CARTA APOSTÓLICA
DESIDERIO DESIDERAVI DO SANTO PADRE FRANCISCO AOS BISPOS, SACERDOTES E
DIÁCONOS, AOS HOMENS E MULHERES CONSAGRADOS E AOS LEIGOS FIÉIS SOBRE A FORMAÇÃO
LITÚRGICA DO POVO DE DEUS Eu ansiava pelo desejo comer esta Páscoa com você antes
que eu sofra (Lc 22:15)
Dado em Roma, em São João de
Latrão, no dia 29 de junho, Solenidade dos Santos Pedro e Paulo, Apóstolos, no
ano de 2022, décimo do meu Pontificado. FRANCISCO
44. Guardini escreve:
“Aqui se delineia a primeira tarefa do trabalho de formação litúrgica: o homem
deve tornar-se novamente capaz de símbolos”. [13] Esta é uma responsabilidade
de todos, tanto dos ministros ordenados como dos fiéis. A tarefa não é fácil
porque o homem moderno se tornou analfabeto, não consegue mais ler símbolos; é
quase como se nem sequer se suspeitasse de sua existência. Isso acontece também
com o símbolo do nosso corpo. Nosso corpo é um símbolo porque é uma união
íntima de alma e corpo; é a visibilidade da alma espiritual na ordem corpórea;
e nisso consiste a singularidade humana, a especificidade da pessoa irredutível
a qualquer outra forma de ser vivo. Nossa abertura ao transcendente, a Deus, é
constitutiva de nós. Não reconhecer isso nos leva inevitavelmente não apenas a
não conhecer a Deus, mas também a não conhecer a nós mesmos. Basta olhar para a
forma paradoxal como o corpo é tratado, ora cuidado de forma quase obsessiva,
inspirado no mito da eterna juventude, ora reduzindo o corpo a uma
materialidade à qual é negado toda dignidade. O fato é que não se pode dar
valor ao corpo partindo apenas do próprio corpo. Todo símbolo é ao mesmo tempo
poderoso e frágil. Se não for respeitado, se não for tratado pelo que é, se
despedaça, perde sua força, torna-se insignificante. Não temos mais o olhar de
São Francisco, que olhou para o sol - que chamou de irmão porque assim o sentiu
- e o viu belo e radiante com grande esplendor e, maravilhado, cantou que traz
uma semelhança de Ti, Altíssimo. [14] Ter perdido a capacidade de apreender o
valor simbólico do corpo e de cada criatura torna a linguagem simbólica da
Liturgia quase inacessível à mentalidade moderna. E, no entanto, não se pode
renunciar a tal linguagem. Não pode ser renunciado porque é como a Santíssima
Trindade escolheu nos alcançar através da carne do Verbo. Trata-se antes de
recuperar a capacidade de usar e compreender os símbolos da Liturgia. Não
devemos perder a esperança porque esta dimensão em nós, como acabei de dizer, é
constitutiva; e apesar dos males do materialismo e do espiritualismo - ambos
negações da unidade da alma e do corpo - ela está sempre pronta para ressurgir,
como toda verdade.
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