemos dois fatos interessantes: desde os primórdios da humanidade, o louvor está presente e, ainda, que o louvor sempre teve sua grande importância na vida do crente. Nela, encontramos, por várias vezes, palavras como louvar, dançar, exaltar, etc, que designam a maneira com que o povo se utilizava para enaltecer a Deus e, de certo



modo, fazem referência ao louvor. Entretanto, vale ressaltar que, as raízes etimológicas destas palavras são diferentes, bem como seus significados, por isso faremos um breve estudo dos termos hebraicos referentes a elas.

Yadah é a palavra hebraica que significa confissão, louvor, ação de graças, hino de louvor, uma ação voluntária que expressa dependência absoluta em Deus. Em outras palavras, Yadah é estar com os braços erguidos. Sempre que utilizado na bíblia é neste contexto, e o seu antônimo é encolher os braços e as mãos em sinal de desespero e angústia (Cf. STRONG’S):



Sim, eu te contemplava no santuário, vendo teu poder e tua glória. Valendo teu amor mais que a vida meus lábios te glorificarão. Assim, eu te bendirei em toda a minha vida, e a teu nome levantarei as minhas mãos; eu me saciarei como o óleo e gordura, e com alegria nos lábios minha boca te louvará (Sl 63, 3).




Todah é uma palavra que remete ao sacrifício em ação de graças, bem como ao templo onde o Senhor habita. A utilização do termo está bastante associada ao gesto de levantar as mãos com ações de graças, dando graças a Deus por tudo aquilo que dele já recebeu, e tudo aquilo que, pela fé, acredita que ainda receberá (Cf. STRONG’S):



E agora, bendizei a Iahweh, servos todos de Iahweh! Vós que servis na casa de Iahweh pelas noites, nos átrios da casa do nosso Deus. Levantai vossas mãos para o santuário e bendizei a Iahweh! Que Iahweh te abençoe de Sião ele que fez o céu e a terra (Sl 134).




Halal é um verbo hebraico que significa celebrar com palavras, com voz audível e de maneira visível. É deste verbo que procede a “palavra aleluia”. É falar com entusiasmo de alguém, tecer um elogio. No Antigo Testamento, quando alguém



estava envolvido de gozo interior, e queria exteriorizar seu amor louvando a Iahweh, utilizava este termo. Através do halal se declara que Deus é incomparável e inigualável (Cf. STRONG’S):



Cantai a Iahweh um canto novo, pois ele fez maravilhas, a salvação lhe veio de sua direita, de seu braço santíssimo. Iahweh fez conhecer sua vitória, revelou sua justiça aos olhos das nações: lembrou-se do seu amor e fidelidade em favor da casa de Israel. Os confins do universo contemplaram a salvação de nosso Deus. Aclamai a Iahweh, terra inteira, dai gritos de alegria! Tocai para Iahweh com a harpa e o som dos instrumentos; com trombetas e o som da corneta aclamai ao rei de Iahweh. Estronde o mar e o que ele contém, o mundo e os seus habitantes; batam palmas os rios todos e as montanhas gritem de alegria diante de Iahweh, pois ele vem para julgar a terra: ele julgará o mundo com justiça e os povos com retidão (Sl 98).




Shabach é expressão de júbilo e vitória, utilizada sempre que o Senhor é lembrado e reconhecido como o maior, como aquele que está acima dos homens e de todas as coisas. A comunidade, sempre que reunida para celebrar os grandes feitos do Senhor, seu poder, sua magnificência, as vitórias alcançadas nas batalhas e suas conquistas, em alta voz, através de gritos de júbilo, louvava ao Senhor, festejando-o (Cf. STRONG’S):



Povos todos, batei palmas, aclamai a Deus com gritos de alegres! Pois Iahweh, o Altíssimo é terrível, é o grande rei sobre a terra inteira. Ele põe as nações sob o nosso poder, põe-nos os povos debaixo dos pés. Escolheu para nós a herança, o orgulho de Jacó, a quem ele ama (Sl 47, 2-5).




Barach está ligado ao ato de adorar, ou seja, é um louvor de adoração. Prostrado na presença do Senhor, o crente o bendiz, esperando que seu Deus, realize um milagre em seu favor (Cf. STRONG’S):






Vinde, exultemos em Iahweh, aclamemos o rochedo que nos salva; entremos com louvor em sua presença, vamos aclamá-lo com músicas [...] Entrai, prostrai-vos e inclinai-vos de joelhos, frente a Iahweh que nos fez! Sim, ele é nosso Deus e nós o povo de seu pasto, o rebanho de sua mão  (Sl 95, 1.6)




Zamar é o termo utilizado quando se quer referir ao louvor através de ritmos e música. É tocar com os dedos, tocar um instrumento musical. É tocar e cantar com força, alegria, vigor, entusiasmo e sentimento (Cf. STRONG’S):



Aleluia! Celebrai a Iahweh, invocai o seu nome, anunciai entre os povos as suas façanhas! Cantai para ele, tocai, recitai suas maravilhas todas! Gloriai- vos com seu nome santo, alegre-se o coração dos que procuram a Iahweh! Procurai a Iahweh e sua força, buscai sempre a sua face; recordai as maravilhas que ele fez, seus prodígios e os julgamentos de sua boca (Sl 105, 1-5).




Tehillah é a forma mais exaltada de dar louvor ao Senhor, pois faz recordar que Ele habita em meio aos homens e mulheres e governa o mundo manifestando seu poder. Assim, as palavras de gratidão e adoração que acompanham este louvor não são frutos de um prévio aprendizado da memória, mas um canto novo que brota da experiência de liberdade no Espírito, que estabelece uma relação íntima e amorosa com o Senhor (Cf. STRONG’S):



O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Em verdes prados ele me faz repousar. Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as forças de minha alma. Pelos caminhos retos ele me leva, por amor do seu nome. Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estais comigo. Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo. Preparais para mim uma



mesa à vista dos meus inimigos. Derramais o perfume sobre minha cabeça, e transborda minha taça. A vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias de minha vida. E habitarei na casa do Senhor por longos dias (Sl 22).




Sintetizando, portanto, a partir das matizes hebraicas e seus diferentes significados para a expressão “Louvor de Deus”, podemos dizer que o louvor é, ainda, um engrandecimento de Deus mediante uma ação humana. Onde o ser humano por inteiro e em todas as suas dimensões (corpórea, psíquica e espiritual), através de gritos de alegria, instrumentos musicais, do movimento de elevação dos braços, etc, elabora seu culto ao Senhor, fazendo de sua própria vida um sacrifício aceitável e agradável a Deus.

Após esta breve explicação dos termos hebraicos utilizados para falar do louvor, podemos avançar, no intuito de compreendermos seu emprego na Bíblia.




A Bíblia é uma coleção de livros, formada por diversas obras de diversos autores sagrados, “em forma de antologia” (SCARDELAI, 2008, p. 49), que exploram uma mesma temática; e organizadas de tal maneira, formam uma coletânea, cuja temática é a história de Deus e o homem. Quando pegamos os seus textos no original, podemos perceber que fora escrita em três línguas diferentes, a saber: hebraico, aramaico e grego. A primeira delas e a mais utilizada pelo escritores sagrados foi o hebraico; em seguida, embora considerada uma linguagem tardia e pouco usada, o aramaico, que era a língua utilizada em menor proporção por ser de caráter mais diplomático e uma língua mais ligada à fala que a escrita, que ganhou mais destaque, principalmente, durante e após o Exílio na Babilônia; o grego, por sua vez, é a terceira língua bíblica e tem uma grande importância por estar ligada à primeira tradução da Bíblia Hebraica, chamada dos Setenta (LXX), traduzida por uma comunidade de judeus residentes em Alexandria, Egito, no século III, antes da era Cristã (Cf. SCARDELAI, 2008, p. 49).



De toda a literatura contida nas Sagradas Escrituras, é importante que tenhamos em mente que ela “não se limita a assuntos estritamente religiosos, embora a religião constitua, direta e indiretamente, o principal pano de fundo temático” (SCARDELAI, 2008, 50), mas encontramos diversos fatores históricos e culturais de um povo, que estudados em unidade nos proporcionam um conhecimento mais amplo da religião judaico-cristã e suas tradições e ritos que, muitas vezes, exercem influência sobre a maneira que prestamos culto a Deus nos dias atuais.

Vale ressaltar que algo muito importante para se compreender o “Louvor de Deus”, no Antigo Testamento, é entender como se estruturou a religião judaica e o culto, e para isso faz-se necessário percorrer os primeiros livros da Bíblia, chamado Pentateuco, onde encontraremos as primeiras manifestações do surgimento de uma nova religião em meio ao povo.

Os escritores sagrados testemunham a existência de diversas crenças e ideias religiosas pagãs, bem como a gênese da religião monoteísta do povo de Israel, que tem por pai, Abraão e, sucessivamente, os demais patriarcas, Isaac e Jacó, provindos, todos, da Mesopotâmia, e tendo se estabelecidos na terra de Canaã.

O livro do Gênesis, a partir do capítulo 12, narra a trajetória desses patriarcas, que levados pela necessidade de adquirir propriedades, para sepultar os seus mortos e terras, para que seus rebanhos pastassem, passaram a ter contato com outros povos originários das redondezas e das áreas urbanas de Canaã. Povos politeístas, com diversos costumes e diferentes práticas religiosas. Entretanto, é de se notar, que através do contato com essas crenças e ideias pagãs, presentes entre os povos que habitavam Canaã e o Antigo Oriente, deu-se o surgimento do monoteísmo bíblico. As ideias pagãs estavam disseminando-se entre os povos antigos, contudo, à medida que elas iam encontrando forças e tornavam-se ameaça à unidade do povo, a ideia de cultuar somente um único Deus revigorava-se na consciência coletiva de Israel, encontrando sua firmeza no núcleo familiar (Cf. Gn 12ss).



É evidente que não foi apenas a experiência com os outros povos e a maneira com que eles exprimiam sua fé em outros deuses que deu origem à fé do Israel- bíblico, embora este tenha sido um fator fundamental, mas as ideias de Aliança e Eleição (Cf. Ex 20, 22-24.33) foram de suma importância para que as bases de uma fé monoteísta popular encontrasse sua firmeza (Cf. McKENZIE, 2013, p. 612). Tais ideias eram presentes de tal forma na consciência do israelita que o levava a fazer uma releitura dos êxitos e fracassos em toda a história do povo e o fazia buscar cumprir as exigências divinas. São essas ideias que permeiam todo o Antigo Testamento, e serão as chaves para chegarmos ao coração das práticas religiosas de Israel, que inclui as variadas formas de louvar a Deus.

Com esta compreensão básica, podemos dar continuidade, perpassando por alguns livros e versículos do Antigo Testamento, que fazem referência ao louvor do ser humano a Deus.

Obedecendo a maneira e a ordem que se estruturam os livros que compõem as Sagradas Escrituras, comecemos pelo livro do Gênesis.

O primeiro livro da Bíblia, também considerado o protoevangelho, é o livro do Gênesis, ou seja, o livro das origens, que contém desde os relatos da criação e o povoamento da terra, aos patriarcas. Nele encontramos uma primeira menção de louvor a Deus feito por um ser humano. Em seu capítulo 29, o autor narra o duplo casamento de Jacó com as irmãs Lia e Raquel, e o nascimento de seus filhos. E é dos lábios de Lia, a irmã mais velha, que fora desprezada pelo marido, e naquela altura já estava a dar à luz ao quarto filho, que ecoa um louvor a Iahweh: “Desta vez louvarei ao Senhor” (Gn 29,35).

Prosseguindo, no livro do Êxodo, no capítulo 15, encontramos o cântico de Moisés, cântico que é proferido após a libertação do povo das garras do Faraó. Tendo Moisés e os israelitas passados a pé enxuto pelo Mar Vermelho, e visto quão poderosa era a mão de Iahweh que precipitara no mar os cavalos e os cavaleiros de Ramsés, entoaram um canto de louvor e agradecimento diante da glória do Senhor:



Cantarei a Iahweh porque se vestiu de glória; ele lançou ao mar o cavalo e  o cavaleiro. Iah é a minha força e o meu canto, a ele devo a salvação. Ele é meu Deus, e o glorificarei, o Deus do meu pai, e o exalto. Iahweh é um guerreiro, Iahweh é o seu nome! (Ex. 15, 1-3).




O terceiro livro da Bíblia, Levíticos, possui uma grande ligação com o livro do Êxodo, isto porque o livro está situado entre a saída do Egito e a chegada à terra de Israel. Ele recebe este nome devido ao valor dado às funções litúrgicas dos levitas e as leis que Deus havia prescrito ao povo, a fim de organizar o culto e, para que pudessem caminhar sempre em seus caminhos sem se dispersarem. É perceptível, neste livro, que o culto que Israel prestava ao Senhor era uma manifestação da vivência da lei que, por sua vez, era uma resposta de gratidão ao Deus que os havia libertado e salvado. As determinações prescritas pela lei eram vistas pelos israelitas, não como um fardo, mas como uma via de aproximação de Iahweh, e também um reconhecimento de que tudo o que eles possuíam, até então, era obra das mãos daquele que os salvara. Deste modo, podemos entender o porquê algumas leis propunham sacrifícios de louvor ao Senhor, Deus de Israel (Cf. RIBEIRO, 2014. p. 77): “No quarto ano, todos os frutos serão sagrados em um festa de louvor a  Iahweh” (Lv. 19,24). “Se oferecerdes a Iahweh um sacrifício de louvor, fazei-o de maneira que sejais aceitos: será comido no mesmo dia, sem deixar nada para o dia seguinte. Eu sou Iahweh” (Lv. 22,29)

Dando sequência, no livro do Deuteronômio, encontramos alguns versículos que tratam do louvor humano prestado ao Deus verdadeiro. Este livro, também, pode ser considerado uma “segunda lei”, pois traz uma nova chave de interpretação da Lei e da história do povo de Deus. No desenvolvimento deste livro, percebemos que existe uma grande preocupação de levar o povo a uma fidelidade a Aliança e ao compromisso pessoal com Deus (Cf. RIBEIRO, 2014. p. 83):



Comerás e ficarás saciado, e bendirás a Iahweh teu Deus na terra que ele te dará” (Dt. 8,10); “A ele deves louvar: ele é teu Deus. Ele realizou em teu favor essas coisas grandes e terríveis que os teus olhos viram” (Dt. 10,21);



“Exultai com ele, ó céus, e adorem-no todos os filhos de Deus! Nações, exultai com seu povo, e afirmem sua força todos os anjos de Deus! Porque ele vinga o sangue dos seus servos, e toma a vingança dos seus adversários. Ele retribui àqueles que o odeiam e purifica a terra do seu povo (Dt. 32,43).




No livro de Josué, podemos contemplar a realização das promessas do Senhor, os prodígios e milagres que Ele operava em meio ao povo. Tamanha era a admiração por Iahweh que, percorrendo os capítulos, percebemos que os louvores lhe eram constantes, e que eles garantiam as vitórias nas guerras:



Quando os sacerdotes tocaram as trombetas na sétima volta, Josué disse ao povo: ‘Gritai, porque o Senhor vos entregou a cidade... O povo clamou e os sacerdotes tocaram as trombetas. E logo que o povo ouviu o som das trombetas, levantou um grande clamor. A muralha desabou. A multidão subiu à cidade, sem nada diante de si (Js 6, 16-20).




Nos livros de Samuel (I e II), é possível constatar a potência do louvor, a força que ele traz em si. Em I Samuel 16, notamos que o simples fato de tocar em louvor ao Senhor era capaz de acalmar o espírito mau que apoderava-se de Saul. Assim, vemos que o louvor é uma grande força contra os espíritos malignos: “Mandou então dizer a Jessé: ‘Peço-te que deixes Davi a meu serviço, porque ele me é simpático’. E sempre que o espírito mau acometia o rei, Davi tomava a harpa e tocava. Saul acalmava-se, sentia-se aliviado e o espírito mau o deixava” (I Sm 16, 22-23). No segundo livro de Samuel no capítulo 22, sobretudo, os versículos 4-7 e 47-50, encontramos um grande cântico de louvor entoado pelos lábios de Davi. Ele, com o coração angustiado em meio à perseguição sofrida e as guerras travadas, invoca o nome de Iahweh, seu Deus, e este age poderosamente em seu favor, livrando-o de seus inimigos e de Saul:



Invoco o Senhor que é digno de todo louvor e fico livre de meus inimigos. Circundavam-me os vagalhões da morte, torrentes devastadoras me aterrorizavam, entrelaçavam-me as cadeias da habitação dos mortos, a própria morte ne prendia em suas redes. Na minha angústia, invoquei o Senhor, gritei para meu Deus; do seu templo ele ouviu a minha voz, e o  meu clamor chegou aos seus ouvidos.” (II Sm 22, 4-7), “Por isso vos louvarei, ó Senhor, entre todas as nações e celebrarei o vosso nome (II Sm 22, 50).




Os livros de Crônicas (I e II), nos revelam que o louvor em reconhecimento Iahweh era costume, isto é, o povo já estava habituado ao louvor, pois era impossível não contemplar tudo aquilo que o Senhor realizava em seu favor.

Em I Crônicas, durante o reinado de Davi, acontece uma profunda organização do culto, e nesta organização, notamos que os serviços aos quais o levitas eram encarregados estava, também, o de louvar ao Senhor, diante da Arca da Aliança, que para eles, era onde Deus se fazia presente. Nos capítulos deste livro é perceptível a consciência de seu Senhor e do louvor que ele merecia:



Davi colocou diante da arca do Senhor levitas encarregados do serviço, que invocavam, celebravam e louvavam o Senhor” (I Cr 16, 4); “Proclamai às nações a sua glória, a todos os povos suas maravilhas! Porque o Senhor é grande e digno de louvor, o único temível de todos os deuses” (I Cr 16, 24- 25); “Dizei: Salvai-nos, Deus de nossa salvação, e recolhei-nos e salvai-nos entre as nações para que possamos celebrar o vosso nome e ter satisfação de vos louvar” (I Cr 16, 35); “4.000 porteiros e 4.000 para celebrarem o Senhor com os instrumentos que fiz para louvá-lo” (I Cr 23,5); “Eles deviam apresentar-se cada manhã e cada tarde para louvar e celebrar o Senhor” (I Cr 23, 30); “Davi bendisse ao Senhor, em presença de toda a assembleia: ‘Sede bendito – disse ele – para todo o sempre, Senhor, Deus de nosso pai Israel! (I Cr 29, 10).



Em II Crônicas, encontramos algumas manifestações de louvor a Deus, por parte do povo. A primeira delas, que vale a pena citar, é no momento em que a Arca da Aliança é transladada de Sião para o seu lugar no santuário do templo, a saber: o Santo dos Santos:



Quando os tocadores de trombeta e os cantores se uniam para celebrar numa mesma sinfonia o louvor do Senhor, no momento em que faziam ressoar o som das trombetas dos címbalos e de outros instrumentos de música com este hino: ‘Louvor ao Senhor porque ele é bom, porque sua misericórdia é eterna, nesse momento o templo se encheu de uma nuvem tão espessa que os sacerdotes não puderam permanecer ali para exercer sua função. A glória do Senhor enchia a casa de Deus (II Cr 5,13-14).




Ainda, em II Crônicas, no capítulo 20, vemos acontecer como em Josué, os israelitas alcançarem a vitória sobre os que o atavam, no momento em que entoavam seus louvores a Deus:



A seguir, depois de ter deliberado com o povo, designou cantores que, revestidos com os ornamentos sagrados, marchassem diante dos guerreiros, louvando a Iahweh e repetindo: ‘Louvai a Iahweh, porque o seu amor é para sempre.’ No momento em que entoavam os hinos de júbilo e  de louvor, Iahweh fez cair numa emboscada os amonitas, os moabitas e os habitantes da montanha de Seir que atacavam Judá e que viram, então, derrotados” (II Cr 20, 21-22).




Outro livro do Antigo Testamento em que é possível encontrar manifestações de louvores a Deus é o livro de Jó. O livro é marcado pelos sofrimentos de um homem justo que, no entanto, é atingido por inúmeros sofrimentos. Permitido, por Deus, a ser provado em sua fé e fidelidade, Jó consegue, em meio a tantas dores enxergar a mão de Deus a lhe sustentar e, assim, manter-se fiel. Logo nos primeiros



capítulos, diante das perdas de bens, animais e, até mesmo, dos filhos, Jó, em meio ao sofrimento, é capaz de prostrar-se por terra e fazer soar palavras de louvor a Iahweh, seu Deus: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá. Iahweh o deu, Iahweh o tirou, bendito seja o nome de Iahweh” (Jó 1. 20-21). E deste modo é a trajetória de Jó até o final deste livro.

Em sequência, no livro dos Salmos, encontramos um grande tratado de orações dirigidas a Deus, que nos levam a mergulhar na profundidade das riquezas daquilo que eles contém. Sendo um grande tratado de oração, possuem em si, diversos gêneros literários, dentre os quais podemos destacar: “salmos de ação de graça” e, também, os “salmos de louvor”. Neles é possível ver claramente, a experiência de um povo com seu Deus, que é bom e cuja misericórdia é sem fim. E como fruto dessa experiência, brota o mais belo hino de gratidão  em reconhecimento a Ele. Dentro dos 150 salmos, podemos encontrar os que expressam louvor a Iahweh pelo perdão recebido (Sl 65), os que ressaltam o poder do Deus Altíssimo (Sl 21 e 100), os louvores de toda a criação (Sl 148 e 150), louvores ao Senhor em meio aos sofrimentos (Sl 59 e 66), louvores diários a Deus (Sl 34 e 61), louvores capazes de transformar o desgosto em felicidade (Sl 30), louvor em reconhecimento à bondade de Deus (Sl 9, 71, 103 e 107). Contudo, estes são só alguns, há dentro do corpo dos salmos outros ainda que reconhecem a magnificência de Deus.

Os livros proféticos, que são os últimos livros que compõem o Antigo Testamento, apresentam manifestações de louvor a Deus, por parte do povo, durante e pós exílio. Em Isaías, encontramos estas manifestações, sobretudo, a partir do capítulo 40, onde o Senhor se dirige ao povo por meio de oráculos com conteúdo de consolação, e o povo enchendo-se de esperança, uma vez que passara muito tempo exilado em solo Babilônio, é movido a exclamar alegremente louvores ao Senhor: “Exultai ó céus, porque Iahweh o fez! Erguei altos gritos, ó profundezas da terra! Dai gritos de alegria, ó montes e florestas e todas as árvores que aí se encontram, porque Iahweh resgatou Jacó e se glorificou em Israel” (Is 44, 23). Em Jeremias, também, é possível encontrar tais manifestações frente a promessa de restauração, dirigida ao povo, através do profeta:






Gritos de alegria e gritos de júbilo, a voz do noivo e a voz da noiva, a voz daquele que dizem, trazendo ao Templo de Iahweh sacrifícios de ação de graças: ‘Dai graças a Iahweh dos Exércitos, porque Iahweh é bom, porque o seu amor é para sempre!’ Porque trarei de volta os cativos da terra como antes, disse Iahweh (Jr 33, 11).




Ainda no livro dos profetas, podemos citar o louvor do profeta de Nínive. Jonas, que fora engolido por um peixe ao tentar fugir da missão que o Senhor lhe confiara, e que somente após exaltar o nome de Iahweh dos Exércitos, experimenta a libertação: “Quanto a mim, com cantos de ação de graças, oferecer-te-ei sacrifícios e cumprirei os votos que tiver feito: a Iahweh pertence a salvação! Então Iahweh falou ao peixe, e este vomitou Jonas sobre a terra firme” (Jn 2, 10).

Para concluir esta exposição sobre o louvor no Antigo Testamento, vale relembrar que ele está, basicamente, definido por estas três palavras hebraicas: Barach, que significa bendizer; Yadah, que quer dizer dar graças e halal, que é o aleluia ou louvai ao Senhor.




No Novo Testamento, pouco é utilizada a palavra louvor, contudo, nas poucas vezes que se quer referir ao louvor cultuado a Deus por parte do ser humano, encontramos os seguintes termos gregos: eucharistein, que é o mesmo que ação de graças, um agradecimento, eulogein, que significar bendizer ou abençoar; aineo, ainesis, que são a tradução mais precisa para louvor/louvar, e ainda, exomologeo, que corresponde a aceitar, reconhecer, professar, confessar, louvar (Cf. MORAES, 2010).

Se fizermos uma busca pelos livros do Novo Testamento, assim como no Antigo, veremos que são permeados de expressões em louvor ao Deus Altíssimo.



Logo no início do evangelho de São Mateus, temos o relato dos Magos, que saindo do Oriente, sua Terra natal, se dirigem até o Egito a fim de prestar homenagens, ao rei dos Judeus que acabara de nascer (Cf. Mt 2, 1-12). Contudo, é no evangelho de Lucas, também, considerado “o evangelista do louvor” (LACOSTE, 2004 p. 1051), que iremos encontrar os louvores a Deus em momentos decisivos, a começar pelo louvor de Maria, através do cântico Magnificat (Lc 1,46), o de Zacarias (Lc 1, 67-79), dos anjos (Lc 2, 12-14), perante o nascimento do menino Jesus, de Simeão (Lc 2, 29-32) e dos apóstolos após a partida de seu Mestre (Lc 24,53). Estes são verdadeiros hinos de louvor e adoração a Deus, como podemos ver a seguir.



Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus meu Salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva (Lc 1, 46). Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo, e suscitou-os uma força de salvação, na casa de Davi seu servo (Lc 1, 67-68). E de repente juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste a louvar a Deus dizendo: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens que ele ama!” (Lc 2, 13-14). Agora, Soberano Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque meus olhos viram tua salvação, que preparaste em face de todos os povos, luz para iluminar as nações, e glória de teu povo, Israel (Lc 2, 29-32). E estavam continuamente no Templo, louvando a Deus (Lc 24,53).




Em Lucas 10, 21 e em seu paralelo em Mateus 11, 25, encontramos o louvor proferido pela boca de Jesus. Nestes versículos vemos empregado o termo grego exomologeo, para falar do louvor que Ele elevara ao Pai: “Naquele momento, ele exultou de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: ‘Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos’” (Lc 10, 20-21).

A comunidade primitiva, também, era incessante em seus louvores a Deus. Nos Atos dos Apóstolos, em diversas ocasiões, encontramos os Apóstolos e os pagãos, convertidos à religião cristã, em atitude de louvação:






Louvavam a Deus e gozavam da simpatia de todo o povo. E o Senhor acrescentava cada dia ao seu número os que seriam salvos (At. 2, 47). No momento da cura do coxo à porta do templo: E entrou com eles no Templo, andando, saltando e louvando a Deus (At 3, 8b-9).




O apóstolo dos gentios, Paulo, em suas epístolas às diversas comunidades recomendava insistentemente o louvor. Nas cartas dirigidas aos fiéis pertencentes as comunidades, encontramos muitas expressões de louvor e reconhecimento da grandeza de Deus, compostas pelo apóstolo:

“Bendito seja o Deus Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação!” (II Cor 1,3);

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais nos céus, em Cristo” (Ef 1,3);

“Para ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na terra e nos infernos. E toda a língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é o Senhor”  (Fl 2, 10-11);

“Por tudo dai graças, pois esta é a vontade de Deus a vosso respeito em Cristo Jesus” (I Ts 5,18);

“Ao Rei dos séculos, ao Deus incorruptível, invisível e único, honra e glória, pelos séculos dos séculos. Amém!” (1 Tm 1, 17);

“O Bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade, que habita uma luz inacessível, que nenhum homem viu, nem pode ver. A ele, honra e poder eterno. Amém!” (I Tm 6, 15-16);



Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus juízos e impenetráveis seus caminhos! Quem com efeito conheceu os pensamentos do Senhor? Ou quem se tornou seu conselheiro? Ou quem primeiro lhe fez o dom para receber em troca? Porque tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos! Amém (Rm 11, 33-36).




Por fim, o último livro das Sagradas Escrituras, o Apocalipse, ou livro das revelações, traz em si certa originalidade, devido os diversos cânticos que o compõe (Cf. LACOSTE, Jean Yves,2004 p. 1052). Neste livro, constatamos um  grande louvor a Deus, prestado pelos exércitos celestiais e pelos santos, bem como por aqueles que foram redimidos e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro imolado, Jesus Cristo. Eles elevam ao Senhor, o Grande Rei um louvor eterno, sem fim:

“Santo, Santo, Santo, Senhor Deus todo poderoso, ‘Aquele que era, Aquele que é, Aquele que vem’ [...] Digno és tu, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, pois tu criaste todas as coisas; por tua vontade elas não existiam e foram criadas” (Ap. 4, 8.11);

“Digno é o Cordeiro imolado, de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor” (Ap 5, 12);

“Amém! O louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e a força pertencem ao nosso Deus pelos séculos dos séculos. Amém!” (Ap 7, 12);

“Nós te damos graças, Senhor Deus Todo-poderoso ‘Aquele que é e Aquele que era’, porque assumiste o teu grande poder e passaste a reinar” (Ap. 11, 17);

“Grandes e maravilhosas são as tuas obras, ó Senhor Deus Todo-poderoso; teus caminhos são justos e verdadeiros, ó Rei das nações” (15, 3);

“Aleluia! A salvação, a glória e o poder são do nosso Deus, porque seus julgamentos são verdadeiros e justos” (Ap 19, 1-2b).



Há, ainda, diversos textos e livros nas Sagradas Escrituras, seja no Antigo Testamento, seja no Novo Testamento, que poderíamos utilizar para fazer o estudo sobre o “Louvor de Deus”, entretanto, os que aqui foram utilizados, foram capazes de corresponder satisfatoriamente, e revelar que desde os primórdios, o homem já era impelido a louvar e estava habituado a prestar culto a Deus em reconhecimento a seu poderio.

Por conseguinte, resta-nos dizer que, as Sagradas Escrituras compreendem o Louvor como oração consciente do israelita do Antigo Testamento e do cristão do Novo Testamento. Fruto das experiências de salvação realizadas por Deus, que revelara-se como Deus da Aliança, que garantia-lhes a vida, a felicidade e a paz. Tais experiências, que abarcaram a história do Israel bíblico, para os escritores sagrados, foram elementos decisivos, que contribuíram para a compreensão de sua própria identidade de nação eleita, e ao mesmo tempo, para reconhecimento de Iahweh, como Rei e Senhor soberano e poderoso por parte do povo, que devotava seu amor e sua gratidão através de cânticos de júbilos, festas e ações de graças.



CAPÍTULO II

JESUS TRAZ O LOUVOR CELESTE À TERRA




No primeiro capítulo, vimos um pouco sobre o conceito, as  raízes etimológicas do louvor e o que as Sagradas Escrituras dizem a seu respeito. Neste segundo capítulo, abordaremos o louvor sob a ótica de Jesus Cristo, Deus humanizado, que ao encarnar-se, deixa o seio trinitário, se encarna e traz à terra o louvor celeste, revela aos homens o Pai e, ao oferecer sua própria vida em sacrifício, une-os, novamente ao céu, e os ensina a louvar o Pai como Ele o merece.




As Sagradas Escrituras nos ensinam que no princípio, Deus criou todas as coisas: o céu, a terra, o mar, toda espécie de animais e plantas e, por fim, o homem (Cf. Gn 1). Dentre todas as coisas criadas, este último, Deus fizera superior às demais criaturas e seres vivos, colocando-o numa posição especial. Ele fora criado à Sua imagem e semelhança (Gn 1,26-27), dotado de capacidade de amar, raciocinar e de liberdade, que o tornava apto a tomar decisões morais.

O Senhor Deus revelava-se ao homem criado como um Deus próximo, um Deus apaixonado, que importava-se com sua existência (Cf. SATTLER/ SCHNEIDER, 2012, p. 55). Não era um Deus distante, mas Alguém que caminhava dia a dia junto e ele em meio ao jardim (Cf. Gn 3,8), mostrando-se um Deus desejoso por estabelecer comunhão. Deu-lhe uma habitação: o Jardim do Éden, e toda espécie de alimento, mas, sobretudo, deu-lhe todas as orientações necessárias para viver bem e feliz, fazendo apenas uma proibição para que o homem não viesse a provar da morte (Gn 2,16-17). Contudo, conforme os relatos da criação, presentes no livro dos Gênesis (Cf. Gn 3), é de se notar que o ser humano não foi capaz de manter-se fiel a Deus, fez mau uso de sua liberdade, e ao deixar-se seduzir pela serpente, dando ouvidos à sua palavra, comeu do fruto que não devia, e pecou. Por



conseguinte, ao pecar, o homem, Adão (Adam – אדם), perdeu “de imediato a graça da santidade original” (CIC, 2000, n. 399), e uma barreira de separação foi criada entre ele e Deus; a comunhão, a amizade, “a harmonia na qual estavam, estabelecida graças à justiça original, foi destruída e o homem teve de voltar ao pó do qual fora formado (Cf. CIC, 2000, n. 400).

As Sagradas Escrituras nos revelam que a queda adâmica não afastou o Senhor da humanidade. Deus não a abandonou à sua própria sorte, pelo contrário, de diversos modos, no curso da história, procurou atraí-la com laços de amor (Cf. Os 11,4), buscando estabelecer novamente a aliança com ele:

-     aliança abraãmica: “Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei teu nome; sê uma benção!” (Gn 12,2);

-    aliança mosaica: “Agora se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade peculiar entre todos os povos, porque toda a terra é minha” (Ex 19,5). “Iahweh teu Deus mudará a tua sorte para melhor e se compadecerá de ti; Iahweh teu Deus voltará atrás e te reunirá de todos os povos entre os quais te havia dispersado” (Dt 30,3).

-   aliança davídica: “A tua casa e tua realeza subsistirão para sempre diante de mim, e o teu trono se estabelecerá para sempre” (II Sm 7,16).

Entretanto, é com a vinda de Jesus Cristo, Verbo do Pai, encarnado no seio da Virgem Maria, que se dá uma Aliança Nova e definitiva entre Deus e o homem. Por causa desta aliança, é possível afirmar que a última palavra é sempre de Deus, que o pecado e o mal não pôde vencer e nem determinar a obra de Deus, mas somente um, aquele que é Artífice, que governa e impera sobre todas as realidades visíveis e invisíveis, pode proclamar a última Palavra, e esta Palavra é o próprio Filho de Deus, humanizado.




O homem foi criado para a plena comunhão com seu Senhor, e este era o aspecto mais sublime de sua dignidade: em viver em comunhão com Deus estava a consistência de sua vocação. Contudo, o pecado desfigurou-o e afetou a sua dignidade, rompendo os laços de amizade com Deus. Entretanto, “o Deus ilimitadamente capaz e desejoso de se relacionar entra em relação com os homens” (WERBICK, 2012, p. 501), disposto a tornar-se um deles. Então, em Jesus Cristo Deus se autocomunica, tornando-se homem para os homens:



A autocomunicação intratrinitárias assume, em termos econômico-salvíficos, a forma do autoesvaziamento: no homem Jesus, o eterno Filho se entrega ao destino de morte e ao poder do pecado; nesse autoesvaziamento, porém, o amor divino revela seu poder superior ao pecado e à morte em benefício dos homens: o Pai, que ressuscita o Filho no Espírito Santo, supera com sua ilimitada capacidade e vontade de se relacionar, a hostilidade relacional do pecado e a interrupção de todas as relações na morte. Assim, o Filho, que se tornou homem em Jesus Cristo, é a “irreversível” – que abarca pecado e morte – oferta de relação de Deus aos homens em pessoa (WERBICK, 2012, p. 501).




É importante destacar que é somente através da autocomunicação de Deus, na kenósis do Filho, isto é, na encarnação, que temos acesso à Trindade imanente e somos capazes de concebê-la na história, uma vez que Ele é quem revela o Pai e o Espírito (Cf. Mt 11,27; Jo 14, 26).

A encarnação é, para nós, a máxima, a demonstração por excelência do amor de Deus, pois nela manifesta-se, não somente o amor divino, mas a sua infinita misericórdia, sua justiça, seu poder. Nela, contemplamos a entrega de Deus aos homens, que desde o momento da concepção virginal, em solidariedade fez-se participante da natureza humana, na unidade da pessoa, assumindo o pecado e a morte e compartilhando o destino do homem até o fim (Cf. WERBICK, 2012, p. 501). O Verbo encarnado é a via de acesso às outras Pessoas da Trindade: ao Pai e ao



Espírito. É assim que tomamos conhecimento do Deus triuno que quis entrar no tempo e se revelar na história.

O interessante é que, quando debruçamos os estudos sobre essas relações imanentes entre as Pessoas trinitárias, encontramos indícios de que já havia um culto latrêutico, isto é, de louvor entre Elas. Se o louvor está enraizado no conhecimento admirativo de Deus e na confissão que proclama amor (Cf. LACOSTE, 2002, p, 1052), não é possível olhar a Trindade imanente sem enxergar, nela, este movimento de amor e contemplação que acontece entre Pai e Filho, onde o Pai está totalmente voltado para o Filho, e o Filho, igualmente, voltado para o Pai, este conhecimento admirativo que confessa a verdade de ambos (Cf.  CIMSJS, 2014, n.5). Deste modo, só podemos afirmar que o reconhecimento mútuo que há entre Pai, Filho e Espírito Santo, é louvor à santidade e a divindade de cada um.

Essa breve explanação do tema é importante para entendermos que Jesus Cristo, segunda Pessoa da Santíssima Trindade, ao acolher a vontade do Pai e ser enviado por Ele, com a missão de sanar os danos causados pelo pecado e restaurar a dignidade humana, teve que deixar a morada em que habitava, em plena comunhão de amor e de louvor, por causa do grande desejo de Deus em procurar aquele que é a sua imagem e semelhança.




O Cristo de Deus fora enviado à terra para comunicar a vida divina, reunir os dispersos e salvar o que estava perdido (Cf. Jo 10). Aceitando livremente o plano do Pai para Si e para humanidade, o Verbo encarnado, que procede do Pai, encarnou- se no seio de Maria, tornando-se homem como nós. Jesus foi um judeu arraigado no mundo de Israel, que inserindo-se na história da humanidade, revelou-se como Senhor acessível, de maneira nova, introduzindo nesta terra de exílio os louvores que se canta eternamente no Céu (Cf. IGLH, 1999, n. 3).

Obediente ao Pai em tudo, ao iniciar sua vida pública peregrinando nesta terra, transmitiu tudo aquilo que d’Ele recebeu: “sua mensagem central consistia em



proclamar o senhorio de Deus” (KESSLER, 2012, p. 242). Com autoridade em suas palavras, anunciou o Reino dos Céus, denunciou os pecados e exortou à conversão de vida para que se pudesse possuir a vida eterna (Cf. Mc 1, 14-15).

Em sua vida terrena, Jesus mostrou-se alguém orante, de intimidade com o Pai, Mediador entre o céu e a terra. Deixou-nos seu exemplo, apontou a oração como via certeira pela qual poderíamos nos tornar próximos de Deus. Ensinou o homem a chamar Deus de “abbá” (Cf. Lc 11, 1-2).

Mediador entre Deus e a humanidade, na cruz, Jesus entregou sua vida em favor dos homens, tornando-se “Sacerdote, Altar e Cordeiro” (PREFÁCIO DA PÁSCOA IV). Contudo, embora sua paixão, morte e ressureição seja o grande exercício de seu sacerdócio, “Cristo, durante sua vida terrena, foi sacerdote também pela oração de louvor a Deus e de súplica pelos homens” (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 667), quando, contemplando suas dores, “alegrias e esperanças” (GS, 2000, n.1), apresenta-as ao Pai em forma de oração, louvor, intercessão e propiciação, ressoadas de seu coração em termos humanos (Cf. IGLH, 1999, n. 3):

E ainda: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos pequeninos” (Lc. 10, 21b); e: “Jesus dizia: ‘Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem’” (Lc 23, 34).

De diversos modos, em toda a sua existência, Jesus buscou reunir os povos mostrando-lhes a verdadeira face do Pai, testemunhando-O e criando espaço ao próprio Deus, a fim de torná-Lo presente para os outros (Cf. KESSLER, 2012, p. 391). Ao comunicar a vida de Deus e seus desígnios de salvação, revelou “imediatez, familiaridade e aconchego para com Deus que só podem emanar da experiência da solicitude amorosa e proximidade confiável de Deus e de uma relação confiante e cotidiana com ele” (KESSLER, 2012, p. 252), que é reflexo das íntima relação que existia no seio trinitário. Isto tornava evidente a consciência que Jesus tinha acerca de Si e do Pai e lhe possibilitara falar, com tamanha propriedade, deste Deus amoroso.

A grande novidade da vinda do Cristo está no anuncio do Reino de Deus e a instauração de uma nova Aliança com Ele. Sua oração, seu louvor é sempre de



caráter teocêntrico, isto é, nos ensinam a colocar Deus em primeiro lugar (Cf. (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 820). Se olharmos atentamente para todos os seus atos, conforme narrado pelos evangelistas, notaremos que em tudo Ele colocava em evidência o Pai; nada Ele fazia por si e para si, mas conforme o Pai lhe desejava  que fizesse.

Este estilo de vida de Jesus contrapunha toda a maneira de viver dos grupos judaicos de sua época, que escondiam Deus e evidenciavam-se a si próprios (Cf. Lc 18, 11-12). Sua relação com o Pai era relação de pura verdade, sem fingimento ou hipocrisia. Era evidente que seu modelo de vida despertava em muitos, aqueles que o ouviam com o coração aberto e sincero, o desejo de aproximar-se do Deus que Ele pregava com tanta firmeza. Sua vida era um perpétuo e constante reconhecimento d’Aquele que Ele já conhecia desde toda eternidade. Sua vida é um grande ensinamento de louvor, e isso podemos afirmar, sem medo de errar. Ousando um pouco, pode-se dizer que a vida de Jesus é um grande tratado do louvor, para aqueles que desejam aprender a fazer de suas vidas um louvor a Deus. Não há melhor fonte de inspiração, se não Jesus. Sua vida fala aberta e constantemente do louvor e é louvor a cada instante.

Nas definições de louvor de Deus, vimos que o mesmo “é o lugar por excelência em que Deus é reconhecido como Deus e em que o homem se situa na verdade de seu ser diante de Deus” (LACOSTE, 2002, p, 1052). Onde mais podemos ver a concretização deste pensamento se não no Cristo?

Tudo que o ser humano tem deve a Deus, por isso precisa reconhecê-lo e confessar sua dependência nele. Com o intuito de tornar o Pai conhecido, e proclamar seu senhorio sobre os homens e todos os seres vivos, Jesus fez de sua vida louvor do início ao fim. A partir desta afirmação, cabe a nós colocarmos novas lentes sobre os atos de Jesus, e afirmar que no seu agir está, intrínseca e implicitamente, presente o louvor, que nos possibilitarão ir além do simples fato de Jesus ter realizado determinada coisa. Entendendo o existir de Jesus como louvor de Deus, compreendemos, também, a finalidade dos milagres e curas que realizava, que eram fazer com que o homem pudesse devotar a Deus o louvor que Ele o merece:



Logo vieram até ele numerosas multidões trazendo coxos, cegos, aleijados, mudos e muitos outros, e os puseram aos seus pés e ele os curou, de sorte que as multidões ficaram espantadas ao ver os mudos falando, os aleijados sãos, os coxos andando e os cegos a ver. E renderam glória ao Deus de Israel (Mt 15, 30-31);

Diante dos milagres que eram operados pelas mãos de Jesus; aqueles que eram agraciados não faziam outra coisa senão glorificar a Deus:



Depois, aproximando-se, tocou o esquife, e os que o carregavam pararam. Disse ele, então: "Jovem, eu te ordeno, levanta-te!". E o morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe. Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: "Um grande profeta surgiu entre nós e Deus visitou o seu povo" (Lc 7, 14-16).



Estes versículos no ensinam que a glória de Deus é revelada através de ações, e que todos os aspectos da vida de nosso Salvador, bem como os seus ensinamentos, demonstravam claramente o poder, a justiça e a compaixão de Deus. Tudo o que fazia manifestava a soberania do Pai, ao passo que em suas visitas a povoados e sinagogas a ensinar, era glorificado por todos, e sua fama só se espalhava por toda Galileia e as regiões circunvizinhas (Cf. Lc 4,14-15).

É fato que toda a vida de Jesus remete ao louvor, como já foi afirmado, entretanto, o ápice, seu louvor mais perfeito elevado ao Pai, deixado como ensinamento aos homens, ecoou no alto da cruz e, consequentemente, no sepulcro vazio, quando Ele se fez sumo-sacerdote, altar e vítima, tornando-se mediador entre Deus e os homens (Cf. Hb 8,6). Na morte de cruz, Jesus, fazendo-se nosso representante - pois éramos nós, homens, merecedores do castigo - entendeu de que forma iria glorificar o Pai e receber d’Ele a mesma glória (Cf. Jo 17,1), por isso, ofereceu sua própria vida em expiação, suportando todo sofrimento, abandonando- se nas mãos de Deus em sinal de dependência e confiança, e com sua ressurreição gloriosa, associou a Si a humanidade, garantindo-lhe sua união com Deus (Cf. Hb 9, 11).



Mediador único, Jesus é no sentido forte sujeito e objeto do louvor. Ele leva o fiel a entrar em sua oração de louvor e de ação de graças (Mt 11,25-27), porque ele é o Cordeiro Imolado digno de receber poder, riqueza,  sabedoria, força, honra, glória e louvor (Ap 5,12). Levando a seu termo os sacrifícios da antiga aliança, Ele é aquele por quem oferecemos sem cessar a Deus um sacrifício de louvor (Hb 13, 15. Cf. Lv 7,11-15). A vida do homem unida a oferenda de Jesus torna-se louvor” (LACOSTE, 2002, 1052).



A vinda do Filho, sua vida abarcada desde a encarnação, vida pública, morte e ressurreição, revelam-nos que a terra, e, sobretudo, os homens, foram contemplados com aquele louvor que é cantado nas habitações celestes (Cf. Ap 7, 9-12):



Sumo Sacerdote do Novo e eterno Testamento, Cristo Jesus, assumindo a natureza humana, introduziu nesta terra de exílio, aquele hino que é cantado por todo o sempre nas habitações celestes. Ele associa a Si toda a comunidade dos homens, e une-a consigo na celebração deste divino cântico de louvor (SC, 2000, n. 83).



Com efeito, este culto latrêutico, introduzido por Jesus, deve estar associado à vida humana em todas as suas dimensões, e é uma forma encontrada para os seres humanos experimentarem aquilo que se dá na eternidade, onde os anjos e os santos cantam a Deus sem cessar. Essa liturgia celeste só pode ser antegozada pelo homem, até a instauração definitiva do Reino, porque o Cordeiro sem mancha, Jesus Cristo, através de um movimento kenótico, deixou as moradas celestes e vindo ao mundo comunicou a vida de Deus aos seres humanos, a fim de torná-los novamente participantes das habitações celestes. O “Louvor de Deus” na vida do homem será tanto mais eficaz, e produzirá muito mais frutos de santidade e união com Deus, quando, ele, contemplando a vida de Jesus, sobretudo, sua paixão morte e ressurreição, numa via oblativa, também, entregar sua vida em sinal de confiança,



dependência e obediência nos braços d’Aquele que é, tão somente, amor (Cf. LACOSTE, 2002, 1052).

De todas as ações de Cristo, podemos destacar a obediência à vontade do Pai até o fim, como a grande marca, o seu maior testemunho de reconhecimento à majestade de Deus. Ela foi verdadeiramente grande movimento de louvor.




O Filho de Deus se encarnou, passou pela terra ensinando a vontade do Pai, padeceu, foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia e subiu aos céus, onde está sentado junto de Deus. Esta é a fé que, enquanto Igreja Católica Apostólica Romana, professamos.

A ressurreição de Jesus Cristo e sua subida gloriosa aos céus foram eventos que manifestaram a Onipotência de Deus e o esplendor de sua glória. Todavia, ao subir para os céus, Ele não levou de volta consigo o louvor que ecoara de sua vida para a vida dos homens, mas confiou à Igreja, sua esposa, conduzida pelo Espírito Santo, a missão de fazer com que o culto latrêutico que ensinara, se perpetuasse pelos séculos a fora, até o dia em que, ela, unindo-se com os coros dos anjos e com os santos e santas de Deus, pudesse cantar o mesmo e único canto de louvor, glória e adoração em reconhecimento à magnificência de Deus.

A Igreja, esposa de Cristo, “começou no desígnio de Deus com a história do mundo” (CONGAR, 1993, p. 193). Esta afirmação só é possível devido aos indícios que são apresentados pelo AT, mas, sobretudo, através da compreensão da eleição, onde Deus reúne um povo, que é chamado seu: Povo de Deus. Para o cristianismo, essa experiência de eleição assume novo significado a partir da ideia de nova Aliança, estabelecida por Jesus na sua entrega na cruz, a Igreja de Cristo é o novo Israel de Deus, e a ela é assegurada os privilégios do antigo povo” (Cf. CONGAR, 1993, p. 194).



É fato que a Igreja tem sua origem na cruz, no momento em que o coração de Jesus é transpassado pela lança, donde jorra sangue e água, que se tornaram verdadeiros símbolos dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia (Cf. Jo 19, 33- 34). Por ter sua origem em Cristo pregado na cruz, lugar onde se dá o perfeito e mais agradável louvor ao Pai, a Igreja recebe dele o mesmo espírito orante, e é incumbida de revelar ao mundo de geração em geração, a face do Cristo que louva.

A oração de louvor é característica de todo aquele que foi alcançado, tocado  e salvo por Jesus, e “está presente em toda manifestação da igreja que ora” (SARTORE; TRIACCA, 1992, p.820); sua essência em nada foi alterada, seguindo, portanto, os mesmos parâmetros e definições dos louvores que eram elevados a Deus no AT (DUFOUR, 2013, p. 550). No entanto, em Cristo, este hino cantado há séculos, recebe um novo significado, torna-se louvor cristão, evidenciando, ao mesmo tempo, a sua origem:



A oração cristã tem origem trinitária, porque é o hino que ecoa eternamente no seio das três pessoas divinas, trazido pelo Verbo à terra, quando ele se fez homem. A partir de então, de puro louvor se transformou também adoração, propiciação, intercessão (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 667).



A oração da Igreja, ressignificada por Cristo, cuja origem está nas três Pessoas divinas, também é de caráter trinitário, ou seja, remete ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, isto porque a oração que o Corpo (Igreja) oferece ao Pai, é sempre em nome daquele que é a Cabeça (Jesus), sob a ação do Espírito Santo. Este  último é o sujeito fundamental de toda oração Cristã (Cf. IGLH, 1999, n.8). É Ele quem “faz jorrar do coração da Igreja o louvor trinitário” (IGLH, 1999, n.3), vivificando-a, e estabelecendo uma perfeita união à oração de Cristo (Cf. IGLH, 1999, n.3) “assegurando sua indefectível santidade” (CONGAR, 1993, p. 195).

“O corpo de Cristo é animado pelo Espírito do Cristo” (CONGAR, 1993, p.195); sem Ele, os membros deste corpo não encontrariam harmonia entre si. Grande maestro desta orquestra é Ele quem garante a unidade, organização e



inspira o canto a ser cantado pela Igreja orante, porque é próprio de Sua natureza vir em auxílio da fraqueza humana (Cf. IGLH, 1999, n.8):

Eis, pois, que no plano do louvor eclesial a Deus se encontra certa unidade, jamais rompida, a qual é a obra do Espírito Santo, princípio unificador. Esta função aglutinante é ainda mais íntima e profunda, porque o Espírito Santo é o mesmo princípio dinâmico que vivifica toda oração (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 667).



“A Igreja é o templo do Espírito Santo” (CONGAR, Yves, 1993, p. 195), Ele opera nela, aperfeiçoando aquilo que ela reza, fazendo com que os louvores que ressoam de seus lábios subam aos céus como perfume de agradável odor aceito por Deus Pai todo poderoso.

Dentre todos os modos e práticas de oração e piedade cultivados pela Igreja, a Liturgia - aqui entendida, a celebração dos sacramentos e a Liturgia das Horas - tornou-se o lugar primordial de encontro com Deus, pois nela, Cristo está sempre presente, salmodiando e suplicando junto à Igreja que ora (Cf. IGLH, 1999, n.13).



Na liturgia terrena, antegozando, participamos da Liturgia celeste, que se celebra na cidade santa de Jerusalém, para a qual, peregrinos, nos encaminhamos. Lá, Cristo, está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do tabernáculo verdadeiro; com toda a milícia do exército celestial entoamos um hino de glória ao Senhor e, venerando a memória dos Santos, esperamos fazer parte da sociedade deles; suspiramos pelo Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até que Ele, nossa vida, Se manifeste, e nós apareçamos com Ele na glória (SC, 2000, n.8)




A oração da Igreja, unida ao sacrifício de Jesus, que através da Liturgia, torna-se atual, oferece ao Pai, não um novo sacrifício, mas o mesmo realizado pelo Filho em sua páscoa, o qual é aceito por Deus Pai.



Assim sendo, na oração litúrgica que possui caráter anamnésico, a Igreja, impelida pelo Espírito Santo, exerce o mesmo múnus de Cristo, recordando suas palavras e ações, a fim de que os fiéis, unindo-se a ela em sinal de comunhão, alcancem a salvação que o Filho bendito de Deus garantiu aos homens (Cf. IGLH 12).

Por fim, vale ressaltar que o louvor celeste ensinado por Jesus se perpetua (e se perpetuará) no mundo, sobretudo, através das celebrações litúrgicas realizadas pela Igreja ao longo dos séculos, pois em tais celebrações, o Espírito Santo, força vital de toda Igreja, age eficazmente, atualizando aquele louvor que ressoou da vida de Jesus Cristo, a fim de que ele continue a ressoar na vida e da vida dos fiéis. Mantendo vivo e inspirando sempre novos louvores no coração dos homens e mulheres batizados, o Espírito, conduzindo toda a Igreja pelo Filho, garante-lhe a perfeita união com o Pai.



CAPÍTULO III

O LOUVOR DE DEUS COMO PARTICIPAÇÃO DO HOMEM NA VIDA DA SANTÍSSIMA TRINDADE




O “Louvor de Deus” é a resposta natural que brota do coração daquele que ama a Deus. Quanto a isso, não nos resta dúvida. Entretanto, agora, nos vem a questão: Como este louvor, resposta de amor do ser humano, obra das mãos de Deus, é capaz de uni-lo ao seu Autor, lhe possibilitando viver em comunhão participando da vida das três Pessoas divinas?

Deus é amor! (I Jo 4,8b) No seu Filho, Jesus Cristo, Ele se tornou “um de nós” e, desse modo, se aproximou dos homens, como Criador e Reconciliador destruindo “o muro de separação” (Ef 2,14b) existente, até então.

O Filho Unigênito, “em seu relacionamento singular com Deus, abriu aos outros seres humanos a possibilidade do único relacionamento adequado e redentor com Deus” (KESSLER, 2012, p. 380). Libertando-o do pecado e salvando-o do aguilhão da morte, garantiu-lhe a vida eterna e infundiu em seu ser o Espírito do Filho, isto é, o Espírito de adoção filial (Cf. IGLH, 1999, n. 8), tornando-o apto a união Consigo:



No Filho, nosso irmão Jesus Cristo, e no Espírito Santo, que nos liberta do pecado e do poder da morte para o amor, Deus revela o seu mais íntimo: a comunhão do amor, que une Pai e Filho entre si e com o (respectivamente no) Espírito Santo e que – no Espírito Santo – quer incluir os homens para a sua salvação (WERBICK, 2012, p. 505).



A oferta de Jesus, na cruz, foi aceita pelo Pai como sacrifício perfeito e agradável de louvor. Aquele que foi instituído Mediador entre Deus e os homens,



tornou-se, também, o grande Ministro do Santuário de Deus (Cf. Hb 8,2). No Antigo Testamento, era comum oferecer sacríficos a Deus, contudo, era necessário que o sacerdote subisse, anualmente, ao templo para oferecê-los pelos seus pecados e pelos de outrem, no intuito de estabelecer comunhão com Deus (Cf. Lv 7, 1-15). Em Cristo Jesus, no entanto, isso não é mais necessário, pois ele “entrou de uma vez por todas no Santuário” (Hb 9,12), ofereceu sua vida em sacrifício perfeito e perpétuo, a fim de comparecer diante de Deus, no céu, donde intercede em favor dos homens (Cf. Hb 9, 24). Assim sendo, a oração do homem deve, necessariamente, estar vinculada a Cristo, o qual incorpora a Si toda a comunidade humana (IGLH, n.6).
No Filho e no Espírito, que liberta do pecado, os homens e mulheres de boa vontade encontram uma via de acesso para chegar novamente à comunhão com o Pai, e assim, saciar aquele desejo mais profundo de Deus inscrito em seus corações, desde os primórdios da vida humana, pelo qual o Pai não cessa de atrai- los a Si. (Cf. CIC, 2000, n. 27).
Sim! O ser humano traz consigo um ardente desejo de plenitude, por isso “sai de si para lançar-se em Deus, o qual é o único capaz de levar o homem à perfeita e perene realização de si mesmo” (MONDIM. 1980, p. 268). Tanto entendeu isto, que Santo Agostinho escreveu em suas confissões: “nos criastes para ti, e o nosso coração não tem sossego, enquanto não repousar em ti” (SANTO AGOSTINHO, 2017, p. 13). A inquietude de sua alma é apaziguada, somente, na medida em que ele, auxiliado pelo Espírito do Filho, reconhece-se filho no Filho, unindo toda a sua vida e existência à oferenda de Jesus, a fim de que ela seja elevada ao mais alto dos céus (Cf. LACOSTE, 2012, p. 1052).
O desejo de eternidade e comunhão com Deus, trazido no coração do homem, é saciado pelo “Louvor de Deus”, que se tornou via unitiva entre o céu e a terra, entre Deus e o homem. No “Louvor de Deus”, o homem rasga os céus “entrando na comunhão, na misericórdia e na feliz eternidade” (Cf. DEFINA, 2016, p. 162). Este louvor que rasga os céus, no entanto, não deve ser entendido como mera reprodução de palavras, quase que mecanicamente, mas como do dom de si unido ao dom de Cristo, por quem oferecemos a Deus, sem cessar, nosso sacrifício de



louvor. Somente nesta perspectiva de união à entrega de Jesus é que a vida do ser humano há de tornar-se louvor (Cf. LACOSTE, 2012, p. 1052).
Neste itinerário de louvor, rumo à perfeita união com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, um pré-requisito é exigido ao homem: fazer parte do corpo eclesial. Se por um lado, somente unido à vida de Jesus, a vida do homem se torna louvor, não tão diferente, se faz necessário que o mesmo esteja unido à Igreja, Corpo místico de Cristo, onde em cada liturgia, os fiéis redimidos, num só coração e numa só alma, em comum exultação, entoam louvores em íntima união com a Igreja celeste, ao Deus Uno e Trino (Cf. WIEDENHOFER, 2012, p.106):


Em nenhum momento os fiéis podem dar testemunho mais evidente de sua pertença a Cristo do que quando estão reunidos em torno da mesa do Senhor: por Cristo, com Cristo, em Cristo, na unidade do Espírito Santo, eles oferecem o sacrifício da Nova Aliança, sacrifício no qual estão contidas toda honra e toda glória devida a Deus. Eles são ajudados a nesse espírito por meio de orações, cantos, gestos e funções que sublinham a oferta de cada um e de toda assembleia, feita com coração contrito e humilde, confessando a própria pequenez, mas com mesmo coração exultando de alegria, reverência, devolução, gratidão e dom de si pelo inestimável dom que Deus concede em seu Filho, e nele o dom de todas as outras coisas (BORRIELLO; CARUANA; GENIO; SUFFI, 2003 p. 17).



A salvação oferecida pelo Mistério Pascal de Jesus, cujo ápice foi sua entrega em obediência à vontade do Pai e em solidariedade aos seres humanos, é anunciada pela Igreja ao longo dos séculos e realiza-se por meio do culto celebrado por ela, o qual chamamos Liturgia. Na Liturgia, sobretudo, na celebrações dos sacramentos, o único, eficiente e mesmo sacrifício de Jesus, Filho Unigênito de Deus, é atualizado de forma eficaz. Em outras palavras, na Liturgia se exerce o sacerdócio de Cristo.


Na liturgia, por meio de sinais sensíveis, realiza-se a santificação dos seres humanos. Ainda, por meio dela, o corpo místico de Cristo, que é a Igreja, e sua cabeça, o próprio Cristo, prestam culto público a Deus. No Espírito, toda



a santificação realizada por Deus em favor do ser humano e todo culto que a Igreja presta ao Pai se dá na pessoa de Cristo e através dele (MAYER, 2013).




É claro, portanto, que este culto divino, celebrado pela Igreja, só pode ser compreendido quando associado a Cristo, sua cabeça, pois do contrário, tornar-se-ia uma celebração vazia de sentido, repleta de repetições de ritos e gestos, incapaz de realizar a santificação das criaturas, conforme é o querer benevolente de Deus.

Na Liturgia, organizada e celebrada pela comunidade orante, Deus se comunica com o seu povo, através da sua Palavra que é viva e eficaz, e o povo, por sua vez, o responde, ora com cânticos, ora com orações. (Cf. SC, 2000 n. 13). Quando os homens se reúnem em torno do altar de Cristo, para celebrar os mistérios da salvação, “o Espírito Santo que está em Cristo, em toda a Igreja em cada um dos seus batizados, é quem realiza a unidade da Igreja orante (IGLH, 1999,
n. 8), levando-a a participar da Liturgia celeste, em perfeita união com a Igreja padecente e a Igreja triunfante (Cf. CIC, 2000, n. 1139).



Recapitulados em Cristo, tomam parte no serviço do louvor de Deus e na realização do seu desígnio: os Poderes celestes, toda a criação (os quatro viventes), os servidores da Antiga e da Nova Aliança (os vinte e quatro anciãos), o novo povo de Deus (os cento e quarenta e quatro mil), em particular os mártires, “degolados por causa da Palavra de Deus” (Ap 6, 9) e a santíssima Mãe de Deus (a Mulher; a Esposa do Cordeiro), enfim, “uma numerosa multidão que ninguém podia contar e provinda de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7, 9) (CIC, 2000, n. 1138).



Falar de Liturgia como lugar propício de união e participação da vida Trinitária faz-se necessário, pois não existe outro modo, ou outra ação da Igreja que a iguala ou a supera em eficácia (Cf. SC, 2000, n. 7), possibilitando aos seres humanos adentrar nos átrios de Deus. Ela é o lugar por excelência e primordial do “Louvor de Deus”.



É digno de nota, ainda, falar do duplo movimento que há no “Louvor de Deus”, e consequentemente na Liturgia, a saber: movimento descendente e ascendente. Um pensamento capaz de nos ajudar nesta compreensão é o pensamento do Padre Gilberto Maria Defina, fundador da Fraternidade Jesus Salvador, cujo Carisma principal é o “Louvor de Deus”: “o Louvor de Deus se manifesta em nós pelo desejo de estar unidos a Deus, louvando pelo que Ele é, por essa Trindade Feliz, por essa Santíssima Trindade que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo” (DEFINA, p.161). Por movimento descendente devemos entender a resposta de Deus ao desejo do coração do homem, através de um movimento kenótico. Na Liturgia, Ele desce até o homem e concede-lhe uma graça especial: o dom de louvá-lo (Cf. PREFÁCIO COMUM IV), para santificá-lo e, consequentemente, leva-lo à comunhão Consigo. Num segundo momento, não tão diferente quanto ao sair de si, temos o movimento ascendente, que nada mais é do que o desejo do homem de elevar-se a Deus, para entrar em comunhão com Ele. Reconhecendo os atributos divinos, ele sai de si para ir ao Outro.
Deste modo, pode-se afirmar, também, que na Liturgia, o “Louvor de Deus” torna-se princípio vivificador, santificador e unificador para o homem, onde ele recebe, verdadeiramente a vida e é envolvido pela santidade de Deus, pois de outro modo, jamais poderia elevar-se a Deus:


O Louvor a Deus necessariamente santifica a quem O louva: é um corolário teológico. E quanto maior e mais constante a louvação que alguém Lhe atribui, maiores serão as graças e favores derramados; maior, mais sublime e mais elevada é a santificação dessa pessoa e dessa comunidade. (DEFINA, 2016, p. 162)


As Sagradas Escrituras tanto reconhecem isso, que ensinam que somente os justos, e a partir de uma perspectiva cristã, os redimidos louvam a Deus: “Porque no seio da morte não há quem vos lembre; quem vos glorificará na habitação dos mortos” (Sl 6,6); “Acaso vossa bondade é exaltada no sepulcro, ou vossa fidelidade na região dos mortos?” (Sl 87, 12) “Andarei na presença de Deus, junto a Ele, na terra dos vivos” (Sl 115, 9); “Quem está vivo, somente quem está vivo pode louvar- vos” (Is 38, 19).



Para São Paulo, a morte é consequência do pecado cometido contra Deus (Cf. Rm 6,23). Em contrapartida a este pensamento, deve ser entendida a vida que provém da Liturgia como libertação do pecado. Somente liberto do pecado, pleno de vida e santidade, o homem pode dar a Deus a glória que lhe é devida, explicitando “toda adoração, o agradecimento e amor lhe são devidos como divindade Una e Trina” (DEFINA, 2016, 162).
Alguns santos, como Santo Irineu de Lion, e Santo Agostinho de Hipona, fazem esta relação entre louvor, santidade e vida quando afirmam que “a glória de Deus é o homem vivo” (LH, 1999, p. 1384), ou ainda, quando instruem a viver a santidade para que o louvor não cesse: “Não deixeis de viver santamente e louvarás sempre a Deus”; “Vós sereis o seu maior louvor se, viverdes santamente” (Cf. LH, 1999, p. 778).
É evidente, portanto, que é possível ao homem participar da vida trinitária, e esta participação se concretiza na medida que, ele mesmo, tornando-se louvor, através da oração por excelência da Igreja, isto é, a Liturgia, se une ao louvor de Cristo e, consequentemente, ao louvor celeste.


2.      A participação na celebração do Mistério Pascal é caminho para união com a Santíssima Trindade

A Igreja reconhece que a obra de Deus, ela toda, desde a criação até a consumação dos tempos, quando Jesus vier em glória, a fim de ser tudo em todos (Cf. I Cor 15, 28), é uma benção, por isso, não se cansa de celebrar a santa Liturgia, onde verdadeiramente o Mistério Pascal de Cristo é plenamente revelado e comunicado ao homem.
Na Liturgia, a Igreja terrestre obediente ao mandato de Jesus, quando, durante a última ceia, ordenou que, em sua memória, os doze discípulos repetissem o mesmo que Ele estava a fazer (Cf. Lc 22,19), Ela celebra e realiza os maiores acontecimentos de sua história e não cessa de incorporar nestes mesmos acontecimentos salvíficos a vida humana, objeto da misericórdia e salvação divina. As comunidades apostólicas dos primeiros séculos, crendo firmemente, levaram a efeito tais palavras que eram perseverantes na doutrina de seus predecessores:



louvavam a Deus, partiam o pão assiduamente, cativavam os povos (Cf. At 2, 41- 47).


Nunca, depois disto, a Igreja deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal: lendo “tudo quanto a Ele se referia em todas as Escrituras” (LC 24, 27), celebrando a Eucaristia, na qual “se torna novamente presente a vitória e o triunfo de sua morte” e, ao mesmo tempo, dando graças “a Deus pelo dom inefável” (II Cor 9,15) em Jesus Cristo, “para louvor de sua glória” (EF, 1-12), pela força do Espírito Santo (SC, 1963, n. 6).


Para alguns teólogos e estudiosos, a Igreja, através da Constituição
Sacrosanctum Concilium, do Concílio Vaticano II, ensina que:


A liturgia atualiza o mistério de Cristo, sobretudo no sacramento do batismo, onde os fiéis, pela morte e ressurreição de Cristo, recebem o Espírito Santo em que tem acesso ao Pai. Na eucaristia, que representa a vitória de Cristo sobre o triunfo da morte, os crentes, que dela participam em jubilosa ação de graças, anunciam a morte do Senhor até que ele venha. (Cf. SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 772).


Em cada celebração litúrgica, Cristo realiza seu mistério – destrói a morte  com sua morte, ressuscita e concede a vida eterna àqueles que o Pai lhe deu – e convence toda a Igreja do caráter salvífico e unitivo presente em cada uma delas. Cônscia da importância e quão eivada de significado são elas, a Mãe Igreja, não tem a pretensão de concebê-las, e jamais permitirá que as mesmas sejam concebidas, como acontecimentos passados que ficaram no passado (Cf. CIC, 2000, n. 1085), pelo contrário, deseja, ardentemente, que todos os fiéis que a ela se achegam, aprendam que quando celebram “o mistério de Cristo, há uma palavra que marca a oração da Igreja: hoje!” (CIC 1165), ou seja, é atual, se no agora. Este princípio deve permear a vida dos crentes e contribuir para que cheguem à plena consciência e a uma ativa participação nas celebrações litúrgicas (Cf. SC, 1963, n.14), pois somente desta maneira há de se ter um povo “bem disposto para o Louvor de Deus” (CIMSJS, 2008, n. 7), que está explícito em cada ação litúrgica.



“A Liturgia da Igreja é plena de significado, nela, a Igreja unida ao mistério pascal de Jesus Cristo, seu Senhor, sob a ação do Espírito Santo, “bendiz o Pai por seu dom inefável (II Cor 9,15), mediante a adoração, o louvor e a ação de graças” (CIC 1083).
É digno de nota que em, cada celebração litúrgica, seja ela o Santo Sacrifício, isto é, a Eucaristia, seja nos demais sacramentos ou, ainda, na Liturgia das Horas, “que é como que um prolongamento da celebração eucarística” (CIC, 2000, n. 1178), para a santificação das horas, “o Mistério Pascal de Cristo é celebrado, não é repetido; o que se repete são as celebrações; em cada uma delas sobrevém a efusão do Espírito Santo que atualiza o único mistério” (CIC, 2000, n. 1104), tornando-o vivo, eficaz, capaz de gerar vida nova e dispor os corações para um verdadeiro louvor, que brota da experiência de salvação que delas emana. Deste modo, cabe afirmar que “o mistério pascal é colocado como fundamento e chave interpretativa de todo o culto cristão (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 772).
Algo de muito valioso que a Igreja ensina através do Catecismo é que “a liturgia é memorial do Mistério da Salvação”, e que “o Espírito Santo é a memória da Igreja” (CIC 1099). De fato, o Espírito Santo, terceira Pessoa da Trindade, é o sujeito principal e operante em cada ação litúrgica; Ele quem ressuscitou Jesus dentre os mortos (Cf. Rm 8,11) é a causa eficiente que torna atual o sacrifício de Cristo. Isto é tão verdadeiro, que se descartarmos Sua presença, não haveria Eucaristia, nem sacerdócio, muito menos, a remissão dos pecados, uma vez que para que os mesmos se realizem e a presença real e atual de Cristo aconteça, é necessário que o sacerdote através da “epiclese (“invocação sobre”) (CIC, 2000, 1105), que está presente em todos os sacramentos, invoque a presença do Espírito Santo, a fim de que os mesmos se tornem sinais visíveis e eficaz da presença de Cristo.


O poder transformador do Espírito Santo na liturgia apressa a vinda do reino e a consumação do mistério da salvação. Na expectativa e na esperança  ele nos faz realmente antecipar a comunhão plena com a Santíssima Trindade. Enviado pelo Pai que ouve a epiclese da Igreja, o Espírito dá a vida aos que o acolhem e constitui para eles, desde já, o “penhor” de sua herança. (CIC 1107)



É evidente que o Espírito, e tão somente Ele, é a alma de toda e qualquer ação da Igreja; Ele é a origem de toda unidade que existe na assembleia litúrgica, sem Ele não existiria comunhão entre os fiéis, muito menos entre o Corpo e a Cabeça, Jesus Cristo. Na celebração litúrgica, é Ele quem suscita no coração do homem o desejo de unir sua vida e seus sacrifícios diários ao Sacrifício de Cristo, a fim de que se torne louvor agradável ao Pai. Ele, através da liturgia vai modelando o homem, a fim de que este se torne louvor, e, assim, o Espírito concede um precioso fruto, que é a comunhão com a Santíssima Trindade.


A assembleia deve se preparar para se encontrar com seu Senhor, deve ser “um povo bem disposto”... A graça do Espírito Santo procura despertar a fé, a conversão do coração e a adesão à vontade do Pai. Essas disposições constituem pressupostos para receber as outras graças oferecidas na própria celebração e para os frutos de vida nova que ela está destinada a produzir posteriormente. (CIC 1098)


Para se colher estes frutos concedidos pelo Espírito Santo, faz-se necessário que os homens e mulheres participem ativa, piedosa e conscientemente de cada ação litúrgica, “oferecendo seus corpos, como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12,1), pois quanto maior e melhor for sua participação nos Mistérios de Cristo, tanto mais irão beber do espírito genuíno do cristão, que emana da Liturgia.


A Igreja pede, pois, ao Pai que envie o Espírito Santo para que faça da vida dos fiéis uma oferenda viva a Deus por meio da transformação espiritual, à imagem de Cristo, (por meio) da preocupação pela unidade da Igreja e da participação da sua missão pelo testemunho e pelo serviço da caridade. (CIC 1109)


Portanto, a participação integral do homem, isto é, corpo, alma e espírito, na celebração do Mistério Pascal de Cristo é a maneira eficaz e eficiente para que ele chegue à plena e perfeita união com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, Trindade Santa e Comunidade feliz. Quanto mais ele unir-se aos mistérios de Cristo, atualizados na Liturgia, sobretudo, nos sacramentos, tanto mais o Espírito lhe



concederá graças santificadoras que imprimirão em sua vida os traços, as feições, as características do “Louvor de Deus”, pois somente o homem, que ofereceu sua vida juntamente com o sacrifício de Cristo, transformando-a em louvor, igualmente, com Ele, ressuscita, para poder cantar, como homem novo, um canto novo de louvor e de glória ao Senhor.



CONCLUSÃO


Conclui-se, portanto, que o “Louvor de Deus” é para o homem o estilo de vida ideal para que ele possa voltar a comunhão com a Trindade.
Por meio do louvor o ser humano, filho de Deus, através do dom de si, une sua oferta, sua gratidão e reconhecimento da majestade de Deus, ao sacrifício e louvor de Jesus Cristo, transformando sua própria vida em louvor, e uma vez, tendo se unido ao louvor de Cristo, sua vida é elevada às alturas celestes diante do trono de Deus, e ali é aceita por Ele como oferta agradável, capaz de restaurar a aliança e amizade entre ambos.
A vida do homem, transformada em louvor, só se realiza dentro do ambiente eclesial, isto é, dentro da Igreja, do corpo místico de Cristo, porque ela é o lugar privilegiada o “Louvor de Deus”. Na Igreja, de modo particular, na liturgia celebrada por ela, frequentemente, por meio do sacrifício de Cristo, único mediador entre nós homens e Deus, o Louvor encontra sua máxima, uma vez que é atualizado aquele sacrifício perfeito e agradável, digno de ser aceito por Deus Pai. A vida do homem, unida ao sacrifício único de Cristo é “Louvor de Deus” que perpassa o céu e o une a Igreja triunfante, onde aqueles que almejaram suas vestes no sangue do cordeiro, encontram-se reunido para o único e eterno culto à Santíssima Trindade.
Por fim, o “Louvor de Deus” tanto mais unirá o homem a Trindade, quanto mais, ele, deixar-se santificar por esse louvor, que constantemente o leva a experimentar as realidades celestes.



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