quinta-feira, 24 de maio de 2018

Sem Louvor de Deus não há Louvor a Deus


Sem Louvor de Deus não há Louvor a Deus
“O Senhor disse: Visto que este povo se aproxima de mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim, e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, que maquinalmente aprendeu” (Is 29, 13)

            Esse versículo foi citado por Jesus, em Mc 7, 6, diante da hipocrisia de alguns fariseus que apostavam no cumprimento da lei, mas tinham uma vida mentirosa, Jesus cita o Profeta Isaías, o louvor com os lábios pode ser feito, e até obras que teriam a aparência de louvor de Deus, mas que na realidade não são, novamente a hipocrisia é mostrada como antítese do louvor de Deus e também do louvor a Deus.
            A Palavra de Deus nos foi dada para transformar o nosso interior e assim nossa vida ser verdadeiramente Palavra de Deus e sermos o odor de Cristo para as pessoas (cf. II Cor 2, 15). Essa Palavra nos vem pela Sagrada Escritura e pela Tradição, Torah oral e Torah escrita. A Palavra se fez carne (cf. Jo 1, 14) em Jesus, para nos dar a graça de sua presença em nós e assim o nosso viver se torna Cristo (cf. Gl 2,20).
            Isso tudo nos cativa, nos atrai, e assim é que deve ser. Quantos e quantas na Santa Igreja, durante séculos não se dedicaram a esse escutar da Palavra, perscrutando a Sagrada Escritura e a Tradição haurindo a Palavra que santifica e salva. E também quantos não doaram suas vidas para louvor a Deus na Liturgia das Horas e na celebração da Eucaristia. Monges, religiosos e religiosas, coros nas igrejas catedrais, e hoje muitos ministérios, bandas, verdadeiras estruturas são montadas para cantar a Palavras de Deus, para que Ela possa atrair os fiéis e esses transformados possam assim se converter e doar sua vida a Deus e aos irmãos.
            Esse é o caminho da Salvação dado pelo Louvor de Deus. O Louvor de Deus Salva!
            Mas existe algo muito perigoso que pode se esconder por trás de estruturas muito belas. Lúcifer como o mais belo dos anjos, confiou em sua beleza e apegado ao poder renegou a Deus. Nós não estamos isentos disso! Por isso devemos estar muito atentos para não criar uma estrutura enorme de Louvor a Deus sem reflexo algum da graça de Deus e até obter o efeito contrário levando a pessoa a buscar um louvor orgulhoso com aparência de divino, só que não passaria de idolatria.
            Na Sagrada Escritura há uma história que bem pode ilustrar tudo isso. No tempo de Samuel (1 Sm 4), havia uma guerra constante entre os israelitas e os filisteus. O texto diz, não que os filisteus venceram, mas que os israelitas foram derrotados. Diante disso anciãos se questionam e sugerem buscar a Arca da Aliança no santuário de Silo para acompanhar Israel na batalha. Com grandes brados, que tem uma conotação religiosa (cf. Nm 10), o autor diz que a terra chegou a tremer (cf. 1 Sm 4, 5). Os filisteus deduzem que a Arca chegou e demonstram grande medo. Diante de um quadro desse, o leitor pode pensar “a vitória está ganha”. Porém o texto é lacônico ao afirmar: “Israel foi vencido (...) foi grande a derrota” (1 Sm 4, 10) e a Arca da Aliança, sinal da presença de Deus foi levada pelos filisteus.
            Deus tem um propósito claro que é demonstrar que Dagon, o ídolo dos filisteus, não é nada (1 Sm 5).
            Mas há uma outra mensagem que podemos adotar aqui. Nós seres humanos adoramos a Deus com aquilo que somos e aquilo que temos, porém podemos cair na tentação de absolutizar os sinais de Deus, como a Arca da Aliança, e tornar coisas divinas em ídolos.
            Os israelitas, o sacerdote Eli e seus filhos, pecaram, por isso não adianta gritos de jubilo que brotem de um coração que vive na corrupção do pecado. Pode-se gritar muito diante da Arca ou do Santíssimo Sacramento ou cantos estrondosos com uma parafernália gigantesca, mas se não há uma intenção de se submeter verdadeiramente a Deus e buscar sua vontade e vivê-la na própria vida, tudo se torna, inclusive a Sagrada Liturgia com todo o seu esplendor, um teatro grotesco. A Sagrada Liturgia não é propriedade de ninguém, mas da Igreja, e nela somos convidados a adorar a Deus em “espírito e verdade” (Jo 4, 4, 23).
            Podemos até nos escandalizar, mas pode-se cair na idolatria inclusive diante e com o Santíssimo Sacramento, pois se o tratarmos como se fosse um pão mágico, tentando instrumentalizá-lo, isso é idolatria e assim imitamos os israelitas, que pensando estar adorando a Deus, com grandes brados religiosos, porém pela sua vida não estavam. Mas, não tenhamos somente uma visão de violação de rubricas, obvio isso é grave também. Mas se cumprirmos perfeitamente tudo segundo a liturgia e ao mesmo tempo somos hipócritas nosso louvor não agrada a Deus. Ninguém instrumentaliza a Deus, de Deus não se zomba, pois quem planta na carne e não no espírito, não pode louvor verdadeiramente a Deus (Gl 6, 7-9).
            Jesus já alertava para a falsa intenção nas orações, como quando censura os fariseus: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque devorais as casas das viúvas e, para o justificar, fazeis longas orações; por isso, sofrereis juízo muito mais severo!” (Mt 23, 14). Ou ainda quando diz que a oração cristã não consiste em forçar a Deus como na oração pagã, que tinha a visão de atormar aos deuses com lamúrias e assim se conseguiria o seu favor: “E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos” (Mt 6, 7).
            Afinal qual é a nossa posição na oração e no louvor? A chave é a humildade. Sempre e não importa o momento. Diante de Deus devemos nos apresentar como pobres (cf. Mt 5, 3), ou como publicano batendo no peito e não com o orgulho do hipócrita apresentando as contas para Deus (cf. Lc 18, 9-14),  humildade da cananéia que reconhece-se pequenina para obter a graça (cf. Mc 7, 24-30). O reconhecer-se necessitado sempre vai abrir as portas para o verdadeiro louvor a Deus e também nos abre à graça para viver o Louvor de Deus.
            Não é a toa que o verbo proskuneo, traduzido muitas vezes por adorar (Jo 4, 20; 12, 20; At 8, 27), é se dobrar perante alguém, ou beijar a mão de alguém, o ajoelhar ou se prostrar, não é uma humilhação diante de um déspota, mas saber-se pequeno diante de Deus, como uma criança (cf. Mt 18, 4). Amém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A LIBERDADE E LOUVOR DE DEUS COMO FIM ÚLTIMO DO HOMEM

    INSTITUTO SUPERIOR DE FILOSOFIA E TEOLOGIA SÃO BOAVENTURA     DANIEL RIBEIRO DE ARAÚJO                   ...