“O Senhor disse: Visto que este povo se aproxima de
mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está
longe de mim, e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens,
que maquinalmente aprendeu” (Is 29, 13)
Esse versículo foi citado por Jesus, em Mc 7, 6, diante
da hipocrisia de alguns fariseus que apostavam no cumprimento da lei, mas
tinham uma vida mentirosa, Jesus cita o Profeta Isaías, o louvor com os lábios
pode ser feito, e até obras que teriam a aparência de louvor de Deus, mas que
na realidade não são, novamente a hipocrisia é mostrada como antítese do louvor
de Deus e também do louvor a Deus.
A Palavra de Deus nos foi dada para transformar o nosso
interior e assim nossa vida ser verdadeiramente Palavra de Deus e sermos o odor
de Cristo para as pessoas (cf. II Cor 2, 15). Essa Palavra nos vem pela Sagrada
Escritura e pela Tradição, Torah oral e Torah escrita. A Palavra se fez carne
(cf. Jo 1, 14) em Jesus, para nos dar a graça de sua presença em nós e assim o
nosso viver se torna Cristo (cf. Gl 2,20).
Isso tudo nos cativa, nos atrai, e assim é que deve ser.
Quantos e quantas na Santa Igreja, durante séculos não se dedicaram a esse
escutar da Palavra, perscrutando a Sagrada Escritura e a Tradição haurindo a
Palavra que santifica e salva. E também quantos não doaram suas vidas para
louvor a Deus na Liturgia das Horas e na celebração da Eucaristia. Monges,
religiosos e religiosas, coros nas igrejas catedrais, e hoje muitos
ministérios, bandas, verdadeiras estruturas são montadas para cantar a Palavras
de Deus, para que Ela possa atrair os fiéis e esses transformados possam assim
se converter e doar sua vida a Deus e aos irmãos.
Esse é o caminho da Salvação dado pelo Louvor de Deus. O
Louvor de Deus Salva!
Mas existe algo muito perigoso que pode se esconder por
trás de estruturas muito belas. Lúcifer como o mais belo dos anjos, confiou em
sua beleza e apegado ao poder renegou a Deus. Nós não estamos isentos disso! Por
isso devemos estar muito atentos para não criar uma estrutura enorme de Louvor
a Deus sem reflexo algum da graça de Deus e até obter o efeito contrário
levando a pessoa a buscar um louvor orgulhoso com aparência de divino, só que
não passaria de idolatria.
Na Sagrada Escritura há uma história que bem pode
ilustrar tudo isso. No tempo de Samuel (1 Sm 4), havia uma guerra constante
entre os israelitas e os filisteus. O texto diz, não que os filisteus venceram,
mas que os israelitas foram derrotados. Diante disso anciãos se questionam e
sugerem buscar a Arca da Aliança no santuário de Silo para acompanhar Israel na
batalha. Com grandes brados, que tem uma conotação religiosa (cf. Nm 10), o
autor diz que a terra chegou a tremer (cf. 1 Sm 4, 5). Os filisteus deduzem que
a Arca chegou e demonstram grande medo. Diante de um quadro desse, o leitor
pode pensar “a vitória está ganha”. Porém o texto é lacônico ao afirmar:
“Israel foi vencido (...) foi grande a derrota” (1 Sm 4, 10) e a Arca da
Aliança, sinal da presença de Deus foi levada pelos filisteus.
Deus tem um propósito claro que é demonstrar que Dagon, o
ídolo dos filisteus, não é nada (1 Sm 5).
Mas há uma outra mensagem que podemos adotar aqui. Nós
seres humanos adoramos a Deus com aquilo que somos e aquilo que temos, porém
podemos cair na tentação de absolutizar os sinais de Deus, como a Arca da
Aliança, e tornar coisas divinas em ídolos.
Os israelitas, o sacerdote Eli e seus filhos, pecaram, por
isso não adianta gritos de jubilo que brotem de um coração que vive na
corrupção do pecado. Pode-se gritar muito diante da Arca ou do Santíssimo
Sacramento ou cantos estrondosos com uma parafernália gigantesca, mas se não há
uma intenção de se submeter verdadeiramente a Deus e buscar sua vontade e vivê-la
na própria vida, tudo se torna, inclusive a Sagrada Liturgia com todo o seu
esplendor, um teatro grotesco. A Sagrada Liturgia não é propriedade de ninguém,
mas da Igreja, e nela somos convidados a adorar a Deus em “espírito e verdade”
(Jo 4, 4, 23).
Podemos até nos escandalizar, mas pode-se cair na
idolatria inclusive diante e com o Santíssimo Sacramento, pois se o tratarmos
como se fosse um pão mágico, tentando instrumentalizá-lo, isso é idolatria e
assim imitamos os israelitas, que pensando estar adorando a Deus, com grandes
brados religiosos, porém pela sua vida não estavam. Mas, não tenhamos somente
uma visão de violação de rubricas, obvio isso é grave também. Mas se cumprirmos
perfeitamente tudo segundo a liturgia e ao mesmo tempo somos hipócritas nosso
louvor não agrada a Deus. Ninguém instrumentaliza a Deus, de Deus não se zomba,
pois quem planta na carne e não no espírito, não pode louvor verdadeiramente a
Deus (Gl 6, 7-9).
Jesus já alertava para a falsa intenção nas orações, como
quando censura os fariseus: “Ai de vós,
escribas e fariseus, hipócritas, porque devorais as casas das viúvas e, para o
justificar, fazeis longas orações; por isso, sofrereis juízo muito mais
severo!” (Mt 23, 14). Ou ainda quando diz que a oração cristã não consiste em
forçar a Deus como na oração pagã, que tinha a visão de atormar aos deuses com
lamúrias e assim se conseguiria o seu favor: “E, orando, não useis de vãs
repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão
ouvidos” (Mt 6, 7).
Afinal qual é a nossa posição na
oração e no louvor? A chave é a humildade. Sempre e não importa o momento.
Diante de Deus devemos nos apresentar como pobres (cf. Mt 5, 3), ou como
publicano batendo no peito e não com o orgulho do hipócrita apresentando as
contas para Deus (cf. Lc 18, 9-14), humildade
da cananéia que reconhece-se pequenina para obter a graça (cf. Mc 7, 24-30). O
reconhecer-se necessitado sempre vai abrir as portas para o verdadeiro louvor a
Deus e também nos abre à graça para viver o Louvor de Deus.
Não é a toa que o verbo proskuneo, traduzido muitas vezes por
adorar (Jo 4, 20; 12, 20; At 8, 27), é se dobrar perante alguém, ou beijar a
mão de alguém, o ajoelhar ou se prostrar, não é uma humilhação diante de um
déspota, mas saber-se pequeno diante de Deus, como uma criança (cf. Mt 18, 4).
Amém.