INSTITUTO
SUPERIOR DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS RELIGIOSAS SÃO BOAVENTURA
WILLIAM JESUS GOMES
A DIMENSÃO ESCATOLÓGICA DO
CARISMA DO LOUVOR DE DEUS
São Paulo
2021
WILLIAM
JESUS GOMES
A DIMENSÃO ESCATOLÓGICA DO
CARISMA DO LOUVOR DE DEUS
Monografia do Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências
Religiosas, como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharelado em
Teologia sob a orientação do Profº Dr. Pe. Ari Luis do Vale Ribeiro.
São Paulo
2021
WILLIAM JESUS GOMES
A DIMENSÃO ESCATOLÓGICA DO CARISMA DO
LOUVOR DE DEUS
Monografia de Conclusão de Curso
apresentada ao Instituto Superior de Filosofia e Ciências Religiosas São
Boaventura, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharelado
em Teologia sob a orientação do Profº Dr. Pe. Ari Luis do Vale Ribeiro.
Nota:
______________________
Data da aprovação:
____/____/____
“Decorra a vida presente
no louvor de Deus, porque a eterna alegria de nossa vida futura será o louvor
de Deus. Ninguém será idôneo para a vida futura, se de certo modo não se
exercitar para isso.”
Santo Agostinho
RESUMO
O presente trabalho tem como tema a “Dimensão escatológica do
carisma do
Louvor de Deus” e seu principal objetivo é
estabelecer a relação entre a vivência do carisma Salvista com o louvor vivido
pela comunidade dos salvos, ou seja, pelos santos que já estão no céu. Para
chegar a essa compreensão foi necessário abordar as partes do tema
separadamente. Num primeiro momento foram aprofundados os temas concernentes ao
Tratado da Escatologia e sua sistematização histórica, depois, foram abordadas
as concepções de carisma, partindo da Sagrada Escritura para as visões
eclesiológicas e cristológicas, para então entender o Louvor de Deus como
carisma inspirado pelo Espírito Santo. Este carisma é vivido primeiramente na
liturgia. A vivência do carisma Salvista edifica o Corpo Místico de Cristo e
santifica quem louva e a comunidade na qual está inserido, assim, aquele que
louva une os seus louvores com os louvores eternos.
Palavras-chave: escatologia, céu, louvor de Deus, louvor na bíblia,
liturgia, santidade.
RESUMÉ
Le présent ouvrage a pour thème la «
dimension eschatologique du charisme de la louange de Dieu » et son objectif principal
est d'établir la relation entre l'expérience du charisme salvista avec la
louange vécue par la communauté des sauvés, c'est-àdire, par les saints qui
sont déjà au ciel. Pour parvenir à cette compréhension, il était nécessaire
d'aborder les parties du sujet séparément. Dans un premier temps, les thèmes
concernant le Traité d'Eschatologie et sa systématisation historique, puis les
conceptions du charisme ont été abordées, partant de l'Ecriture Sainte
jusqu'aux visions ecclésiologiques et christologiques, pour ensuite comprendre
la Louange de Dieu comme un charisme inspiré par l'Esprit Saint. Ce charisme
est d'abord vécu dans la liturgie. L’éxperience du charisme Salvista construit
le Corps mystique du Christ et sanctifie ceux qui louent et la communauté dans
laquelle ils sont insérés, ainsi, ceux qui louent joignent leurs louanges aux
louanges éternelles.
Mots-clés:
eschatologie, ciel, louange de Dieu, louange dans la bible, liturgie, sainteté.
LISTA DE
ABREVIATURAS E SIGLAS
AA – Decreto Apostolicam
Actuositatem
CIgC – Catecismo da Igreja
Católica
DV – Encíclica Dominum
et vivificantem
EP – Carta Encíclica Evangelii Praecones
GE - Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate
IGLH – Instrução Geral da
Liturgia das Horas
LG – Constituição
Dogmática Lumen Gentium
PC – Decreto Perfectae
Caritatis
SC –
Constituição Sacrosanctum Concilium
SS – Carta Encíclica Spe Salve
VC – Exortação Apostólica Vita Consecrata
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 09
CAPÍTULO 2 – CARISMA E LOUVOR DE
DEUS.......................................................... 26
CAPÍTULO 3 – LOUVOR DE DEUS COMO
ANTECIPAÇÃO DO CÉU.................... 42
3.2.
Santificação pessoal e comunitária fruto do Louvor de Deus.............................. 46
INTRODUÇÃO
O carisma Salvista é o Louvor de Deus. Este carisma possui
uma dimensão escatológica, porque é uma antecipação do céu. A ideia central
deste trabalho monográfico é, justamente, trilhar um caminho para a compreensão
de como se dá essa antecipação do céu através da vivência do Louvor no
cativeiro da vida presente. Para estabelecer essa relação é necessário
compreender o Tratado da Escatologia, isto é, compreender o devir histórico que
levou à sistematização deste Tratado Dogmático, que tem por objetivo estudar a
doutrina das coisas últimas, o que era chamado de “Novíssimos”, cujos temas
são: morte, imortalidade da alma, ressurreição dos mortos, juízo particular e
final, parusia, inferno, purgatório e céu.
Com o intuito de esclarecer o que é o carisma do Louvor de
Deus serão apresentadas as definições de carisma a partir da perspectiva
bíblica, de forma particular, o pensamento paulino, já que Paulo é o autor
sagrado que mais fala sobre o tema. Partindo da concepção bíblica, a Igreja
elabora a sua concepção de carisma, atenta a voz do Espírito que distribui
diversos novos dons para a humanidade para favorecer a edificação do Corpo
Místico de Cristo.
Todo carisma possui uma dimensão cristológica, portanto, todo
carisma apresenta uma face de Cristo para a humanidade. Através do carisma, que
é dom de Deus, o Espírito Santo forma o Cristo e O manifesta ao mundo. O Louvor
de Deus é um carisma inspirado pelo Espírito Santo no coração do Servo de Deus
Padre Gilberto Maria Defina, que fundou a Fraternidade Jesus Salvador
(Salvistas) e seus ramos, para manifestar ao mundo a face do Cristo que louva
ao Pai no Espírito.
O Louvor está presente em toda a Sagrada Escritura, desde a
criação até o Apocalipse, inclusive nos lábios e atos de Jesus. E, a partir do
Louvor presente na Revelação, é que surge este carisma no seio da Igreja.
Carisma este que se realiza primeiramente na liturgia, que gera santificação
pessoal e comunitária, e sem dúvidas, mostra um caminho seguro para a
eternidade junto de Deus Uno e Trino.
CAPÍTULO 1 ESCATOLOGIA
1. Escatologia:
conceito e breve relato histórico
O estudo da escatologia encontra-se dentro do campo da
teologia dogmática. Este tratado foi posposto por um grande período da história
por abordar o mistério da vida futura.
O termo escatologia vem do grego εσχατóς (eskatós) que
significa extremo e o sufixo λόγος (logos) que quer dizer doutrina. No
início era chamado de Tratado dos Novíssimos, aborda o fim do homem e da
humanidade. Esse tratado era considerado o último da teologia dogmática. Sob
influência de Albert Schweitzer, oriundo da Escola Liberal, teólogos católicos
começaram a aprofundar o tema dentro da dogmática católica que diverge da
escatologia protestante (cf. BORN, 1977, p. 464).
Segundo Franz-Josef Nocke,
Na dogmática católica costuma-se
denominar o discurso da consumação de “escatologia”. Na maioria das vezes esse
termo é traduzido por doutrina das “coisas derradeiras” (do grego τα εσχατα [ta eschata)]. Com isso se quer dizer: doutrina do fim do mundo, da
morte, ressurreição, juízo, céu e inferno. Esse discurso, porém, leva
facilmente a pensar que se trata de acontecimentos coisificados que, em futuro
indefinido, simplesmente sobreviriam ao mundo e à humanidade de fora. Em
contraposição a isso a teologia mais recente acentua: não se trata de quaisquer
coisas, e, sim, do futuro da criação, não de algo que irrompe sobre o homem e
mundo vindo de fora, e, sim, de consumação de vida que já começou, não de algo
puramente futuro e, sim, também do presente, na medida em que ele está
determinado pelo direcionamento ao futuro. De acordo com o exposto, poderíamos
formular: escatologia reflete a esperança de consumação (2008, p. 340).
Com base na citação acima do Manual de Dogmática de Theodor Schneider, pode-se afirmar que o Eschaton é o acabamento da obra da
criação realizada por Deus, tendo como modelo o Cristo Jesus que com sua
Encarnação, Vida, Paixão, Morte e Ressurreição, antecipou o Eschaton, revelando
o que a humanidade será na Parusia.
A produção teológica do período da Reforma Protestante que,
juntamente com a teologia católica, ambas no âmbito da escatologia, focaram na
imortalidade da alma a partir de uma perspectiva funcional da sanção das
condutas morais, o que fez a escatologia entrar numa secularização, na qual se
anula a transcendência e pensa-se apenas no viés social da instauração do Reino
(cf. LACOSTE, 2014, p. 621). A Reforma Protestante ainda negou a existência do
purgatório, único tema escatológico abordado depois com mais veemência no
Concílio de Trento (1563).
No século XIX, surge
o marxismo que apresenta um discurso divergente do que está no centro do estudo
da escatologia, pois rejeitou o essencial para se deter a um projeto de
transformação social, histórica e científica. Dessa forma a escatologia cristã
católica é descaracterizada, porque Deus é tirado de seu papel e o evento Jesus
Cristo que é a referência do estudo escatológico, perde o seu sentido primário
que é mostrar que Ele é o princípio e o fim como se lê em Apocalipse 22, 13:
“Eu sou o Alfa e o
Ômega, o Primeiro e o
Último, o Princípio e o Fim.”
A escatologia marxista (o porvir
histórico, o fim da história) trata, certamente, de uma ordem social; a ordem
social tem que ser mudada e as características sociais do proletário são a base
para a expectativa escatológica (a expectativa do comunismo). O Evangelho trata
de um evento na ordem divina do mundo; a qualificação das pessoas para
pertencer ao Reino é incidental à questão essencial da transformação da alma
(VOEGELIN, 2012, p. 210).
Até chegar à sistematização contemporânea da escatologia
surgem diversos questionamentos, que só puderam ser respondidos com o retorno à
origem do cristianismo. No cristianismo primitivo o uso do termo “Maranatha” é compreendido no contexto
litúrgico da época e não pela ciência, pois faz referência constante ao Cristo
como “Aquele que veio e que há de vir”. Na Idade Média, o termo “Dies Irae” que remete ao dia do juízo e
é uma categoria do Antigo Testamento, pode ser tanto uma menção ao juízo
particular quanto ao juízo universal. Nos séculos XIX e XX aparece a expressão
“Salva tua alma” que ressaltou o
individualismo no processo da salvação, excluindo, dessa maneira, o caráter
comunitário na escatologia (cf. RATZINGER, 2019, p. 28-29).
A partir de agora, o foco será o objeto do estudo da
escatologia, para que assim o projeto de Deus para a humanidade revelado
através de seu Filho, Jesus Cristo, seja compreendido.
Para que possamos compreender bem a
Escatologia cristã, é necessário, antes, entender uma coisa muito importante: o
centro da esperança cristã é Cristo ressuscitado; [...] Jesus é o centro da fé
e da história humana: tudo quanto o Pai fez e pensou para a humanidade, e o
mundo foi feito através de Cristo e somente em Cristo terá sua realização (cf.
Cl 1, 15-20). Portanto, as coisas últimas que acontecerão nada mais são que o
cumprimento amoroso daquilo que o Pai sonhou para nós desde o início, em Cristo
(COSTA, 2018, p. 9).
Jesus é o fim absoluto de toda a criação. Assim aponta um
grande teólogo do século XX, Hans Urs Von Balthasar, que coloca a Pessoa de
Jesus Cristo num lugar absolutamente central em sua teologia. Para ele, a
verdadeira escatologia é a vida trinitária de Deus revelada no Filho Eterno.
Ele é a salvação de Deus transmitida por Ele mesmo. Partindo de Jo 11, 25, ele
afirma que Jesus é o juiz e a ressurreição (cf.
BRUSTOLIN, 2019, p.9).
Deus é o fim último (Escaton) das criaturas: Ele é o céu para
quem o alcança, o inferno para quem o perde, o juízo para quem por Ele é
examinado, o purgatório para quem por Ele é purificado [...] E tudo isto no
modo em que ele dirigiu-se ao mundo, isto é, no seu Filho, Jesus Cristo, que é
a revelação de Deus e, portanto, a síntese das coisas últimas! (BALTHASAR in
COSTA, 2018, p. 12).
1.1. Igreja Primitiva, Patrística e Idade Média
Como se viu anteriormente, houve um desenvolvimento para se
chegar à compreensão que hoje se tem acerca da escatologia de maneira
sistemática.
Na Igreja Primitiva até os dois primeiros séculos da nossa
era não se desenvolveu de maneira aprofundada nenhum estudo das coisas últimas,
porque a volta do Messias, Cristo Jesus, era considerada iminente. Os sistemas
teológicos que surgiram a partir do século III uniram a escatologia à
cristologia com reflexões sobre o “como”, o “quando” e o “onde” do cumprimento
da promessa de Jesus. Nasceram reflexões teológicas para combater heresias do
cristianismo nascente, entre elas o gnosticismo. Isto é um marco importante na
história da escatologia, pois se tornou base para a construção do raciocínio
escatológico. Algumas reflexões deste período deram origem a outras heresias,
como o milenarismo, e por isso foram questionadas e rebatidas (cf. LACOSTE,
2014, p. 620-621).
Deste período importantíssimo na história da Igreja vale
ressaltar a importância de alguns autores que marcaram o desenvolvimento da
teologia da esperança cristã, dentre eles estão: Justino, Clemente de
Alexandria e Agostinho de Hipona.
Justino Mártir (100 – 165 d.C.) foi um teólogo cristão,
apologista e de influência platônica que em meio a uma sangrenta perseguição
aos cristãos se converteu ao cristianismo. Na obra Diálogo com Trifão, refuta a doutrina da transmigração das almas a
partir da concepção cristã de que o Homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus e que seu corpo é casa do sopro de Deus, o que revela uma unidade que
permite o Homem ver a Deus e conclui com a profissão de fé na ressurreição (cf.
FIGUEIREDO, 2009, p. 176-177).
Clemente de Alexandria (150 - 215 d.C.) foi um professor,
escritor, teólogo, discípulo de Panteno e líder da Escola de Alexandria,
importante apologista que refutava letrados de seu tempo para defender a fé e a
doutrina cristã. Na obra Stromata,
manifestou uma preocupação com as almas, pois as considerava a melhor parte do
ser humano, mas não coloca o corpo como mau por natureza, até porque foi criado
por Deus. As almas são imortais e incorruptíveis, são dom de Deus, pois o
Espírito Santo habita nelas. A morte é passagem para uma vida superior onde há
a presença de Deus, sendo este o fim último do cristão. A ressurreição no
último dia será a iluminação última do homem (cf. SESBOÜÉ, 2003, p. 360).
Clemente pensa numa possibilidade de
purificação das almas após a morte. O caminho da alma para o conhecimento de
Deus, que vai além deste mundo, é uma purificação. Somente quando esse caminho
foi percorrido é que se pode falar de perfeição do homem. Em Clemente se
encontra também uma abertura para a doutrina que levará à representação,
ulteriormente desenvolvida, de um lugar de purificação chamado purgatório. De
outro modo, essa doutrina da purificação, em Clemente, põe a questão da
salvação possível de todos os homens. Os castigos após a morte parecem ter essa
finalidade de purificação, mais que a de sanção definitiva (SESBOÜÉ, 2003, p.
360).
Agostinho (354 – 430 d.C.), cuja teologia influenciou no
ocidente, com a célebre obra “Cidade de
Deus” inaugura um novo movimento no estudo da escatologia a partir de sua
experiência pessoal. Ele vê uma oposição entre a cidade de Deus e a cidade
terrestre, mas para ele é clara a supremacia da cidade de Deus que triunfará em
Cristo. Devido a uma tendência milenarista em sua juventude, faz uma
interpretação eclesiológica da “primeira ressurreição” atribuindo a ela o
batismo e suas consequências, mas afirma que ainda virá a ressurreição
definitiva e o juízo final (cf.
NOCKE, 2008, p. 394-395).
Esses acontecimentos devem se
distinguir da ação da graça salvadora de Deus na história. Nela, os cristãos
são como peregrinos, mesmo que tenham já a firme esperança dos bens futuros. No
momento final, terão lugar a vinda gloriosa de Cristo e a ressurreição dos
mortos. Será também o momento do juízo, em que cada qual receberá conforme suas
obras (SESBOÜÉ, 2003, p. 366).
Cada um será julgado conforme suas obras. Os santos que já
morreram estão em Deus, porém ainda não em plenitude, pois esta só se dará na
ressurreição dos mortos. Para eles a salvação é eterna; para os condenados, a
condenação é eterna.
Santo Agostinho, fiel à tradição
recebida, falará do fogo purificador (ignis
purgatorius). Santo Agostinho expõe a necessidade desta realidade purificatória
ultraterrena depois da morte, não para todos os pecadores. Por fim, para além
da aplicação de sacrifícios aos defuntos, ele também elenca a oração dos vivos
pelos defuntos. Esta linha agostiniana irá prevalecer na reflexão teológica
ocidental, e irá estar presente no primeiro tratado sistemático de escatologia,
Prognosticon futuri saeculi de Julião
de Toledo, dos finais do século VII. [...] Julião tem o cuidado de distinguir o
fogo do Purgatório, do fogo do Inferno (SANTOS, 2015, p. 13).
Toda teoria escatológica de Agostinho é orientada para a
consumação final, pois para ele a fé na ressurreição é o distintivo cristão
(cf. SESBOÜÉ, 2003, p. 366-367).
Até a Idade Média a escatologia não tinha um tratado
específico na teologia dogmática. Ela era incorporada na cristologia, no
tratado da graça ou na teologia da criação. A escolástica fez essa separação e
começou a abordá-la com princípios aristotélicos. No século XII, surge a
doutrina sobre o purgatório, especialmente após a grande ruptura da Igreja do
Ocidente com a Igreja do Oriente. Vale ressaltar que este já era um tema
abordado na patrística, entretanto, sem grande sistematização, por Clemente de
Alexandria, Orígenes, Cirilo de Jerusalém e Agostinho. A Idade Média se
preocuparia com essa realidade (cf. LACOSTE, 2014, p. 621).
No século seguinte o purgatório entra na linguagem dos
papas, na teologia, na pastoral e na tradição mística. Santa Teresa D’Ávila,
doutora da Igreja, no início da Idade Moderna, vê o purgatório positivamente,
compreende sem dúvida o sofrimento, mas não deixa de ser uma experiência
mística alegre da aproximação cada vez maior da contemplação de Deus.
Santo Tomás de Aquino não
escreveu sobre a escatologia na Suma Teológica.
É na obra de sua juventude, “Comentários sobre as Sentenças”, que
elabora uma sistematização de sua doutrina escatológica, e nela encara os
problemas de sua época dissertando sobre os acontecimentos futuros que dizem
respeito a cada homem e à humanidade inteira no além da história (cf. SESBOÜÉ,
2003, p. 376-380).
Na vida eterna, em primeiro lugar o
homem se une a Deus. o próprio Deus é a recompensa e o fim de todos nossos
labores. [...] Essa união consiste na visão perfeita, pois “agora vemos em
espelho e de modo confuso; mas então será face a face” (1Cor 13,12). Ela
consiste igualmente no supremo louvor [...] e também na perfeita satisfação do
desejo, porque todo bem-aventurado terá mais do que ele desejaria e esperaria.
A razão disso é que nesta vida nada pode satisfazer seu desejo e nenhuma coisa
criada é capaz de satisfazer o desejo do homem. Somente Deus o sacia e o
ultrapassa infinitamente [...] E, como os santos na pátria possuirão
perfeitamente Deus, é claro que o desejo deles será saciado e que a glória o
ultrapassará. [...] Tudo o que há de deleitável é dado lá de maneira
superabundante. [...] Lá se encontrará o deleite supremo e perfeito porque se
trata do Soberano Bem, ou seja, de Deus. [...] Ele consiste igualmente na feliz
comunhão de todos os bem-aventurados; e essa comunhão será em ampla medida
deliciosa porque cada um possuirá os bens em comum com todos os
bem-aventurados. Cada qual amará o outro como a si mesmo e gozará do bem do
outro como do próprio. Por isso, a alegria e o regozijo de cada um crescerão na
medida da alegria de todos (SANTO TOMÁS DE AQUINO in SESBOÜÉ, 2003, p. 383-384).
Os Concílios da Idade Média tentaram estabelecer um diálogo
com a Igreja Oriental no que concerne à doutrina do purgatório. É neste
contexto que purgatório deixa a concepção de ser um lugar. A oração dos vivos
pelos defuntos é considerada útil para o alívio das penas temporais (cf.
SESBOÜE, 2003, p. 385-386).
Toda a teologia católica foi e é desenvolvida em torno de
três pilares, são eles: Sagrada Escritura, Tradição e Magistério. Até aqui foi
abordado o desenvolvimento histórico da escatologia católica e algumas
categorias introdutórias baseadas na Tradição e no desenvolvimento do
Magistério, mas não é suficiente, pois a escatologia possui um enorme campo de
estudo a ser trabalhado, portanto, a partir de agora serão aprofundados os
Novíssimos e desenvolvidos temas escatológicos, com seus respectivos
embasamentos bíblicos e suas valorações teológicas.
1.2. Os Novíssimos
Como dito anteriormente, foi a partir da doutrina dos
“Novíssimos” que surgiu o Tratado da Escatologia. Eles falam sobre a morte,
ressurreição dos mortos, juízo particular e universal, céu, purgatório, inferno
e Parusia. Estas realidades foram reveladas por Jesus Cristo e, ao longo da
história, o Magistério, apoiado na Revelação, desenvolveu a doutrina.
No Catecismo de São Pio X, encontra-se um breve resumo do
porquê os novíssimos são considerados as últimas coisas que acontecerão ao
homem.
Os Novíssimos chamam-se últimas
coisas que acontecerão ao homem porque a Morte é a última coisa que nos
acontece neste mundo; o Juízo de Deus é o último entre os juízos que temos de
passar; o Inferno é o último mal que hão de sofrer os maus; e o Paraíso é sumo
bem que hão de receber os bons (SÃO PIO X, 2015, 967).
1.2.1. Morte,
imortalidade da alma e ressurreição dos mortos
Há algumas compreensões sobre a morte no Antigo Testamento,
entretanto não são compreensões independentes umas das outras, são uma evolução
no pensamento acerca da morte. A morte na velhice era considerada o curso
natural da vida humana, já que na velhice a pessoa pôde ver o crescimento dos filhos
e netos, sinal de bênção de Deus, como é notório em Gn 25 com a morte de
Abraão, e Gn 35 com a morte de Isaac (cf. LACOSTE, 2014, p. 1195).
Porém, quando a morte se dava na juventude o povo de Israel
via como uma intrusão da morte, não era considerado natural, mas um castigo
para aqueles que não eram justos, como se compreende a partir de Gn 3. A
fenomenologia da morte como abreviação da vida e como consequência de uma vida
de pecado surge da fenomenologia da enfermidade, na qual o ser é apartado da comunidade
do louvor e dos amigos e a única forma de restabelecer essa comunhão era
voltar-se para Deus, fonte da vida, como está descrito no Sl 16,10.
O Povo da Antiga Aliança elabora o conceito de Sheol, onde o Senhor não estava
presente, onde Ele não poderia ser louvado, e havia uma ausência plena da
comunicação com o Criador. A fé veterotestamentária rejeitava o culto aos
mortos e as ideias de imortalidade nele contidas. A partir do texto de
Dêutero-Isaías, passa-se a ter uma nova compreensão sobre o sofrimento e a
morte, que passam a serem vistos como caminho de purificação e transformação
para a reconciliação com Deus. Não são mais consideradas como rejeição e
abandono por Deus e nem mesmo como fim último. Neste momento há um princípio de
uma doutrina da ressurreição dos mortos (cf. RATZINGER, 2019, p. 94-103).
É na literatura martirial de Daniel e de II Macabeus que
aparece com maior clareza uma fé na ressurreição dos mortos, onde a morte
precoce não é causada pelo pecado, mas pela busca da vivência da fé e da
justiça. Entretanto, o principal foco destes escritos é que a vida em comunhão
com Deus está para além da morte (cf.
RATZINGER, 2019, p.
103-105).
Ao adentrar no pensamento neotestamentário começa-se a ver
novas concepções acerca da morte. A morte ganha novo sentido a partir da morte
de Jesus Cristo, que morreu pela salvação de todos os homens (cf. SÃO PIO X,
2015, 111).
Segundo Reid, a primeira compreensão sobre a morte no Novo
Testamento é espiritual que é fruto da incredulidade e do pecado como se vê de
maneira antagônica em Jo 8, 51, que diz: “Asseguro-vos que quem cumprir minha
palavra jamais sofrerá a morte.” A morte
espiritual é a morte eterna ou a segunda morte (cf. REID, 2013, p. 925) que se
dará na Parusia, quando será condenado ao inferno, descrito como um lago de
fogo conforme Ap 20, 14 (cf. HAHN; MITCH, 2020, p. 72).
Há também uma outra designação de morte que é a passagem do
pecado para o estado de graça dado à pessoa pelo batismo. Neste momento, o fiel
morre com Cristo para a realidade do pecado e entra para a realidade da vida na
graça. Assim aponta São Paulo na carta aos Romanos 6, 4: “Pelo batismo nos
sepultamos com ele na morte, para vivermos uma vida nova, assim como Cristo
ressuscitou da morte pela ação gloriosa do Pai.”
Jesus participou das tradições judaicas, que, como dito
anteriormente, considera a morte como ciclo natural da vida, mas a partir de
sua morte na Cruz, a morte recebe um significado mais pleno de sentido para
vida humana. Deus não é o autor da morte, mas Ele também não criou a humanidade
para viver na vida terrena por toda a eternidade, Ele criou para um dia estar
em comunhão plena com Ele em sua glória. Por isso a morte, a partir de uma
visão cristã não deveria ser vista negativamente, mas de forma positiva, porque
se trata de um encontro glorioso. Entretanto, o olhar negativo sobre a morte é
fruto do pecado, que amedronta, pois nega a Deus e ao seu amor salvífico. Jesus
viveu a morte física e experimentou o medo e a dor, mas deu sentido para essa
experiência humana (cf. COSTA, 2018, p. 95.).
Seria evidentemente temerário
pretender saber em que disposição interior Jesus viveu o instante de sua morte.
Numerosos indícios provam, contudo, que ele conheceu a angústia, a solidão e a
tristeza que acompanham a morte humana. Não conheceu nem a “bela morte” dos
justos do AT, nem a morte tranquila de Sócrates. Ele assumiu a morte do
pecador; e se pediu ao Pai que afastasse “este cálice” foi porque pôde viver
sua morte como fracasso de sua missão. Seu grito, “Meu Deus, meu Deus, porque
me abandonaste?”, pode ser interpretado como um grito de desespero; mas como
sugere a referência ao Sl 22 em Mt e Lc, é ao mesmo tempo uma entrega a Deus,
fonte da vida. Na morte de Jesus, a morte humana experimentada sob o signo do
pecado torna-se acesso à vida. Deus permanece fiel ao ressuscitar Jesus para
uma vida nova. “Pela morte de Jesus, a história do sofrimento e da morte do
mundo é introduzida na história de Deus” (LACOSTE, 2014, p. 1196).
São Pedro em sua primeira epístola usa de fórmulas
querigmáticas para falar de Cristo. No segundo capítulo se serve de Is 53 para
desenvolver a sua teologia que confessa Jesus como o Cordeiro pascal e sua
morte como sacrifício para o perdão dos pecados de toda a humanidade. Porém, a
morte de Jesus não pode ser vista separadamente da ressurreição. Para Pedro, a
ressurreição abre a esperança para o futuro, quando haverá o encontro entre
Deus e a humanidade (cf. COTHENET, 1986, p. 54). Este é o mesmo pensamento de
São Paulo ao escrever aos Filipenses 1, 23:
“O meu desejo é partir
para estar com Cristo”.
Houve no decorrer da história uma cristianização da morte.
A vitória de Cristo sobre a morte aponta o caminho que se deve seguir, Ele
inaugurou o caminho para todos os Homens.
E tal vitória Cristo a obteve em nome
e em favor do gênero humano a fim de que cada indivíduo, após a Redenção, saiba
que, embora deva morrer em consequência da culpa original, a morte não é para
ele mera sanção, mas, em seu sentido mais profundo, é o trânsito para a vida
eterna, título de glória (BETTENCOURT, 1955, p. 29).
A morte é a passagem para se encontrar com Cristo e com Ele
reinar por toda a eternidade, assim afirma São Cipriano:
Que motivo há, pois, para ansiedade e
desassossego? Quem fica inquieto e triste nesta situação, senão quem não tem
esperança e fé? Temer a morte é próprio de quem não quer ir para o Cristo. Não
querer ir para o Cristo é próprio de quem não crê que começará a reinar com ele
(CIPRIANO, 2016, p. 134).
Diante da realidade da morte surge outro questionamento:
qual o destino da alma humana após a morte? É a partir desta indagação é
possível abordar os temas da imortalidade da alma e da ressurreição dos mortos
de acordo com o pensamento teológico elaborado pela Igreja, que se baseou na
Sagrada Escritura.
Vale ressaltar que estes temas estão intrinsecamente
ligados. A ressurreição dos mortos, como afirma o Catecismo da Igreja Católica nos parágrafos 992 a 1004, foi
revelada de maneira progressiva ao povo de Deus. Na época de Jesus, haviam
partidos que acreditavam na ressurreição dos mortos e outros que, ao contrário,
não criam. A estes, Jesus pregava assertivamente a veracidade da ressurreição
dos mortos, pois ela está ligada à fé em Deus que é Deus dos vivos e não dos mortos
(cf.
Mc 12, 27).
O Pai ao ressuscitar o Filho mostra à humanidade claramente
o caminho que é percorrido por todo ser humano, já que é em virtude da
ressurreição de Cristo que o gênero humano ressuscitará. “Pela morte, a alma é
separada do corpo.” (CIgC 1016) A alma vai ao encontro de Deus, onde será
julgada particularmente e o corpo cairá na corrupção. Neste julgamento em que
se é tratado o destino da alma, que como afirma a Igreja, é imortal. É pela fé
na imortalidade da alma que se crê na intercessão dos santos.
Cada homem recebe em sua alma imortal
a retribuição eterna a partir do momento da morte, num Juízo Particular que
coloca sua vida em relação à vida de Cristo, seja por meio de uma purificação,
seja para entrar de imediato na felicidade do céu, seja para condenar-se de
imediato para sempre (CIgC 1022).
A Igreja, na Carta
sobre algumas questões respeitantes à escatologia de 1979, “afirma a
sobrevivência e a subsistência depois da morte de um elemento espiritual,
dotado de consciência e vontade, de tal modo que o ‘eu humano’ subsista.” Para
isso usa o termo alma, levando em consideração a Sagrada Escritura e a
Tradição. (cf. https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_d
oc_19790517_escatologia_po.html) Ao abordar o tema da ressurreição na Sagrada
Escritura volta-se o olhar de maneira particular aos textos neotestamentários
que afirmam a fé na ressurreição, por exemplo, em: Mc 12; Jo 6.11; Rm 6, 1-14 e
1Cor 15.
Comentando esta carta da Congregação para Doutrina da Fé,
Dom Henrique Soares da Costa disse que:
Deus nos ama e não permite que
sejamos destruídos; ele criou o homem para a comunhão com Ele e, assim, nos deu
uma dimensão imaterial, espiritual (alma) que, mesmo após a morte, sobrevive.
Temos uma alma imortal, indestrutível, porque Deus nos criou para nos amar
eternamente e, somente vivos podemos ser amados: Ele não é Deus dos mortos, mas
dos vivos! Se vivermos unidos a Cristo, estaremos com Ele e esta nossa “alma”
será glorificada, completamente transformada, plena da bem-aventurança de
Cristo. Mas, se lhe dissermos “não” nesta vida, vamos estar longe do Senhor,
naquela situação que a Escritura chama de inferno (COSTA, 2018, p. 114).
Portanto, ressuscitar é chegar à plenitude da criação, não
é uma nova pessoa, mas a mesma pessoa com a mesma identidade, assim como foi
Jesus com seus discípulos (cf. MESTERS; OROFINO, 2019, p. 94-95).
1.2.2. Juízo
Particular, Juízo Final e Parusia
Após as reflexões acima sobre a morte, imortalidade da alma
e a ressurreição dos mortos é possível compreender melhor o que a escatologia
católica aponta como acontecimentos pós-morte.
A Sagrada Escritura ao falar de juízo, geralmente se refere
ao juízo final, também chamado de juízo universal, que será visto adiante, mas
há algumas passagens, como Lc 16,19-31 (parábola do homem rico e do mendigo),
Lc 23, 43 (palavras de Jesus ao bom ladrão na cruz), 2Cor 5, 6s (exilar-se do
corpo para residir junto ao Senhor), Fl 1,23 (morrer e estar com Cristo), que
deixam claro a existência de um julgamento logo após a morte, ou seja, após a
separação da alma e do corpo há um encontro com o Justo Juiz que dará a
determinação da sorte de cada alma (cf. BETTENCOURT, 1955, p. 48-49).
O Catecismo da Igreja
Católica no parágrafo 1021, tendo por base a passagem de Tg 2,14-26, coloca
o juízo particular como uma retribuição imediata depois da morte de cada um em
função das obras e da fé.
O Juízo Final está vinculado à Parusia, ou seja, à volta
gloriosa de Cristo. A volta gloriosa de Jesus e o juízo final estão na
Profissão de Fé do catolicismo, que diz que o Filho está sentado à direita do
Pai, de onde há de vir e julgar os vivos e os mortos. A comunidade primitiva
acreditava que o retorno de Jesus seria rápido, porém, foi Cristo quem disse em
Mc 13, 32, que só o Pai sabe a hora da sua volta. Jesus não virá para condenar,
mas para julgar as obras e a fé de cada Homem (cf. MESTERS; OROFINO, 2019, p.
53-57). É o momento em que Ele separará os bons dos maus, e que toda a história
e toda a humanidade serão passadas a limpo.
A fé no regresso de Cristo revela não um acabamento
intra-histórico, mas a certeza de que toda a criação alcançará a plenitude pela
força do amor indestrutível da ressurreição de Cristo. Ter esta fé é crer que,
no final, a verdade julgará e o amor triunfará superando a história (cf.
RATZINGER, 2019, p. 213).
Fica, portanto, uma questão: como explicar
Juízo particular e Juízo Final? Não são dois juízos, mas dois momentos do mesmo
julgamento: no momento da morte é a verdade da minha vida que aparece, no Juízo
Final tudo quanto fui e fiz aparecerá dentro do contexto de toda a humanidade:
verei, então, claramente, as consequências de todo bem e de todo mal que
realizei ou deixei de fazer! [...] a Parusia do Senhor Jesus [...] será causa
da ressurreição dos mortos: Cristo glorioso glorificará toda a humanidade,
vivos e mortos! (COSTA, 2018, p. 30-31).
1.2.3. Inferno,
Purgatório e Céu
O Concílio Ecumênico Vaticano II, na Constituição Dogmática
Lumen Gentium (LG), no sétimo
capítulo aborda temas de escatologia. O parágrafo 49 apresenta de forma
sistemática os possíveis destinos dos justos após a morte do corpo.
Até que o Senhor venha na sua
majestade, e todos os anjos com ele (cf. Mt 25,31), e até que lhe sejam
submetidas todas as coisas, com a destruição da morte (cf. 1Cor 15,26-27),
alguns dos seus discípulos peregrinam na terra, outros, já passados desta vida,
estão se purificando, e outros vivem já glorificados, contemplando “claramente
o próprio Deus, uno e trino, tal qual é” (LG 49).
Aqueles, que na sua autonomia negaram o projeto de salvação
de Deus, operado através de Jesus Cristo, pela ação do Espírito Santo, são
destinados ao fogo eterno, chamado inferno. Lá as almas dos que morrem em
estado de pecado mortal sem arrependimento sofrem as penas do inferno, sendo a
principal delas a separação eterna de Deus, que é amor e que pode dar a vida e
a felicidade eterna.
Ninguém é predestinado por Deus ao inferno, como afirma o
autor da 2Pd em 3,9: “que ninguém se perca, mas que todos venham a
converter-se”. Deus predestinou todos à salvação (cf. Ef 1, 3-14), porém é
necessária a adesão voluntária e livre de cada um. Caso haja a aversão
voluntária a Deus sem arrependimento até a morte, no juízo particular, Jesus
pronunciará a condenação de Mt 25,41 “Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo
eterno!”
Nos dois séculos anteriores ao cristianismo já havia uma
ideia de uma condenação eterna, que é notada na pregação de Jesus e dos
apóstolos (cf. RATZINGER, 2019, p. 214). A condenação eterna, como dito
anteriormente, é fruto da liberdade humana, assim também afirma Ratzinger:
Cristo, vai ao Inferno e sofre até
deixá-lo vazio, mas não trata os homens como menores de idade, como incapazes
de responderem pelo seu próprio destino; ao contrário, seu Céu descansa na
liberdade, que até aos condenados deixa o direito de querer sua danação
(RATZINGER, 2019, p. 215).
O Purgatório é para os homens que morrem na graça e na
amizade com Deus, porém ainda não estão completamente purificados para
contemplarem a face de Deus. Aqueles que vão para o purgatório já têm a
garantia da salvação, mas passarão pela purificação final, que é totalmente
diferente do castigo dos condenados ao Inferno.
A Igreja se apoia na tradição da oração pelos defuntos da
Comunidade Primitiva e que também é relatada na Sagrada Escritura em 2Mc 12,46.
No Novo Testamento, o texto usado para dar base à doutrina do Purgatório é de
Mt 5, 26, que diz: “dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo”,
bem como 1Cor 3,15 e 1Pd 1,7 (cf. CIgC 1030-1032).
Diferente do Inferno e do Céu, o Purgatório não é eterno
para aquele que entra nesta realidade, é uma passagem, não se mede o tempo de
maneira terrena, mas há uma temporalidade nesta passagem até alcançar a
purificação completa para chegar ao destino definitivo e eterno, o Céu (cf.
RATZINGER, 2019, p. 227). Diante desta afirmação é possível concluir que o
Purgatório não é para buscar a conversão, mas um tempo para a purificação
daqueles que ainda estavam apegados ao pecado, porém que seguiram a Cristo
durante a vida terrena.
A Comissão Teológica Internacional, em 1990, lançou o
documento “Algumas questões atuais sobre
Escatologia”, no qual afirma no parágrafo 8.1, que é necessária uma
purificação antes do encontro definitivo com Deus, para tal afirmação utilizou
de forma análoga a passagem do lava-pés em Jo 13,10 (cf. https://www.vatican.va/roman
_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1990_problemi-attuali-escatologia_
sp.html). “A purificação é entendida
como sofrimento para a consumação: ao mesmo tempo beatificante, porque é
libertador e consumador, mas também doloroso, porque separa das escórias do
pecado que se tornaram uma parte do próprio eu” (NOCKE, 2008, p. 414).
Não se trata de uma espécie de campo
de concentração no além, onde o homem tem de cumprir penas que lhe são impostas
de uma maneira mais ou menos positivista. Trata-se, antes, do processo
internamente necessário de transformação do homem, através do qual ele se torna
capaz de Cristo, capaz de Deus e, portanto capaz da unidade com toda a communio sanctorum (RATZINGER, 2019, p.
227-228).
A última possibilidade sobre o destino da alma humana a ser
exposta neste capítulo é o Céu. A esperança cristã tem sua base na promessa da
vida eterna feita pelo próprio Jesus, como se pode ver em Jo 6, 37-40 que, em
meio ao discurso do Pão da Vida, afirma que Ele veio do Pai para salvar e dar a
vida eterna a todo aquele que n’Ele crer.
Não basta crer em Jesus para alcançar o cumprimento da
promessa feita por
Ele. O Catecismo
da Igreja Católica no parágrafo 1023 diz que “os que morrem na graça e na
amizade de Deus, e que estão totalmente purificados, vivem para sempre com o
Cristo.” É no Céu que se pode contemplar o Senhor face a face (1Jo 3,2) e vêLo
tal como Ele é (1Cor 13,12). Esta visão é chamada de beatífica, que é o ato da
inteligência pelo qual os santos conhecerão Deus. Ela é a verdadeira e maior
felicidade do Homem (cf. LACOSTE, 2014, p. 1863).
É a vida perfeita dada por Deus àqueles que lhe foram fiéis
ao longo da sua vida terrena e que em tudo buscaram a Verdade. É onde acontece
a comunhão perfeita com a Santíssima Trindade e com toda a Igreja Triunfante.
Os que lá chegam são bem-aventurados, assim diz Jesus em Mt 5, 8:
“Bem-aventurados os que tem o coração puro, pois verão a Deus.”, porque possuem
a plenitude dos frutos da redenção operada por Cristo Jesus, que glorifica
aqueles que creram n’Ele e lhe foram fiéis, além de lhes dar a graça de
reinarem com Ele por toda a eternidade (Ap 22,5).
Este mistério de comunhão
bem-aventurada com Deus e com todos os que estão em Cristo supera toda compreensão
e toda imaginação. A Escritura fala-nos dele em imagens: vida, luz, paz, festim
de casamento, vinho do Reino, casa do Pai, Jerusalém celeste, Paraíso. “O que
os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu,
isso Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9) (CIgC 1027).
O Papa Bento XVI na Carta Encíclica Spe Salve na mesma linha de raciocínio do Catecismo afirma que:
A única possibilidade que temos é
procurar sair, com o pensamento, da temporalidade de que somos prisioneiros e,
de alguma forma, conjeturar que a eternidade não seja uma sucessão contínua de
dias do calendário, mas algo parecido com o instante repleto de satisfação, em
que a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o instante de mergulhar
no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não
existe (SS 12).
Diante de todo o itinerário desse capítulo conclui-se que
houve um processo de desenvolvimento teológico ao longo da história para a elaboração
do Tratado Dogmático da Escatologia. No período da Igreja Primitiva não havia
elaboração de tratados dogmáticos, entretanto havia produção teológica. Os
padres da Igreja produziram um vasto estudo teológico de acordo com as demandas
do seu tempo. Na Idade Média aparecem as divisões dos tratados dogmáticos, mas
o tratado das coisas últimas estava unido à cristologia, ou à teologia da
graça, ou ao tratado de Deus Criador.
Os escritos sobre os novíssimos manifestam o
desenvolvimento do Tratado da Escatologia. Como dito anteriormente, fazem parte
dos novíssimos o estudo sobre a morte, que foi ressignificada a partir do
evento Jesus Cristo; a ressurreição dos mortos, que se baseia na ressurreição
do Messias, pois se Jesus não ressuscitou vã é a fé cristã (cf. 1Cor 15,14);
juízo particular, que se dará após a morte; o juízo universal acontecerá na
Parusia (segunda vinda do Senhor) para todos os que morreram ou que estão
vivos, quando se dará o acabamento de toda a criação; o Inferno é para aqueles
que na vida terrena, na sua liberdade, se fecharam ao Cristo e ao projeto de
salvação; o Purgatório é meio de purificação para alcançar a salvação; o Céu é
a visão beatífica que revela Deus como fonte de imortalidade e vida plena.
No próximo capítulo será falado do Louvor de Deus, que além
de ser o carisma da Fraternidade Jesus Salvador, fundada pelo Servo de Deus
Gilberto Maria Defina, é um chamado de Deus a todo cristão, que deve viver já
nesta vida como viverá na eternidade. “Santo Agostinho dizia no século V: ‘A
exultação da nossa Vida eterna será o Louvor de Deus’” (COSTA, 2018, p. 76).
CAPÍTULO 2 CARISMA E LOUVOR DE DEUS
2. Definição
bíblica de carisma
O termo carisma tem origem na língua grega, χάρισμα, derivado de χάρις, e pode ser estudado a partir de uma percepção bíblica, é
normalmente traduzido por “dom do Espírito”. Fora dos escritos paulinos o termo
só aparece uma vez no Novo Testamento na 1Pd 4,10, mas possui o mesmo
significado. De acordo com o contexto do escrito, o termo possui variações de
significado, porém sempre se referencia a algo dado por Deus (cf. MCKENZIE,
graça, 2011, p. 359-360).
Segundo A. Van Den Born,
Em alguns casos a palavra indica a
vida divina do cristão (Rm 5,15; 6,23; 11,29; 1Cor 1,7; 2Cor 1,11); nas
epístolas pastorais, uma graça sacramental, de estado (1Tm 4,14; 2Tm 1,6). Em
sentido mais estrito, entende-se por carisma uma força especial, dada ao
cristão individual por via não sacramental, visando principalmente o bem do
próximo, para a construção da Igreja (Ef 4,12) [...] sobretudo para a expansão
do cristianismo (1977, p. 245).
São Paulo ao listar os carismas em suas Cartas, de forma
particular em 1Cor 12 e Rm 12, não pretende esgotar todos os carismas dados por
Deus por meio do Espírito
Santo ao seu povo. “Se Deus distribui ações
e operações, e o Senhor dispõe sobre ministérios, o Espírito Santo está também
presente, repartindo carismas como lhe apraz, de acordo com a dignidade de cada
um” (BASÍLIO DE CESAREIA, 1998, p. 132).
O Compêndio de
Teologia Ascética e Mística de Adolphe Tanquerey ao abordar o tema dos
carismas afirma que são graças gratuitamente dadas e que, a princípio, são para
o bem dos outros, são dons extraordinários e transitórios, entretanto,
indiretamente servem também para a santificação pessoal e provêm todos do
Espírito Santo (cf. TANQUEREY, 2017, p. 764).
O Catecismo da Igreja
Católica associa o termo carisma com o termo graça e nos parágrafos 1996 a
2005 confirma a compreensão aqui apresentada.
A seguir será abordada a forma de como a Igreja concebe
carisma dentro da vida consagrada. Esta concepção parte da percepção bíblica,
porém se desenvolve de maneira específica para esta forma de vida.
É precisamente a articulação do
pensamento paulino que permite aprofundar a compreensão da essência e do
significado dos carismas na multiplicidade de suas manifestações e em seu
caráter orgânico para o bem comum e para a unidade no mesmo Espírito. Paulo
adota oposição muito equilibrada diante dos fenômenos espirituais de suas
comunidades. Onde vê o perigo de fácil equívoco entusiasmo não cristão ou onde
encontra espontaneidade extravagante que se desinteressa da unidade e da
edificação harmônica da comunidade [...] e rechaça categoricamente toda
apropriação individual (RODRÍGUEZ; CASAS, 1994, p. 90).
2.1. Visão eclesiológica de carisma
No decorrer da história da Igreja o uso da palavra carisma
passou a ser raro, mas não perdeu a noção de que é algo extraordinário. Entre
os três primeiros séculos da era cristã os Padres usaram de maneira genérica o
termo cunhado por Paulo. Nos séculos IV a VI são acrescentados outros carismas
às listas paulinas, mas também cresce a compreensão de que os carismas eram
necessários apenas no tempo da Igreja Primitiva. Na Idade Média não há grandes
novidades, com exceção de Santo Tomás que afirma que os carismas são sinais da
credibilidade da Igreja e que a acompanham. Depois do Concílio de Trento começa
a retomada da concepção paulina de carismas. No século XVII, o papa Pio VI
delimita o termo à fundação de novos institutos religiosos. Antes do Concílio
Vaticano II ainda existiam diversas concepções de carisma, que inclusive
influencia a visão de Igreja (cf. RODRÍGUEZ; CASAS, 1994, p. 90-93).
O Concílio Vaticano II desenvolve a temática dos carismas
em dois âmbitos, um dogmático na Lumen
Gentium (LG) e outro pastoral no decreto Apostolicam Actuositatem (AA), sendo que o âmbito pastoral se
serviu do dogmático para ser composto. Outro documento é o Decreto Perfectae Caritatis (PC) que aborda a renovação da vida
religiosa (cf. PASSOS; SANCHEZ, 2015, p.79).
A LG 4 afirma que o Espírito Santo habita na Igreja e nos
fiéis e é Ele quem distribui dons hierárquicos (hierarquia eclesial) e
carismáticos. Os dons carismáticos estão a serviço da estrutura hierárquica
(cf. LG 7). Os que governam a Igreja é que devem julgar a genuinidade e a
conveniência dos dons carismáticos. O Novo Povo de Deus, através dos carismas,
participa da missão profética de Cristo. Estes carismas dados pelo Espírito
devem ser aceitos e acolhidos pela Igreja, pois, por mais simples ou complexos
que sejam, são úteis às necessidades da Igreja (cf. LG 12).
O Decreto AA, fala sobre o apostolado dos leigos afirmando
que deriva da união destes com Cristo Cabeça. São sacerdotes reais e povo santo
(cf. 1Pd 2,4-10) que através de suas obras testemunham o Cristo e sua obra
salvífica em toda parte. O Concílio afirma que os carismas são dons
particulares para a edificação da Igreja na caridade. O julgamento da
hierarquia da Igreja sobre os carismas não é para extinguir o Espírito, e sim,
para provar tudo e reter o que é bom (cf. 1Ts 5,12.19.21; AA 3).
Embora o foco da abordagem sobre carismas não seja a vida
religiosa, mas a vida consagrada em geral, vale apresentar o pensamento da
Igreja sobre os carismas na vida religiosa que é o mesmo pensamento sobre os
carismas na vida consagrada.
Ao que concerne à vida
religiosa e seus diversos carismas, a LG no capítulo VI diz:
Esforcem-se muito os religiosos para
que a Igreja possa, por meio deles, apresentar Cristo, cada vez com maior
clareza, quer aos fiéis quer aos infiéis: tanto Cristo entregue à contemplação
no monte, como evangelizando o reino de Deus às multidões; curando os enfermos
e os feridos, convertendo os pecadores; ou ainda abençoando as crianças e fazendo
o bem a todos, obedientes sempre à vontade do Pai que o enviou (LG 46).
O Decreto Perfectae
Caritatis (PC), também do Concílio Vaticano II, fala sobre a renovação da
Vida Religiosa e no decorrer do texto assevera:
Logo desde os princípios da Igreja,
houve homens e mulheres, que pela prática dos conselhos evangélicos procuraram
seguir a Cristo com maior liberdade e imitá-lo mais de perto, consagrando, cada
um a seu modo, a própria vida a Deus. Muitos, movidos pelo Espírito Santo,
levaram vida solitária, ou fundaram famílias religiosas, que depois a Igreja de
boa vontade acolheu e aprovou com sua autoridade. Daqui proveio, por desígnio
de Deus, a variedade admirável de famílias religiosas, que muito contribuiu
para que a Igreja não só ficasse apta para toda obra boa (cf. 2Tm 3,17) e
preparada para o ministério da edificação do Corpo de Cristo (cf. Ef 4,12),
mas, ainda uma vez aformoseada com a variedade dos dons dos seus filhos, se
apresente como esposa ornada ao seu esposo (cf. Ap 21,2) e por meio dela brilhe
a multiforme sabedoria de Deus (cf. Ef 3,10) (PC 1).
Uma das grandes belezas da vida consagrada é justamente a
sua diversidade que não é contrariedade, mas sim complementariedade, são formas
diferentes de se consagrar a Deus com o mesmo objetivo que é a implantação do
Reino de Deus.
O Dicionário
Teológico da Vida Consagrada faz uma distinção importante entre carisma da
vida consagrada, carisma dos fundadores e carisma de fundação. O primeiro
refere-se ao estilo de vida dos consagrados, o segundo é a graça dada por Deus,
sob a ação do Espírito Santo, para homens e mulheres tornarem-se aptos a dar à
luz novas comunidades de vida consagrada com um carisma novo, que é chamado de
carisma de fundação. O carisma de fundação é o dom concedido aos discípulos do
fundador para especificar as qualidades peculiares daquela comunidade. A este
carisma se acrescenta uma espiritualidade própria inspirada por Deus para que
outros possam viver a mesma vocação (cf. RODRÍGUES; CASAS, 1994, p. 94-96).
Há 5 dimensões
fundamentais no carisma de fundação:
1) Pneumático-profética em função da
germinação contínua de uma existência evangélica vivida e testemunhada. 2)
Cristológicoevangélica, em função da compreensão e da qualidade central do
mistério de Cristo como experiência global da vida. 3) Eclesial, relacionada
com a edificação contínua do corpo místico de Cristo e de sua verificação na
história. 4) Fecundação espiritual, enquanto concorre à realização permanente e
transmissão da vida cristã. 5) Escatológico-radical, pela atualização do
seguimento evangélico contido no dinamismo de tensão contínua para a plena
maturidade em Cristo (RODRÍGUES; CASAS, 1994, p.96).
2.2. Visão cristológica de carisma
Como dito anteriormente há uma dimensão fundamental no
carisma de fundação chamada cristológico-evangélica e é este aspecto da vida
consagrada que será abordado neste tópico dessa dissertação.
A grande referência sobre a vida consagrada após o Concílio
Vaticano II é a exortação apostólica Vita
Consecrata (VC) de São João Paulo II. É fruto do sínodo dos bispos sobre a
vida consagrada. A presente exortação se baseia no sagrado Concílio, de forma
particular na constituição dogmática Lumen
Gentium e nas reflexões dos padres sinodais.
A exortação apostólica Vita consecrata soube exprimir com
clareza e profundidade a dimensão cristológica e eclesial da vida consagrada
numa perspectiva teológico-trinitária que ilumina com a nova luz a teologia do
seguimento e da consagração, da vida fraterna em comunidade e da missão;
contribuiu para criar uma nova mentalidade no que concerne à sua missão no Povo
de Deus e ajudou as pessoas consagradas a tomar maior consciência da graça da
própria vocação (PARTIR DE CRISTO 3).
A VC aprofunda a dimensão cristológica da vida consagrada,
assegurando que todo consagrado é chamado pelo Pai, através do Espírito Santo,
a imitar seu Filho, Cristo Jesus. Toda ação de Deus revela a pericorese
trinitária. A proposta aos batizados que se consagram é de uma existência
“cristiforme” (cf. VC 14.). Partindo do episódio da Transfiguração do Senhor
(Mt 17,1-9), afirma que os membros da vida consagrada possuem a missão de
indicar o Filho de Deus como meta escatológica para onde tudo tende, em outras
palavras, os consagrados são chamados a manifestar a face transfigurada de
Cristo no mundo. É se conformar a Cristo em toda a sua existência através do
carisma de fundação e, assim, reproduzir em si a vida que o Messias assumiu ao
entrar no mundo (cf. VC 15-16.).
Um profundo ardor do espírito de se
configurar com Cristo, para testemunhar algum aspecto do seu mistério, aspecto
esse que se há de encarnar e desenvolver na mais genuína tradição do Instituto,
segundo as Regras, as Constituições e os Estatutos (VC 36).
Aderir a este projeto de consagração nada mais é que imitar
o Cristo, que viveu uma vida terrena consagrada ao Pai pela ação do Espírito
Santo, conforme a narração de seu Batismo nos 4 Evangelhos. (Mt 3, 13-17; Mc 1,
9-11; Lc 3, 21-22; Jo 1,29-34)
A consagração é a busca da vivência da radicalidade do
Sacramento do Batismo (cf. KEARNS, 1999, p. 20) e, como dito acima, é um
testemunho de algum aspecto do mistério de Cristo. Como exemplo de testemunho
há os consagrados de vida contemplativa que manifestam no mundo a face do
Cristo que ora sobre o monte (Lc 6, 12) e os de vida ativa manifestam a face do
Cristo que anuncia o Reino de Deus às multidões (Mt 4, 23-25), cura doentes e
feridos (Jo 4, 43-54), chama à conversão os pecadores (Mc 14, 3-9), abençoa as
crianças (Mc 10, 13-16), expulsa demônios (Lc 8, 26-39) e faz o bem a todos (Jo
6, 1-14) (cf. VC 32).
2.3. O louvor de Deus na bíblia
O carisma de uma comunidade de consagrados faz parte da
identidade daquele grupo de pessoas. Antes de discorrer sobre o carisma do
Louvor de Deus, faz-se necessário voltar o olhar para o Louvor de Deus na
bíblia, já que um carisma é uma forma de expressar algum mistério da vida de
Cristo.
O itinerário a seguir não tem pretensão de esgotar todas as
formas de louvor nas Sagradas Escrituras. O objetivo deste tópico é fazer
crescer a compreensão de louvor a partir da concepção bíblica e, portanto, a
partir da cultura religiosa do povo de Israel, povo do qual Jesus fez parte.
Nas Sagradas Escrituras não se encontra a expressão exata “Louvor de Deus”. Por
isso, serão abordadas aqui as formas de louvor apresentadas pelos autores
sagrados.
O louvor é uma resposta do homem que entra em contato com
seu Criador através das bênçãos que dEle recebe (cf. RITUAL DE BÊNÇÃOS 6). Esse
movimento da alma humana é evidente no início do Gênesis, quando Deus abençoa o
primeiro casal (Gn 1,27-28) e a humanidade por meio de Noé e Abraão (Gn 9,1;
12,3), e que os homens bendizem a Deus por sua providência que os livra do mal
(Gn 6,26). Outro momento é o louvor de Melquisedec: “Bendito seja o Deus
Altíssimo que entregou teus inimigos entre tuas mãos.” (Gn 14,20).
Essas passagens do Gênesis mostram que o louvor é fruto de
um relacionamento do homem com Deus. O homem recebe de Deus as suas bênçãos e,
por isso, pela ação da graça, ele se volta para Deus. Assim, torna-se
participante da vida divina.
O Catecismo da Igreja
Católica faz uma distinção entre oração de ação de graças e louvor, a
primeira é um agradecimento a Deus pela obra de salvação operada por meio de
Cristo Jesus, a segunda forma de oração não está ligada ao que Deus fez, faz ou
fará, mas está imediatamente vinculada ao que Deus é (cf. CIgC 2637-2643).
No Antigo Testamento essas duas formas de oração expostas
acima estão intrinsecamente vinculadas, porque por mais que
O louvor poderia parecer uma oração
mais desinteressada que a ação de graças, aquela em que a pessoa esquece mais
de si mesma para só pensar no que Deus faz. Na realidade, em seu louvor, os
judeus estavam longe de esquecer os benefícios recebidos de Deus. Não deixavam
de recordar os grandes favores que ele outorgara ao seu povo (GALOT, 1985, p.
59-60).
Há nos escritos veterotestamentários diversos termos que
expressam o louvor a Deus, seja por sentimentos interiores, seja por testemunho
público ou por meio de votos e ações litúrgicas. Entre eles estão: Zamir (זַָמַר),
Yadah (יָָדָה),
Shabach (שַָבַח),
.(בַָרַךְ) e Barak (תוָֹדָה) Todah ,(הַָלַל) Halal ,(תְּהִָלָה) Tehillah
O Zamir é o
louvor dado a Deus através da música com instrumentos, cuja origem significa
“tocar com os dedos”, é o verbo utilizado para quando se toca uma música
instrumental. Quando se louva a Deus com instrumentos usa-se o zamir. Como está no Sl 92 “é bom celebrar
(yadah) a Iahweh e tocar (zamir) ao teu nome, ó
Altíssimo [...] com a lira
de dez cordas e a cítara, e as vibrações da harpa” (cf.
STRONG’S).
O Yadah é o
louvor de ação de graças, muitas vezes é traduzido como celebrar, mas também
significa confessar o Nome de Deus e os próprios pecados (cf.
STRONG’S). Em 1Cr 29,13 há um exemplo da
primeira forma a se utilizar esse termo: “Agora, pois, ó nosso Deus, nós te
agradecemos (yadah), e louvamos (halal) teu nome glorioso”. A segunda
forma de utilização é encontrada em 2Cr 6,26: “Se rezarem neste lugar, louvarem
(yadah) teu Nome e se arrependerem de
seu pecado...” Portanto, pode ser um agradecimento, bem como, uma confissão da
miséria humana e da santidade de Deus.
O terceiro termo que faz referência ao louvor é o Shabach, que é traduzido por louvar e
glorificar, mais especificamente, elogiar com a boca, com alta voz, parabenizar
as vitórias de Deus, sua força e seu poder (cf. STRONG’S). É uma forma de
louvor que proclama a grandeza de Deus frente aos outros deuses. A saber: “Sim,
eu te contemplava no santuário, vendo teu poder e tua glória. Valendo teu amor
mais que a vida meus lábios te glorificarão (shabach)” (Sl 63,3-4). Este verbo manifesta o desejo de testemunhar
a santidade divina.
O Tehillah é o
louvor que nasce de uma experiência de encontro com o amor do Senhor. É um
louvor que brota do coração e não somente da inteligência. Sua etimologia
deriva de halal (cf. STRONG’S). No
Salmo 147,1 há aplicação deste termo e expressa o louvor como experiência de
gozo na presença de Deus: “Louvai (halal)
a Iahweh, pois é bom cantar (zamir)
ao nosso Deus – doce [agradável] é o louvor
(tehillah).
O Halal, numa
perspectiva lautrêutica, significa gabar, fazer nome, elogiar, ou seja, dar a
conhecer as virtudes, a glória de alguém (cf. STRONG’S). É o termo por
excelência do louvor, pois é alegre, jubiloso e público, além de indicar a
natureza do homem e sua tarefa essencial: louvar a Deus. Com o halal, louva-se a Deus mesmo e pelas
coisas do mundo (cf. DI SANTE, 1989, p. 109). O aleluia usado tanto na liturgia
judaica como cristã provém desta palavra hebraica. Os salmos 111 a 118 começam
com “aleluia” e são cantos elaborados e entoados nas festas da Páscoa,
Pentecostes e Tabernáculos (cf. BORN, 1977, p. 109). “Aleluia! Louvai (halal) a Iahweh, nações todas,
glorificai-o, todos os povos! Pois seu amor por nós é forte, e sua verdade é
para sempre!” (Sl 117)
Para o sacrifício litúrgico de ação de graças, que é uma
forma de louvor, o termo usado é Todah.
É o chamado sacrifício de louvor (cf. STRONG’S). Como se vê no
Salmo 116, 16-17: “Ah! Iahweh, porque sou
teu servo, teu servo, filho de tua serva, rompeste os meus grilhões. Vou te
oferecer um sacrifício de louvor (todah),
invocando o nome de Iahweh.” É uma forma de louvar a Deus pela salvação operada
na vida de alguém.
Por fim, o Barak,
que significa abençoar, bendizer. É a primeira forma de oração da bíblia, e
Consiste em uma atitude que é, ao
mesmo tempo, fórmula de admiração, louvor, agradecimento e reconhecimento da
benevolência gratuita de Deus que cuida de seus filhos e os alegra com os
frutos da terra e com toda sorte de bens. A expressão da berakah, que com o correr do tempo tornou-se técnica e padronizada
é a seguinte: “Sê bendito, Senhor nosso Deus”, com a qual se inicia ou se
termina qualquer oração (DI SANTE, 1989, p. 28).
Essa admiração expressa a adoração que está implícita na
etimologia de barak, pois sua origem
faz referência ao ficar de joelhos, o que transparece no Salmo 95, 6:
“Entrai, prostai-vos e
inclinai-vos, de joelhos (barak),
frente a Iahweh que nos fez!”
A tradição neotestamentária tem sua fonte na tradição do
povo de Israel, portanto, ao abordar o louvor no Novo Testamento é preciso ter
em mente essa tradição, pois seu sentido é a preparação para a autorrevelação
de Deus feita por Jesus Cristo pela ação do Espírito Santo. Jesus se encarnou
para levar a Lei à plenitude (cf. Mt 5,17-19).
No Novo Testamento a ocorrência da palavra “louvor” é menor
que no Antigo Testamento, há apenas cinco formas, sendo que uma delas, ευχομαι (euxomai), que não se refere a Deus, mas é um louvor e uma exaltação
de si mesmo, que se encontra em At 26,29.
As outras quatro formas são referenciadas a Deus, algumas
delas são encontradas nos lábios e nos atos de Jesus. No episódio da
multiplicação dos pães em Jo 6,11 o termo usado pelo evangelista foi ευχαριστέω (eucharistéo): “Então Jesus tomou os pães, deu graças e os repartiu
aos que estavam sentados”, mesmo termo usado nos paralelos deste mesmo relato
(Mt 15,36; Mc 8,6), assim como na instituição da eucaristia em Mt 26,27; Mc
14,23; Lc 22,17.19. Esse louvor se assemelha ao Barak do Antigo Testamento, que é a oração de bênção. É o “dar
graças”, é ser grato, render graças a alguém ou por algo (cf. RUSCONI, 2003, p.
207-208). São Paulo em 1Cor 11,24, ao fazer o relato mais antigo da celebração
da eucaristia após o Pentecostes, faz uso do mesmo termo.
A segunda forma de expressar o louvor que se encontra nos
lábios de Jesus é a que se encontra em Lc 10,21: “Naquele momento, ele exultou
de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: ‘Eu te louvo, ó Pai, Senhor do
céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e entendidos, e as
revelaste aos pequeninos’.” e seu paralelo em Mt 11,25. O termo grego utilizado
pelo autor é εξομολογέω (exomologéo), que quer dizer louvar,
bendizer, reconhecer, confessar, aceitar, professar e proclamar (cf. RUSCONI,
2003, p. 179.).
A terceira forma de expressar o louvor no Novo Testamento
não está propriamente nos lábios do Senhor, mas está presente em momentos
marcantes como, por exemplo, em Lc 1,63-64, quando Zacarias louva a Deus após
dar o nome de seu filho, João Batista. O texto diz: “Pediu uma tabuinha e
escreveu: Seu nome é João. Todos se assombraram. Imediatamente a boca e a
língua se soltaram e se pôs a falar bendizendo (ευλογέω – eulogéo) a Deus.”
É o mesmo termo usado no início do cântico do pai do precursor no versículo 68
deste mesmo capítulo: “Bendito o Senhor,
Deus de Israel” (cf.
STRONG’S). Este louvor é celebrativo, geralmente traduzido por
“bendito” e suas derivações. Usado também
em Mt 21,9, quando Jesus entra em Jerusalém e o povo o aclama: “Bendito é
aquele que vem em nome do Senhor”.
Por fim, a última forma é a mais precisa de louvor. Do
grego, αινέω (ainéo), que quer dizer exatamente louvar e exaltar alguém por algo
(cf. RUSCONI, 2003, p. 25). Vale ressaltar dois momentos expressivos do uso
deste termo. Lc 2,20 que narra a volta dos pastores após a visita ao Menino
Deus que havia acabado de nascer: “Os pastores voltaram glorificando e louvando
(ainéo) a Deus por tudo o que ouviram
e viram, tal como lhes havia sido anunciado.” O outro momento está em Ap 19,5,
que diz: “Do trono saiu uma voz que dizia: Louvai (ainéo) o nosso Deus, todos os seus servos e fiéis, pequenos e
grandes.”
As quatro últimas formas apresentadas de louvor no Novo
Testamento são uma continuidade da tradição judaica na Igreja nascente. A
partir dessas expressões de louvor será possível compreender o carisma do
Louvor de Deus como imitação da vida de Cristo, que viveu em sua vida terrena e
vive na eternidade o perfeito louvor ao Pai pela ação do Espírito Santo.
2.4. O carisma do Louvor de Deus
A partir de agora será abordado o carisma da família
religiosa Salvista, que é o Louvor de Deus. Como dito anteriormente, todo
carisma é para a edificação da Igreja de Cristo e neste processo de edificação
Deus inspira homens e mulheres para fundarem comunidades de consagrados. No
caso da família religiosa Salvista, Deus chamou o Servo de Deus Padre Gilberto
Maria Defina a ser o seu fundador, que atento à voz do Senhor, fundou a
Fraternidade Jesus Salvador em 10 de fevereiro de 1993 e em 17 de setembro de 1994
os Institutos Missionários Servos e Servas de Jesus Salvador, na diocese de
Santo Amaro/SP (cf. DEFINA, 2016, p.
141).
O Catecismo da Igreja
Católica, em sua última parte, fala sobre a oração cristã, portanto, como
deve ser a vida oração de um cristão. Assim apresenta diversas formas de oração
que alimentam a espiritualidade de todo batizado, ou seja, maneiras de se
encontrar e ter intimidade com Deus. Dentre essas formas há a oração de louvor
que é distinta da oração de ação de graças, distinção presente já no Antigo
Testamento. Como oração de louvor, a Igreja compreende que,
É a forma de oração que reconhece o
mais imediatamente possível que Deus é Deus! Canta-o pelo que Ele mesmo é,
dá-lhe glória, mais do que pelo que Ele faz, por aquilo que Ele é. Participa da
bemaventurança dos corações puros que o amam na fé antes de o verem na Glória.
Por ela, o Espírito se associa ao nosso espírito para atestar que somos filhos
de Deus, dando testemunho ao Filho único, em quem somos adotados e por quem
glorificamos ao Pai. O louvor integra as outras formas de oração e as leva
Àquele que é sua fonte e termo final: “o único Deus, o Pai, de quem tudo
procede e para quem nós somos feitos” (1Cor 8,6) (CIgC 2639).
De acordo com este parágrafo do Catecismo, o louvor acontece mediante uma ação do Espírito Santo no
coração do homem, que o associa a Cristo, que é Filho Eterno e, a partir de sua
filiação, faz do homem filho adotivo e nesta filiação, por meio do próprio
Cristo, o homem rende glória ao Pai por aquilo que Ele é. Por isso, é possível
afirmar que o louvor é uma relação do homem com a Trindade.
O Verbo de Deus, “se fez homem e habitou entre nós” (Jo
1,14), e, ao assumir a humanidade também viveu o louvor ao Pai, pela ação do
Espírito. Já foi dito acima dos louvores presentes nos lábios e na vida do
Senhor Jesus, porém faz-se necessário voltar-se para a passagem de Lc 10,21-22
que diz:
Naquele momento, ele exultou de
alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do
céu e da terra, porque ocultastes essas coisas aos sábios e entendidos, e as
revelastes aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me
foi entregue por meu Pai e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, e quem é
o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar”.
Acerca desta perícope, São João Paulo II na Encíclica Dominum et vivificantem (DV),
diz que:
Jesus exulta pela paternidade divina:
exulta porque lhe foi dado revelar esta paternidade; exulta, por fim, por uma
como que irradiação especial da mesma paternidade divina sobre os “pequeninos”.
E o Evangelista qualifica tudo isto como uma “exultação no Espírito Santo” (DV
20).
Portanto, é correto afirmar que Jesus viveu uma vida no
Espírito e o louvor em sua vida se deu da mesma maneira. É o próprio Lucas que,
no seu terceiro capítulo, narra a descida do Espírito Santo sobre Jesus no
momento de seu batismo, e no capítulo seguinte narra a ida de Jesus para o
deserto sob a ação do Espírito.
A oração se fez presente na vida de Jesus, assim Ele é
apresentado pelos evangelhos. E dentro destas formas de oração de Jesus são
encontradas bênçãos (Jo 6,11), ação de graças (Jo 11,41), intercessão (Lc
22,32), louvor (Lc 10,21), entre outras (cf. IGLH 3).
Os apóstolos e as comunidades fundadas por eles seguiram o
mesmo estilo da vida de Jesus, assim relata o autor dos Atos dos Apóstolos ao
dizer que eles tinham tudo em comum, a fração do pão, a solidariedade e as
orações (cf. At 2,42). Assim como, mais adiante no mesmo capítulo diz:
“Diariamente acorriam fielmente e unânimes ao templo; em suas casas partiam o
pão, compartilhavam a comida com alegria e simplicidade sincera. Louvavam a
Deus e todo o mundo os estimava” (At 2, 47a).
Em outros momentos do Novo Testamento é possível contemplar
a imitação que os cristãos faziam do Cristo, como por exemplo, em 1Cor 11,1:
“Imitai-me, como eu imito Cristo”, ou em Ef 5,1.19-20, que diz: “Imitai a Deus
como filhos queridos. Entre vós entoai salmos, hinos e cantos inspirados,
cantando e tocando de coração em honra do Senhor, dando graças sempre e por
tudo a Deus Pai, em nome do Senhor nosso Jesus Cristo.” Bem como em 1Pd 2,9: “Mas
vós sois raça escolhida, sacerdócio real, nação santa e povo adquirido, para
proclamar as proezas daquele que vos chamou das trevas à sua luz maravilhosa.”
“Cristo, durante sua vida terrena, foi sacerdote também pela oração de louvor a
Deus e de súplica pelos homens” (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 667).
Os primeiros cristãos imitaram Jesus, assim também fez o
Servo de Deus Padre
Gilberto Maria Defina quando foi chamado
pelo próprio Senhor a fundar a Fraternidade Jesus Salvador. O grande desejo do
Padre Gilberto para a família religiosa Salvista é que seus membros sejam
imitadores de Cristo na sua vida, doutrina e ação (cf.
CONSTITUIÇÕES, 1998, n.
18). Ao definir o carisma, diz:
O carisma do nosso Instituto é o
Louvor de Deus, sob todas as suas formas, - a litúrgica, em primeiro lugar -, e
como consequência desse Louvor, a procura da santificação pessoal e
comunitária, através da consagração ao Espírito Santo, Deus-Amor
(CONSTITUIÇÕES, 1998, n. 22).
O Servo de Deus apresenta nas Constituições de 1998 os aspectos essenciais do carisma Salvista,
são eles: o Louvor de Deus deve produzir saborosos frutos de santidade para a
humanidade (cf. n. 2), deve brotar dos corações como pura expressão de gratidão
ao Deus-Amor (cf. n. 29), todos os atos e movimentos do consagrado Salvista,
seja leigo, religioso ou clérigo devem resumir o Louvor de Deus, e o que não
serve para este Louvor deve ser extirpado da comunidade (cf. n. 30), o que leva
ao constante Louvor é o desejo de estar com Deus, portanto, a busca do “Único
Necessário” (cf. n. 32). Em síntese, “no Louvor de Deus estão implícitos toda a
Adoração, o Agradecimento e o Amor que lhe são devidos como Divindade Una e
Trina” (n. 31).
No decorrer da história desta Fraternidade foi necessário
adequar as Regras às exigências eclesiais, por isso, neste processo, não só de
correspondências às exigências, mas também de crescimento da autoconsciência
acerca do carisma por parte dos membros, o III Capítulo Geral, em 2014,
mediante às inspirações do Fundador, definiu o carisma da seguinte maneira:
O carisma do Instituto é o “Louvor de
Deus” sob todas as suas formas, a litúrgica em primeiro lugar e, como
consequência deste “Louvor de Deus”, a santificação pessoal e comunitária. Este
carisma vivencia em profundidade a dimensão latrêutica, isto é, de louvor, do
culto divino. Inspiração fundamental é a atitude do próprio Senhor, que vive
eternamente voltado para o Pai. Procuramos centralizar a nossa espiritualidade
nessa dimensão, vivida em primeiro lugar na intimidade do coração, em seguida
na vida comunitária com as diversas expressões litúrgicas e devocionais e no
exercício da missão procurando despertar os cristãos para o “Louvor de Deus”,
caminhos seguro para a santidade (CONSTITUIÇÕES, 2014, n. 5).
Padre Gilberto, em sua autobiografia, narra como aconteceu
a inspiração para o carisma de fundação:
Quando comecei a escrever as
Constituições, sobre qual carisma deveria reger todas as nossas atividades
espirituais e temporais, logo de princípio me veio a ideia de um carisma
essencial para o nosso Instituto. Essa ideia foi um presente imenso que Deus
colocou em mim para nosso Instituto, apenas lembrei uma palavra da Sagrada
Escritura que está no livro do Apocalipse. Essa passagem fala do Louvor de
Deus: “Amém. O louvor, a glória e a sabedoria, a ação de graças, a honra, o
poder e a força pertencem ao nosso Deus para sempre. Amém” (Ap 7,12) (DEFINA,
2016, p. 160).
Este versículo do
Apocalipse coloca sete aclamações que querem dizer que
Deus merece a plenitude do louvor por parte
de toda a obra da criação (cf. HAHN; MITCH, 2020, p. 86). O louvor perfeito e
pleno só se dará na Parusia, quando toda a comunidade de salvos tiver suas
vestes alvejadas no Sangue do Cordeiro (cf. Ap 7,1317).
Portanto, o Padre Gilberto, ao ter a inspiração para o
carisma Salvista baseouse na imitação de Cristo e na Sagrada Escritura. É
notório que, este homem de Deus, ao fundar essa obra, em nada contradisse os
ensinamentos da Igreja, quer na Tradição, nas Escrituras ou na doutrina. Antes,
uniu todas essas realidades e, sob o influxo do Espírito, colocou o Louvor de
Deus como regra de vida e via de santificação e salvação para os membros de sua
comunidade, que são, com ele, seguidores do Cristo Jesus.
2.4.1. Missão e
apostolado do carisma Salvista
Assim como Jesus foi missionário, pois foi enviado pelo Pai
(cf. Jo 6, 29.39.44.57), também Ele envia os seus discípulos (cf. Lc 10,1-12;
Mt 28, 16-20; Mc 16,15-20). Apoiando-se neste envio missionário feito pelo
próprio Senhor, o Padre Gilberto determina que a comunidade fundada por ele
seja essencialmente missionária. “Consagrados, iremos às ovelhas perdidas da
casa de Israel, a fim de revelar-lhes a salvação de Jesus Cristo. A ação
apostólica pertence à própria natureza de nossa família religiosa. Somos, por
essência, missionários” (CONSTITUIÇÕES, 1998, n. 21).
Nas Constituições
de 1995, o Fundador coloca três colunas de sustentação para a Fraternidade
Jesus Salvador. A primeira é a espiritualidade carismática, a segunda são os
estudos e os seminários, a terceira é a irradiação missionária, portanto a
evangelização (cf. p. 30). Acerca desta última, ele disse:
O fogo do Espírito Santo, que Jesus
acendeu na terra, não conhece limites nem barreiras; é o fogo abrasador e
devorador, e a ordem hoje é esta: “Evangelizar com novo ardor missionário.”
Para tanto, esta Fraternidade quer
apetrechar-se de todos os meios e técnicas disponíveis em nossos dias, a partir
da Palavra de Deus sussurrada aos ouvidos, até à pregada do alto dos telhados
das casas e do alto das montanhas; nos templos, nos recintos, nas ruas, no
rádio, na televisão; através dos livros, revistas, periódicos, folhas esparsas
(CONSTITUIÇÕES, 1995, p. 33).
Mais adiante, na mesma Constituição, Padre Gilberto, afirma que os membros
da família Salvista,
quanto possam, caminhem os caminhos
da evangelização das gentes, quer na Pátria, quer além dela. Aos que assim se
sentirem chamados, esta Fraternidade como Igreja que é, dará todo amparo a
estes missionários e missionárias. Caminhar como Jesus caminhava cidades,
aldeias, vilarejos, pregando a chegada do Reino de Deus: “Eu vim para que as
ovelhas tenham vida, e para que a tenham em abundância” (Jo 10,10). “Eu vim
lançar fogo à terra, e que mais desejo de que ele se alastre?” (Lc 12,49)
(CONSTITUIÇÕES, 1995, p. 118).
O mesmo processo que aconteceu com a formulação do carisma,
aconteceu também com o tema da vida missionária e apostólica desta
Fraternidade. As Constituições de
2014, no capítulo V, afirmam que o apostolado Salvista quer conduzir a
humanidade ao caminho de comunhão e salvação em Cristo (cf. n. 47). Essa
condução se dá por meio de um encontro pessoal com Deus, sobretudo na liturgia,
momento em que os membros usam de todo esplendor, para levar o povo de Deus à
santidade e à perfeição em Cristo.
Para os Salvistas, os pobres, os doentes, as crianças, os
jovens, os idosos e as famílias são objeto de urgente evangelização e cuidado
apostólico, porém independente da área de atuação do missionário Salvista, o
importante é ser instrumento de serviço e expressar a fé, a esperança e a
caridade (cf. n. 53). O seu objetivo é estar onde a Igreja está, e onde ela
ainda não está, quer fazê-la presente (cf. n. 54).
Nosso Instituto, aberto a todo
apostolado, consoante o carisma de sua fundação faz do anúncio direto da
Palavra de Deus elemento essencial de sua missão. O Instituto quer contribuir
de maneira especial, com a catequese, com as missões populares, grupos de
oração, retiros espirituais, com os trabalhos de evangelização, com a
evangelização através dos meios de comunicação e com todas as outras iniciativas
e intenções da Igreja Universal e Particular (CONSTITUIÇÕES, 2014, n. 49).
Conclui-se a partir do itinerário deste capítulo que o
Louvor de Deus é um carisma inspirado pelo Espírito Santo no coração do Padre
Gilberto Maria Defina. Para isso chegar a essa conclusão, fez-se necessário
apresentar a concepção bíblica de carisma, como dom dado gratuitamente por
Deus, dom este que é para a edificação do Corpo Místico de Cristo, que é a
Igreja.
Somente a partir desse estudo foi possível o entendimento da
dimensão eclesiológica de carisma, ou seja, a compreensão da Igreja sobre
carisma parte da concepção bíblica. A Igreja não elaborou uma nova concepção,
mas ao interpretar a ação do Espírito na história notou que o outro Paráclito
estava distribuindo novos dons à humanidade. Estes novos carismas têm o intuito
de fazer com que homens e mulheres possam se consagrar a Deus para viver a
radicalidade do Batismo e manifestar no mundo algum aspecto da vida de Cristo.
Antes de entrar no carisma do Louvor de Deus foi
imprescindível contemplar na Sagrada Escritura o louvor, passando pelo louvor
no Antigo Testamento para compreender a mentalidade presente no Novo
Testamento, que não é uma ruptura, mas uma continuidade. Tanto na tradição
veterotestamentária, como na neotestamentária, o louvor é sempre referenciado a
Deus.
Por fim, foi abordado o carisma Salvista, o Louvor de Deus.
Este carisma manifesta a face do Cristo que louva o Pai pela ação do Espírito.
Os consagrados desta comunidade querem, seguindo as inspirações de seu
Fundador, imitar o Cristo e, assim, manifestar esse aspecto do louvor em sua
vida. Jesus viveu o louvor, os primeiros cristãos o imitaram e os Salvistas
assumiram o louvor como regra de vida e imitam Jesus na atualidade. Manifestam
o Louvor de Deus, primeiramente na liturgia e em todas as realidades
missionárias, já que são abertos a toda obra de apostolado.
No próximo e último capítulo, será falado justamente da
liturgia como lugar privilegiado do Louvor de Deus e como este carisma gera
santificação pessoal e comunitária e, por fim, a relação do Louvor de Deus com
o céu, ou seja, como o carisma Salvista é manifestação do louvor da Igreja
Triunfante e participação na vida eterna.
CAPÍTULO 3 LOUVOR DE DEUS
COMO ANTECIPAÇÃO DO CÉU
3. A
liturgia como cume e fonte da vida
A proposta para este último capítulo é fazer a união entre
os dois capítulos antecedentes, para assim, chegar à compreensão do Louvor de
Deus como antecipação do céu, no sentido de vivenciar na vida terrena o louvor
que será vivido na plenitude durante a eternidade diante de Deus.
Para isso, faz-se necessário entender o espírito litúrgico,
já que a liturgia é o lugar privilegiado para o Louvor, como especificado no
capítulo anterior. Partindo desse prisma, tornar-se-á compreensível a
santificação pessoal e a comunitária que é fruto da vivência do Louvor e,
portanto, da relação do Louvor de Deus com o céu.
O Concílio Vaticano II, em seu primeiro documento
conciliar, a Sacrosanctum Concilium,
propôs a grande reforma litúrgica. O objetivo desta Constituição é a renovação
dos ritos, mas com o olhar voltado para a Tradição da Igreja, seja nas Sagradas
Escrituras como nos Padres da Igreja. Essa renovação possui o intuito de fazer
com que os fiéis participem com mais consciência e fecundidade do Mistério
Pascal celebrado (cf. PASSOS; SANCHEZ, 2015, p. 860).
Deus quer salvar a todos (cf. 1Tm 2,4) e nesta vontade salvífica
de Deus entra o meio utilizado por Ele para gerar a salvação. O meio por
excelência para tal é a liturgia, pois ela é
cume para o qual se dirige a ação da
Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte donde emana toda a sua força. Na verdade, o
trabalho apostólico ordena-se a conseguir que todos os que se tornaram filhos
de Deus pela fé e pelo batismo, se reúnam em assembleia, louvem a Deus na
Igreja, participem no sacrifício e comam a Ceia do Senhor (SC 10).
Os Padres conciliares afirmam que “Cristo está sempre
presente em sua Igreja” (SC 7). Essa presença se dá sobretudo nas ações
litúrgicas, porém, a liturgia não é a única ação da Igreja. Como dito acima,
ela é cume e fonte de sua vida. É da liturgia que emana toda ação eclesial e é
para ela que deve apontar todo seu apostolado, pois no seu exercício a
presidência é sempre do Cristo Cabeça e a participação plena e consciente é
confiada ao seu Corpo Místico, a Igreja.
A Igreja, desde que se manifestou ao mundo em Pentecostes,
nunca deixou de celebrar o mistério pascal, já que é um mandato do Próprio
Senhor: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19), fazia
lendo “tudo quanto nas Escrituras a
ele se referia” (Lc 24,27), celebrando a eucaristia na qual “se representa a
vitória e o triunfo da morte” e, ao mesmo tempo, dando graças “a Deus pelo seu
dom inefável” (2Cor 9,15) em Cristo Jesus, “para louvor de sua glória” (Ef
1,12) por virtude do Espírito Santo (SC 6).
A missão da Igreja ao celebrar a liturgia é dar
continuidade à obra salvífica de Deus operada em Jesus Cristo, pois o Pai
enviou o Filho para salvar e reunir a humanidade dispersa pelo pecado, e este,
por sua vez, deu à Igreja a missão de continuar o anúncio da salvação. Por
isso, é correto afirmar que a liturgia é momento da história da salvação em
ato, porque é realização do mistério de Cristo (cf. FLORES, 2006, p. 303-304).
Hoje, a liturgia é também - como o
próprio Cristo - um acontecimento de salvação, no qual continua encontrando
cumprimento aquele anúncio que, no tempo antigo, a realidade de Cristo
prometia. Portanto a liturgia é o momento-síntese da história da salvação, pois
engloba “anúncio” e “acontecimento”, isto é, Antigo Testamento e Novo
Testamento; mas, sendo a “continuação da realidade”, que é Cristo, seu dever é
o de completar, gradualmente, em cada ser humano e na humanidade, a imagem
plena de Cristo (MARSILI, 1986, p. 111).
A liturgia é, por assim dizer, a maneira mais eficaz de
formar Cristo na humanidade, visto que, todo ato litúrgico acontece por meio de
Cristo, pela ação do Espírito ao Pai. Ao participar da liturgia, seja dos
sacramentos como dos sacramentais, experimenta-se a salvação operada por Deus na
história. A liturgia atualiza de forma simbólica o mistério pascal e, nesta
atualização, acontece o Louvor de Deus.
O próximo item a ser abordado desenvolverá com maior
clareza a liturgia como lugar privilegiado do Louvor de Deus, uma vez que, é na
liturgia que Deus é perfeitamente glorificado, pois Cristo associa a si a sua
Esposa, que invoca o Esposo para prestar culto ao eterno Pai. Por isso, nada se
iguala a liturgia quanto a glorificação de Deus, Uno e Trino (cf. SC 7).
3.1.
A liturgia como lugar privilegiado
do Louvor de Deus
Na liturgia está implícita a anamnese do Mistério Pascal,
portanto, aborda todo o Evento Jesus Cristo, que, por sua vez, não é isolado do
Antigo Testamento. Por isso, ao celebrar a liturgia se contempla toda a
história da salvação, desde a criação do mundo até os tempos atuais, e se
antecipa o schaton.
Lugar de destaque possui a celebração da Eucaristia quando
se fala de anamnese da história da salvação, pois nela Jesus se faz presente
sob as espécies do pão e do vinho. Ela será o referencial para a compreensão da
liturgia como lugar privilegiado do Louvor de Deus, porque é deste mistério
celebrado que surgem todos os outros atos litúrgicos dos sacramentos e
sacramentais.
O Catecismo da Igreja
Católica nos parágrafos de 1359 a 1361 coloca algumas definições sobre a
Eucaristia. A Eucaristia é sacrifício de louvor em ação de graças pela obra da
criação, porque no sacrifício eucarístico toda a criação é apresentada ao Pai,
por meio da oferta do Filho, pela ação do Espírito Santo. A Igreja só pode
oferecer este sacrifício de louvor por meio do Filho que o fez por primeiro no
altar da Cruz. Ela também é chamada de sacrifício de ação de graças. É por meio
deste sacrifício de louvor e ação de graças que a Igreja canta a glória de
Deus.
Como extensão da Celebração Eucarística está a Liturgia da
Horas, momento no qual a Igreja,
exercendo “sem cessar” a função
sacerdotal de sua Cabeça, oferece a Deus um sacrifício de louvor, isto é, o
fruto dos lábios que glorificam o seu nome. Esta oração é a “voz da Esposa que
fala ao Esposo, e também a oração que o próprio Cristo, unido ao seu corpo,
eleva ao Pai” (IGLH 15).
A liturgia é obra do Cristo todo (Cabeça e Corpo
Místico/Membros) e faz parte do Corpo Místico não só a Igreja militante
(batizados que vivem sua vida terrena), mas também a Igreja triunfante (os
salvos que já se encontram no céu) e a Igreja padecente (salvos, mas que ainda
estão no purgatório) (cf. EP 70).
Na liturgia da terra nós
participamos, saboreando-a já, da liturgia celeste, que se celebra na cidade
santa de Jerusalém, para a qual nos encaminhamos como peregrinos, onde o Cristo
está sentado à direita de Deus, qual ministro do santuário e do verdadeiro
tabernáculo; com toda a milícia do exército celeste entoamos um hino de glória
ao Senhor, e venerando a memória dos santos, esperamos fazer parte da sociedade
deles; esperamos pelo salvador, nosso Senhor Jesus Cristo, até que ele, nossa
vida, se manifeste, e nós apareceremos com ele na glória (SC 8).
A dimensão do Louvor ao Pai, pelo Filho, no Espírito é
contemplada em alguns momentos da liturgia de maneira explícita, como na
primeira parte do Cânon Romano que aponta: “Pai de misericórdia, a quem sobem
nossos louvores, nós vos pedimos por Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso,
que abençoeis estas oferendas apresentadas ao vosso altar” (MISSAL ROMANO 80).
O Pai é quem acolhe a oferta, o Filho é o mediador e a própria oferta, o
Espírito é quem abençoa. Outro momento é a Oração Eucarística IV, que diz:
Olhai, com bondade, o sacrifício que
destes à vossa Igreja e concedei aos que vamos participar do mesmo pão e do
mesmo cálice que, reunidos pelo Espírito Santo num só corpo, nos tornemos em
Cristo um sacrifício vivo para o louvor da vossa glória (MISSAL ROMANO 122).
A que o povo aclama: “Fazei de nós um sacrifício de
louvor!”. Um terceiro exemplo, e que é usado em toda liturgia eucarística é a
doxologia ao final de qualquer oração eucarística. A doxologia apresenta
veementemente a forma como se dá o Louvor na liturgia: “Por Cristo, com Cristo,
em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda
honra e toda glória, agora e para sempre” (MISSAL ROMANO 124).
Nas Constituições de
1998, o Servo de Deus Padre Gilberto expõe motivos pelos quais o Louvor de Deus
acontece primeiro na liturgia. O “Louvor de Deus deve ser, antes de tudo, o
louvor litúrgico” (n. 35), pois o dever e a salvação do Salvista estão
constituídos no sacrifício de louvor, na contínua adoração e na ação de graças (cf.
n. 43). Diz ainda que, a família Salvista se dirige toda para a glória de Deus
e para o seu Louvor (cf. n. 58). Durante a vida terrena o melhor lugar para
expressar a glória de Deus é a liturgia, por isso, os membros desta
Fraternidade devem usar de todo esplendor litúrgico (cf. n. 200). Ao celebrar a
Liturgia da Horas une-se a oração pessoal com a oração de Jesus, especialmente
com os Salmos, também rezados pelo
Senhor, assim, “como Igreja tributamos a
Deus o louvor em nome de toda a criação, e participamos da intercessão que o
Filho apresenta ao Pai no Espírito” (n. 222).
O Diretório de
liturgia e piedade Salvista, ao discorrer sobre esse assunto, afirma que o
Louvor de Deus se dá na liturgia “nos momentos de adoração e intercessão
comunitária, transborda no pastoreio do Povo de Deus, ao se colocar em prática
a ação apostólica e missionária” (DIRETÓRIOS, 2021, n. 3). Portanto, em todos
os atos litúrgicos é vivido o Louvor de Deus, não apenas na liturgia da Santa
Missa, embora esta seja a fonte de todas as outras liturgias. A vida deve ser
vista como uma liturgia (cf. CIgC 1070) e a liturgia é louvor.
O Prefácio Comum IV, que diz: “Ainda que nossos louvores
não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Eles nada
acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós, por Jesus Cristo, vosso
Filho e Senhor nosso” (MISSAL ROMANO 72), sustenta essa dimensão da liturgia
como ato de Louvor e além disso concilia o Louvor com vida de intimidade com
Deus. Aqui se torna ainda mais compreensível que o Louvor se dá de forma
privilegiada na liturgia, pois ambas realidades, tanto o Louvor como a liturgia
são caminho de glorificação e união com Deus. E desta glorificação provém a
santificação pessoal e comunitária (cf. SC 7). O Papa Francisco comentando este
prefácio na Catequese sobre a oração de
louvor diz que “ao louvar somos salvos”
(https://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/ 2021/documents/papa-
francesco_20210113_udienza-generale.html).
3.2. Santificação pessoal e comunitária fruto do Louvor de Deus
Como foi dito anteriormente, todo carisma é para a
edificação do Corpo Místico de Cristo. O Louvor de Deus é um carisma inspirado
pelo Espírito Santo, logo é um dom que vem de Deus. Toda obra realizada por
Deus no coração do homem gera santificação, por isso, o Louvor gera uma
santificação pessoal que atinge não só quem louva, mas também a comunidade em
que está inserido.
No tópico anterior foi abordada a Liturgia como lugar
privilegiado para o Louvor de Deus. A partir disso pode-se compreender também a
santificação que é fruto do Louvor, pois, já que a Liturgia é o ápice do Louvor
e tem por objetivo a glorificação de Deus e a santificação da humanidade. Todos
os outros momentos em que se vive esse carisma santifica a si mesmo e a
comunidade, porque viver o carisma é viver no Espírito e na busca da santidade.
A Constituição Sacrosanctum Concilium apresenta de
forma singular esse processo de santificação por meio da Liturgia. Toda a
Liturgia, seja dos sacramentos ou dos sacramentais é um caminho para ir ao
encontro de Deus. Nos atos litúrgicos,
“Deus é perfeitamente glorificado e os
homens são santificados”, nenhuma outra obra eclesial possui eficácia maior que
as celebrações litúrgicas (cf. n. 7). A liturgia impele os fiéis a viverem uma
vida de união perfeita (cf. Mt 28,20) com o Senhor (cf. n. 10), esta união
perfeita nada mais é que a santidade de vida. Quanto mais se celebra, mais se
louva, quanto mais se louva, mais se santifica, porque celebrar é louvar a Deus
por ser Deus e por sua obra salvífica na história da humanidade.
Da liturgia, portanto, e
particularmente da eucaristia, como de uma fonte, corre sobre nós a graça, e
por meio dela conseguem os homens com total eficácia a santificação em Cristo e
a glorificação de Deus, a que se ordenam como a seu fim todas as outras obras
da Igreja (SC 10).
Porém, se faz necessária a disposição interior do fiel, em
razão da liberdade dada por Deus ao homem desde a sua criação. Deus só
santifica através da liturgia e do louvor aqueles que estão dispostos a aderir
ao projeto de salvação oferecido por Deus. Caso contrário, Deus não pode, não
por perder a sua onipotência, mas por respeitar a liberdade humana, realizar a
santificação e a salvação. À medida que se é santificado, louva a Deus.
A liturgia dos sacramentos e dos
sacramentais permite que a graça divina, que promana do mistério pascal da
paixão, morte e ressurreição de Cristo, do qual recebem sua eficácia todos os
sacramentos e sacramentais, santifique todos os acontecimentos da vida dos
fiéis que os recebem com a devida disposição. De tal forma que todo uso honesto
de coisas materiais possa ser dirigido à santificação do homem e ao louvor de
Deus (SC 61).
No Dicionário de Ascética e
Mística, conota que,
o santo sacrifício da missa
contribui, por todos os seus efeitos, para a nossa santificação; e isto como
tanto mais eficácia quanto é certo que nele não oramos só, senão unidos à
Igreja toda e sobretudo ao Chefe invisível da mesma Igreja, a Jesus sacrificador
e vítima que, renovando a sua oblação do Calvário, pede pela virtude do seu
sangue e pelas súplicas que nos sejam aplicadas as suas satisfações e méritos
(TANQUEREY, 2017, p. 171).
O Dicionário de
Liturgia também afirma que na Liturgia se realiza de forma simbólica a ação
sacerdotal de Cristo que justamente é o seu culto ao Pai, pela ação do Espírito
Santo. O culto de Cristo exprime a sua santidade (cf. SARTORE; TRIACCA, 1992,
p. 644). Na liturgia essa santidade atinge o coração daquele que celebra com a
devida disposição e o santifica. Portanto, o louvor do Filho ao Pai se torna o
louvor daquele que se une a Ele para celebrar a Liturgia.
Padre Gilberto desde a época da fundação sempre colocou a
santificação pessoal e comunitária como consequência do Louvor de Deus. É
notório que ele não criou algo novo, mas apenas transformou em objetivo de vida
aquilo que a Igreja afirmou nos documentos do seu Magistério. Se um membro
sofre, todo o corpo sofre, da mesma forma, se um membro é honrado, todo corpo
também é honrado (cf. 1Cor 12,26). Com base nesse pensamento paulino é possível
afirmar que quando um membro do corpo se santifica pela vivência do Louvor, ele
santifica todo o corpo.
O louvor de Deus necessariamente
santifica a quem o louva: é um corolário teológico. E quanto maior e mais
constante a louvação que alguém lhe tribute, maiores serão as graças e os
favores derramados; maior, mais sublime e mais elevada é a santificação dessa
pessoa e dessa comunidade (CONSTITUIÇÕES, 1998, n. 44).
O Papa Francisco na Exortação
Apostólica Gaudete et Exsultate que fala do chamado à santidade, ao abordar
o tema da vida em comunidade, que é intrínseca ao cristianismo, descreve o
caminho a percorrer para alcançar a santidade comunitária.
A comunidade é chamada a criar aquele
“espaço teologal onde se pode experimentar a presença mística do Senhor
ressuscitado”. Partilhar a Palavra e celebrar juntos a Eucaristia torna-nos
mais irmãos e vai nos transformando pouco a pouco em comunidade santa e
missionária (GE 142).
Outrora, com base no Catecismo
da Igreja Católica, foi dito que o Louvor é o reconhecimento daquilo que
Deus é. São Paulo na 1Cor 12 afirma que só se pode confessar que Jesus é Senhor
pela ação do Espírito Santo. Logo é correto afirmar que viver no Louvor é viver
no Espírito. Quem vive no Espírito vive uma vida na santidade apoiado na graça
de Deus (cf. Gl 5,16-26).
Aqui é plausível falar novamente da imitação de Cristo,
pois Ele veio revelar à humanidade a face do Pai (cf. Jo 14,9), o Pai que é o
Santo, logo, o Filho é Santo. Ao imitar o Filho, imita-se a sua santidade, não
por força própria, mas pela ação da graça dada pelo Pai, através do Filho, pela
ação do Espírito (cf. LACOSTE, 2014, p. 16081609). O ser humano só alcança a santidade
quando se abre livremente para a graça de Deus. Graça que Deus quer dar a
todos, pois todos são predestinados à salvação (cf. Rm 8,29-30; Ef 1, 1-11),
porém é necessária a adesão a esse projeto de Deus.
A este respeito, o
Fundador dos Salvistas, diz que:
A transformação em nossas vidas, que
o Pai e o Filho operam em nós, é-nos dada através do Espírito Santo. E podemos
dizer com toda a segurança teológica que agora, desde o nosso batismo
sacramental quando crianças, tudo quanto recebemos do mesmo Pai e do mesmo
Filho, só nos advém das operações de seu Espírito Santo. Tudo quanto pedimos ao
Pai Eterno e a seu Filho Eterno, Jesus Cristo, passa-nos só através do Espírito
Santo (CONSTITUIÇÕES, 1995, p. 28).
Na sua autobiografia, afirma que, o Louvor é uma forma de
se entregar completamente a vontade de Deus que é a santificação. “Se quisermos
ser santos, temos que louvar a Deus, porque através do louvor nos santificamos
e santificamos a comunidade em que estamos vivendo” (DEFINA, 2016, p. 161-162).
Por isso, convoca seus seguidores a existirem louvando a Deus:
Nossa própria existência é um louvor
continuado na santidade de Deus. A nossa vida constantemente fala do Louvor de
Deus [...] No Louvor de Deus tudo se encontra e é nele que vamos permanecer na
misericórdia, na feliz eternidade, louvando constantemente a Deus. Para isso
fomos criados por Deus, para a glória do seu louvor (cf. Ef 1,14). O Louvor de
Deus é uma coisa tão profunda que recolhe todas as coisas que pensamos de Deus
(DEFINA, 2016, p. 162-163).
O carisma Salvista faz parte da Igreja Católica e, desta
maneira, está em plena comunhão com ela. Assim sendo, aguarda ansiosamente a
vinda gloriosa de Cristo. Enquanto isso, na vida temporal, os membros desta
comunidade buscam a santidade de vida, que assim como a santidade da Igreja é
imperfeita (cf. LG 48), até que haja novos céus e nova terra (cf. 2Pd 3,13)
onde viverão a santidade e o Louvor em sua plenitude e perfeição, formando
assim a comunidade dos salvos em comunhão com todos os homens e mulheres que
buscaram a santificação em sua peregrinação terrestre.
3.3. O Louvor de Deus como antecipação do céu
Diante de tudo que foi exposto cabe uma pergunta: qual a
relação do Louvor de Deus, enquanto carisma e regra de vida dos Salvistas, com
o céu e com a eternidade? Esta é a pergunta que será respondida neste último
item. Obviamente, não é possível esgotar a teologia sobre o Louvor e sobre o
céu, mas como que às apalpadelas é possível tocar no mistério revelado mediante
a autocomunicação de Deus sobre o seu Reino (cf. At 17,26-28). Todo o
itinerário percorrido nesta dissertação foi para dar base para responder a
pergunta acima.
A alma humana tem sede de Deus e deseja o Deus vivo, seu
grande anseio é estar na presença de Deus, enquanto vive sua vida terrena louva
a Deus aguardando a contemplação da face do Senhor (cf. Sl 42). O céu, que é a
eternidade junto de Deus, é o sentido da vida humana, e o louvor é um caminho
seguro para este encontro. Este é também o pensamento de Santo Agostinho, que
diz:
“Grande és tu, Senhor, e sumamente
louvável: grande a tua força, e a tua sabedoria não tem limite”. E quer
louvar-te o homem, esta parcela de tua criação; o homem carregado com sua
condição mortal, carregado com o testemunho de seu pecado e com o testemunho
resistes aos soberbos; e, mesmo assim, quer louvar-te o homem, esta parcela de
tua criação. Tu o incitas para que sinta prazer em louvarte; fizeste-nos para
ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti (SANTO
AGOSTINHO, 2020, p. 16).
A essência do Louvor na vida terrena em nada se diferencia
do Louvor vivenciado no céu pela comunidade dos salvos. A única diferença é que
no céu este Louvor é pleno e perfeito, pois não está limitado pelas
vicissitudes humanas. Através do louvor terreno a humanidade participa da
alegria do louvor perene e do dia que não tem ocaso, ou seja, da louvação da
Igreja celeste. Assim afirma a Instrução
Geral sobre a Liturgia das Horas:
Mediante o louvor tributado a Deus
nas Horas, a Igreja se associa àquele hino de louvor que se canta por todo o
sempre nas habitações celestes. Ao mesmo tempo antegoza daquele louvor celeste
descrito por João no Apocalipse e que ressoa initerruptamente diante do trono
de Deus e do Cordeiro. Nossa íntima união com a Igreja celeste realiza-se
efetivamente quando, “em comum exultação, cantamos os louvores à divina
majestade, e todos, redimidos no sangue de Cristo, vindo de toda tribo, língua,
povo e nação (cf. Ap 5,9), congregados numa só Igreja, num só cântico de
louvor, engrandecemos ao Deus Uno e Trino (IGLH 16).
Desde a fundação da Fraternidade Jesus Salvador, o Servo de
Deus Padre Gilberto associou o carisma do Louvor de Deus com o louvor cantado
pelos santos nas moradas celestes. Por isso, ao colocar a acolhida, a unção na
evangelização e a alegria como tripé na regra de vida da comunidade diz que a
“alegria já é entendida como resultado desse louvor, que gera em nós uma
espécie de antegozo celestial, verdadeiro gozo no Espírito Santo de Amor que
nos envolve, inebria e impele” (CONSTITUIÇÕES, 1998, n. 372).
Como dito anteriormente, a passagem bíblica que inspirou o
carisma no coração do Fundador foi Apocalipse 7,12, mas há muitas outras
passagens deste mesmo livro que fala do louvor na eternidade. Entre elas: Ap 4,
6-11, que relata o louvor dos 4 seres vivos e dos 24 anciãos; Ap 19, 1-4, que
traz o louvor de uma numerosa multidão pela justiça de Deus; Ap 7,12 que junto
a 14, 1-5 apresentam o louvor dos salvos. Outras duas passagens dessa Revelação
merecem um pouco mais de atenção, são elas:
Em minha visão ouvi ainda o clamor de
uma multidão de anjos que circundavam o trono, os Viventes e os Anciãos – seu
número era de milhões de milhões e milhares de milhares – proclamando, em alta
voz: “Digno é o Cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a
força, a honra, a glória e o louvor.” E ouvi toda criatura no céu, na terra,
sob a terra, no mar, e todos os seres que neles vivem, proclamarem: “Àquele que
está sentado no trono e ao Cordeiro pertencem o louvor, a honra, a glória e o
domínio pelos séculos dos séculos!” (Ap
5, 11-13).
Saiu do trono uma voz, convidando:
“Dai louvores ao nosso Deus, vós todos, seus servos, e vós que o temeis, os
pequenos e os grandes!” Ouvi depois como que o rumor de uma grande multidão,
semelhante ao fragor de águas torrenciais e ao ribombar de fortes trovões,
aclamando: “Aleluia! Porque o Senhor, o Deus Todo-poderoso passou a reinar!
Alegremo-nos e exultemos, demos glória a Deus, porque estão para realizar-se as
núpcias do Cordeiro, e sua esposa já está pronta: concederam-lhe vestir-se com
linho puro, resplandecente” – pois o linho representa a conduta justa dos
santos (Ap 19, 5-8).
O primeiro texto fala do louvor de toda a criação ao Senhor
e ao Cordeiro, o segundo texto é um convite explícito a todos os servos e
tementes a Deus a louvá-Lo por seu reinado que será estabelecido. Fato
interessante é que a adoração e o louvor dados ao Senhor são demonstração da
submissão de toda a criação ao Senhorio de Deus (cf. CORSINI, 1984, p. 333).
Padre Gilberto, em uma matéria na edição 25 de 1998 do Jornal Uma Nova Unção relatou que
formava os membros da comunidade para que tivessem “os pés na terra, mas o
coração no céu”. O que isso quer dizer? Quer dizer que ele sempre quis mostrar
que o Louvor de Deus vivido aqui é reflexo do louvor na eternidade.
Santo Agostinho no Comentário
aos Salmos, de forma particular no Sermão
ao Povo do salmo 148, faz belíssima explicação sobre o louvor eterno que
começa na vida terrena.
Decorra a vida presente no louvor de
Deus, porque a eterna alegria de nossa vida futura será o louvor de Deus.
Ninguém será idôneo para a vida futura, se de certo modo agora não se exercitar
para isso. Agora, portanto, louvamos a Deus, mas também lhe suplicamos. Nosso
louvor é alegria, nossa oração é gemido. Foi-nos prometido algo que ainda não
possuímos; sendo veraz o Senhor que prometeu, alegramonos na esperança;
entretanto, não tendo ainda o objeto de nossa esperança, gememos cheios de
desejos. É bom perseverar nesses anelos, até que venha o que foi prometido,
passe o gemido, suceda apenas o louvor (SANTO AGOSTINHO, 1998, p. 595).
Só viverá o louvor eterno quem tiver vivido o louvor
terreno. Por isso, faz-se necessário se empenhar para a vivência deste louvor.
Já aqui, deve-se reconhecer aquilo que Deus é para que na eternidade faça isso
na perfeição e plenitude, porque no céu não haverá nada que possa limitar o
louvor.
O Santo de Hipona ressalta que, este louvor não é realizado
apenas por meio de palavras. O louvor deve abarcar todo o ser humano, sua
consciência, sua vida e suas ações, portanto, o louvor não é apenas externo,
mas brota do coração e atinge o ser humano em sua integralidade. Não se louva
apenas no tempo em que se está na igreja e nas celebrações, mas em todo o tempo
se deve viver e proclamar os louvores de Deus. Os santos e os seres celestes
não cessam de louvar a Deus. Enquanto o homem estiver no cativeiro da vida
presente deve louvar a Deus imitando o louvor que acontece na Jerusalém
Celeste, visto que, no céu é que deve estar o seu coração (cf.
SANTO AGOSTINHO, 1998, p.
595-597).
A Liturgia católica é dentre tantas definições a expressão
da fé, isto é, a fé rezada. A oração conclusiva de uma das horas canônicas do
Ofício Divino resume em forma de súplica, o que neste último tópico foi
tratado, o louvor terreno é preparação, antecipação do louvor eterno. A saber:
“Senhor nosso Deus, fonte de salvação, fazei que o testemunho de nossa vida
exalte sempre a vossa glória e mereçamos cantar nos céus vosso louvor
eternamente” (LITURGIA DAS HORAS, p. 976).
Conclui-se, diante de tudo o que foi abordado neste
capítulo, que a Liturgia é de fato cume e fonte de toda a vida cristã, pois
pela Liturgia Cristo se faz presente em meio ao seu povo até que Ele volte
gloriosamente para estabelecer novos céus e nova terra. Por meio da Liturgia a
Igreja dá continuidade à obra salvífica de Deus operada através de Cristo pela
ação do Espírito. A Liturgia forma Cristo na humanidade.
Na Liturgia é atualizado o Mistério Pascal, que faz memória
de toda a história da salvação, por isso é considerada como lugar privilegiado
para o Louvor de Deus, pois celebra o sacrifício de louvor oferecido por Cristo
ao Pai no Espírito Santo. Toda Liturgia, seja dos sacramentos ou sacramentais,
faz memória e torna presente o sacrífico de Jesus. Portanto, toda Liturgia é um
exercício do Louvor de Deus, mas há momentos mais expressivos que manifestam o
Louvor de Deus, são eles: orações de coleta, prefácios, bênçãos, orações
eucarísticas, doxologia, liturgia das horas, adoração aos Santíssimo
Sacramento, orações de intercessão.
Para o Servo de Deus Padre Gilberto, o melhor lugar para
expressar a glória de Deus é na Liturgia, uma vez que é o próprio Filho de Deus
que manifesta a glória do Pai. Ao celebrar qualquer ato litúrgico, o Salvista
se une ao Filho de Deus para louvar ao Pai no Espírito. Por isso, afirma que, o
Louvor é de Deus, isto é, Deus é quem louva através dos seus imitadores.
O objetivo da Liturgia é, sobretudo, a perfeita
glorificação de Deus e a santificação do homem. Neste processo de união a Jesus
na Liturgia é gerada no coração do homem a santificação pessoal, que,
consequentemente, gera a santificação comunitária, dado que quando um membro do
Corpo Místico de Cristo se santifica, ele santifica todo o Corpo. Obviamente,
Deus não santifica ninguém se não houver disposição interior ao celebrar os
mistérios de Cristo numa atitude de Louvor. Deus santifica pela ação do
Espírito Santo, porque quer que todos sejam salvos.
O ponto fulcral de todo este trabalho é tornar
compreensível que, o Louvor de Deus é uma antecipação do céu. Por esse motivo,
foi necessário trilhar todo este caminho para, enfim, compreender que o Louvor
de Deus é reflexo do louvor da eternidade. É uma forma de viver na terra o que
os santos vivem e viverão por toda a eternidade junto de Deus Uno e Trino. Na
peregrinação terrena, o Louvor ainda é imperfeito por causa das limitações humanas,
mas no céu, o louvor é pleno e perfeito. Padre Gilberto tinha total clareza que
na vocação Salvista se experimenta o antegozo celestial, porque vive na terra o
que a comunidade dos salvos vive no céu. O Louvor de Deus une aquele que louva
com Aquele que é louvado, pois o que leva o Salvista a este constante louvor é
o desejo de estar unido à Trindade e, assim, participar de sua vida.
Só viverá o louvor pleno, perfeito e eterno diante de Deus
e do Cordeiro, quem estiver disposto a vivê-lo no cativeiro da vida presente
com a totalidade do seu ser, pois o céu, isto é, estar com Deus, é o sentido da
vida humana e do Louvor de Deus, pois o homem foi criado por Deus e adotado no
Cristo para o louvor e para a glória de sua graça na terra e no céu (cf. Ef 1,
3-10).
CONCLUSÃO
Diante de todo o itinerário percorrido ao longo deste
trabalho monográfico é possível concluir que, o carisma do Louvor de Deus é, de
fato, um dom dado gratuitamente pelo Espírito para a edificação e santificação
do Corpo Místico de Cristo, isto é, a Igreja. Se o Louvor de Deus, sendo graça
do Espírito, santifica quem louva e a comunidade na qual está inserido, ele
prepara para o céu, para a comunhão na comunidade dos salvos que louvam e
louvarão a Deus pelos séculos sem fim.
Para alcançar o céu, que é a comunidade dos salvos em plena
comunhão com a Trindade, é preciso durante a vida terrena buscar a santidade.
Aqueles que nesta vida buscam corresponder ao chamado à santidade realizado por
Deus, começam, por assim dizer, a caminhar em direção à vida eterna junto de
Deus, que é o fim último de toda a criação. Deus é o céu para quem o alcança, o
purgatório para aqueles que precisam ser purificados para estar na presença de
Deus por toda a eternidade, e o inferno para os que decidiram livremente viver
longe de Deus.
Porém, para se chegar a qualquer um destes destinos é
preciso passar pela morte, que a partir da morte de Jesus ganha novo e
verdadeiro sentido. Deus criou a humanidade para estar com Ele na eternidade e
a morte é a passagem para este encontro glorioso. Neste encontro glorioso
acontecerá o juízo particular que, determinará o destino da alma imortal. As
almas que forem para o purgatório aguardarão a sua purificação para entrar no
céu. Todos, mortos e vivos, aguardam a Parusia, momento em que acontecerá o
juízo universal, para que a sentença definitiva seja pronunciada pelo Senhor e
os salvos serão ressuscitados pelo Senhor.
A communio sanctorum
vive em uma atitude de Louvor eterno e os Salvistas, ao viverem o seu carisma,
querem, de acordo com as inspirações de seu Fundador, imitar Jesus em tudo, de
forma particular, no seu Louvor ao Pai no Espírito Santo.
Deste modo, imitando Jesus aqui na terra, na Liturgia e na
vida, se unirão com Ele e com todos os seus anjos e santos no céu, para se
associarem aos seus louvores, plena e perfeitamente, e, assim, proclamar a
glória de Deus por toda a eternidade, onde viverão felizes no Reino que para
todos Ele preparou.
REFERÊNCIAS
BASÍLIO DE CESAREIA. Tratado sobre o Espírito Santo. São
Paulo: Paulus, 1998.
BENTO XVI. Carta Encíclica Spe Salvi. São Paulo:
Paulinas, 2008.
BETTENCOURT, D. E. A vida que começa com a morte. Rio de
Janeiro: Agir, 1955.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São
Paulo: Paulus, 2002.
BÍBLIA DO PEREGRINO NOVO
TESTAMENTO. São Paulo: Paulus, 2005.
BORN, A. V. D. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 2ª
ed. Petrópolis: Vozes, 1977.
BRUSTOLIN, L. A. Esperar
a salvação: a escatologia de Hans Urs von Balthasar. São Paulo: Paulus,
2019.
CATECISMO DA IGREJA
CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000.
CATECISMO DE SÃO PIO X. 2
ed. Gráfica e editora América LTDA, Goiania, 2015.
CIPRIANO DE CARTAGO. Obras Completas I. São Paulo: Paulus,
2016.
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. Algumas questões atuais em escatologia.
1990. Disponível em: <https://www.vatican.va/roman_curia/ congregations
cfaith/cti_documents/rc_cti_1990_problemi-attuali-escatologia _sp.html.> Acesso em: 17 de abr. de 2021.
CONGREGAÇÃO PARA A
DOUTRINA DA FÉ. Carta sobre algumas
questões
respeitantes
à escatologia. 1979. Disponível em: <https://www.vatican.va/roman_
curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19790517_escatologia_po.
html> Acesso em: 17 de abr. de 2021.
CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA
CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Partir de Cristo. São Paulo: Paulus; Loyola, 2002.
CONSTITUIÇÕES DO
INSTITUTO MISSIONÁRIO SERVOS DE JESUS SALVADOR. São Paulo, 1995.
CONSTITUIÇÕES DO
INSTITUTO MISSIONÁRIO SERVOS DE JESUS SALVADOR. São Paulo, 1998.
CONSTITUIÇÕES DO
INSTITUTO MISSIONÁRIO SERVOS DE JESUS SALVADOR. São Paulo, 2014.
CORSINI, E. O Apocalipse de São João. 2. ed. São
Paulo: Paulinas, 1984.
COSTA, D. H. S. da. Escatologia: sobre o fim do mundo. 4.
ed. Lorena: Cléofas, 2018.
COTHENET, E. As Epístolas de Pedro. São Paulo:
Paulinas, 1986.
DEFINA, G. M. Uma vocação de louvor e santidade.
Cachoeira Paulista: Canção Nova, 2016.
______. De que cor é o
céu? Uma Nova Unção. São Paulo:
Junho n. 25, p. 1-2, 1998.
DI SANTE, C. Israel em oração. São Paulo: Paulinas,
1989.
DIRETÓRIOS DO INSTITUTO
MISSIONÁRIO SERVOS DE JESUS SALVADOR.
São Paulo: Edições
Salvistas, 2021.
DOCUMENTOS DO CONCÍLIO
VATICANO II. Constituição Dogmática
Lumen Gentium. São Paulo: Paulus, 2001.
______. Constituição
Sacrosanctum Concilium. São Paulo: Paulus, 2001.
______. Decreto
Apostolicam Actuositatem. São Paulo: Paulus, 2001.
______. Decreto Perfectae Caritates. São Paulo:
Paulus, 2001.
FIGUEIREDO, D. F. A. Introdução à patrística. Petrópolis:
Vozes, 2009.
FLORES, J. J. Introdução à Teologia Litúrgica. São
Paulo: Paulinas, 2006.
GALOT, J. O coração eucarístico. São Paulo:
Loyola, 1986.
HAHN, S.; MITCH, C. As cartas de São João e o Apocalipse. Campinas:
Ecclesiae, 2020.
JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Dominum et vivificantem.
São Paulo: Paulinas, 1986.
KEARNS, L. A teologia da vida consagrada.
Aparecida: Santuário, 1999.
LACOSTE, J. Y. Dicionário Crítico de Teologia. 2. ed.
São Paulo: Paulinas; Loyola, 2014.
LITURGIA DAS HORAS. v.
I. Rio de Janeiro: Vozes; Paulinas; Paulus; Ave Maria, 1999.
MARSILI, S. A liturgia: Momento histórico da
salvação. São Paulo: Paulus, 1986.
MCKENZIE, J. L. Dicionário bíblico. 10. ed. São Paulo:
Paulus, 2011.
MESTERS, C.; OROFINO, F. O Credo. Aparecida: Santuário, 2019.
MISSAL ROMANO. São Paulo:
Paulus, 1992.
NOCKE, F.J. Escatologia. In: SCHNEIDER, T. (Org.). Manual de Dogmática. V. 2.
5. ed. Petrópolis: Vozes,
2012.
PAPA FRANCISCO. Audiência Geral – Catequese 21 – A oração de louvor.
2021. Disponível em:
<https://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2021/ documents/papa-
francesco_20210113_udienza-generale.html> Acesso em 21 de out. de 2021.
______. Exortação
Apostólica Gaudete et exsultate. São Paulo: Paulinas, 2018.
PASSOS, J. D.; SANCHEZ,
W. L. Dicionário do Concílio Vaticano
II. São Paulo: Paulus, 2015.
PIO XII. Carta Encíclica Evangelii Praecones. 1951. Disponível em:
<https://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_pxii_enc_02061951_evangelii-praecones.html>
Acesso em 11 de out. de 2021.
RATZINGER, J. Escatologia: morte e vida eterna. São
Paulo: Molokai, 2019.
REID, D. G. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. São
Paulo: Loyola, 2013.
RITUAL DE BÊNÇÃOS. São
Paulo: Paulus, 1990.
RODRÍGUEZ, A. A.; CASAS,
J. C. Dicionário teológico da vida
consagrada. São Paulo: Paulus, 1994.
RUSCONI, C. Dicionário
do grego do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2003.
SANTO AGOSTINHO. Comentário aos Salmos. São Paulo:
Paulus, 1998.
______. Confissões. São Paulo: Paulus, 2020.
SANTOS, Â. F. G. R. O purgatório na escatologia católica. 2015.
67 f. Dissertação (Mestrado em Teologia) - Faculdade de Teologia, Universidade
Católica Portuguesa.
Braga, 2015. Disponível em:
<https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18719/1/ Disserta%C3
%A7%C3%A3o%20- %20Purgat%C3%B3rio.pdf> Acesso em: 15 de jul. de 2021.
SARTORE, D.; TRIACCA, A. Dicionário de Liturgia. São Paulo:
Paulus, 1992.
SESBOÜE, B. et al. O Homem e sua Salvação. Tomo 2. 3. ed.
São Paulo: Loyola, 2003.
STRONG’S GREEK. Eulogéo.
Disponível em: https://biblehub.com/greek/2127.htm> Acesso em 23 de set. de
2021.
STRONG’S HEBREW. Barak.
Disponível em:
<https:biblehub.com/str/hebrew/1272.htm>
Acesso em 22 de set. de 2021.
______. Halal.
Disponível em: <https:biblehub.com/str/hebrew/1984.htm> Acesso em 22 de
set. de 2021.
______. Shabach.
Disponível em: <https:biblehub.com/str/hebrew/7623b.htm> Acesso em 22 de
set. de 2021.
______. Tehilah.
Disponível em: <https:biblehub.com/str/hebrew/8416.htm> Acesso em 22 de
set. de 2021.
______. Todah.
Disponível em: <https:biblehub.com/str/hebrew/8426.htm> Acesso em 22 de
set. de 2021.
______. Yadah. Disponível
em: <https:biblehub.com/str/hebrew/3034.htm> Acesso em 22 de set. de
2021.
______. Zamir.
Disponível em: <https:biblehub.com/str/hebrew/2167.htm> Acesso em 22 de
set. de 2021.
TANQUEREY, A. Compêndio de teologia ascética e mística. São Paulo: Cultor de Livros, 2017.
TEXTOS FUNDAMENTAIS PARA
A VIDA CONSAGRADA. Exortação Apostólica
Pós-Sinodal Vita Consecrata. Brasília: CNBB, 2015.
VOEGELIN, E. Helenismo, Roma e Cristianismo Primitivo:
História das Ideias Políticas. São Paulo: É Realizações, 2012.
BIBLIOGRAFIA
COMPLEMENTAR
BENTO XVI. Jesus de Nazaré – do batismo no Jordão
à transfiguração. São Paulo: Planeta, 2020.
BENTO XVI. Jesus de Nazaré – da entrada em
Jerusalém até a Ressurreição. São Paulo: Planeta, 2020.
CANTALAMESSA, R. O Espírito Santo na vida de Jesus. São
Paulo: Loyola, 2015.
DENZINGER, H. Compêndio
dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. 3. ed. São Paulo:
Paulinas; Loyola, 2015.
SÃO JOÃO PAULO II. Cruzando o limiar da esperança. Depoimentos
a Vittorio Messori. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 24.
ed. São Paulo: Cortez, 2016.